Pentimentos por Cidajack
Capítulo 29 - Cap 27.1
VINTE E SETE
PARTE UM
disclaimer no capítulo UM
nalgum lugar em que eu nunca estive,alegremente além
de qualquer experiência,teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos,nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente,misteriosamente)a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado,eu e
minha vida nos fecharemos belamente,de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade:cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre;só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva,tem mãos tão pequenas
( tradução: Augusto de Campos )
Directions:
O Poema - e.e.cummings
- "Como alguém que acaba de acordar pode estar impecável?" - Luciana pensou distraidamente.
Por sua vez, Clara pensou em David e Golias: a pequena Becky derrubando a giganta Luciana. Ali, parada no umbral da porta da secretária, estava uma figura descabelada, com olheiras, ombros caídos e aparentando uma idade que nunca teve. A secretária sabia que a confusão na cabeça daquele pessoa deveria ser muita, pois jamais imaginara tê-la em sua porta às 3:45 da madrugada.
-...não sei para onde ir. Ao menos, não quero ir aos lugares de sempre. - disse.
- Se veio, é porque acha que posso ajudar. Entre.
Mesmo com vôo marcado para Brasília, e depois para a fazenda, Clara não poderia deixar de atender Luciana. Não por outro motivo que não pura consideração. Ela sabia o que estava acontecendo entre a doutora e sua amada.
Soube da agressividade com a qual a médica tratou Becky. Ela fora levar o carro para a jovem e aguardava para pedir carona, por isso viu a jovem vestida com o jaleco da médica. À princípio, até achou que tinham se reconciliado, já que fazer amor na sala da doutora não era nada incomum; porém, as lágrimas de Becky intensificaram quando ela viu a secretária; ato contínuo, desabou a chorar nos braços da amiga.
Becky não conseguira entender o exagero de Luciana, mas Clara entendia ao ponto de se preocupar com a sanidade da mulher a sua frente. Não sabia muito sobre Paula, mas viu o suficiente para sentir que um demônio invadira a paz do casal. Becky era teimosa e guardou segredos, fingiu não saber sobre coisas; escondeu que perguntara sobre Luciana; não confiou poder dizer a ela o que soubera; era certo que brigariam, mas os motivos seriam outros e não envolveriam confiança. Era certo, também, que Luciana sentia temor por algo maior, que não era entendido por Rebecca.
- Como você enxerga Régia, Clara? - foi a pergunta sem rodeios feita pela mulher que cansadamente se atirara no sofá.
O olhar da secretária foi de quem não entendeu a pergunta.
- Quando você olha para ela, sabendo tudo que ela fez; o que traz em suas costas; dores e medos; o que você sente por ela?
- Amor.
- Somente? - o olhar azul era de incredulidade.
- Não posso dar vazão a outros sentimentos. A doutora sabe o que quase me causei. - o olhar verde era de pura honestidade.
Ela ficou encarando a secretária, os olhos azuis demonstrando o turbilhão que deveria estar sua cabeça.
- O que Becky sentiria por mim se eu contasse tudo que me atormenta?
- Amor.
Luciana riu. Pegou o copo que Clara oferecia com gin e tônica.
- Por que tanta certeza? - sorveu o primeiro gole com uma careta.
- Doutora, Rebecca a tem como uma missão. Como uma Joanna D´Arc, ela ama com devoção, com pureza, ingenuidade seguindo apenas a voz interna que demanda que seja assim. Ela faz sem se importar com qualquer coisa, além de provar a você mesma que existe um ser humano bem mais valioso do que quer aparentar sob toda essa camada protetora.
Luciana ponderou que foi a coisa mais direta que a secretária havia lhe falado, sem aparentar qualquer receio. Ali não existia mais a relação de trabalho; eram duas mulheres, pares de outras mulheres, vivendo a complexidade de paixões e entregas muito parecidas.
- Ah, Clara, de todas as pessoas que me cercam, você é a mais próxima. Chegou a conviver 24 horas comigo. Viu e testemunhou tudo que sou, que faço, que imponho, aterrorizo. Sabe o quanto pego pesado e gosto de ter todos sob rédea curta, submissos.
- Só a doutora pode saber o que a faz ser assim. Qual o prazer que isto lhe causa.
- E, mesmo assim, você sempre esteve ao meu lado.
- A doutora sempre foi um desafio; eu não fujo deles. Ademais, muito aprendi observando-a.
- Aprendeu a ter raiva, estresse, ódio....
- ...controle. Muito controle!
Ambas riram.
- Trabalhar com a doutora representava muitas coisas, além da parte financeira ser excelente. Eu não gosto de errar , a doutora não gosta que errem. É uma coisa simples até, mas de muita pressão. Erros cometemos por sermos humanos; perdoados somos se tivermos sorte ou valor. Parece que tive meus momentos de sorte.
