Capítulo 9: Revelações
Na sala, o professor nos passou um trabalho com vários temas aleatórios polêmicos, que foram sorteados na hora. E o nosso foi justamente sobre homossexualidade. Teríamos que fazer uma pesquisa sobre o tema para conseguirmos elementos para a explanação e defesa do tópico, pois tudo funcionaria como se fosse um verdadeiro debate.
Camila, parecendo preocupada, logo indaga-nos:
-- Como vamos falar sobre isso? Não conheço nada sobre o assunto e nunca tive qualquer contato com alguma pessoa homossexual.
Gabi olhou pra mim nesse momento, como que me pedindo que me manifestasse a respeito e esclarecesse que a solução era mais fácil que ela poderia imaginar, pois existia duas pessoas com essa condição no próprio grupo de trabalho: eu e Ari, que ao mesmo tempo que jogávamos no time adversário também fazíamos parte do mesmo time.
Mas não sei mesmo o que estava acontecendo comigo. Nunca tive problemas para me assumir a quem quer que fosse, porém com ela me sentia totalmente inibida. Não fui capaz de reagir e Gabi até me olhou espantada nessa hora. Ela me conhece e sabe que não deixo nada barato em relação a esse assunto. Já briguei mais de uma vez com esses playboyzinhos metidos a homofóbicos e não tinha mesmo problema nenhum em afirmar até ao papa que era lésbica e com muito orgulho.
Na verdade, acho que era puro medo de que ela se afastasse de mim ao descobrir minha realidade. Sei que não faz o menor sentido, pois além dela não me parecer preconceituosa a esse ponto, sempre prezei a verdade acima de qualquer coisa, pois acredito que não devemos nos envergonhar de nada que não seja falta de caráter. E além disso, homossexualidade é claramente mais uma condição que uma verdadeira escolha.
Voltando a realidade e diante da minha inércia repentina, Gabi resolve tomar a frente na conversa:
-- Não se preocupe Camila, ainda temos tempo para resolver isso, mais de um mês. Então fique tranqüila, que vamos dar um jeito de resolver essa questão.
O assunto ficou por isso mesmo e, depois do término das aulas, fui-me embora para casa novamente. E, para não perder o costume, que mesmo que quisesse, duvido que conseguiria, Murphy daria as caras novamente aquele dia.
Quando venci as poucas quadras que tive que andar para chegar ao meu lar, depois que sai do ônibus que me trouxe de volta, eis que me deparo com meu irmão Fernando me esperando na porta do meu apartamento, com os olhos vermelhos, como se tivesse chorado horrores.
Respirei fundo, pois sabia que vinha chumbo grosso pela frente. Entramos e ele logo foi disparando:
-- Sophia, Andréia terminou nosso casamento... – foi só o que disse, antes de cair num choro desesperado.
Estava totalmente atônita, pois além de nunca ter visto meu irmão chorar antes, achava o casamento deles perfeito, igual aqueles de comerciais de margarina, sabe?
Depois que ele conseguiu se recuperar parcialmente, me contou que ela tinha informado a ele que simplesmente havia se apaixonado por outro e que queria encerrar o casamento de seis anos que possuíam, assim, sem mais nem menos.
Não pude deixar de ficar chocada com tudo que ele me falou, ainda mais quando despreocupadamente, me comunicou que por causa disso iria ficar por um tempo indeterminado em minha casa, até resolver sua situação. E, como se não bastasse, ainda me informou que não dormiria no sofá e, portanto, como somente havia um quarto e um colchão em meu apartamento, pretendia dividir a cama comigo. Veja bem até onde vai a cara de pau de meu irmão mais velho. Mas não poderia discordar com ele naquele estado. E até que não seria um problema tão grave, já que estava solteira no momento, não fosse pelo fato dele roncar pra cacete.
E é claro que EU tive que ir para o sofá, porque simplesmente era impossível dormir com aquele trator ambulante ao lado. O barulho era tanto que por uns momentos até cheguei a compreender Andréia e a pensar que ela teria razão em trocá-lo por outro, se este não roncasse tão alto assim. Que isso Sophia? Isso é hora de ter um ataque a lá Cruella De Vil?
**********
Nos dias que se seguiram Camila, eu e Gabi estreitamos ainda mais nossos laços de amizade, mas ainda continuava com pavor de contar-lhe a respeito da minha sexualidade. Além disso, mesmo após quase uma semana, o folgado do meu irmão não havia ainda se tocado e continuava no meu apartamento e na minha cama, como se fosse ele o dono da casa.
