A viagem demorou algumas horas a mais do que Manuela havia calculado. Ela não possuía experiência com voos internacionais, e sabia que deveria ter perguntado a sua chefe. Talvez tenha sido por isso que Carolina concordou tão rapidamente com o novo horário de voo. Sentiu-se levemente envergonhada, sabia que poderia errar em algum momento, mas não gostaria de ter feito isso exatamente em sua primeira viagem. E o mais estranho era, por que Carolina não se pronunciou?

 Já era de madrugada quando elas adentraram a recepção do hotel, onde ocorreria o congresso. Manuela esperava que o recepcionista falasse inglês por que se dependesse dela no português, estaria perdida. Mas para sua surpresa, Carolina adiantou-se, conversando em português com o rapaz, onde ela havida aprendido a falar o idioma? Era a pergunta que Manu estava fazendo. Carolina notou a cara de Manuela e sorriu para a jovem, voltando a falar em seu idioma de origem.

- Bem Senhorita Fernandes, parece que temos um pequenino problema...

- E qual seria Senhorita Portman? – Devolveu a graça.

- Estamos no mesmo quarto e ao que parece, não há mais vagas disponíveis, até o fim do congresso. – Carolina falou tudo muito calmamente, não demonstrando nenhuma emoção naquela frase. Manuela olhou para Carolina e depois o jovem rapaz na recepção, mas não sabia o que falar.

§

Enquanto isso na badalada “TwoNights”, um certo alguém bebia descomunalmente. Ao fundo as músicas eletrônicas era quem ditava o ritmo, ritmo este, que não embalava aquele jovem coração. Não estava completamente alcoolizado, mas já sentia a perda dos reflexos em seu corpo. Ao longe uma bela loira olhava para o balcão atenta a tudo que se passava, contudo não parou de dançar com o homem, que nem sabia o nome, mas lhe tinha convido para a pista. Em um curto momento os olhos se cruzaram, e aquela faísca de ironia se fez presente. Félix ergueu o copo para Ana e após isto, voltou-se para a pancada do bar.

- Ora, ora! O que o Senhor engomadinho está fazendo aqui? – Disse em seu ouvido.

- Então é assim que você me chama carinhosamente, “Senhor engomadinho”? – Disse irônico. – Do que mais você me chama, quando está deitada? – Olhou-a profundamente.

- Hã! Hã! Hã! Sabe qual é o seu problema? Você é sem graça, e quando tenta ser engraçado é uma desgraça!

- Ao contrário da sua amiga, eu imagino! – Félix voltou seu olhar para o copo, agitando-o e bebendo logo em seguida.

- Carol é uma pessoa muito especial, ela não precisa tentar... Ela é. – Falou acompanhando a mão de Félix que pedia outra dose. – Se continuar assim, você não irá muito longe! – Referiu-se a bebida.

- Sabe quando você encontra a pessoa perfeita? Quando a olha dormir e fica imaginando uma vida maravilhoso ao lado dela? – Ana o olhou – Mas por mais que você tente, por mais que queira... O coração dela não está com o seu...

- E então você resolve as coisas bebendo? – Diz sarcástica e Félix sorri irônico.

- Como se você não bebesse e caísse na farra toda a noite!

- Sim, mas meu caso é diferente! Faço isso porque gosto, porque não devo satisfações a ninguém... Não tenho compromisso com nada além de mim e meu trabalho!

- Olha ela trabalha! E posso saber no que?

- Não é da sua conta! E vamos pra casa, que você já encheu demais essa cara engomada... – Sem dizer mais nada Ana puxou Félix pelo braço, indo em direção à saída. O rapaz bem que tentou argumentar, mas sua situação não ajudava. – Onde está seu carro?

- E por que não pega o seu?

- Porque vim de táxi! Me da essa chave logo! – Estendeu o braço esquerdo, enquanto o direito ainda segurava o braço de Félix.