- Clara, não se subestime. Você sempre foi valiosa. Por isso, sempre exigi mais: sabia que poderia contar com sua capacidade.
- Então... tivemos interesses mútuos e distintos, mas que serviram para essa convivência insana.
Riram novamente.
- Neste exato momento, você não tem que me aturar mais; no entanto, segue devotadamente.
- Por muito tempo, dentro da nossa relação profissional, achei que havia o interesse platônico de minha parte. Aliás, achei não, existia: essa afeição, o insano prazer em saber que representava algo para a doutora, mesmo que fosse um excelente objeto de subserviência...bem, era um amor que eu só poderia dar vazão como devoção.
Clara observava o chá fumegante.
- Marcella observou que eu gosto de mulheres fortes e que, de certa forma, as domino. Bem, quem sou para discordar de alguém que entende tão bem de dominação. Ela disse que sem perceber, eu controlo a doutora.
Luciana olhou espantada para a secretária.
- Também achei um exagero, porque não vejo quem o faça. Nem Rebecca sinto que consegue, apesar de ter recursos e direitos para isso. De qualquer forma, busquei ser o melhor para quem ser o melhor significa ser a excelência. Eu era a entidade invisível que fazia as coisas funcionarem, sem nunca esperar reconhecimento. E saber que não a desapontava era a minha recompensa. Rebecca entrou na vida da doutora e me trouxe novas obrigações. - deu uma risada - Chamar as coisas de Rebecca de "obrigações" desmerece o carinho que ela me dá. Ela me fez visível aos olhos da doutora. Eu respeito aquela menina. Ela é grande demais. Teimosa, mas firme no propósito de ser íntegra com seu coração.
Olhou diretamente nos olhos de Luciana. Havia o brilho de reconhecimento às ultimas palavras.
- Não devo chamar de "obrigações", pois tudo que faço para ela é por carinho e amizade.
- De minha parte, penso que não posso mais seguir ignorando que a muito você é uma amiga, não mais uma empregada.
- Não sei rotular o que nos une; qual nosso real grau de envolvimento. Talvez fosse confortável ser empregada; mas, eu nunca me detive acomodada nesse posto, pois também me senti compelida a não abandonar a doutora entregue aos seus conflitos, cercada de falsas intenções. Penso que qualquer que seja o rótulo, é importante para mim que a doutora saiba da minha eterna lealdade. Foi Rebecca quem me elevou ao nível da amizade; mas, se tiver que empenhar a lealdade, será sempre pela doutora, amiga ou não.
A casa ficou em silêncio. Luciana andou pela sala, até a grande porta de vidro que divisava o jardim.
- Eu fodi com minha relação, Clara. Depois de hoje, não vejo como me apresentar para Rebecca. Ela me tirou do sério. Virei motivo de goz*ção para inimigos; fui exposta quando queria proteger Rebecca. Mas, ela disse que tudo isso é culpa minha. Que meus inimigos têm uma vantagem sobre ela: eles conhecem nossas historias, ela não. Os inimigos conhecem as fraquezas; ela não.
- Quanto ela está certa, doutora?
- Totalmente certa com razões erradas.
Clara observava a tensão no corpo da mulher de costas para ela. Levantou, abriu a porta do jardim e convidou a doutora para a brisa suave da madrugada.
- Sabe, eu não conheço os inimigos da Régia. Mas testemunho o que deixaram impregnado nela. - disse, acomodando-se no balanço - Ao contrário da doutora, ela quer me contar e eu temo ouvir. - olhou para o céu, os olhos mais cinzas do que verdes - Quem ela matou, como, porquê; eu não quero ouvir; mas ela tem pesadelos e eles me deixam com outro tipo de medo que é o de não poder ajudar. Assim, ou eu ouço buscando apenas a mulher que eu amo e meu amor; ou deixo ela nessa angustia eterna. Por mais que exista sangue em sua mãos, cada vez mais me convenço que ela não é culpada do que fez. Isto é difícil, mas é o meu papel. A minha missão como parceira. Régia tem marcas na carne e na memória. Não posso ignorar nada; mas posso fazer com que ela conviva dignamente com o que é e tem.
- Neste ponto, Régia tem mais sorte do que eu. As pessoas que atormentei e levei a destruição estão vivas. - Luciana sentou no chão, encostada na porta de vidro.
- E querem vingança, de certo.
- Eu nada tinha para oferecer como troféu para essas vinganças. Perdi tudo, menos o dinheiro e o poder. Mas, essas coisas não afetam. Fiquei um bom tempo segura nesse patamar sem amor ou reconhecimento dele. A equação era excelente.
