Pentimentos por Cidajack
Capítulo 30 - Cap 27.2
VINTE E SETE
PARTE DOIS
disclaimer no capítulo UM
"Touch if U will my stomach
Feel how it trembles inside
U've got the butterflies all tied up
Don't make me chase U
Even doves have pride
How can U just leave me standing?
Alone in a world so cold? (World so cold)
Maybe I'm just 2 demanding
Maybe I'm just like my father 2 bold
Maybe you're just like my mother
She's never satisfied (She's never satisfied)
Why do we scream at each other?
This is what it sounds like
When doves cry"
When a Doves Cry (Prince)
Rebecca enviou o portfólio e currículo de Norah Vilhena para Clara. Também contou sua reunião com a consultora. Contou tudo, inclusive as cantadas.
- Pouco profissional da parte dela, não acha?
- Claro que achei. Porém, o currículo dela é extremamente recomendável, por seu know how como executiva.
- Sim. Como consultora está meio em branco ainda, mas como executiva está bem elaborado. Que acha?
- Não chequei as empresas; mas penso que alguém precisa dar a ela a chance que precisa. - Becky respondeu com teimosia.
- E temos que ser as primeiras?
- Clara, por acaso não estamos sendo as primeiras também?
- Por isso precisamos de experiência....
-... que ela tem em empresas.
- Chequei duas empresas, as quais têm convênio com a Dra. Luciana e apenas ouvi "nada que desabone"; porém sem qualquer tipo de enaltecimento ou profundidade profissional.
Rebecca ficou em silêncio e Clara sentiu que o bom coração da loirinha estava querendo ceder. Na verdade, a secretária não gostou da cantada que Becky contou. Por mais que a relação dela com a doutora estivesse em suspenso, a simples possibilidade de uma intromissão que chegasse aos ouvidos da médica, poria tudo a perder.
- Rebecca, essas duas empresas são de grande porte; grandes budgets; isto, por si, representa que experiência em lidar com dinheiro e acionistas ela tem. - Clara ponderou em consideração ao impasse que tomava conta da jovem diante da situação.
- Isso é bom, não é? - a pergunta pareceu muito inocente diante da nova vida de empresária que a jovem estava começando.
- Você a viu; qual a sua impressão? - Clara queria sondar mais os sentimentos da jovem, pois seria a primeira real experiência de sedução que certamente ela vivera e poderia se envolver.
- Uma pessoa dinâmica, prática, aguçada; pronta para arregaçar as mangas. Em nossa próxima reunião, ela praticamente trará o plano mestre! - deu uma risada que evidenciou seu entusiasmo.
Clara se dispôs a marcar a próxima reunião; mas Rebecca disse que poderia cuidar disso, mesmo a secretária alertando contra novos galanteios.
- Becky, você e a doutora estão "dando um tempo"?
- Clara, a doutora sabe "dar um tempo"? Quero ter esperanças, mas não viver delas e me enclausurar.
- Essa Norah, o que você sentiu?
- Nada!! - Becky quase gritou a palavra, para se refazer em seguida - Puro entusiasmo profissional. Ela me parece a pessoa certa por também estar precisando se firmar em seu mercado.
- Só?
- Clara, nunca me passou pela cabeça ter outra pessoa, se não Luciana. Homem ou mulher. Embora, hoje sei que as mulheres me interessam muito mais em termos sexuais. Mas, relação eu só entendo com a doutora.
- É, estamos sempre querendo a relação eterna.
- Sempre! Por isso nunca a encontramos.
- Bem, como disse o poetinha "que seja eterno enquanto dure!". Falando nisso, deixa eu ir viver minha eternidade, se você me entende! - deu uma risadinha maliciosa.
- Sei...rs...entendi perfeitamente. Régia é tudo de bom. Você merece. Vocês merecem! Vai lá. Beijos.
****
- Marcella, onde vc está?
- Estou na Austrália. Por quê?
- Houve um assassinato no Clube. Está nos noticiários.
- Puta que pariu!!!!!!!!!!!!!!!!! Luciana já ....
-...ainda não tive sinais dela. Ela sabe que você é sócia....
-...não!!
Silêncio. Clara sentia a apreensão da diretora do outro lado da linha.
- Será que vão chegar em mim?
- Tem como? Evidências?
- O Clube não é clandestino. Tem documentação como outro estabelecimento qualquer.
- Então, logo chegarão até você e daí a associá-la aos hospitais; consequentemente, à doutora...; bem, você conhece a mídia: se fosse só a sociedade com o local, já seria um prato cheio por ser uma prática pouco entendida pelo público; mas, a associação com Luciana é um filão muito interessante, haja vista que ela já foi recentemente bem visada pela imprensa como episódio dos pais da Becky e, depois, com a doença da Anna.
Régia, que estava ao lado de Clara, lembrou de uma questão interessante.
- Marcella, Régia está perguntando se tem algum registro de freqüentadores e se a doutora consta nele.
A diretora proferiu algum impropério com relação à Régia, mas resolveu que nessas horas uma aliada com as aptidões da jagunça seria muito bem-vinda.
- Quanto aos registros, temos sim; por praxe, temos um, mas não é obrigatório, ainda que poucos tenham se negado a preencher. Já com relação à Luciana, desde antes de estar com Rebecca, tinha parado de ir, assim são mais de três anos. Nossos registros com câmeras duram dois meses; no banco de dados, uns seis meses, se tanto; já que aquele sistema é sofrível e perdemos informações toda hora.
- Marcella, essas filmagens eram notificadas aos freqüentadores? - Régia tomou a palavra ao viva-voz.
- Alguns ambientes sim; outros não; em alguns casos, os freqüentadores pediam para serem filmados. - a diretora quase grunhiu.
- E como você garante que não existam vídeos clandestinos por aí? Sua confiança em sua sócia que grau alcança?
O silêncio sepulcral denotou que os quesitos levantados eram, no mínimo, duvidosos; caso não, comprometedores.
- Marcella, você sabe que tenho que informar Luciana. Não posso deixar que ela seja pega de surpresa. Nós, melhor do que qualquer pessoa, sabemos o quanto ela confia em nós e o quanto zela por suas empresas.
- Quando você vai fazer isso, Clara?
- Pelo que vimos e por ela ainda não ter aparecido, a polícia ainda não fez associações. Acredito que amanhã terei que falar com ela.
- Clara, deixa eu ir ao clube primeiro, depois falamos com Luciana. Vamos dar mais dois dias. - Régia interferiu.
- Posso procurar outro emprego....- a diretora constatou desanimada, o que consternou Clara e a impediu de protestar contra a resolução de Régia.
- Sim...se ela deixar sobrar algum lugar para você, caso o pior ocorra. - Clara resolveu ser honesta com a diretora.
Marcella escutou uma espécie de conversação baixa, mas não entendeu as palavras.
- Marcella, tem como ter acesso ao Clube? A polícia isolou o local; mas, as investigações, pelo que vimos, ainda estão morosas. Só retiraram o corpo da vítima; estava em estado deplorável. Bondage e espancamento. Não sabemos muito. Por enquanto vimos por acaso na televisão. Quero ir lá investigar.
- Marcella, não forneça nada para Régia. Ela acabou de ser reincorporada a vida normal, sem qualquer ligação com polícia. Não quero...
- Clara, amor, Luciana está em risco; Marcella é inocente e pode se ver numa confusão sem precedentes; você tem que cuidar da doutora; e eu garanto que limparei qualquer evidência que possa aumentar essa situação.
- Não...não...- a secretária quase entrou em pânico.
- Régia, minha entrada no Clube é por uma porta que fica na garagem da casa; não tínhamos estacionamento, apenas a garagem. A porta da garagem é acionada por controle e a porta que leva a um corredor privativo possui senha de entrada; por ela, chega-se ao escritório no sótão, bem como em outros locais dentro do clube. A senha de acesso eu tenho; mas, a porta da garagem, não sei como faremos. Posso pedir para minha sócia...
- Não. Não se comunique com ela. Como você disse, não sabemos quem está envolvido. Que tipo de segurança tem a garagem?
Contra a vontade de Clara, a diretora forneceu todos os detalhes para Régia. A secretária não acreditava no que ocorria, mas o que parecia era que duas inimigas se aliavam pelo bem de uma amiga: Luciana. Muito embora nenhuma dessas pessoas envolvidas era inocente ou sem malícia para saber que estavam se usando. Muito mais Marcella, que na situação desfavorável na qual se encontrava, era esperta o bastante para saber que a líder, naquele momento, era a melhor carta que possuía.
*****
*****
Luciana, não acreditava que a relação dela com Rebecca estava apenas suspensa: já considerava um final para tudo que tiveram.
Estava muito desnorteada com tudo. Não conseguia pensar no que fazer para reter Becky sob sua vista, além das poucas vezes que se cruzaram no corredor do hospital; local que a médica se forçava a ir, porque sabia que existia a possibilidade de se encontrarem; mesmo que tivesse que enfrentar a dor ao ver a loirinha sorrindo, como se estivesse feliz. A médica não acreditava que ela pudesse reagir tão bem e, por isso, não queria aparentar fragilidade diante da loirinha. Ainda possuía orgulho.
Todas as vezes que percebia Becky por perto, quem estivesse ao alcance da médica levaria a pior. As pessoas que já haviam se desacostumado com a antiga Luciana, começaram novamente a passar maus bocados.
O mais irônico era que Becky não tinha mais acesso às pessoas que estavam novamente sob a mira da ‘carrasca' doutora. Mas, por outros, sabia dos atos dela. E deduzia que seria muito difícil trazer Luciana para o nível que queria. Não a queria submissa, muito menos sem autoridade; mas, queria desarmá-la ao ponto de abrir suas defesas; soltar seus medos; liberar inseguranças.
Por sua vez, a médica se convencia que a velha Luciana deveria ter permanecido no controle, ao invés de achar que poderia manter um relacionamento com alguém tão oposto, posando de boazinha.
Porém, tudo havia mudado. Ela não conseguia retomar a mulher de antes. Por mais que exercitasse sua insensibilidade, não conseguia mais compor esse papel naturalmente, pois sua vida estava repleta de pessoas que mostraram lealdade, compreensão, bondade e, acima de tudo, amor; o amor que causou essas rachaduras na muralha que estava difícil restaurar. Eram poucas e fáceis de nomear; mas eram as pessoas que preencheram sua vida nos últimos anos.
Entretanto, o que conseguira retomar, para sua triste constatação, foi a antiga solidão. Na tentativa de minimizá-la, o novo ponto fixo da médica era o quarto de Anna. Todas as noites, quando não sabia para onde ir, rumava para junto da menina. A enfermeira saía apressadamente assim que avistava a médica; que mal a olhava no rosto.
Por conseguinte, como o mais novo bode expiatório da impaciência da médica, a Dra. Paz estava na mira de Luciana, pois Anna não dava sinais algum. A médica colombiana já não ficava mais constantemente no Brasil, porém mantinha comunicação diária com a equipe e, nos último mês, com a morena de olhos azuis penetrantes.
Inicialmente, para passar o tempo de alguma forma, Luciana começou a reler todos os trabalhos de pesquisas; todas as anotações sobre Anna e, quanto mais lia, mais questionava a equipe da médica colombiana. Não que estivesse algo errado; mas, sob algum aspecto, havia um diferencial que fazia a filha de Régia não se enquadrar nos resultados obtidos: nem terminando em óbito e nem retomando a consciência, de alguma forma. Aparentemente, a equipe estava insistindo em uma linha que já não fazia sentido. A Dra. Paz concordou com Luciana e, diante disso, pressionados, a equipe passou a ser observada de perto pela dona do hospital, patrocinadora da pesquisa.
Por esse motivo, passou a varar madrugadas em pesquisas, leituras e qualquer coisa que fizesse o sono rendê-la; caso contrário, surgia feito um zumbi no hospital, aterrorizando todos novamente.
Paralelamente, depois de Clara, em menos de um mês, duas substitutas foram dispensadas. A futura empresária teve que ouvir uma delas a questionando como conseguira viver com o diabo em pessoa; concluindo que nenhum dinheiro do mundo valeria ser capacho de uma mulher como aquela. E as mesmas velhas questões de Luciana vinham à tona: a insônia, vagar pela casa, não querer perguntas, mas exigir respostas; não dar informações, mas querer decisões. A verdade era que a médica também estava pouco se lixando com as contratações; nem as entrevistas ela quis fazer, deixando para Clara. A conclusão era que somente com muito amor pela doutora, alguém ficaria com ela; ou, ao menos, tentaria passar pelo impacto inicial; embora, nunca seria sabido se esses momentos passaram.
- Clara, não quero mais essas incompetentes que você me arruma. Não preciso de mais ninguém. Não pretendo continuar naquela mansão; nem mesmo sei se permanecerei neste país.
Essa decisão era péssima. Clara temeu pela doutora. Por Becky.
- Mas...e a nossa sociedade? - Clara, apesar de querer saber da relação dela com a loirinha, temia ser tão direta, parecendo abusada.
- O que tem? Deixo uma procuração com alguém que confio e essa pessoa decide por mim. As farmácias são minhas, nada a ver com o grupo de empresas. A fazenda eu deixo com Régia, agora que ela está de volta à vida civil. Se tiver algo para assinar, eu sempre serei encontrada; afinal ainda dirijo as minhas empresas.
Clara não conseguiu perguntar por Becky. Temia acuar a médica e fazê-la cometer algum ato movido pela dor e orgulho, sentimentos que Clara sabia estavam presentes nessa resolução.
Sem secretárias, acesso aos hospitais; todo e qualquer canal de notícias sobre a médica foram cortados. Régia ouvia coisas por Paz, mas apenas profissionais.
De sua parte, depois de ouvir os comentários de Becky sobre Norah; analisar o transtorno que o súbito aparecimento de Paula causou; e as últimas declarações da doutora; Clara resolveu ter um conversa com sua sócia.
- Becky, preciso contar uma coisa para você. Mas, de antemão, quero dizer que sou totalmente leal à Dra. Luciana e disse isso a ela por ocasião da conversa que tivemos, da qual irei revelar alguns aspectos para que você saiba que, aquela fortaleza que sabemos é frágil, está novamente se fechando; o que temo ser irreversível.
Numa conversa franca, as duas loiras falaram sobre a morena; aliás, sobre as morenas.
- Sabe, Clara, você se tornou uma espécie de modelo para mim. Certa vez, antes de tudo o que aconteceu com Régia, eu havia comentado isso com a Luck e ela até ficou com ciúmes. Depois da história do resgate de Régia do mundo dos mortos, nem sei expressar a consideração e admiração que tenho por você. Por isso, eu peço: me ajuda com aquela cabeça dura!
A ex-secretária andara pensando muito sobre essas duas pessoas que se amavam sem sombra de dúvidas, mas com muitas nuvens e cortinas de fumaça atrapalhando a relação.
- Becky, existe realmente algo no passado da doutora que poderia fazer você desprezar, odiar e retirá-la de vez da sua vida? Pense muito nisso, antes de responder. Localize em todos seus princípios, prioridades, moral, ética; em tudo que compõe a sua tranqüilidade e paz de consciência, antes de responder.