Félix não teve muita opção, além de fazer o que ela queria. Ana não sabia por que estava agindo daquela forma, até então, a única pessoa que despertava esse instinto nela era Carolina, nem mesmo a Dani. Quando o rapaz disse onde morava, Ana aproveitou e o xingou mais um pouquinho.

- Você já tá com quase trinta anos e ainda mora com os pais? Por favor... Vamos evoluir né! – Mas o rapaz nada respondeu, pois estava pensando no que Ana havia falado. Manu sempre falava disso, mas até agora Félix não havia escutado.

Ao chegarem à mansão dos pais de Félix, Aninha o ajudou a subir até o quarto. Vendo que ele não teria condições, pois o álcool já havia dominado aquele belo corpo, deu banho nele. Depois que o vestiu, colocou-o deitado na cama e pegou sua bolsa, tirou um comprimido dela e escreveu em um bloco que tinha dentro da bolsa.

Quando Félix levantou para ir ao banheiro notou que estava com outra roupa, assim que lembrou do que havia acontecido, ficou morrendo de vergonha, pois ela o tinha visto pelado.

- É Félix dessa vez você se superou! – assim que tirou as mãos do rosto visualizou um comprimido, juntamente com uma folha. – “Quando acordar tome esse comprimido, e pode ficar tranquilo... Já vi maiores, Senhor engomadinho!” – Leu em voz alta. – Então a “Miss bumbum” é médica? – Falou analisando a folha que era usada para dar atestados. – Por isso essa letra horrível! – Sorriu ao constatar que ela havia cuidado dele.

§

Carolina vendo como Manuela havia reagido ao saber daquilo, sentiu-se mal, pois em sua cabeça a Manuela não queria dividir o mesmo espaço que ela. No entanto a frustração de Manu era devido ao erro que havia cometido, tanto com o horário como com a hospedagem. Contudo antes que Carol falasse algo, Manuela se pronunciou.

- Desculpe-me... Errei o horário e as reservas para nos hospedarmos! –Falou abaixando a cabeça.

- Era nisso que estava pensando? –Manu assentiu com a cabeça. – Tudo bem Manuela, não precisa ficar com essa cara. É normal, afinal você nunca programou uma viagem dessas antes!

- Então por que você não interveio?- Perguntou curiosa.

- Existem coisas que nós aprendemos somente errando... Você poderia ter pedido minha ajuda, mas não o fez. Foi uma escolha sua... Errada? Talvez, mas agora é o que temos... E teremos que saber lidar com ela. – Manuela olhou para Carol, mas não tinha certeza se era da viagem que sua chefe falava.

Elas andaram em direção ao quarto, que na verdade eram várias cabaninhas em madeira, todas com um pequeno jardim na frente, afastadas dois metros umas das outras. O lugar era lindo! Manu nunca havia visto um hotel naquele formato, tão simples e aconchegante. Possuía um amplo teatro em um bloco mais retirado e a área de lazer era contemplada com uma imensa piscina, com vários quiosques distribuídos dentro e fora da água. Mas o que mais chamava a atenção era o verde do lugar, plantas que a moça nem sabia que existia contemplavam seus olhos.

- Nossa... – Foi só o que saiu de sua boca.

- É lindo, não é? – Falou Carol, olhando para Manuela.

- Muito! Agora entendo o porquê, do congresso ser aqui... A ecologia emana nesse lugar.

Assim que elas entraram, perceberam como o lugar era encantador... Possuía uma enorme cama de casal, um sofá acolhedor com uma TV de frente, o banheiro não deixava por menos, espaçoso e com hidromassagem. As malas foram postas no chão da entrada, deixando assim as duas a sós. Manu olhou para a cama e depois para a Carolina, que percebeu o olhar da moça.

- Ok... Eu fico com o sofá. – Disse arrumando as malas.

- Nem pensar! Somos adultas o suficiente para dormirmos na mesma cama. – Falou olhando para a Carolina, que estava de costas para ela.