Estava tentando manter a calma e a compreensão com aquele, que era além de irmão, um grande amigo, mas mesmo possuindo uma enorme paciência, não era nada agradável ter que ficar dormindo no sofá e acordar com dor nas costas todo dia.
Até pensei em comprar um colchão e expulsá-lo da minha cama, mas se bem conheço aquela peça, aí é que ele nunca mais deixaria meu apartamento. Será que todos os homens são tão folgados assim? Não conheci muitos intimamente, mas meu pai e meu irmão sempre foram e me levaram a acreditar que essa deve ser uma característica comum a essa classe.
Voltei ao trabalho com o término dos dias de repouso, já sem a bota no tornozelo, que havia melhorado consideravelmente, mas o gesso ainda precisaria ficar por mais uma semana.
E os dias foram seguindo com sua normalidade característica. Mas, Murphy sempre me enviava sinais de que continuava de olho nos meus passos, principalmente quando o objeto mais inanimado que existe parecia ter movimento suficiente para surgir na minha frente e provocar uma canelada ou ainda aqueles malditos esbarrões no dedo mindinho do pé. Vocês sabem que dói pra caramba, né?
**********
Nas conversas posteriores com Camila, descobri que ela veio de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais e que tinha deixado lá um namorado, o Pedro, mas que eles tinham combinado de se verem pelo menos de 15 em 15 dias, se revezando nas viagens, e que esse final de semana ele viria. Não pude evitar sentir um certo desconforto com a notícia, que estranhamente me abalou.
Camila também me contou que no dia que nos encontramos, no meio daquele matagal, ela tinha ido dar uma de Sherlock Holmes e estava vigiando o namorado, que se encontrava por essas bandas. Tudo isso porque recebeu uma ligação anônima, dizendo que ele estava a traindo e que se encontrava exatamente naquele lugar no meio do nada. E, sem pensar, ela foi ao local indicado para tirar a prova dos nove, mas não encontrou nada, a não ser a minha pessoa, aquele bicho do qual fugimos desesperadamente e o tal barranco no qual caímos.
Ah! Finalmente tirei aquele gesso no sábado de manhã. Só quem já passou pela experiência sabe o quanto incomoda. Para comemorar, acabei combinando com a Marcela de fazermos um programa leve, cinema e barzinho, para relaxarmos um pouco, já que estávamos solteiras no momento. Como sempre, foi extremamente agradável a companhia da minha amiga e demos altas risadas, principalmente das minhas desgraças, afinal, depois que passa, elas ficam mesmo extremamente hilárias.
O meu irmão, depois de uma indireta meio direta que dei nele, alugou um apartamento e pude voltar a ter minha liberdade novamente. Não encontrei mais com Amanda depois do término da nossa relação e, estranhamente, não estava sentindo tanto aquela ausência. Pensava que iria morrer quando nos separássemos, mas estava conseguindo lidar com tudo esplendorosamente bem.
Na segunda-feira, ao chegar na sala de aula da faculdade, fiquei surpresa ao encontrar uma Camila triste e cabisbaixa. Achava que ela estaria exalando felicidade pelos poros, por causa da visita do seu namorado. Tentei descobrir se algo tinha acontecido, mas ela somente me deu respostas vagas e acabei desistindo. Sabia que algo estava errado, mas não gosto de pressionar as pessoas, cada uma tem seu tempo e iria esperar, quando, e se ela quisesse revelar o que estava se passando com ela.
Os três dias seguintes foram de certa forma muito tranquilos para meu padrão. Os únicos envios de Murphy que recebi, foram as incontáveis partículas voadoras que decidiram tomar como vítima principal meus olhos e, portanto, tive uma irritação bem forte, que me levou novamente ao hospital. Além disso, todos os documentos e objetos que por ventura precisava, simplesmente desapareciam misteriosamente. Os deixava em um lugar, mas eles resolviam passear por aí e só os encontrava quando não eram mais necessários. Por causa dessa trégua, não pude deixar de pensar que Murphy deveria estar atazanando outra pobre alma por aí. Mas antes ela que eu, né gente?!
**********
Na sexta-feira a noite, vim a saber o que tinha de fato deixado Camila naquele estado. Ela descobriu que o canalha do namorado a traía descaradamente. Quando foram jantar num restaurante no sábado a noite, ela pegou o calhorda se esfregando com uma garçonete na porta do banheiro. E, segundo ela, ele ainda teve o descaramento de dizer que não era nada daquilo e que a amava. Por favor, né! Isso não me desce, quem ama, definitivamente, não trai a pessoa com qualquer um que aparece.