A jovem empresária encarou seu ídolo e pensou em tudo que Clara tentou fazer para preservar princípios, prioridades, moral e ética. Pensou no estado em que essa mulher a sua frente chegou e, de repente, visualizando uma ínfima centelha de amor, renasceu e trouxe consigo seu ser amado. Nada na vida de Régia, por mais hediondo, conseguiu diante da razão, afastar a pessoa mais racional do mundo das coisas mais emotivas e passionais.
- Clara, você só descobriu isso depois de colocar Régia em estado de quase nulidade e a você em quase demência. Até ocorrer o que causou o curto-circuito em seu ser, o seu bom senso, princípios éticos e valores não foram capazes de impedi-la de se envolver, odiar, repudiar, afastar, enganar a si mesma e uma série de tropeços que, quem estava de fora, pode enxergar muito antes de você mesma os piores, e também melhores, desfechos para aquela situação.
Clara só pode achar sua sandália muito interessante, tamanha a dificuldade de encarar Becky diante da verdade do que ela disse.
- Sinceramente, eu busco esperar tudo de Luck e me preparo para não ser júri, juíza e carrasca; mas, de forma alguma, posso dizer que tudo o que ela tenha feito passará impune por meu amor por ela. Não me preparo para crimes da carne; nem crimes contra terceiros; nem mandos e desmandos; o que tento entender é o que ela fez para deixar Paula no estado perturbado no qual se encontra. Eu tenho limites que já ultrapassei; não sei quanto mais consigo galgar, na escuridão ou na luz.
Becky relembrou o encontro que teve com Paula, bem como a intriga rapidamente armada sobre Luciana, colocando a loirinha na berlinda.
- Becky, ela quer Luciana. Duvido que faça algo contra ela, no sentido de feri-la fisicamente; mas, psicologicamente, ela quer desestruturar a doutora. Se não pode ter Luciana, ninguém mais terá.
- E todo o enigma reside no que ocorreu nessa relação e que tanto Luck tem medo de revelar.
- Para mim, Becky, tudo reside em outra questão: é realmente importante saber disso? Por que não seguir e esquecer esse passado?
- Régia esqueceu de tudo? Ela consegue seguir com você sem seqüelas?
Clara entendeu o recado. O que quer que fosse, a empresária também fora testemunha dos tormentos da médica, bem como dos que trouxe para Becky.
- Não fosse tudo o que já presenciamos que a atormenta, agora ela teme por sua integridade física, Becky e penso que ... com razão. Paula é perigosa!
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- Você está tão linda, Régia. - Clara falava, tentando disfarçar sua apreensão.
- Amor, sei que você está contrariada, mas não fica assim. É super seguro.
- Eu confio em você, mas fico com medo. Como explicaria estar no clube?
- Olha, depois que me safei da máfia, acho que explicar que estou num ambiente que a dona deu a senha e tudo o mais, não vai ser muito problema.
- Mas a polícia não quer que fiquem remexendo na cena do crime.
- Pelo que pude perceber quando rondei por lá hoje, só lacraram a porta, nem tem policial por perto.
O temor de Clara era que alguém se colocasse no caminho de Régia e ela tivesse que agir de forma mais drástica.
- Clara, não tenho a menor intenção ou necessidade de confrontar alguém. Além disso, por via das dúvidas, tenho isto!
Clara viu uma espécie de alfinete.
- Agora não sei se fico mais calma ou mais apreensiva. Como isso pode te defender? - a mulher ficou desconfiada.
- Está preparado com uma poderosa substância de teor alucinógeno. Quem encostar, vai dormir e ter delírios que nunca saberá o que de fato aconteceu.
Clara fez cara de dúvida, mas não seria ela a experimentar a poderosa arma química.
- Clara, uma das características de Penumbra era executar o serviço sob os olhares dos federais ou inimigos e nunca ser percebida.
- Não foi o que soube por Paz. - Clara estava se aproximando e passando a mão por sobre o corpo delgado de Régia.
- Outro truque: vários modus operandis. - a boca fora preenchida por um sabor apreciado: o da língua de Clara.
Régia estava em ‘roupa de trabalho': blusa de mangas longas e gola role preta, a calça de couro preta, luvas, botas e ...os olhos mais lindos admirando uma simples loura, em pijamas e pantufas, mas nem por isso menos sedutora.
- Guarde mais desses beijos para quando eu voltar. Ação me deixa ligada!
- Conto com isso! Fique tranqüila que a fonte nunca seca.
Por pouco, Régia esquece de sua gratidão para com Luciana.
Entrar no clube foi muito fácil. Como suspeitara, nenhuma vigilância; apenas as fitas de isolamento de costume.
Passou pela garagem e observou a câmera, mas sabia que todas estavam desligadas. Entrou pela porta indicada e adentrou pelo primeiro corredor, desembocando diretamente na sala principal. Era um ambiente sofisticado, com sofás, poltronas, mesinhas centrais, de canto; tudo disposto como uma casa de chá ou um amplo salão em estilo medieval.
Em local de destaque, um palco e nele uma espécie de trono.
Em outro canto, um bar com seu longo balcão e banquetas.
Seguindo em frente, Régia fazia o fluxo inverso de quem entra e, dessa forma, deparou-se com a recepção e a chapelaria à direita e uma loja à esquerda.
Refez o percurso e enveredou pelo corredor inicial, indo para o segundo andar. Neste nível, encontrou três portas, uma das quais com o lacre da polícia, evidenciando que ali fora a cena do crime. Outra porta era de folha dupla, entalhada com símbolos intrincados, com pesadas cortinas presas em cada lado. Pela suntuosidade, era a famosa ‘dungeon'.
Seguindo pelo caminho, subiu a escada que finalmente levava ao escritório que também era um local aparatado, com mais conforto, pois também continha uma cama e banheiro privativo. O local era uma casa, estilo castelinho. Por isso os ambientes todos foram adaptados. Régia veio por dentro, mas havia a passagem que Marcella indicou que permitia entrar no clube sem ter que percorrer os caminhos do público freqüentador.
Verificou a câmera posicionada frontal à porta.
Divisou a mesa com o computador. Régia não acreditava que a polícia confiscaria o computador, mas com certeza iriam querer os registros do clube, com hora de entrada e saída dos frequentadores no dia do crime e em outros anteriores; assim como, com o relacionamento entre os registros, poderiam verificar possíveis vídeos para eventual identificação do assassino. De qualquer maneira, embora curiosa, sabia que se acessasse o computador, teria que executar um tremendo malabarismo para não deixar evidências de uso em um período no qual não era permitida a entrada de pessoas no ambiente. Infelizmente, por mais doméstico que fosse o equipamento, os computadores sempre deixavam registros embutidos.
Marcella havia fornecido seu usuário e senha; mas Régia concluiu que para limpar tudo corretamente, teria que sumir com backups, alterar configurações de máquinas, mexer em sistemas que não conhecia e outras coisas mais. Achou que a única coisa que poderia fazer era ter certeza de que nada ali evidenciaria algo contra Luciana.
De fato, o que fazia Régia desprezar os registros eletrônicos era que os dados fornecidos na entrada não eram checados. Quem tinha pelo que zelar, dificilmente teria se identificado. Com certeza, Luciana não o fizera. Até porque, como bem dissera Marcella, os registros eram mantidos no máximo por dois meses, depois eram deletados, com imagens e tudo o que estivesse relacionado. Em informática, armazenagem é cara e, dentro dos negócios do clube, desnecessária e ilegal sob certos aspectos. Mas, o que Régia queria era a certeza de que nenhum possível registro visual da doutora tivesse restado por ali.
Tinha que admitir que também estava curiosa para ver a cena do crime. Conhecer o ambiente do clube. Sexualmente, para cumprir alguns disfarces, protagonizou algumas práticas pesadas de bdsm; entretanto, para ela mesma, em suas relações, não era algo imprescindível. Não desgostava, não recriminava; mas, não era o que deixava sua vida sexual mais excitante.
Entretanto, havia algo que realmente forneceria pistas: conforme explicado pela diretora, para utilizar as salas Vips, os participantes da ‘cena' eram obrigados a assinarem termos isentando o clube de qualquer responsabilidade sobre as práticas executadas; inclusive sobre a possibilidade de contágio de alguma doença, via secreções ou sangramento. Em contrapartida, o clube garantia confidencialidade, com a retirada das câmeras. Tais documentos eram preservados por, no máximo, um mês após cada ‘cena'. Ficavam guardados no cofre do escritório, cujo segredo, Régia possuía. Era isso que a morena queria acessar.
Antes, observou a mesa, que estava organizada. Em cima, alguns papéis de fornecedores, contas, objetos de escritório; amostras de modelos de acessórios.
- Ui, isso deve fazer cócegas! - Régia ria do leque de penas em suas mãos.
Nas gavetas, algumas mídias virgens; e, em uma delas, um revolver e a caixa de munição. Ambos intocados. A caixa estava ainda lacrada.
Uma gaveta estava trancada, mas rapidamente foi aberta e o conteúdo eram sete termos assinados; todos na mesma data do crime, nenhum com horário. Régia sempre achou muito fraco esse termo, já que nenhum documento era anexado comprovando a assinatura; é certo também que, se alguém realmente quisesse algum litígio com o clube, teria que revelar os codinomes; daí, conforme explicou a diretora, o porque de não exigirem documentos.
Como era de se esperar, o nome da moça anunciado na mídia não constava daqueles documentos. Anexado em cada papelada, existia um recibo de pagamento. Dentre eles, apenas dois foram pagos com dinheiro. O resto tinha os cupons do cartão de crédito. Nenhum com cheque. Régia ficou impressionada pelo valor cobrado pela sala. Uma pequena fortuna. Juntando tudo, o clube era bem lucrativo!
O que mais causou alarde na mídia é que a jovem assassinada era de uma família abastada; o que foi ratificado pelo valor pago ao clube.
Os dois termos pagos em dinheiro indicavam cinco nomes: em um deles, duas moças; no outro um trio. As idades alegadas confirmavam que todos eram maiores, mas maiores de 30 anos; porém a moça identificada tinha 17 anos.
- Marcella, seu clube faz muita vista grossa; vocês estão ferrados! - Régia tinha certeza que a diretora estava fadada ao ostracismo profissional por um bom tempo.
Junto com isso tudo, três fitas VHS com os respectivos nomes relacionados aos termos. Nenhuma era do grupo em dinheiro, obviamente.
Por último, as listas de convidados, como eram de praxe. Correndo os olhos rapidamente, Régia constatou que dos nomes dos participantes das cenas pagas em dinheiro, nenhum constava das listas, o que era esperado. Porém, de forma enigmática, o real nome da moça estava em uma lista.
- Estranho!
No cofre, Régia vasculhou os outros documentos e, para seu espanto, existia um termo assinado por Luciana Lopes e a moça assassinada; datava de cinco dias anteriores ao crime. E, antes desse, mais dois. O nome "Luciana Lopes" era comum, mas o que a morena constatou arrepiada era que a assinatura era idêntica à rubrica da doutora. Quem plantou, sabia que assinar como Lowestein poderia ser bandeira. O sobrenome de solteira da doutora era meio comum, mas associado àquela assinatura, seria o suficiente para colocá-la em situação embaraçosa. Sem hesitar, Régia pegou os documentos. A única preocupação era saber das fitas de vídeo.
Ainda no cofre, encontrou umas quinze fitas. Nenhuma era referente aos termos. Mas, Régia sabia que, enquanto existissem os termos, teriam fitas. Só não sabia qual realmente foram gravadas, já que o termo não mencionava quem quis ou não ser gravado. Com essa deixa, pelo sim, pelo não, pelo quem sabe talvez; resolveu confiscar os três VHS dos termos, já que as informações começavam a se desencontrar.
Régia estranhou, considerando grande a quantidade de fitas trancadas no cofre, pois imaginara que as pessoas que pagavam a fortuna pela sala Vip e filmagens, não iriam deixar os vídeos. Olhando mais detalhadamente, a data em uma das fitas chamou a atenção da morena: contrariando a regra do período máximo de arquivamento, aquela estava com data de mais de cinco meses. Desconfiada, começou a olhar as outras que estavam no cofre e constatou que todas eram antigas e algumas com cópias. Isto a deixou com a pulga atrás da orelha e, novamente, temeu por Marcella. Passou por sua cabeça que a sócia da diretora deveria usar aquilo em outros negócios, tipo pornografia, fetiches; negociando com a privacidade alheia. E, se fosse isso, aquelas fitas eram poucas, diante do movimento e farto material que as atividades realizadas ali geravam.
- Só podem estar arquivadas em algum lugar por aqui!
Decidiu que, diante das descobertas, uma espiada no quarto do crime era necessária. O problema era violar o lacre. As fitas estavam envolvendo os trincos e as dobradiças; qualquer tentativa seria difícil camuflar. Régia estudou bem e viu que não teria como. Resolveu seguir pelo caminho que Marcella ensinara. Retornou para a garagem e refez o percurso, pelo corredor escuro. Encontrou a porta que levava ao outro corredor e, nele, divisou apenas duas portas, ao invés das três imaginadas, já que duas eram das salas Vips deveria existir uma da dugeon. Abriu a primeira e estava na sala do crime.
- De prima! Que ótimo!
Vários aparelhos; ganchos; cane; argolas; muita coisa mesmo. No chão, a marca do local onde encontraram o corpo, logo abaixo de cintas de couro e do tal famoso ‘x'. De resto, a sala era meio hermética, sem janela, apenas com a outra porta de entrada. Régia, por um momento, lembrou de sua tortura pelos mafiosos. Afastou as lembranças e continuou vasculhando. Pode perceber que a porta que usara era camuflada por uma pintura muito bem trabalhada com um espelho por cima. Na escuridão da sala, era difícil saber que existia essa saída. Viu a câmera, era fixa em um determinado ângulo.
- Aparentemente, nada por aqui.
Régia nem bem sabia o que procurava. Algo em seu instinto dizia que o clube tinha mais mistérios do que aparentava. Ao mesmo tempo que tudo parecia atender normas; tudo parecia falso em seus propósitos. Só concedia o benefício da dúvida para o local porque Marcella era sócia.
Definitivamente, naquela sala não acharia os mistérios do clube, menos ainda do assassinato. Na mídia tratavam como um assassinato; mas, diante do que Régia descobriu, poderia ter sido um acidente envolvendo Luciana.
Desde o rompimento com Becky, devido aos acontecimentos na vida de cada uma delas, Luciana ficou por sua conta. Era uma mulher voluntariosa, magoada, sentindo-se abandonada e que, ao menos entre elas, revelara seu gosto por praticas de bdsm. Num momento de perda de limites, poderia ter avançado e cometido um erro.
Pensando nisso, resolveu ir conhecer a masmorra, conhecida como dungeon.
Entrou em outro mundo! Régia jamais imaginaria que a fantasia e, no caso, a perfeição para o ambiente certo de um rito, chegasse a tanta suntuosidade. Nem em suas mais requintadas torturas viu tantos aparatos juntos.
- Bem, eu não tinha tempo de torturar com tanto requinte. - pensou, com certo humor negro.
O ambiente era sombrio, com candelabros e velas para todo lado. Cadeiras dispostas como em um júri de tribunal, feitas de madeira escura; em destaque, outro trono, muito mais ornamentado e extravagante que o da sala principal. Contrastando com alguns aparelhos modernos, outros instrumentos imitando tortura medieval, embora ‘imitação' não fosse a palavra certa, já que eram bem funcionais.