- Era. Agora a doutora tem um ponto fraco.
- Um ponto fraco indomável.
- Indomável não acho. Depende da doutora acabar com os vôos cegos e desastrosos da Rebecca. Ela não vai compactuar com o que não entende. De forma diferente de mim, ela não vai lutar contra o amor que sente; vai lutar contra o que pode ameaçá-lo. Infelizmente, essa força ameaçadora é a mesma fonte de amor.
- Eu.
- Exato.
- Abrir os olhos dela sobre mim me assusta.
- Prefere vê-los fechados de vez?
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Estava decidida: medicina era o que queria.
Depois de passar por um longo período tentando entender porque sua mãe a ignorava, Luciana sentia-se feliz com os últimos anos passados ao lado do pai, em suas pesquisas com plantas e descobertas de remédios fitoterápicos que cresciam na credibilidade das pessoas da cidade, dominada por fazendeiros ricos e suas intermináveis plantações de laranja.
Entre os dois crescia a cumplicidade. Com a mãe, ao contrário, o distanciamento era cada vez mais evidente. Os outros irmãos eram os queridos dela, a menina Luciana não. Lucas era o mais novo e mais próximo à irmã; Theo o mais velho, e mais parecido fisicamente com Luciana, a ignorava completamente.
A revelação de sua homossexualidade definiu de vez quem eram seus aliados e quem eram os que a desprezavam na família. O pai não a desmereceu por isso. Tinha orgulho demais da filha, uma reconhecida prodígio, já apadrinhada por um renomado médico e com planos acertados para o futuro. Com muita seriedade, apenas disse que enquanto ainda estivesse naquela cidadezinha, não se expusesse, para que não sofresse com a ignorância alheia; o irmão mais novo brincou que a achava mais "irmão" do que o mais velho; para ele, ela era um modelo de determinação, liberdade e, até mesmo, virilidade (o conselho paterno chegara um pouco tarde, pois já se envolvera com algumas moças das fazendas vizinhas).
O mesmo conselho fora dado pela mãe, mas com outra conotação: não nos envergonhe em uma cidade tão pequena. A família era conhecida: entre a farmácia e a pensão, os pais de Luciana eram pouco melhores estabelecidos do que a maior parte da cidade. Tinham certo respeito, mesmo não tendo poder financeiro. O Sr. Theodoro era a primeira opção antes do posto médico e muitas de suas beberagens salvaram males de estômago, fígado, picadas de insetos peçonhentos e coisas assim; claro, o conselho para a procura de um médico era sempre dado por ele; mas, uma vez curados, ninguém se lembrava mais do posto médico muito simples em seus recursos. Sr. Theo era amicíssimo do médico encarregado e, por ele, acabou conhecendo Arthur Rangel, renomado professor doutor e empresário. Pescavam juntos e, numa dessas andanças, o professor teve o desprazer de ser picado por uma cobra. Sempre prevenido, o boticário rapidamente aplicou os socorros necessários e deu ao médico uma de suas poções feitas com algumas plantas, o que salvou a vida dele. Daí em diante, somente gratidão. E, desta gratidão, Luciana se beneficiou, pois o professor colocou sob suas responsabilidades cuidar da futura médica; coisa que fez feliz, pois sua filha também estava se preparando para medicina e achou que ambas poderiam ser amigas, fazendo um bem a sua menina que era muito fechada. Por essa época as duas se conheceram, quando a futura médica do interior ficou hospedada na casa da futura médica da capital. Rapidamente se entenderam. Mais rápido ainda, eram amantes. Ambas com 15 anos. Também, por essa época, avistara o Prof. Thomas. Na verdade, fora avistada por ele, que logo se encantou com os lindos olhos. Mas, não passou de um galanteio sem conseqüências.
Luciana, após alguns testes, por influencia do professor Arthur, tinha sido avançada em seu curriculum escolar. Assim, apesar da sua idade, freqüentava a sala da turma mais velha. Mas sua aparência camuflava a diferença de idade, bem como seu intelecto. Com extrema facilidade para memorizar e assimilar ensinamentos, os estudos eram feitos com disciplina, mas nada rigoroso. Assim, dividia bem suas atividades acadêmicas e sua preferência pela pratica de esportes, outra facilidade e aptidão: fora o basquete, também praticava artes marciais e, não bastasse, arriscava-se a montar; era alta, corpo já quase definido, adquirindo musculatura invejada e proporcional; tinha aquela postura segura e arrogante que somente os meninos sabem ter. A paixão por cavalos também rendia uns trocados, pois ajudava no haras de uma das famílias poderosas da cidade. Era displicente com suas vestes, mas não desleixada. Em resumo, era uma linda figura feminina com a liberdade para se sentir um rapaz. Nada acintoso em termos de gênero sexual, mas o suficientemente provocativo. Carregava o corpo com total consciência do que causava nas meninas, sendo que algumas se amedrontavam, outras a repudiavam e, claro, outras beijavam o chão que ela pisava. Entre os meninos causava raiva, já que os menosprezava, desafiando-os por vezes e, para piorar a antipatia, vencendo-os com superioridade intelectual e física. Se eles, os meninos, a odiavam; também nutriam desejos, nem sempre românticos, mas sempre de dominação. Luciana seria um troféu para o rapaz que a dominasse.