Tentando descontrair o ambiente, que tinha ficado pesado com todas aquelas revelações, Gabi entrou novamente no assunto do trabalho sobre a homossexualidade, e vi aí a chance de me revelar para Camila.
Achei realmente justo, principalmente depois de tudo que nos confidenciou de sua vida. E, criando coragem, comecei a falar como se estivesse pisando em ovos:
-- Então Cá, aproveitando o embalo de todas essas revelações que você fez pra gente, resolvi também te contar algo que ainda não tive coragem, mas que está me fazendo mal esconder de você.
Ela me olhou curiosa, mas não falou nada, só ficou esperando minha continuação.
-- Sabe, não queria que me julgasse mal, nem que perdêssemos essa amizade tão legal que surgiu entre nós, nesse tão curto período de tempo, por isso toda essa hesitação da minha parte – disse, tentando claramente adiar o momento.
Mas, como estava extremamente nervosa, suando frio em vários locais do meu corpo, além da minha gastrite já estar dando as caras, disparei rapidamente:
-- Sou lésbica! É isso... Precisava que você soubesse. E... se não quiser mais ser minha amiga procurarei entender – disse pausadamente, tentando amenizar o impacto da notícia. Mas logo me senti aliviada por finalmente ter tirado esse peso das costas. Ter segredos escondidos não é muito agradável a meu ver.
Fiquei esperando ansiosamente pela reação da Camila, tentando recomeçar novamente minha mania da adolescência de roer as unhas. Mas como eu não tinha nenhuma, só o que pude fazer mesmo foi observar a face de Camila completamente surpresa com o que havia revelado.
Fim do capítulo
Aproveitem, porque hoje estou dando risada até de piada sem graça. (Como se isso não fosse normal autora!)
Não achei esse capítulo muito legal, mas a meu ver era necessário para não deixar lacunas na história e suportar acontecimentos posteriores. (não desistam que vai melhorar).
Então, viram né? A Camila é hétero e nunca teve contato algum com a homossexualidade. Como será que reagirá a tudo isso? Pois é, gosto de ser do contra e quis complicar e empacar um pouquinho mais a história de amor, sabe! rsrs..
Aproveito também para agradecer a todas que estão acompanhando e me alegrando com seus comentários.Muito obrigada. Até semana que vem.
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rhina
Em: 09/03/2017
Ah dona autora és hilária
hey. ...além de autora és comediante free lance?????
Demais
rhina
Resposta do autor:
Se está se divertindo, isso que é importante, mas não sou comediante não. Podia ter feito umas comédias standy up uns anos atrás, acho que tinha um futuro promissor, mas perdi mesmo a chance, Rhina. Agora não tenho mais graça, mas o bom é que deu pra divertir os amigos, já valeu a pena :) E se vocês lendo também dão umas risadas tornando o dia mais leve, minha missão foi concluída com sucesso.
Mag Mary
Em: 05/12/2016
Estou ansiosa pra saber a reação da Camila, espero que seja natural, como devia ser sempre né.
Bjus
Resposta do autor:
Olá Mag Mary! Acredito que a reação de Camila foi positiva, ela parece bem aberta nesse quesito. Deveria ser sempre assim, concordo com você. Obrigada pelo retorno que tem me dado, incentiva muito. beijoo
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Mille
Em: 03/11/2016
Olá Dani
Parece que a vida da Sophia deu uma parada com Murphy.
E a verdade não irá abalar a Camila, ela parece ser uma pessoa boa.
Aguardar o próximo capítulo.
Bjus e até lá.
Resposta do autor:
Olá Mille!
Murphy as vezes cansa, nesse deu uma trégua pra coitada da Sophia, vamos deixar ela aproveitar o momento antes que ele acabe né kkkk
Camila é uma boa pessoa sim, acredito que aceitou bem a verdade sobre Sophia, foi legal da parte dela.
Novamente agradeço a presença e comentário, Mille. Beijoo. Até o próximo.
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Tatta
Em: 03/11/2016
Aguardando ansiosamente o desenrolar da história e o romance começar! Afinal, quem esperou um ano, espera mais um pouquinho, ne autora? rsrsrsrsrsrsrs ;)
E espero sinceramente que Camila não seja escrota na reação quanto a novidade sobre Sophia... Mas né vamos aguardar...
Abraços!
Resposta do autor:
Olá, Tatta! Desculpe a demora, mas vou postar religiosamente agora até o final. Não tem muito romance porque é uma história insana mesmo, já vou avisando. Kkkkk Espero que não desista por isso.
Camila foi bem simpática até com a descoberta, achei tranquilo da parte dela, pelo que me lembro.. Obrigada pela presença e carinho. Até o próximo. Beijoo.
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