Parte das paredes era decorada com pesadas cortinas. Régia começou a tatear as paredes, buscando a porta camuflada. Descobriu que a imponente estante de livros era, em parte, uma pintura. As capas dos livros pareciam reais, com títulos encabeçados por ‘lord', ‘mestre', ‘rainha' e palavras remetendo à submissão e/ou dominação. A morena lia os títulos nas lombadas falsas, mas também existiam os verdadeiros. Curiosamente, um livro de capa envelhecida e gasta se destacava dentre os demais, todos luzidios e impecáveis, estando levemente mais para frente que os outros. E, o mais curioso ainda era o título: Bíblia Sagrada!
- Santo Deus!!! - dizendo isto, por curiosidade de ver se alguma passagem bíblica estava marcada, Régia puxou o livro.
- Puta que pariu!!!!
Com um leve clique, a parede se moveu; por trás daquela pintura, a porta que Régia procurava. Por trás da porta, prateleiras contendo fitas. Todas devidamente catalogadas, em ordem alfabética e depois por data. Era tudo que a morena queria.
Na letra L, encontrou Luciana Lopes; por data, pode perceber que todas eram recentes, mas nenhuma com a data do crime. Eram cinco ao todo. Régia revistou mais o que pode. Certificou-se de ter removido tudo. A polícia, se chegasse ali, não perceberia a falta; ao menos, em um primeiro momento não. Régia duvidava que existisse alguma catalogação eletrônica, já que era tudo muito fora das regras e, escondido como estava, não deveria ser algo para correr o risco de ser descoberto. Ainda assim, quis ter certeza se existiam fichas catalográficas e, caso positivo, também as eliminariam. Limpando isso, a menos que a sócia tivesse outro acervo em casa ou mencionasse a presença de Luciana no ambiente, a polícia não tinha motivo de suspeitar da doutora.
Após encontrar o que queria, fechou a porta, repondo a Bíblia de forma imperceptível, para não chamar a atenção como aconteceu com ela.
Em sua mochila, Régia levou os termos, as fitas e as duas fichas que encontrou referentes à localização das fitas no acervo. Deu a noite por encerrada.
Agora, precisava descobrir até que ponto Luciana estava realmente envolvida.
***
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As coisas para Clara aconteceram todas ao mesmo tempo: as investigações da morte no clube, a reintegração de régia à vida civil, as novidades com a fazenda, o novo empreendimento.
Por conta do estresse com a situação de Marcella, que acabou envolvendo Régia e que gerou uma série de novas investigações particulares; a futura empresária não quis saber de se envolver com o objeto da nova sociedade que se estabelecia. De forma meio superficial, deixou com Rebecca todas as responsabilidades sobre o planejamento inicial da empresa de cosméticos e fitoterápicos.
Diante disso, com a insegurança que sentia, Rebecca não piscou duas vezes para contratar Norah; a contratou e começou a maratona de reuniões, planejamento, pesquisas; o que as aproximou quase em tempo integral.
Como não possuíam escritórios, reuniam-se alternadamente em suas casas. A consultora era realmente dinâmica, ativa e fascinava a jovem com seus conhecimentos, nível de detalhamento e visão estratégica. Por conta do perfeccionismo de ambas, varavam a noite em discussões. Por vezes, muito a contragosto, dormiam no mesmo ambiente.
Becky reportava todos os assuntos para Clara, mas não mencionava esses pernoites ocasionais, pois não iria adiantar explicar que nada significavam, já que a ex-secretária resolvera zelar pela relação dela com Luck.
Desconhecedora desse detalhe, a ex-secretária elogiava muito a atuação da consultora.
Dentro dessa agenda iniciada, era inevitável, por questão organizacional, apresentar Norah à Luciana. Porém, o momento estava muito perigoso e conturbado devido ao acúmulo de pressões sobre a médica.
Não fossem apenas as questões sentimentais, ainda e sempre mal-resolvidas entre as duas, Rebecca sabia que a doutora estava contrariada com a perda de Marcella.
Clara não era mais seu braço direito, mas sua sócia; Marcella não era mais sua principal administradora, mas uma pessoa que ameaçava as empresa; Rebecca...bem, não dava para saber o que deixou de ser, muito menos o que passou a ser.
Era correto dizer que, embora não pudesse admitir, Luciana estava perdida; por isso, acuada, tornara-se a pessoa mais inatingível; era uma muralha.
- Rebecca, precisamos falar com a doutora Luciana. Toda a base estrutural da empresa começa com as farmácias que ela detém. Bem como com o fornecimento de matéria-prima que também virá da fazenda, que é dela. Preciso saber o quanto ela vai acompanhar nosso projeto; interferir em planejamento, budget, vetos e coisas assim.
- Ela disse que não quer se envolver....
- ...Rebecca, geralmente os sócios que não aparecem são os mais exigentes e que mais puxam tapetes. E, embora não seja da minha conta, o fato de vocês terem sido próximas, também me leva a crer que precisamos estabelecer bem nossos limites e funções; para que retaliações de ordem sentimental não prejudiquem planos de negócios.
A jovem empresária ficou em silêncio. Sinceramente, não queria enfrentar a médica. Não por medo de ser mal tratada; mas, por receio de sucumbir diante da fragilidade que veria disfarçada de arrogância e intransigência.
Amava Luciana demais. Mesmo esse tempo de separação e a certeza de que precisava tocar sua vida não conseguiam que negasse para si mesma o amor.
Régia tentara não associar o nome de Luciana ao tal clube; mas, mesmo assim, com Marcella em evidência, os hospitais foram mencionados e uma nota teve que ser distribuída à imprensa. Muito pouco se descobriu sobre o assassinato. Por um descaso da polícia, as falcatruas não vieram à baila. Com isso, a ex-diretora ficou pouco em evidência, uma vez que tinha comprovações de que estivera na Austrália o tempo todo; e isto só pode ser comprovado envolvendo o hospital.
Luciana não quis nem ouvir Marcella; a demissão foi sumária; sem qualquer direito ou consideração. Aliás, a única coisa considerada foi a deslealdade da diretora para com a médica, segundo a visão desta. Rebecca tinha que concordar, em termos, com isso. De um lado, a médica não era a pessoa mais fácil de se manter uma conversa; mas Marcella poderia tê-la consultado sobre tal sociedade. Com certeza, com muita falta de tato e aspereza, seria dissuadida da idéia pela própria doutora.
Mas, a questão era que agora acontecera o que aconteceu. Clara foi a intermediária entre Luciana e Marcella. A ex-diretora ficou possessa e, obviamente, desapontada com a desconsideração da médica. Acreditava piamente que com ela Luciana seria diferente. Em seu íntimo, a ex-secretária também torcia por algum traço de reconhecimento da dedicação da ex-diretora. Simplesmente não houve.
Marcella foi enfaticamente orientada a permanecer na Austrália por mais alguns dias, mesmo que a polícia estivesse atrás dela, querendo alguns esclarecimentos.
O fato de estar comprovadamente fora do Brasil, era o álibi; por isso, Régia era favorável ao conselho de Luciana.
Rebecca ficou profundamente consternada com a atitude da médica; porém, tinha que ser realista que foi o esperado, infelizmente. Esses sinais de inflexibilidade, desconsideração e falta de tato, marcavam muito a jovem loira; deixavam-na cansada, refletindo se realmente valia a pena acreditar em Luciana, sacrificando a própria felicidade. A jovem não poderia negar que a ex-diretora era leal à médica, aos hospitais e colocara muito de sua vida no crescimento profissional dentro das organizações. Marcella tinha defeitos, ciúmes de sua posição ao lado da médica, ódio por Régia e, até mesmo, certo desprezo por ela, Rebecca, desdenhando sua relação com a médica; mas, lealdade era evidente. Ela não errou por que quis; a fatalidade ocorreu da mesma forma que os pais de Becky ocorreram na mídia. Luciana não conseguia ver isso, apenas suas empresas que, a jovem sabia, era um tributo ao Dr. Thomas na concepção da médica.
Depois de pensar em todas essas coisas, Rebecca sabia que aparecer diante de Luciana com um elemento novo em sua companhia não seria uma boa estratégia.
- Norah, acredite em mim, no momento a última coisa de que precisamos é da caldeira prestes a explodir que é Luciana.
- Existem mais pessoas ligadas aos negócios, precisamos apenas de nomes. Será que isso a irritaria tanto?
Norah insistia, sem saber que poderia entrar em um emaranhado de sentimentos que a jovem futura empresária não sabia prever se bom ou ruim. Mas, diante do fato de ser algo meramente de negócios, no máximo, a médica poderia ser arrogante ou desdenhá-las.
Rebecca coçou a cabeça, mas ponderou que poderia tentar. O time do processo de qualificação iria se reunir na manhã seguinte e Luciana nunca deixou de ir; ainda mais agora que perdera Marcella, um nome forte e co-autora do livro sobre qualificações hospitalares. Aliás, esse o cerne da reunião, pois Luciana queria abortar o lançamento do livro.
- Que dor de cabeça, tinha esquecido esse livro! - falou subitamente, sem que a consultora entendesse o que se tratava - Norah, o livro era o projeto mais querido da doutora e Marcella era co-autora. Nossa! Que coisa besta esse deslize daquele clube. Onde fica a tão alardeada segurança nessas práticas?
- Rebecca, Marcella também vacilou. Não tenho nada com as preferências sexuais dela, mas é um risco que ela quis assumir; acreditando nos princípios da prática; mas, nem sempre os praticantes jogam como deveriam; alguns excedem o limite entre o seu prazer e o prazer do outro nos papéis que assumem. Não é moralismo, mas prudência: como domme e praticante experiente, ela deveria ter mantido apenas a pratica, e não o comércio, para si.
- Como você sabe que ela é domme? - Rebecca não se lembrava de ter falado sobre as particularidades do envolvimento da diretora com o clube.
- Mídia. O escândalo todo é por isso. Mas, o que você pensa sobre nós?
Rebecca ficou tentando lembrar o que foi dito na mídia sobre Marcella e acabou pega de surpresa com a forma como a pergunta foi formulada. Demorou a voltar ao momento sobre o qual começaram a divagar sobre os acontecimentos.
- Você diz sobre falar com Luciana sobre os negócios?
- Existe outro assunto sobre nós? - a pergunta foi num tom investigativo.
Rebecca enrubesceu.
- Com certeza, não! - disse mais para si do que para a consultora apreensiva a sua frente. - Amanhã teremos uma reunião com o time de qualificação e você pode me acompanhar e esperar o término, darei um jeito dela nos atender ou, pelo menos, fornecer nomes.
- OK. Por acaso o Waldemar estará presente?
- Qual a dúvida? É a única forma para ele aparecer, nem que seja como verme, diante da doutora.
Ambas riram.
- Por que a pergunta, Norah?
- Não somos muito afetos. Ele pode ser uma pedra no sapato quando se sente ameaçado.
- Em que você o ameaça? Por você estar conosco?
- Por cercar Luciana, com certeza. Além disso, tivemos nossos ‘momentos' no passado.
- Ok. Você pode chegar um pouco depois da reunião. Luciana mal olha para ele e sai antes que ele possa se levantar da cadeira. Dá pena.
E desse ponto em diante, Waldemar foi o tema final da reunião das duas mulheres.
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- São falsos, Régia. Essas assinaturas são falsas. A doutora não retornou mais ao clube.
- As datas são posteriores ao rompimento dela com Becky.
- Você assistiu as fitas?
- Clara, com toda aquela vestimenta, poderia ser Luciana. O que mais a caracteriza é a altura e a pessoa na cena é alta, morena, está mascarada, encenando. Daria para ser ela sim. Quer ver?
- Como também poderia ser você. Ou Bela Fatal...
-....engraçadinha!
Estarrecida, Clara assistiu as fitas.
- Você percebeu que a moça tem as características de Becky: loira, estatura média e muito jovem; não dá para ver os olhos, mas poderiam ser verdes. - a ex-secretária comentou.
- Eram verdes. Consegui algumas informações. Por isso questiono. Será que Marcella conseguiria identificar se é a doutora?
Clara olhou como se Régia estivesse pintada de roxo e amarelo.
- Amor, a última pessoa no mundo, nesse momento, que faria algo para ajudar a doutora seria a Marcella. A situação mais constrangedora e delicada da minha vida foi intermediar ambas. Tive que filtrar muita fala para que tudo parecesse minimamente civilizado. Foi horrível!!
Régia quase riu da expressão da loira. Sentiu certa pena por tudo que aconteceu. Uma trindade se rompia: Luciana, Marcella e Clara. A morena lembrava perfeitamente a conversa que teve com a médica, no haras, quando essa percebeu o triângulo amoroso que se estabelecia e quis deixar bem evidente que Clara e Marcella eram suas aliadas, em uma atitude que deixou Régia admirada. Agora, os dois alicerces de Luciana a deixavam.
- Pensei em Marcella, porque ela sabe o estilo de Luciana nesses ritos. Talvez ela pudesse identificar algo que não seria praticado pela doutora.
- Marcella retorna em dois dias. Talvez, pessoalmente, possamos convencê-la a ajudar. Pretende falar com a doutora?
- Sim. Ela será nossa única fonte. Se mentir, se coloca em nossas mãos; mas, duvido que ela minta. O que ela disser, tomo como verdade.
- E, ela falando a verdade, se for inocente, estamos diante de algum tipo de conspiração.
Régia olhou enigmaticamente para Clara.
- Mudando de assunto, como estão as coisas com a empresa?
- Meu amor, deixei tudo com Becky. Ela e a consultora estão muito adiantadas nos planejamentos. Inclusive, quando você voltar para a fazenda, iremos todas juntas. Quero me reunir com essa tal Norah e ver como se porta com Becky diante de mim.
- Você não quer acreditar que a relação de Luciana e Becky não tem esperanças, não é?
- Depois de nós, acredito piamente na força do amor. E não vou deixar que Becky se decepcione mais uma vez.
- Amanhã tenho reunião no hospital, para falar sobre Anna; vou ver se converso com Luciana. Sondar essa história dela sair do país.
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- A colega agora é babá de filha de jagunça sem-terra?
Luciana ficou estática pela presença de Paula no quarto de Anna.
Passara para ver a menina, antes da reunião com o time de qualificação, porque acabara dormindo em seu escritório no hospital. Ver a outra médica só fez reforçar a dor de cabeça que sentia. Simplesmente a ignorou.
- Vai ser sempre assim: em falo e você escuta... - disse, debochadamente, encostando junto de Luciana, aos pés da cama de Anna - ...muito chato isso!
O silêncio pesado permaneceu. A médica percebeu que nada deteria aquela insana; mas, não deixou de pensar em demitir todo o pessoal da segurança; bem como pegar Arthur de jeito em seus deveres negligenciados com relação à filha.
- O.K. Pode ficar calada. Ultimamente você anda desinformada mesmo, sabendo tudo por mim ou pela televisão. Não deve ter nada para acrescentar. - disse, mexendo nos fios dos equipamentos da cama, ao mesmo tempo que pegava o prontuário - De minha parte, a felicito por ter largado aquela ch*pinzinha...
- Vejo que não está tão bem informada: foi ela quem me largou! Jamais a abandonaria; ela é a minha luz, porém depositei um fardo pesado demais sobre ela: você!
Paula começou a gargalhar.