- Olha Manuela, o fato de sermos adultas não quer dizer que posso dormir com você! – Respondeu voltando-se para a moça.

- E por que não?

- Porque não seria saudável para minha sanidade mental... – Olharam-se profundamente. – E nem tente querer ficar com o sofá! – Falou séria, mas Manuela achou linda a cara que ela fez.

- E se eu te pedisse para dormir comigo? – Desafiou-a.

- Não me responsabilizaria por sua roupa! – Carol viu um estranho brilho no olhar de Manu.

- Só pela roupa? – Era nítida a provocação de Manuela.

Carolina pegou sua toalha e foi para o banheiro sem nada a dizer, mas também o que poderia falar. Manuela às vezes tinha ações, que faziam Carolina duvidar se ela realmente não se lembrava de algo. Quando terminou de tomar banho notou que só tinha pegado a toalha, o que a fez respirar fundo, pois teria que sair enrolada nela. Assim que abriu a porta os olhos de Manu foram de encontro a ela, contudo continuou seu caminho sem se importar. Vestiu o leve calçãozinho de malha branco, por baixo da toalha e depois pegou uma enorme camiseta com a estampa do número 69 nas costas. “Sugestivo”, pensou Manu ao olhar o número. Carolina ficou todo o tempo de costas para ela, o que fez a moça observar uma cicatriz que a Carol possuía. Era uma linha fina, porém perceptível de longe, que estava localizada entre o ombro direito e o pescoço, descendo em diagonal. Outra coisa que Manu notou, foi que sua chefe, possuía uma tatuagem no lado esquerdo das costas e provavelmente se estendia até menos da metade do abdome. Mas como Carolina havia sido rápida, na troca da tolha para a camiseta, não deu para a Manuela se atentar a todos os detalhes. Manu lembrou-se de ter encontrado no meio de suas roupas, um conjunto parecido com este que sua chefe usava, mas o número era diferente. Sem dúvida alguma... Carolina estava sexy aos olhos de Manu.

- Então é assim que a diretora da "Arqui'Corporation" dorme?

- O que esperava? Luxo? – Esboçou um sorriso, pela constatação que Manuela fez.

- Você não parece uma grande executiva de renome...

- Nunca quis ser isso... Meu sonho era só projetar, mas alguém tem que sentar na cadeira e tocar tudo. Mas conforme o tempo passa, aprendo cada vez mais a amar o que faço. Por isso meu pai não se desligou completamente da empresa, para que assim, eu possa continuar a projetar.

- Quantos segredos mais você esconde, Senhorita Portman? – Encarou os olhos de Carolina.

- O suficiente para despertar a sua curiosidade! – Sorriu para ela e foi em direção ao sofá. – Os olhas de Manuela estavam atentos a todos os gestos de Carolina.

- Então vai mesmo dormir aí?

 - Você vai me pedir para dormir com você? – Devolveu a pergunta, mas Manuela desconversou.

- Minha hora de tomar banho... – Pegou suas coisas.

- Manuela aproveite para descansar amanhã, pois a abertura do congresso será as vinte e uma horas, o que nos dará um tempinho pra se acostumar com esse fuso horário.

- Como quiser Senhorita Portman! – Manu entrou no banheiro, mas Carolina não ouviu a porta ser trancada.

- Tá me testando só pode! – Resmungou ajeitando-se no sofá.

Assim que Manuela saiu do banho esperava ver os olhos de Carolina em sua direção, mas para seu desapontamento a jovem já estava dormindo há muito tempo. Manuela foi calmamente até ela e ficou há olhando, como seria dormir em seus braços? Pensou... E novamente a gargantilha no pescoço de Carol chamou sua atenção.

- O que será isso... Que você não tira desse pescoço? – Era a pergunta que ficou nos pensamentos de Manu, até que o sono chegasse.

Fim do capítulo