- E não é que a loirinha seguiu meu conselho!!! Resolveu pegar alguém menos complicado para mamar, em vários sentidos. - disse, encarando Luciana.
- Não se sinta tão importante. Rebecca não segue nada, além do coração.
- É...de repente, embolsou uma grana naquela fazenda; fez um pé de meia fingindo cuidar das obras assistenciais; deve ter dado uma rapada em alguma conta conjunta; e o coração começou a enxergar o que antes, enquanto pobre, não conseguia. É...o coração falou bem mais alto!!! - e desandou a rir, deixando a médica com raiva, o que a fez pegar Paula violentamente pelo braço, morrendo a gargalhada.
- Ai, Luce, que saudade dessa pegada!!! - disse, sensualmente, gem*ndo ao contato, aproximando propositalmente a boca da boca da morena, Paula não perdeu tempo: acuando Luciana, beijo-a.
Diante dessa reação, Luciana a largou como se tivesse pego em brasa. Sentia nojo. Pensou que vomitaria, além da cabeça latejando.
- Escuta doutora, você fazia esse show depois de ch*par a bucet* daquela uma de rua? Minha boca é mais saudável do que a dela quando a catou na sarjeta, onde bebia água de latrina.
A médica avançou contra Paula, dessa vez querendo pegar seu pescoço.
- Se encostar em mim, eu vou berrar e todo esse hospital virá ver a mulher violenta que você é. Eu que deveria ter nojo dessa sua boca, desse seu corpo que serviu todas essas cadelas desclassificadas, já que Thomas não era o suficiente para você.
Pegou a bolsa que caira ao chão com a sacudida violenta e saiu, passando lentamente por Luciana.
- Eu só antecipei o que sua vadiazinha ia fazer. Ela está muito feliz, posando de empresária com essa consultora a tiracolo, enquanto você fica aí, se penalizando, achando que maculou um anjo. Aposto até que já esquenta a cama dessa consultora que arrumou, já que passam noites juntas.
Luciana não moveu um músculo; mas sentia como se fosse desmaiar.
- Você não sabia disso? - atirou um envelope em Luciana - Fica me devendo mais uma, já que eu zelo por sua reputação, colega! Para uma sociedade, suas sócias parecem que estão escondendo coisas. Nem apresentaram a nova funcionária!
A única coisa que invalidava a afirmação da obcecada mulher era que a própria Luciana tinha dito que não queria se envolver em nada na nova sociedade; por isso, o que Clara e Becky decidissem, ela aceitaria. Agora, a insinuação sobre o relacionamento da loirinha com a consultora ficou martelando na cabeça já prestes a explodir. Lançou o envelope longe.
- Paula, você não cansa?!?!? Não acha que já perdi tudo pelo qual deixei você? Não lhe devo mais nada; não temos mais o que zerar. Segue sua vida e me esquece! Eu jamais lembraria da sua infeliz existência, se não insistisse tanto em me provocar.
- Quem disse que quero esquecer você? Essa decisão nunca foi minha, colega!
Saiu rumo ao elevador.
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Becky iria participar pela última vez da reunião do time de qualificação. Todas suas atividades e funções seriam transferidas para algumas pessoas do time. As questões de responsabilidade social seriam diluídas entre as moças do departamento de relacionamento.
A loirinha estava contrariada por sair em um momento tão conturbado para Luciana e também para o próprio processo de qualificação, agora desfalcado de Marcella, uma peça chave.
Quando chegou, as pessoas já estavam na sala. Cumprimentou todas. A notificação de sua saída seria meramente formalizada, já que todos sabiam informalmente. Quem tinha que lamentar, lamentou; quem tinha que ser indiferente, não se manifestou. Becky até estranhou que o Prof. Victor tenha ficado quieto.
Ainda que antecipados no horário agendado, estavam já reunidos em seus lugares, temerosos de atrasar diante da toda poderosa.
Waldemar em seu lugar, à direita de Luciana. Os demais conselheiros ao longo de sua esquerda. Pela pauta, o desligamento de Becky seria o último assunto. Desta forma planejava pedir alguns minutos, antes da médica sair.
Pontualmente, a médica entrou na sala, com a pior expressão possível na face.
- Arthur, na minha sala, assim que acabar essa reunião, que será breve!
O médico olhou com certo espanto, mas não retrucou.
- Luciana, os assuntos a serem tratados não podem ser em pouco tempo.
- Victor, podem e serão. Observe.
- Dra. Luciana são assuntos que mexem estruturalmente com o time....
- Waldemar, faça algo útil: cronometre! Não haverá mais lançamento do livro; todos vão assumir o que era feito pela Srta. Rebecca, que está fora das empresas e pode se retirar da sala; assuntos de responsabilidade social serão congelados. Reunião encerrada! Arthur, venha comigo.
Mal tocando a cadeira, começou a sair da sala, parando a meio caminho da porta para olhar se o professor a seguia.
- Arthur, não me faça esperar.
O professor estava paralisado como todos, mas se moveu rapidamente.
- Luciana, não podemos...
- Victor, porque você insiste? É fato passado. Não me amola. Se quiser, fique alimentando o circo.
Ao virar, deparou-se com Rebecca que estava levantando para sair.
- Preciso falar com você. Sobre a empresa. - a jovem precipitou a dizer.
Foi completamente ignorada.
- É rápido. - insistiu.
A médica saiu caminhando a passos largos.
Isso tudo transcorreu em dez minutos. A reunião deveria durar pelo menos hora e meia. Rebecca concluiu que, como Norah tinha ainda uma hora para chegar, não apresentaria a consultora, mas tentaria pegar os nomes necessários para o planejamento.
Ao sair da sala, no encalço de Luciana, deparou-se com Norah; bem como com Paula.
- Ora, ora! Luciana, essa é a sua nova contratada que falei. A tal consultora e, nas horas vagas, sua substituta de cama para sua ex-noiva!
- O quê?!?!?! - Norah e Rebecca reagiram igual ao comentário de Paula.
Para alívio momentâneo, Luciana ficou imóvel.
- Quem é essa louca, Becky - Norah quis saber, falando em voz baixa, no ouvido da jovem, denotando certa intimidade.
- Luck...isso é loucura!!! - a jovem loira ignorou a consultora, pois só pensava em controlar a médica.
Nessa altura da situação, o corredor estava cheio com os participantes da reunião, paralisados, sem saberem se ficavam ou iam cuidar de suas vidas.
- Lorinha, como uma mendigazinha sem estudos, como você, conseguiu se colocar entre essas pessoas decentes? - Paula apontou para as pessoas ali paradas - Luciana, ela virou sua cabeça mesmo, você nunca foi de favorecer ninguém. Menina, você deve ser uma máquina sexual!
- Não sei quem é você, mas meça suas palavras quando falar de Rebecca. - a consultora se exaltou.
- Mais uma defensora ardorosa! Era só o que faltava. Tão pouco tempo e já enfeitiçou também. Loirinha, você nasceu com essa bundinha virada para lua....ou para as bocas certas! Essa também tem dinheiro, ou Luciana já deu o suficiente para você escolher coisa melhor que ela?
Norah, sem pensar, esbofeteou Paula que, como sempre, desatou a rir.
- Isso! Defende sua caminha quente, consultorazinha para assuntos aleatórios.
Rebecca estava estática da mesma forma que Luciana.
- Norah é muito competente, Luck. Eu ia apresentá-la na saída da reunião...
- Depende qual aspecto de competência, loirinha...gostosa ela parece ser.
Norah ia avançar novamente, mas desta vez todos congelaram.
- CHEGA!!!
O olhar gélido voltou-se para Rebecca.
- Não sou Luck: sou Doutora Luciana para você também! Não me importa o tipo de consultoria que essa mulher presta a você. Não me interessa sua vida e suas atividades pessoais. Quero preservar meu nome e tudo que o envolve. Por isso, não quero vê-las nunca mais aqui em meu hospital ou perto de minhas empresas. - disse em tom controlado, mas firme.
Nesse momento, Prof. Victor dispersou todos; Prof. Arthur correu acudir sua filha, que ainda ria muito, histericamente, apesar do filete de sangue no canto da boca.
Alguém chamou os seguranças.
- Dra. Luciana, não precisa ser assim. Nós temos ...- Norah tentou argüir.
- Calada. Retire-se já destas dependências, antes que atire os incompetentes de meus seguranças em cima de você. - disse isso, olhando fixamente para Rebecca. - O mesmo se aplica a você, Srta. Rebecca.
Antes que Norah tentasse revidar, Becky a segurou.
- Quanta atenção com sua consultora, loirinha gostosa!
- Seguranças, como última tarefa, coloquem essa louca para fora daqui, junto com as outras. - foi a ordem da médica
Aturdidos com a frase, os seguranças agiram rapidamente, mas foram impedidos pelo Prof. Arthur.
- Deixem minha filha e essas moças. Elas sairão em paz. Elas não são intrusas.
Os guardas ficaram feito patetas, diante do impasse.
- Arthur, esse pode ser seu último ato de autoridade.
Com essa frase, Luciana virou as costas e seguiu para o elevador.
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- O que você estava fazendo no hospital, com quase uma hora de antecedência?
- Faz diferença ter sido uma hora antes ou depois que aquela louca nos abordou daquele jeito?
Becky dirigia de forma alucinada; ainda tremendo e não entendendo nada do que ocorrera. Tudo saíra errado. Totalmente imprevisível. Paula, como sempre, causando tumulto.
- Quem era aquela louca? De onde tirou aquelas insinuações? - Norah também estava agitada.
- Aquela louca era a última pessoa que eu imaginava e queria ver no mundo!
- Por que? O que ocorre?
- Norah, não vale a pena saber de detalhes; apenas que ela acabou de ferrar nosso fio de esperança de Luck se envolver conosco.
- ...e o seu de reatar com sua noiva!
- Norah, precisamos falar com Clara.
- Essa mulher parece ter uma influência muito grande sobre a doutora; já que a faz acreditar em coisas tão descabidas! Imagina, sua ex-noiva pode não me conhecer, mas conhece você; tem discernimento para filtrar coisas tão levianas. Desculpe, Becky, é até antiético dizer, já que sou contratada, mas a Dra. Luciana me decepcionou com sua atitude. Expulsar você como uma qualquer!
- Norah, por isso preciso de Clara: somente ela poderá entender Luck como eu entendo. Pessoas como você só enxergam o exterior e ele, apesar de belíssimo, é aterrorizante. Quer ficar em algum lugar? - com isso, a jovem impediu novos comentários.
- Mas, nós vamos manter nosso planejamento? Não serei dispensada? Não podemos por tudo a perder, por intrigas de uma louca em uma mulher ciumenta! - a consultora parecia realmente preocupada, ao ponto de não medir palavras.
- Se depender de mim, agora você fica infinitamente. Se há algo que não admito é injustiça. Você é uma inocente arrastada para um sacrifício. Se quiser ficar, não se preocupe com o resto! Apenas se proteja contra balas perdidas.
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- Arthur, desde quando dei a entender que relaxei os instrumentos legais de segurança contra essa doida da sua filha?
O professor estava acabrunhado.
- Repita o teor deles para mim. Já!
- Luciana, não seja infantil. Todos nós sabemos do que se trata.
- Então não posso nem dar a você o benefício da senilidade, já que não os esqueceu. Quer dizer que é uma afronta mesmo! Está querendo medir forças, Arthur? Sabe que quem pode mais, chorará menos. Eu não vou chorar.
Abrindo a gaveta, Luciana retirou uma papelada.
- Nestes documentos está tudo que preciso para colocar sua filha em um avião e despachá-la para algum isolamento ou trancá-la em uma penitenciária.
Arthur olhava para os documentos.
- Estes documentos me garantem reaver dez por cento das ações que demos a você e mais dez por cento que são suas, por não cumprimento de acordo. Sem isso, sua participação é inferior ao necessário para ser conselheiro. E, se eu quiser, posso deliberar sua exclusão do conselho diretor, conforme cláusula deste acordo. Nem Victor poderá segurar você.
Ele permanecia calado, mentalmente avaliando se ter algum status naquelas empresas realmente valia ter perdido a filha. Perdera sim, pois desde todos os acontecimentos, nunca mais teve em Paula sequer o esboço de uma filha; nem da promissora médica; nem de uma mulher. O que podia ver, quando não a mantinha trancada em alguma instituição na Europa, era um olhar perigoso, cheio de descrédito e, em sua conversa, a nítida obsessão pela poderosa mulher a sua frente. Esse olhar é o que se pode ver ainda depois de tanto tempo.
- Então, Arthur, o que vai ser: prisão, exílio, saída do conselho; ou, tudo junto.
O professor, aparentando muito cansaço, começou a falar.
- Luciana, nós sequer sabemos onde Paula está. Ela não tem mantido contato conosco. Ela entra aqui valendo-se do fato que todos sabem que é minha filha; uma vez que você liberou minha sala, para chegar nela, tem que atravessar o hospital. Ligamos para a última instituição onde ela ficou. Eles disseram que ela saiu com nossa autorização. Como conseguiu forjar documentos não sei; mas, por outro lado, eles liberaram-na sem questionar, pois nas últimas avaliações ela não apresentou motivos para permanecer retida. Apenas a mantinham porque pagamos muito bem e não havíamos dado ordens para liberá-la.
- Apesar de não ter nada a ver com a incompetência de vocês, Arthur, dou dois dias para você resolver a situação. Tenho certeza que você pode rastrear e achar sua filha, mas, se eu tiver que fazer isso, será para mandá-la para a cadeia. Concedo essa última chance em consideração a Thomas e à amizade de vocês.
O professor não sentiu vontade de revidar, argumentar, ser sarcástico, ou qualquer outra reação.
Olhou para os olhos azuis que sempre achou magníficos; que sempre o encantaram, muito parecidos com os da mãe dela. Enxergou muito além da frieza. Sabia muito bem que a mulher de gelo a sua frente era falsa. Já testemunhara e sabia que esse discurso de consideração não existia no vocabulário do verdadeiro iceberg.
Essa que o estava acuando, usava de todas as armas que tinha para proteger, não a si mesma, mas a pessoa que amava.
Paula sempre foi uma pedra no caminho de Luciana, mas em todas as vezes, foi retirada e empurrada para não atrapalhar o que foi traçado. Agora, Arthur percebia que a urgência era anular a filha de vez, por medo.
O famoso acordo surgira em uma tentativa contra a vida de Luciana, ainda grávida, e Thomas. Paula conseguira adentrar a mansão e não teve dúvidas em disparar contra o professor, ferindo-o seriamente. Também feriu Luciana, que teve mais presença de espírito e, apesar de grávida, conseguiu desarmar Paula dando tempo para os seguranças dominarem-na. Com o esforço, acabou quase abortando. Foi um pandemônio.
Para evitar situação pior para sua filha, aceitou o acordo de manter Paula fora do país enquanto Thomas ou Luciana e descendentes fossem vivos e/ou residentes no mesmo; em contrapartida, se descumprisse o acordo, perderia dez por centro de suas ações.
Thomas, em testamento, deixou dez por cento para o professor, dizendo ser para favorecimento de estratégias de negócios. Mesmo fazendo isso, ele ainda deixou a médica como majoritária, com quarenta e cinco por cento. Prof. Victor tinha vinte por cento e Arthur, até então, dez por cento. Os quinze por cento restantes eram de membros escolhidos por Thomas ao longo dos anos.
Entretanto, havia uma cláusula que garantia o direito de reavê-las para Luciana, caso ela sofresse algum riscos ou ameaças de herdeiros de Arthur.
Não seria o caso, mas ele sabia que os advogados da médica davam nó em pingo d´água e perder suas ações para ela não seria difícil.
O que importava nisso tudo, agora, era que a médica quando falou em consideração, falou com verdade. Não sabia se era a ele, Arthur, ou ao marido morto; mas era verdadeiro. Não teria existido isso em outros tempos e, ele sabia que até mesmo Thomas não teria tido consideração alguma.
- Luciana, não leve o que vou dizer como afronta. Dei a seu pai minha palavra de que a educaria. Você me possibilitou não somente educá-la, mas como ver aflorar uma mulher magnífica, em beleza física e força. Uma mulher determinada e impenetrável nessa determinação. Ambiciosa, ardilosa, sagaz.
Ela escutava, muito séria, sem desviar o olhar.
- Mas ocorreu ‘o mas' e eu fui vítima dele. Mesmo assim, segui ao seu lado, porque assim prometi ao seu pai. Porém, lamentei em todos esses anos a perda da menina Luciana que conheci. Lamentei que Thomas, ainda que meu amigo, tivesse conseguido implantar toda aquela desumanidade dele em você. E, ainda assim, por conhecer suas razões, fiquei ao lado de vocês.
- Perder dez por cento de ações de um conglomerado como o nosso faz pensar duas vezes.
- Minha cara, tenho certeza que você sabe da minha lealdade. Nesse exato momento, renunciaria a tudo, se soubesse que deteria minha filha em seus atos contra você e, agora, Rebecca.
Os olhos dela demonstraram que o velho professor acertara em cheio o que a atormentava.
- Paula não quer ferir você; ela a quer para ela. De alguma forma, ela quer provar que você não pode amar outra pessoa que não seja ela, porque ambas são frias, calculistas, desprovidas de moral; feitas do mesmo elemento. Essa é a visão que ela reteve em seu choque; quando no auge do amor e devoção foi privada do objeto adorado. Como uma câmera que se quebra, mas ainda registra a última imagem. Essa imagem é a mulher que ela quer. Ela não sabe que essa mulher não existe mais.
Ela sorriu de forma sarcática.
- Será? - sustentou o sorriso, semicerrando os dentes, malignamente.
- Luciana, se você parar de tentar imitar ‘Luciana', verá que sua vida foi preenchida de elementos novos. Não só pessoas, mas sentimentos. Para vencer Paula, tem que deixar de ser a ‘Luciana' que ela quer de volta. Paula e outros que a vêm de fora, não percebem; mas nós que fomos mais íntimos, sabemos o que Rebecca operou em você.
- É, operou uma lobotomia que estou conseguindo reverter!
Arthur riu da teimosia da doutora; também lastimou que ela nunca quisesse enxergar o quanto próximo estava de sua redenção.
- Só peço que saiba filtrar as imagens que a mente distorcida de Paula transmitem. Infelizmente, uma culpa que só é sua, faz minha filha ser essa pessoa sem controle. E você sabe quem criou o monstro. Só não sabe como destruí-lo. Talvez, apenas matando.
Ficaram em silêncio.
- Você foi dura demais com Rebecca. Ela não merece. Tem o direito de errar e acertar como todos. Tem o direito, mas não abusa dele. Ao contrário de você, que deveria canalizar essa sua fúria e disposição para defender o amor que está em seu coração. A escolha é só sua. Rebecca fez a parte dela. E, devo dizer, fez muito bem feito.
- Ela soube correr rapidinho, agora que tem dinheiro e certo polimento!
O velho médico sabia que Luciana não aceitava palavras. Levantou e, num gesto que a médica não esperava, a abraçou. Ela não esboçou reação, embora fosse palpável a tensão que parecia se desfazer. Por fração de segundos, Arthur achou que ela se desmancharia em seus braços. Mesmo achando que ela precisava, sabia que isto poria muito a perder. Desfez o abraço, afastando-se.
- Pode me conceder o prazo que for, não terei como deter minha filha. Faça o que quiser; você tem mais recursos do que eu. As coisas materiais que tenho, agora, garantem minha aposentadoria. Posso me retirar com dignidade e seguro de que cumpri minha promessa ao seu pai e honrei minha amizade por Thomas.
Luciana assistiu, imóvel, a mais uma perda em sua vida.
***
***
i won't pretend that i intend to stop living
i won't pretend i'm good at forgiving
but i can't hate you
although i have tried
i still really really love you
love is stronger than pride
i still really really love you
sitting here wasting my time
would be like
waiting for the sun to rise
it's all too clear things come and go
sitting here waiting for you
would be like waiting for winter
it's gonna be cold
there may even
be snow
(Love is stronger than pride - Sade)
Clara escutou tudo o que Becky disse. Ficou estupefata!
- Eu queria tampar os ouvidos de Luck, queria que Norah sumisse dali; queria que um raio fulminasse aquela louca!
- Becky, essa Dra. Paula pode até ser louca, mas é de uma esperteza ímpar! Ela é psicopata. Não está nem aí para as pessoas que a cercam. Isto sim me assusta. Ela me pareceu bem por dentro dos seus passos. Ela sabe de Norah. Repita o que ela disse sobre vocês?
Com certo desconforto, a jovem loira relatou tudo novamente.
- Ela disse isso e a doutora rapidamente caiu na dela e deu um show?
- Sabe como é Luciana quando sente ciúmes. Penso que o que detonou tudo mesmo foi Norah me defender. E Paula, mais uma vez, lançar intriga. Aí Luciana explodiu!
- Becky, isso foi apenas lenha na fogueira. Luciana já entrou contrariada na reunião. Já foi agressiva com você, antes mesmo de ocorrer o encontro. Apesar de separadas, ela estava respeitando você como profissional e a tratando com cordialidade; de repente, é ríspida com você ainda na sala de reunião.
Becky começou a andar de um lado para o outro, rolando as bolinhas dinamite entre as mãos, procurando relaxar.
- E, a primeira coisa que ela fez foi chamar o Prof. Arthur rispidamente. Quando estão saindo, de repente, Paula surge. Não seria razoável pensar que ambas já haviam se encontrado antes? - a ex-secretária concluiu.
Pares de olhos verdes se cruzaram.
- Uma coisa que me chamou a atenção foi quando Paula se referiu a Norah e deixou passar que já havia comentado sobre ela com Luck.
- Hummm, agora podemos começar a montar o quebra-cabeça. O que mais você lembra?
- Nada, além do fato dela me humilhar muito na frente de todos....
-...e,por tabela, expor a própria doutora perante seus seguidores.
- Nossa, nem me fale! Porém, a insinuação toda era de ordem sexual; o tempo todo ela insistia que eu e Norah estamos juntas, zombando de Luck.
- Tem motivo? Existe alguma possibilidade de vocês terem feito algo que evidenciou isso?
Becky ficou vermelha.
- Mas seria impossível Paula saber...
- O que você fez, Rebecca?
- Bem...algumas vezes...você sabe...ficamos tão entretidas no trabalho...que não percebíamos o tempo passar e....
- e....
- Ah, Clara! Não foi nada demais. Acabamos pernoitando juntas, algumas vezes na minha casa, outras na casa da Norah. - a jovem resolveu falar logo, já que não fizera nada demais.
Clara não recriminaria Rebecca por omitir isso dela, caso não percebesse que Paula estava na cola da jovem.
- Becky, sabe o que isto significa?
- Você não está brava comigo?
- Becky, sinceramente, não. Acredito quando você diz que nada demais aconteceu. Ainda que ache exagero, já que ambas têm carro e moram em locais muito seguros; sem necessidade de pernoitarem.
- Eu sempre disse isso à Norah, mas cedíamos sempre em ficar; trocando gentilezas. Sabe como são essas coisa que fazemos e nem bem entendemos o porquê.
- Pois é. O sentimento que essa revelação me causou foi medo: Paula está seguindo você. Buscando deslizes. E isso é perigoso. A doutora foi muito clara ao dizer o quanto teme essa mulher e o que ela pode fazer com quem cruza o caminho dela.
Rebecca ficou imóvel. Então os olhos arregalaram como se tivesse tido um vislumbre.
- Então foi isso!
- Infelizmente é, Rebecca. Ela encheu a cabeça de Luciana com isso.
- Ela encontrou com Luck antes da reunião e a provocou. Mas, é a palavra dela apenas. Luck sabe que ela distorce tudo. Foi por isso que tivemos aquela briga horrível: porque Paula distorceu tudo que conversei com ela.
- Exato, Rebecca, por isso ela deve ter mostrado alguma evidência e, assim sendo, ela está vigiando você bem de perto e diariamente.
- Era só o que faltava!!!!
- Para a doutora acabou virando mais uma omissão sua; mesmo que ela tenha dito que não queria se envolver com as empresas, Norah é um elemento novo para ela e já chega como suposta privilegiada em seus afetos, Becky.
As duas loiras sentaram, com as mentes fervilhando.
- Isto vai detonar com o lado profissional de Norah.
- E pode apostar que, agora, a doutora vai querer se envolver: não para ajudar, mas para impor sua autoridade e poder sobre Norah.
Clara queria entender Paula de forma mais íntima com relação à Luciana; Rebecca buscando entender Luciana, mais uma vez.
- Então, Paula soube mexer bem as peças dessa vez, porque não vou permitir esse tipo de capricho e injustiça, Clara.
- Norah vale mais do que a doutora?
- A minha consciência vale!
***
***
- Régia, eu chamei você para falar dos rumos que estamos dando para o caso da Anna.
Durante um bom par de horas, a médica descreveu o quadro da menina; mostrou novas pesquisas e anotações feitas por ela.
- Tudo leva a crer que sua filha não está mais em coma em decorrência da Síndrome de Reyes. Todos os sinais vitais estão perfeitos; segundo os assistentes de Paz, ela já esboçou reação ao som; já chegou mesmo a abrir os olhos e apresentar movimentos oculares fora dos padrões de coma; além de reagir à picada de uma agulha, demonstrando que sente dor.
- Pelo que puder ler, o tratamento de Paz deu certo até um determinado ponto; porém, agora, não consegue mais obter os resultados esperados.
- Certo. Estou pesquisando alguns livros, relendo artigos, entrando em contato com outros colegas cientistas. Em um ponto concordamos: Anna, na escala de Glasgow, está em um estágio de coma moderado.
- O que poderá significar reação a algum estímulo externo?
- Na verdade, acreditamos que sim. Nossas pesquisas, minha e da Paz, têm nos conduzido aos vários tipos de terapia por estímulos. Ainda que sejam estudos antigos, esses renomados pesquisadores apresentaram bons resultados e, ao longo dos anos, outras pesquisas com recursos mais modernos tenderam a, se não definir a eficácia, incentivar a continuidade de experimentos.
Denotando certo incômodo, a médica tomou alguns comprimidos, sem água. Régia a observava: o semblante de Luciana era o pior possível, com olheiras profundas, constantemente esfregando as têmporas, denotando dor de cabeça; mas, ao mesmo tempo, agitada; permanecendo em pé, andando pela sala.
- Como parte da pesquisa, tenho ficado algumas horas no quarto da Anna. Pude testemunhar algumas reações, inclusive, a emissão de sons; não palavras, mas sons.
- Ela é bem tagarelinha, parece uma mini-Becky. - e sorriu com a própria constatação, ficando séria rapidamente, pela alteração postural da médica ao nome da jovem.
- Pois bem, escute o que pensamos fazer e precisamos de você. - a médica continuou com certa rispidez.
Ao término das explicações, Régia recebeu uma espécie de manual, com as instruções completas do que seria a terapia dali em diante.
- Percebo que terei que ficar por aqui um tempo, então. Como ficamos com a fazenda e o projeto das meninas?
- Vamos nos revezar: eu vou tomar conta do que envolve a fazenda, com a ajuda do João de Deus e da Mirtês; você vem para São Paulo e fica na mansão, pois temos tudo que precisamos por lá.
- Clara mencionou que você ia fechar a mansão e sair do país.
- Vou sim. Mas, alterei meus planos em alguns aspectos; porém, o resultado final será o mesmo: vou morar fora do Brasil.
Régia não sabia se mencionava sobre Rebecca, se falava sobre o clube; não sabia o que conversar, pois todos os assuntos não aparentavam definição, além de não melhorarem em nada o humor da médica.
- Clara e Rebecca estão muito empolgadas com a nova empresa. Já estão com o planejamento quase todo traçado. Hoje Rebecca deveria ter apresentado a Norah para você. Elas estavam precisando de alguns nomes para fazer entrevistas. Elas conseguiram?
- Régia, Clara fornecerá melhores informações a respeito; já que todos aqui já sabem o que ocorreu. Nossa conversa acabou.
Pela primeira vez em sua vida, Régia não soube o que dizer diante da hostilidade registrada na voz da mulher a sua frente, a quem sempre soube entender os códigos.
- Luciana, não gosto de me intrometer, mas é visível que você não está bem. Sabe que sempre poderá contar comigo para desabafar.
- Régia, não gosto de intrometimentos; sei que minha aparência é péssima; não é com você que quero desabafar.
A bióloga apenas levantou-se, indo em direção à porta. Virou-se subitamente.
- Luciana...
- Sim?
- Obrigada!
- Digo o mesmo! - assentiu com a cabeça.
Quando Régia saiu, a médica retirou da gaveta o envelope que achara no quarto de Anna quando, em sua frustração após a discussão com Arthur, retornou para testar na garota algo que lera em um dos artigos.
No envelope, algumas fotos mostravam Rebecca entrando em um prédio, haviam datas e horários registrados nas fotos, dessa forma, percebia-se a passagem do dia, bem como que o carro da loirinha permanecia na garagem evidenciando pernoites. O mesmo ocorria com fotos da consultora no prédio de Rebecca.
Eram evidências fracas, mas a médica sabia que se mandasse checar, não encontraria montagem nas fotos.
Queria dar o benefício da dúvida para Rebecca. Conhecia o caráter dela; o profissionalismo. Entretanto, a simples idéia da jovem ter pernoitado na casa da consultora, conseguia formar imagens na mente da médica que a deixavam transtornada. E aquela tal Norah transbordava interesse na jovem. A médica percebeu e, isso, fazia pensar que Rebecca poderia, facilmente, ser seduzida uma vez que era ingênua, estava saindo de uma relação complicada, estava frágil.
Becky, Becky, Becky....saudade enorme. Luciana, ao menos para si, era obrigada a admitir. Após a conversa referente ao pedido de tempo, por alguns dias, ainda que não querendo crer, manteve a esperança de Becky ceder e voltar. Com o passar dos dias, a médica não acreditou que houvesse volta.
Tentou de tudo para se entreter. Sentiu o desejo cutucando sua libido para buscar alguma satisfação. Após rondar por lugares costumeiros, sem ter qualquer interesse despertado, contratou a melhor profissional que o dinheiro poderia comprar. Usou e abusou da mulher a quem pagara caro, para chegar à conclusão de que ela era quem deveria ter ganho para dar o que deu àquela prostituta de luxo. Estava certa que a garota teve sua melhor trans* de todos os tempos; mas ela, Luciana, não sentiu nada.
E, se existia algo que irritava profundamente a médica, era não satisfazer seus desejos. Não liberar seu gozo. Mesmo após todos os infortúnios, sexualmente ela sempre se manteve ativa, até mesmo por compulsão, por puro exercício de liberação de energia.
De repente, sem Rebecca, nada parecia servir. Tinha fome, mas não tinha alimento. Por outra, tinha todo o alimento que quisesse; mas não conseguia degustar. O paladar fora viciado em algo que ela não queria admitir dominá-la.
Decidiu que precisava de mais tempo. Resolveu se dedicar a algo que a distraísse do desejo por Rebecca. Quem teve sorte foi Anna.
Qual era a substância viciante na jovem loira que fazia a médica tão refém? Seria a confiança para deixar Luciana fazer tudo que o desejo ditasse? Ou a posse adquirida que Becky demonstrava com mais freqüência nos últimos tempos? As duas coisas juntas que permitiam saciar a fome em qualquer lugar, sem medos, sem equilíbrio, apenas sabendo que tudo a volta era delas e somente delas?
Luciana sabia que era mais do que isso; sabia que não era algo relacionado unicamente com o sex*; era algo que sentia no beijo, na saliva, no gozo; era uma seiva que vinha através do amor que faziam. Era somente isso: com Becky, apesar da pieguice da constatação, Luciana fazia amor; simples e puramente amor. E o recebia em troca, através do que chamou de seiva. A essência de Becky era o amor. Luciana cada vez mais tinha que admitir que sonhara alto demais ao pensar que poderia reter a magia dessa fonte por muito tempo.
Desde o mais simples contato, sem qualquer ousadia; até aos malabarismos de rituais complexos, o que queria e ansiava sempre era poder ter a essência do seu amor entrando em seu corpo.
Luciana sentia falta dos toques da jovem, do cheiro, dos olhos pousados nela; de poder apenas olhar diretamente naqueles olhos, apenas para se perder e se encontrar. Não queria remotamente conceber a idéia de outras mãos, bocas, qualquer invasão no corpo amado. Não queria que Becky a esquecesse; mas sabia que o melhor era ser esquecida. Mas também não queria ser palhaça nas mãos de Paula. E, novamente, Becky permitira que isso ocorresse.
E, agora, diante da possibilidade de ver a jovem nos braços de outra, seu ciúmes tomava volume insuflado pelas recordações.
***
***
Mal sabia a médica que Rebecca também se alimentava de recordações. Ao contrário da sagaz e astuta doutora; em sua simplicidade, a jovem loira nunca teve que gastar tempo e energia buscando o que sentia na sua entrega, sexual ou não, à Luciana.
E, justamente por ser o contrário, a jovem achava que deveria buscar novas experiências; era um achismo e por isso sem urgência. Não tinha pressa de buscar em outras como consumar o desejo que sentia. Desejo do qual se tornou consciente e dona quando se sentiu plenamente confiante para amar sua doutora.
Foi com Luciana que a jovem deixou de ser a garota e se tornou a mulher amante, exigente, sabedora do que queria dar e receber. Ao recordar seus momentos íntimos com a médica, Rebecca não conseguia acreditar que fora a protagonista de tantas e inusitadas experiências.
Era certo que sabia viver sem essas ousadias todas em sua vida sexual; mas, também era fato que teria que ter muita sorte para encontrar outra parceira em quem confiasse tanto; outra mulher que fosse capaz de garantir a segurança necessária, ao mesmo tempo conceder o domínio, a liderança dentro do ato.
Com Luciana, Rebecca não tinha medo de ser pega e acusada de atitudes públicas indecorosas, pois a médica aniquilaria qualquer um que impedisse seu prazer, em qualquer lugar que fosse; uma vez segura disso, a jovem loira sabia que poderia tirar o que quisesse da mulher soberana. Essa combinação de proteção e ousadia; esse mimo soberbo era o combustível para o prazer delas.
Os dias sem amar a médica deixavam marcas na jovem empresária. Sentia desejo, necessidade; sonhava, recordava. Sabia se controlar, porém não podia negar que precisava extravasar o que sentia.
Pensava em como a médica estaria lidando com o desejo, uma vez que sabia o quanto ela era movimentada por ele. Sabia o quanto conseguia irritar a médica quando fazia greve de sex* em momentos que julgasse necessário reafirmar sua posição no relacionamento. Foram poucos, mas o suficiente para saber que Luciana se incomodava muito.
A impaciência quando queria consumar o ato; isto, somado a força que ganhava quando excitada, deixavam Rebecca fora de si. Lembrou do dia no corredor do prédio onde morava. Começou a rir de satisfação.
O prédio tinha dois corredores formando um ‘U' com os elevadores e a escadaria nos vértices da letra. Entre os corredores, o vão que abaixo mostrava as áreas de serviços e, acima, o céu. Em ambas perspectivas, os demais corredores eram vistos por quem quer que se debruçasse nos parapeitos dos andares. Era muito comum os fumantes usarem o corredor, valendo-se do vão livre, para não infestarem seus apartamentos de fumaça e mau cheiro.
Pois bem, naquela noite de chuva torrencial, as duas estavam excitadíssimas; chegaram aos beijos, numa pegação desde o carro. Dentro do veículo, a médica já havia arrancado a calcinha da jovem, iniciando uma deliciosa fricção das paredes internas da vagin* e ânus. A excitação era tanta, que ambas tinham dificuldade com o apertado espaço do carro. Por isso, tiveram que deixá-lo em frente ao prédio; adentrando a portaria do edifício, continuando dentro do elevador, numa exibição despudorada para os olhares do porteiro e a vigilância da câmera dos elevadores. Becky, nessas horas, aproveitava os beijos para esconder o rosto nos cabelos macios, tirar o máximo de proveito da estatura da médica e, acima de tudo, mostrar a mulher gostosa que a tinha em seus braços. Ela adorava ver a cobiça e inveja nos olhos daqueles homens que, nem em seus remotos sonhos, teriam uma mulher como Luck.
Com a chuva, as roupas estavam grudadas ao corpo. Luck estava usando roupas brancas, pois vinham direto do hospital; seus seios estavam deliciosamente delineados sob a camisa transparente; a saia grudara no quadril, impedindo um pouco a mobilidade. Por sua vez, Becky usava um vestido reto, que também estava colado ao corpo, mas não oferecia nenhuma resistência, agora que a calcinha se fora.
No elevador, a médica lançou a jovem contra o painel dos botões, colando-se atrás dela, com a língua movimentando-se em sua nuca, enquanto os dedos apertavam um mamilo entre eles e a outra mão massageava o clit; Becky acabou apertando alguns botões a mais, o que fez o elevador parar em andares desnecessários. Por duas vezes, outros moradores tiveram que esperar o outro elevador. Becky não sabia se morria de vergonha ou de gozo. Claro, preferia não morrer e goz*r tudo, sem vergonha alguma.
Ao chegarem ao andar do apartamento, estavam molhadas pela chuva e por outros motivos. Afoita, Luck não dava folga, erguendo Becky do chão enquanto devorava sua boca, metendo as mãos entre as pernas da jovem, que mal sabia como estava respirando ainda.
Por várias vezes tiveram dificuldades com as chaves, mas foram momentos de menor urgência, por isso sem maiores conseqüências; entretanto, desta vez, com a impaciência da médica e sua total falta de controle, já que imprensava Becky contra a porta e devorava os seios da garota; Luck conseguiu quebrar a chave na fechadura.
Por um milésimo de segundo ela parou e olhou para a porta e para a jovem; em seguida, Becky era penetrada, soltando gemidos ao mesmo tempo que tentava articular palavras.
- Luck...Luck...não podemos....
- Claro que podemos.
Repentinamente, foi virada para o parapeito do corredor. A cabeça pendia para o vão, olhando para o céu, recebendo as gotas da chuva, enquanto sentia a língua quente e deliciosa pincelando toda sua vulva, abrindo gulosamente os lábios, penetrando como uma serpente de fogo entre os meios da loirinha. Becky sabia que seus sons ecoavam pelo vão, invadindo os corredores. Pior: as luzes só permaneciam acessas quando havia movimento no corredor e, naquele momento, mesmo em gozo, viu luzes nos andares. Isso a deixou mais excitada; apenas abriu mais as pernas, colocando um pé no ombro da médica, deixando que ela fizesse mais uma de suas magias.
Cada ch*pão no clit*ris, fazia a jovem arcar mais sobre o parapeito, expondo os seios para a lua e quem mais quisesse ver. Luck subiu com a língua deixando rastros pela barriga, e abocanhou os gêmeos perfeitos, segurando Becky firmemente pela cintura. A sensação de vertigem tomou conta da jovem, que não sabia se a queda seria naquele vão do prédio ou no vale do gozo.
Foi aí que a jovem deixou qualquer decoro de lado. Com toda a força do desejo, inverteu a posição com a médica. Sem muita delicadeza, para delírio de Luck, Becky com um puxão, rasgou a saia que impedia alcançar a púbis de sua amada. A brutalidade do ato somada à virada que a jovem deu no corpo da médica, deixando-a debruçada no parapeito, olhando para o que seria uma queda considerável, fez Luck soltar o mais longo gemido de prazer ao sentir a jovem abrir sua bunda, lambendo tudo que encontrou a sua frente. Agradecia por ser capaz de se concentrar em sua segurança, caso não quisesse despencar naquele vão e, provavelmente, levaria Becky, de tão grudada que estava em seu clit*ris, numa ch*pada sem precedentes.
Os sensores do corredor não alcançavam determinados lugares, portanto agora estavam no escuro. Becky não precisava de luz, porque lambia tudo que encontrava pela frente, sugava aquela seiva deliciosa. Após lubrificar bem os orifícios a sua frente, resolveu penetrá-los.
Buscou a bolsa jogada perto da porta. Luck não teve tempo de sentir a ausência, pois seu ânus foi preenchido por um vibrador.
- Puta que pariu!
Becky lembrou do pequeno aparelho que ganhara de presente da médica e que mantinha na bolsa, já que era em formato de rímel. Nunca imaginou usá-lo; ou imaginou. Agora, sabia que usaria.
Enfiou-o sem aviso, enquanto voltava a sugar o clit*ris de Luck. Sentiu as pernas da médica ficarem bambas. Temeu por um acidente; por isso, puxou a médica para as escadas. Aproveitando a vantagem dos degraus entre elas, realizou um desejo: segurando a cabeça de Luck entre suas mãos, devorou a boca da médica, olhando olhos nos olhos, na mesma altura. Sugou demoradamente a língua úmida; tinha consciência do aparelho metido na médica. Empurrou-a, deitando-a nos degraus, empoçados pela chuva que entrava pelas vidraças.
Montou sobre ela, devorando os seios que via nitidamente sob o tecido fino da camisa. Sugou alguns minutos, para em seguida, com a mesma brutalidade, arrancar todos os botões, expondo os mamilos eretos para o deleite de seus lábios. Luck só sabia pedir por mais. Pedia mordidas e as recebiam fortes como gostava. Becky desceu pelo corpo, sorvendo as grossas gotas de chuva que caiam sobre elas. Falava o quanto estava molhada; perguntava sobre o vibrador alojado em Luck; dizia que todos estavam olhando o mais indecente espetáculo visto naquele corredor; murmurava que seriam expulsas, por serem vadias depravadas; putas loucas exibicionistas. Dizia coisas obscenas, enquanto seus dedos ameaçavam a vagin*; entrando, sem penetrar. A médica se contorcia sob os toques, iluminadas por uma luz de qualquer outro andar, Luck via os olhos de sua amada; via o desejo, a insanidade. De repente, a jovem retirou o intruso de dentro da médica. Beijo-a vorazmente.
Luck, sem pensar, já que há muito deixara de se importar com isso, rasgou o vestido da jovem loira, deixando-a nua. Apoiou um pé dela no degrau acima de sua cabeça, olhou por um tempo a bela vulva a sua frente, para devorar novamente. A posição era perfeita. Becky alisava os cabelos molhados, sentia a respiração de Luck acariciando cada milímetro de sua carne. Sentiu o orgasmo vindo, abriu os braços e segurou nas paredes que ladeavam a escada, lançando a cabeça para trás. O som parou na garganta, enquanto sentia-se derreter pelo queixo da sua mulher.
A médica a colocou sobre seu corpo, deitadas nos degraus. Em mais um de seus malabarismos, iniciaram uma penetração mútua, em um movimento insano, descompassado, urgente. Luck cedeu ao orgasmo primeiro. Um som animal ecoou pelos corredores; Becky estava próxima, então Luck colocou-a sentada em seu colo e intensificou a penetração, abraçando a jovem fortemente contra seu peito. Becky cavalgava os dedos, num movimento frenético, agarrada ao pescoço da médica; que, ao perceber que a jovem estava segura, usou a mão livre para pressionar o clit*ris tenso, massageando-o. Becky explodiu: gemidos intensos, convulsões que sacudiam o corpo inteiro, provocando espasmos; era como se estivesse morrendo e renascendo. Ficaram na escada, recuperando fôlego e força.
Ao olharem ao redor, perceberam luzes por todos os andares; constataram, rindo, que não tinham roupas decentes para voltarem ao carro. A médica não teve dúvida; em um último ato exibicionista, arrombou a porta do apartamento. Becky poderia jurar que foram aplaudidas.
***
***
- Caraca, Clara! Por isso Luciana estava com aquela aparência.
Clara e Régia estavam na jacuzzi, no jardim da casa, degustando um excelente vinho e frutas.
- Preciso ir falar com ela, Régia.
- Ela não está aceitando conversas. Você precisa saber o que vai falar.
- É. Ela vai espinafrar com a nossa sociedade. Vai cobrar de mim o aparecimento da Norah.
- Tecnicamente, ela não pode cobrar nada, já que não estava interessada em se envolver.
- Estamos falando da Dra. Luciana Lowestein. Nada é impossível para ela.
- Uma coisa é certa: ao invés de querer acabar com tudo, me parece que ela vai acompanhar de perto de agora em diante.
- Não sei o que é pior! - Clara sorveu o vinho, abocanhando a physalis que recebia de Régia.
Elas estavam vivendo plenamente o romance que tanto custaram a concretizar.
Os dias que Régia estava passando em São Paulo proporcionavam momentos inesquecíveis. Mesmo com todos os acontecimentos, Clara fizera a si mesma a promessa de nada ser mais importante do que a relação de ambas.
Diante do pouco que se descobria da história de Luciana e Paula, Clara chegou a ter receio que estivesse desenvolvendo uma obsessão por Régia, tal qual a médica insana. Ao mesmo tempo que não queria cercear seus sentimentos, ainda preservava bom senso suficiente para buscar o equilíbrio nessa amor que aprendeu a zelar, depois de tudo que causou a si mesma e, ainda mais, à bióloga.
Uma vez livre dos perigos do passado, Régia era uma mulher muito simples. De uma inteligência aguçada; conhecimentos irrefutáveis sobre sua área; perspicácia redobrada devido aos antigos hábitos; sem falar nas habilidades e destreza com qualquer tipo de instrumento, ferramenta e, o mais temível, a capacidade de transformar tudo em arma.
Na fazenda estava administrando os grupos de trabalhadores que foram divididos por suas aptidões. A maior parte foi para a lida no campo; mas ferreiros, carpinteiros, pedreiros, eletricistas foram encontrados entre os habitantes da fazenda e rapidamente aproveitados na construção do que era financiado por Clara. O projeto era um cooperativismo muito bem sucedido. Era um trabalho que poderia prescindir da bióloga; mas, o povo ainda mantinha o vínculo com a liderança dela.
Entretanto, Régia não queria ficar na fazenda. Sabia que cedo ou tarde teria que vir assumir Anna. E a hora chegou.
- Eu li o manual que a doutora deu para você. Pelo que entendi, será mais fácil se você for morar na mansão.
- Eu não vou, mais uma vez, me enfiar de favor em mais uma casa de Luciana.
- É. Acontece que moramos em lados opostos da cidade; o deslocamento diário vai nos demandar mais tempo em trânsito do que cuidando de Anna. Por que não pode ser aqui? Temos a piscina. Mandamos adaptar um dos quartos com os instrumentos necessários.
- Clara, se quer saber, eu tinha todas essas questões em mente quando estava com Luciana, mas não senti vontade de colocar qualquer empecilho na frente dela, naquele momento.
- Wow!!! A coisa está feia então. Até você se acuou diante dela!!!
- Amor, não é questão de medir medo ou força. Luciana é a pessoa mais frágil nesse momento. Afrontá-la só irá fazer com que queira reafirmar seu poder, comprando birras desnecessárias. Ela tem muito orgulho. Eu quero resolver a questão do clube, porque depois do que você me contou, tenho certeza absoluta que tem o dedo de Paula naquelas armações de fitas e papelada. E, o que mais me assusta: Luciana pode não ser o alvo, mas sofrerá caso defenda Becky, a quem Paula já deu a deixa de que destruirá.
Clara sentiu um calafrio que nada teve a ver com o fato de estarem nuas na banheira. Régia sentiu a loira estremecer e a abraçou.
- Precisamos saber o que de fato ocorreu entre elas.
- Acredito que, tirando as doutoras, mais ninguém saberá ao certo; porém, o Prof. Arthur poderá nos ajudar. - Clara roubou um beijo de Régia.
- Tenho pena desse homem, enquanto pai; ao mesmo tempo que admiro como amigo leal à Luciana. - Régia beijou a nuca de Clara.
- Ah! Quase esqueço: falei com Marcella e a convenci a vir conversar conosco. Ela chegou hoje e está se virando como pode para encobrir dos pais o que aconteceu. Eles viram, mas ela conseguiu dizer que era um homônimo ou algo assim. De qualquer forma, amanhã ela virá aqui. - o corpo da loira já dera sinais de desejo pela morena.
- Certo. - Régia brincava com os mamilos de Clara.
- Mas, agora chega. Ocupamos demais nosso tempo com vidas alheias. Quero ocupar meu tempo com uma única vida: a sua!
***
***
- Tem certeza que ela me incluiu no convite?
- Norah, não é um convite: é uma intimação. Quando a doutora chama é para atender.
- Com perdão, Clara, mas temos que ser tão ‘miquinhos amestrados' dela?
- Não. Com certeza, não. Você, como minha consultora, diga o que acontece se afrontarmos o nosso principal investidor? - Clara demonstrou impaciência com Norah.
- Apesar da igualdade societária na empresa, como fornecedora, ela é a principal fonte. - a consultora respondeu, rapidamente recobrando o profissionalismo.
- Ah! Você ainda é a profissional por aqui. - Clara respondeu um tanto secamente, mudando a conversa. - Becky, vamos enfrentar a doutora. Norah, infelizmente, sua introdução na empresa já foi prejudicada. Peço que se prepare muitíssimo para ser sabatinada à exaustão. Qualquer sinal de dúvida municiará a doutora para acabar com seu planejamento. Jamais, em hipótese alguma, inicie uma frase com "eu acho". Você, mais do que ninguém, não pode achar, mas demonstrar com provas e evidências tudo o que disser.
- Meu Deus!!! Para quem vou me apresentar? A deusa Athena?
- Norah, Clara é a pessoa que mais conhece Luciana. Sem exageros, o que ela disser é o que representa fielmente a forma de agir da doutora.
- Será que esse envolvimento conturbado entre vocês não está provocando uma visão superlativa? Ela não é mais sua patroa, Clara. E nem mais sua noiva, Rebecca.
- E de você ela nunca será algo, se continuar a questionar o que nós estamos ensinando a você, para que seja minimamente aceita para nos assessorar. - Clara não estava com paciência para explicar o óbvio. - Norah, se for preciso desenhar, pode crer que nem mesmo a figura de Mefistófeles servirá para ilustrar o que é a Dra. Luciana Lowestein contrariada. Todas temos a perder, mas você com certeza tem mais. Nos vemos amanhã, no flat.
- No flat? Não será no hospital? - Rebecca meio que gaguejou.
- Pelo que soube, ela expulsou vocês do hospital. Assim, será no flat. Às nove horas. Até amanhã. - desligou o telefone.
Rebecca olhou para Norah e, por reflexo, sentiu pena. De ambas.
- Ela vai nos massacrar!!!
Norah olhou para Rebecca e deu de ombros.
- Eu sou profissional, tenho confiança no meu trabalho e, ao contrário de vocês, não tenho nenhum envolvimento pessoal, emocional ou afetivo. Ela que venha como quiser; se estiver tudo correto, somente a prepotência fará com que ela nos massacre. O excesso de demonstração de poder é a arma dos fracos.
Rebecca demonstrou espanto.
- Sei que sou contratada, mas não sou empregada: sou uma consultora, contratada para orientar, dar conselhos, planejar. Tudo com bases sólidas de experiência, pesquisas, metodologia. Se não estiver bom, simplesmente eu saio. Minhas palavras podem parecer rudes, mas são a minha verdade: antes que ela me dispense, eu saio. Não preciso aturar uma louca ciumenta que, apesar de toda a sagacidade empresarial, se deixa dominar pelos desejos e caprichos não atendidos. Ela tem dinheiro, tem poder, tem prestígio; mas não tem o mais importante: o meu medo por ela. Não tenho medo de afrontar, não tenho medo de discordar e, muito menos, medo de agressões físicas ou verbais.
Norah foi até o frigobar e pegou uma água gelada. Enquanto ela bebia, Rebecca refletia sobre suas palavras; de certa forma, o que ela disse, abriu uma fissura no meio de todo o cenário que cercava a relação de Luciana e Rebecca. De repente, Rebecca sentia como se uma ponte surgisse e, caso ela não atravessasse, ela sumiria. Ela tinha que decidir: ou ficava nesses sentimentos de não afrontar Luciana em seu poder ou atravessar para o outro lado, e demonstrar que não tinha nada a temer; que qualquer coisa que Luciana fizesse, não poderia ter esse peso, essa tortura psicológica que ela sabia exercer em outros menos favorecidos ou dependentes dela.
- Desculpe Rebecca, mas eu alertei. Observei: o sócio que menos quer se intrometer é o que mais pode causar problemas e, no seu caso, eu ainda complementei dizendo sobre a possível mistura entre o pessoal e o profissional. Agora, estou aqui sob a mira de uma mulher fria, sem noção e ciumenta. Amanhã teremos a reunião. Eu sei do meu potencial e do meu trabalho; não sou obrigada a saber do emocional dela; do que agrada ou não. Vou embora. Teremos um dia cheio amanhã. E ainda tenho que me preocupar com a viagem para a fazenda; que espero, permaneça após a reunião.
Rebecca não sentia vontade de argumentar, mas sabia que tinha que ponderar sobre algo; sobre qualquer coisa, para deixar de se sentir tão idiota.
- Norah, o projeto é importante para mim. É uma oportunidade. Posso assegurar que não estou pensando apenas na Luciana como minha ex-noiva; aliás, formalmente ela é ex, mas em meu coração é o meu amor e eu me preocupo demais com o emocional dela, o qual eu e Clara conhecemos muito bem. Você tem a seu favor o distanciamento dessa preocupação. De certa forma, está mais forte do que nós para a reunião de amanhã. Você pode sair dessa situação, seguir sua vida, não pensar mais em Luciana. Nós, eu e Clara, não temos essa vantagem.
Norah a olhava com atenção. Avaliava cada gesto da loira a sua frente, que parecia estar medindo cuidadosamente as palavras, buscando não ofender a consultora, ao mesmo tempo manter suas convicções; defender seu amor. Isso comoveu a consultora. Comoção não era o sentimento: Norah sabia que aquela pessoa a sua frente era apaixonante. Não era à toa que a poderosa Luciana estava inconformada.
- Becky, eu sei o que a empresária significa para nosso projeto. Tanto quanto você, profissionalmente, eu preciso dele também. Não se esqueça que é a nossa primeira vez, de certa forma. Só por isso, eu já seria racional o suficiente para segurar os ataques; mas, pode não parecer, porém eu tenho muito carinho por você; sair dessa ‘situação' não apagaria você da minha memória. - olhou diretamente nos olhos verdes, pegou a mão da jovem entre as suas - Não vou fazer nada que a prejudique diante do seu amor. Apenas peço que considere o que eu disse: essa servidão insana que vocês demonstram por ela não vai ajudá-la a enxergar o quanto está errada; o quanto está mostrando fraqueza, impondo força.
Rebecca desviou o olhar, sem retirar a mão.
- Nenhum amor pode sobreviver sob imposições e medos. Ninguém cresce se todos aceitam os erros, sem apontar correções. Clara, a diretora Marcella e, principalmente você, não podem dançar a música da doutora. Para o bem dela.
A jovem loira retornou o olhar para o azul dos olhos de Norah; eram ternos, quentes, experientes. Não eram lindos como os de Luck. E nem causavam dor como os da doutora. Naquele momento, eram acolhedores. Num rompante, a jovem chorou e se jogou nos braços da consultora, que a confortou.
- Ah, Norah!! Você não precisa entender. Nem eu entendo.
Apesar de gostar de sentir o calor de Rebecca, Norah a afastou, denotando certo constrangimento.
- Pense no que eu disse. Preciso ir. Você ficará bem? - disse, afagando o braço de a jovem, ao mesmo tempo que impunha uma distância.
Ao perceber o clima constrangedor, Rebecca se refez.
- Desculpe o descontrole. Estou exausta. Perdão. Amanhã, a espero. Seja pontual, Luciana ....
- Rebecca, independente da doutora detestar atrasos, sempre fui pontual em meus compromissos.
A jovem sacudiu a cabeça, olhando para o chão.
- Desculpe. Difícil romper de uma hora para a outra com essas preocupações.
- Não se desculpe. Apenas entenda que devemos fazer as coisas por nós mesmo, não por ter medo de desagradar quem quer que seja. Eu detesto atrasar, como detesto errar, como detesto ser confrontada e afrontada. E nunca vivi perto da Luciana. Percebe? Boa noite.
Pegando a briefcase, saiu.
***
***
- Clara, por que devo ajudar Luciana? Ela teve consideração por mim?
- Marcella, já passamos por essa fase da conversa e por isso estamos aqui. Creio que você sabe porquê a ajuda.
A ex-diretora deu um meio sorriso. Apesar de tudo, Marcella era leal à Luciana. Admirava-a. Estava magoada, mas ao refletir sobre tudo que sabia sobre a doutora, concluiu que não poderia ter esperado outra coisa, como esperou.
Apesar de magoada, não era justo colocar a médica em uma situação desgastante, caso pudesse comprovar a inocência dela.
- OK. Vamos lá. - disse, aceitando o vinho que Régia oferecia.
- Bem, com sua ajuda, entrei no clube e descobri uma série de coisas que, tenho certeza, você desconhecia sobre a administração de sua sócia.
Antes de falar de Luciana, a bióloga resolveu narrar tudo o que fez dentro do clube e como descobriu o cômodo secreto.
- Desgraçada, desclassificada. Juro que nem me passou pela cabeça a possibilidade de tanta ilegalidade. Estou me sentindo tão idiota. Para vocês, pode parecer estranho, mas eu idealizava aquele clube como um local apropriado para nossos colegas praticarem o que para nós é uma arte. Claro que para manter, tínhamos que arrecadar verbas, mas de forma honesta; promovendo os serviços de bar, cozinha e aluguel das salas. Não me preocupei em monitorar; não tinha tempo; deixei para ela, confiando inclusive na nossa ligação dentro da prática: eu sou a domme dela, sua rainha!
Clara e Régia deram um tempo para Marcella digerir e avaliar a situação na qual se encontrava.
- Bem, minha opinião: saia dessa sociedade. - Clara opinou.
- Clara está certa. Aproveite que a polícia não descobriu a operação por trás da fachada para cair fora. Eles não descobriram porque realmente não se interessaram. Pelo que pude apurar, a família resolveu abafar tudo, não quis aprofundar as investigações; e a polícia foi até onde achou razoável para não caracterizar sua ineficiência.
- Pois é. O clube foi até liberado novamente. Estranhei que ela tivesse concordado em mantê-lo fechado por algum tempo.
- Tempo para apagar todas as pistas e sumir com aquelas fitas. - Clara falou, indignada.
- Bem, mas, Luciana como ficou nisso?
Sem rodeios, Régia disse o que encontrou e que queriam que Marcella visse as fitas e avaliasse a possibilidade de que a pessoa que aparecia no vídeo pudesse ser a doutora.
- Bem, antes mesmo de ver a fita, já digo que tudo é falso. Começando pelos documentos assinados. Desde o primeiro dia que colocamos os pés nesse clube, antes de ser sócia, Luciana já fez um show se negando a assinar qualquer coisa para usar a sala. Enquanto apenas pediram os dados, ela concedeu um monte de informações irônicas. Se realmente fossem feitos registros, seriam encontradas desde Mata Hari até Catherine Trammell. Porém, quando pedimos a sala e vieram com aqueles documentos, na hora Luciana questionou a validade e ainda disse que se insistissem, naquela noite mesmo o clube seria fechado.
Todas emitiram um riso de constatação de que realmente essa era Luciana.
- Bem, nem precisava ser Luciana para armar essas brincadeiras, devido à fragilidade do documento. - Régia ponderou.
- Essa assinatura é semelhante, porque as iniciais da doutora são apenas a letra ‘l': Luciana Lopes Lowestein. Entretanto, em cada ‘l' existe uma marca. Veja, Clara.
Novamente, todas olharam para o documento com a assinatura verdadeira da médica, bem como sua rubrica, que Marcella trouxe consigo.
- De qualquer maneira, existe a possibilidade da fita ser verdadeira. - novamente, Régia especulou.
- Vamos assisti-la.
Conforme assistia o vídeo, a ex-diretoria comentava como uma auditora. Régia e Clara nada diziam, já que não eram especialistas.
- Essa mulher é uma amadora. Uma pessoa cruel, sem qualquer noção do que é ser uma domme ou fazer uma cena. De forma alguma é a doutora.
- Tem certeza, Marcella?
Régia sabia que receberia uma retaliação, mas tinha que fazer a pergunta.
- Régia, fico aliviada por não ter que evidenciar com as preferências de Luciana para atestar que não é ela. Essa mulher está apenas batendo, sem sombra de responsabilidade ou prazer. E, se você observar, constantemente a escrava pede para parar, o que evidencia que ela estava sofrendo; assim como, todos sabemos que ‘pedir para parar' não é aceito por segurança dos parceiros de cena, então existem as safewords. É evidente que essa palavra de segurança não foi combinada.
- Entendo. - a bióloga demonstrou compreensão.
- Tudo isso é amador. Essa moça buscou uma experiência; se entregou a um jogo que desconhecia, por isso aceito. Como muitos, ela achou que era somente dor e sex*. Aliás, um sex* bem limitadinho; diria até bem falso. E, sem ser muito indiscreta com Luciana, isto não a caracteriza.
- Bem, sabemos do apetite da doutora. Pode poupar detalhes. - Clara falou meio constrangida.
- Não há detalhes: Luciana nunca fazia sex* durante ou após as cenas. - Marcella falou, sorvendo calmamente o vinho.
Se houvessem moscas no ambiente, Régia e Clara as engoliriam, tamanha a surpresa com essa revelação.
- Bem, então é mais do que evidente que foi uma armação. - Clara tentou retomar a conversa.
- Uma armação fraca, que seria desvendada com certa rapidez...
- ...mas que daria uma dor de cabeça e excelente repercussão na mídia, Marcella. - Clara concluiu.
Régia encheu os copos vazios. Ficou calada tempo o suficiente para ser percebida. Clara levantou e foi até ela, acariciando seu rosto.
- O que você está pensando, amor?
Clara olhou para Marcella, após finalizar o gesto e percebeu um franzir de cenho. Sentiu-se culpada por externar o carinho, mas já não conseguia mais se conter em expressar seu amor por Régia, mesmo em simples gestos.
- Que a pessoa que armou isso tem desconhecimento dos hábitos de Luciana?
- Completo eu não diria, pois chegou ao clube e à prática do bdsm, que poucos sabem que ela é adepta. - Marcella apontou.
Régia fez um gesto, indicando que a ex-diretora apontara um fato verdadeiro.
- Digamos que a pessoa conhecia uma Luciana e, nós, outra. - Clara lançou sua percepção.
Marcella e Régia a incentivaram a continuar.
- Bem, digamos que a doutora realmente gostasse de ser a domme.
- Luciana é o que chamamos de switcher: tanto domina como se deixa escravizar. - Marcella demonstrou certo menosprezo.
- Isso é ruim? - Clara ficou curiosa.
- Temos certas restrições; mas a doutora era excelente em suas cenas, evidenciando que é possível dar um crédito aos switchers.
A expressão de Clara era tão vazia quanto no momento em que fez a pergunta. Marcella fez um gesto para ela esquecer.
- OK. Então a pessoa estava certa; mas, pelo que você disse, a finalização descaracteriza o presente. De repente, Marcella conhece esse procedimento da Luciana que seria sua característica atual; será que no passado ela era diferente?
- E, essa pessoa, conhece apenas o passado. É isto, Clara?
- Sim.
- O que nos leva à Paula. - Clara apontou.
- Bem, fizemos toda essa investigação e diagnóstico para chegar ao óbvio? - Marcella desdenhou.
- Sim, podemos pensar em Paula; não fosse o fato que essa pessoa no vídeo não é Paula. É alguém fisicamente parecido com a doutora. Outra coisa: Clara e eu reparamos nas características físicas da jovem.
Marcella voltou a fita para um quase close da moça.
- Tinha olhos verdes? - perguntou.
- Tinha.
- Entendi. Então, não é Paula? - Marcella questionou, confusa.
Rapidamente, a ex-diretora foi posta a par de todos os últimos acontecimentos.
- Paula está envolvida, mas não está sozinha.
- Gente, isso está virando um folhetim. Uma trama macabra, já que tivemos morte. O que vamos fazer? - Marcella se incorporou ao grupo de defensores de Luciana.
Régia olhou para as outras.
- Eu acho que o professor Arthur poderá nos ajudar. - e olhou para Clara.
- Certo. Eu vou falar com ele.
***
***
Rebecca não conseguira dormir. Assim, tão logo rompeu o dia, levantou e começou a arrumar o flat, dispondo a mesa e cadeiras; preparando café e sucos.
Tinha que admitir que estava ansiosa para ver Luciana. Mesmo sabendo que tudo poderia ser um desastre, queria vê-la mais uma vez.
Por volta das 7:30, resolveu arrumar-se. Em meia hora, tomou banho, secou os cabelos e colocou um belo terninho, com saia e salto alto. Tinha consciência que estava se arrumando para a médica.
Às 8:30, a campainha soou insistentemente. Ao abrir a porta, deparou-se com um cheiro desagradável e a figura de Norah totalmente decomposta. Essa era a palavra: decomposta!
- O que houve?
- Um cretino passou a toda em uma enorme poça. Tentei escapar, mas fui pega em cheio. Preciso tomar um banho. Não quero que a doutora me veja desse jeito.
- Um banho só não vai resolver. Sua roupa está fedendo e suja.
- Bem, só sei que temos menos de meia hora para eu dar um jeito nisso.
Foi tempo suficiente para Norah tomar um banho e vestir a roupa de Rebecca, que ficou um pouco justa, mas apresentável. Não teve tempo de secar os cabelos, pois o interfone anunciou Clara e a doutora.
A entrada de Luciana foi típica: sem cumprimentos, buscando diretamente a mesa de reunião. Uma rápida olhada no ambiente; outra em Rebecca. Fria.
Clara, fez os cumprimentos e tentou as apresentações, apenas para manter o protocolo. Logo de cara, percebeu os cabelos molhados de Norah; também não pode deixar de notar que a roupa estava apertada. Porém, não deu muita asa para imaginação.
Mal imaginou que a doutora também percebera e, o que era pior, logo deduziu que a roupa era da jovem loira, pela forma como ficava justa em alguns pontos e largas em outros. Até porque reconheceu uma peça. E, a imaginação, soltou o monstro verde custosamente dominado.
- Podemos começar, doutora?
- Devem!
Norah começou a demonstrar a apresentação que fizera.
- Srta. Rebecca, existe aqui um estudo sobre a concorrência. Você concorda?
- Claro que concordo, doutora!
- Qual sua base para concordar?
Pelo nervosismo, a jovem começou ler o slide; não argumentando de forma convincente.
- Srta. Rebecca, pare de ler e tente falar por si mesma. Porque concorda com o estudo apresentado pela consultoria? Para mim, é um amontoado de números, já que sou leiga sobre esse mercado. Como você, com sua inexperiência, pode concordar?
- Ela não tem que concordar, mas ...
- Srta. Rebecca estou falando com você. - Luciana ignorou Norah.
- Mas quem é a especialista aqui é a Norah e ela me explicou todos esses números. Ela apontou o porquê devemos investir nos fitoterápicos; em cosméticos e em complexos vitamínicos.
- Por que considera confiável, Srta. Rebecca?
- Doutora, eu chequei as credenciais de Norah. - Clara tentou salvar a jovem, embora soubesse que não serviria de nada.
- Por que todas querem responder por ela? Será tão difícil para ela pensar por si mesma?
- Doutora, dirija seus questionamentos a mim. O planejamento é meu; eu que estou assessorando. Se Rebecca fosse a expert, minha existência não seria necessária.
- Sua existência NÃO é necessária. Mas, em consideração às minhas sócias, estou concedendo meu tempo para que me convençam a manter meus investimentos nessa parceria.
Rebecca, de repente, começou a sentir um mal-estar.
- Srta. Clara eu sei que estava ocupada com outras coisas mais prazerosas na fazenda; portanto, Srta. Rebecca ficou com tarefas além de sua capacidade, entre elas, escolher uma consultora. Depois de algumas evidências sobre a credibilidade desse envolvimento da consultora, passei a me interessar pela empresa. Quero avaliar pessoalmente o critério de escolha utilizado. O quanto de profissionalismo foi empregado nisso. Diferentes de outras, tenho uma reputação a zelar.
- Doutora, apresentei-me com meu know how; demonstrei um planejamento ágil, enxuto dentro dos limites financeiros envolvidos; fiz tudo com eficiência e rapidez. Isto que validou minha capacidade e comprometimento com o empreendimento, o primeiro, realizado por Rebecca e Clara.
- Foi com esse pieguismo todo, bem ao seu estilo, que ela convenceu você, Srta. Rebecca? Aliás, sua agilidade e rapidez são inquestionáveis, consultora.
A jovem estava suando.
Para quebrar o clima, Clara foi servir cafés.
- Você está bem Rebecca? - essa pergunta de Norah, fez Luciana voltar novamente a atenção, que tinha desviado para o note, para elas, bem a tempo de ver a consultora pegando a mão da jovem.
- Estou sim. Está quente aqui. - disse, sem retirar a mão.
- Sua mão está suada. Fria.
Luciana não estava agüentando mais segurar o ciúme, vendo todo o carinho da consultora e a aceitação de Rebecca.
A mesa era redonda e pequena. Estavam próximas, para poderem ver melhor a tela de projeção.
- Vamos prosseguir.
Novamente, a consultora avançou e apresentou alguns custos levantados; chegando ao ponto no qual pararam, pela necessidade de contatar as pessoas das farmácias da médica.
- Seus honorários são quase irrisórios. Está fazendo caridade? Ou cobra de outra forma?
- Doutora, a Srta. Norah acredita que nosso projeto impulsionará sua carreira. É um investimento indireto dela. - Clara respondeu.
- Investimento indireto? Impulsionar carreira? Sei. Consultora, tudo que foi apresentado está medíocre.
Todas ficaram lívidas.
- Esses levantamentos, pesquisa de concorrência, planejamento; tudo é primário. Qualquer estudante dessas empresas juniores de faculdade consegue fazer!
O desconforto de Rebecca estava se tornando sufocante. Como não conseguira tomar o desjejum, o café tomado por reflexo, estava massacrando o estômago.
- Srta. Clara falhou ao deixar tudo por conta da Srta. Rebecca, incapaz de avaliar assuntos de negócios e facilmente manipulada por palavras bem intencionadas.
- A doutora fala como se eu fosse uma estúpida. Eu não sou tão ingênua.
- Não se trata de estupidez e ingenuidade. Sei o quanto você é esperta e persuasiva. Mas, nas ruas, de onde veio, você não tinha que administrar bens que valessem tanto, além do seu corpo.
Foi muito rápido o avanço de Norah em Luciana e, graças ao reflexo de Clara, o máximo que ocorreu foi o café derramado sobre a doutora. O soco que a consultora ia desferir na médica, passou de raspão por Rebecca que levantou num salto.
- Você pode avacalhar com meu trabalho. Você pode cuspir sua arrogância e esconder sua fraqueza por trás do seu dinheiro para cima de mim; mas jamais, na minha frente, poderá ofender uma pessoa como Rebecca. Não há a menor necessidade disso, uma vez que estamos aqui como profissionais. Como tal, as diferenças pessoais deveriam ficar de fora. Você não sabe discernir as coisas. - o tom de Norah era firme, sem intimidação.
Luciana foi pega de surpresa. Clara, rapidamente, a escoltou ao banheiro para que se limpasse. A futura empresária percebeu o erro tarde demais: o banheiro estava todo desarrumado, com as roupas de Norah, inclusive calcinha, dobradas num canto, as toalhas molhadas, e uma escova de dentes a mais na pia.
A médica ficou lívida. Não entrou no banheiro, virando no calcanhar. Mesmo com raiva, pode ver o momento no qual Rebecca cambaleou e ia cair sobre a mesa de vidro. Disparou como um raio em seu auxílio, mas Norah entrou em sua frente e resgatou a jovem da queda certeira por sobre a mesa, impedindo que se machucasse gravemente nos vidros. Ainda que mais baixa que a médica, a consultora teve forças para erguer a jovem desmaiada em seus braços, colocando-a no sofá, com a cabeça virada e os pés mais elevados.
- Por favor, Clara, traga toalha molhada e álcool.
Clara estava totalmente perdida, pela primeira vez. Era uma miríade de possíveis situações que foram iniciadas naquelas quase duas horas.
Luciana ficou imóvel, olhando tudo com uma expressão indecifrável.
- Está satisfeita? Acha que uma reunião de negócios deveria terminar assim. Bastava dizer para eu me retirar. - Norah esbravejava, enquanto aplicava a toalha molhada que recebera de Clara.
- Norah, retire-se. Cuidaremos da Rebecca. - a ex-secretária pediu, um tanto bruscamente.
A consultora a olhou com certa surpresa, confirmando definitivamente que Clara não a favorecia em nada. Pousou os olhos na face lívida de Rebecca.
- Senhoras, eu saio de tudo. Sou uma peça destoante dessa engrenagem movida por ameaças, medos, protecionismo. Eu sou profissional, quero trabalhar. Não brincar de guardiã de almas atormentadas.
- Profissional do que? É profissional dormir com a cliente?
Norah não alterou a expressão.
- Você foi uma decepção, doutora Luciana Lowestein. Esperava aprender com sua experiência. Agora, não quero nada que venha da sua visão distorcida.
Pegou a bolsa, deixando o resto. Clara a esperava com a porta aberta.
- Luciana..- a fraca voz de Rebecca foi ouvida e a médica, bem como as outras, olharam para a jovem no sofá - ..se Norah sair, acabou tudo aqui.
- Você está escolhendo a consultora?
- Não vou mais suportar essa sua arrogância. Suas insinuações. Minha vida diz respeito só a mim. Não vejo em que a minha vida particular poderá prejudicar o meu profissional. Você, mas do que ninguém, colocou-me em situações piores dentro das empresas, dando-me cargos e acreditando no meu potencial, quando todos sabiam que eu não tinha instrução alguma. Muitos sabiam que eu tinha saído das ruas para sua cama. O que mudou? Não posso ficar em uma parceria, cuja credibilidade será medida de acordo com a minha cama.
- Não me interessa sua cama; mas suas alianças e favores equivocados; pessoas desqualificadas aconselhando o andamento de um investimento meu
- Você me considera um investimento seu?
Luciana tentava manter-se distante. Manter a frieza. Com frieza, respondeu.
- É. Esse verniz todo fui eu que paguei. - disse, fazendo um gesto que englobava o corpo da jovem.
Rebecca sorriu, demonstrando cansaço.
- Chega, doutora. Já nos humilhou; já fez seu teatro. Vamos embora, deixemos Rebecca se recuperar. - a consultora não conseguiu se conter.
- Doutora, por favor, vamos manter a calma. Não estamos mais em uma reunião de negócios. Não é lugar para resolver as questões pessoais aqui levantadas. - Clara tentou apaziguar.
- Não tenho que temer nada. - Rebecca proferiu, sentando-se. - Não preciso de você, Luciana. Paguei cada centavo desse verniz com uma moeda muito mais preciosa, mas que pessoas como você desconhecem o valor. Como bem disse, nas ruas eu não tinha que lidar com negócios; assim como, não tinha que lidar com pessoas como você. Ao menos, nas ruas, nunca tive a sensação de ter me vendido. Ou, por outra, nunca aceitei ser comprada para uso e descarte.
Não encontrava palavras para desarmar Rebecca.
- E, você, Clara? - virou o holofote para a ex-secretária, em busca de uma aliada certa.
- Confesso que tudo o que ocorreu aqui, foi fora de qualquer profissionalismo. Sou leal à doutora; mas, sem Rebecca, para mim não tem sentido essa parceria.
Em passos largos, encaminhou-se para a porta. Passando por Norah, quase derrubando-a.
- Façam o que bem entenderem. Quero resultados!!! - socou o envelope que trazia no peito de Norah.
***
***
Fim do capítulo
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