Apesar da namorada na capital, Luciana tinha suas ocupações na cidade natal. Acompanhando o Prof. Arthur em visita ao haras onde fazia alguns "bicos", ela conheceu a viúva do finado poderoso da cidade. Era uma bela mulher, em seus quarenta e tantos anos. Luciana encantou a mulher com sua beleza, jeito e, sobretudo, ousadia.
Dessa visita em diante, após demonstrar algum domínio com cavalos, a futura médica virou íntima da casa da referida viúva. E também alvo descarado do desejo da fogosa mulher. Era o tipo de sedução que a moça adorava: uma mulher madura, mais experiente, rica, carente e extremamente quente; libidinal. A fantasia dela com Luciana era pelo jeito de rapaz e o corpo de mulher; isso fisgou a fazendeira, que em nada tinha a ver com os modos antigos da cidade. Para deixá-la dominar a sua cama, a viúva precisou apenas de poucos minutos roubados no estábulo, entre o feno, sendo explorada vorazmente pela menina, garoto, mulher.
A única coisa que refreava, de forma tênue, a loucura que envolvia a relação delas era o filho da viúva. Ele era um rapaz mimado pelo pai e que não se conformou em perdê-lo. Ainda mais sob circunstâncias nebulosas. Inclusive, o pai de Luciana estivera envolvido na morte do fazendeiro, pois ele socorreu o homem com suas beberagens, que de nada resultaram. Para alguns, esse primeiro socorro poderia ter causado mais danos; Sr. Theo avisou, mas a viúva insistia em não ir para um hospital de imediato. Quando foi, era tarde.
Dentro dessa sua localização nos sentimentos de seus grupos de pertinência e referência; Luciana era, sem saber, uma figura marcada. E o enredo se fez com uma única família: ciúmes, intriga; quem pode mais, chorou menos: Luciana descobriu que apesar de toda sua superioridade, o dinheiro fala mais alto, ainda mais quando alicerçado por preconceitos. Ela não foi o lado favorecido. Começaram suas perdas, tão logo teve sua primeira conquista.
***
***
- Muito bem, Dra. Luciana, vamos conversar como adultas.
Na tarde seguinte ao fatídico encontro no hospital, Becky chamara Luciana para uma conversa. A médica não esperava vê-la tão cedo; pensou que ficaria no gelo por um bom tempo. Era, então, preocupante que a loirinha a tivesse procurado e demandado esse encontro que, por sinal, parecia mais uma reunião de negócios.
- Pensei que sempre tivéssemos conversado assim.
- Por um bom tempo, também pensei; mas, depois de ontem, acredito que estamos bancando palhaças em um circo que só serve para alegrar nossos corpos.
A médica ficou sem respostas. Conseguiu refrear a língua ferina, pois não queria espantar a jovem antes de ouvir tudo.
Por sua vez, Rebecca estava calma. Era perceptível que andara chorando, mas estava com uma expressão que nunca a médica vira antes em seu semblante; como excelente empresária, Luciana pressentia quando o jogo não lhe era favorável: Rebecca estava com um tom ameaçador. Luciana sentia-se acuada, ainda que não demonstrasse.
- Então, Srta. Rebecca, vamos aos pontos "sérios". - disse sarcasticamente.
- A doutora ontem me agrediu alicerçada no fato que fora feita de idiota nas mãos de seus inimigos que, aparentemente, conseguem com muita facilidade sobreporem suas maldades e intrigas ao amor que nunca, por um momento, hesitei em demonstrar, sob toda e qualquer circunstância.
Luciana não esboçou reação. Becky continuou.
- Tenho escutada muita merd* desde que me envolvi com você; fiz ouvidos moucos a todas elas; mas admito que possuem um ponto em comum: eu sou um brinquedinho do qual você irá enjoar cedo ou tarde.
- Você é mais inteligente do que está aparentando, trazendo esse despropósito à pauta. - definitivamente, não queria briga.
- Não me envaideço em ser inteligente, mas sensível e, por menos que pareça a você, não são despropósitos, mas fatos externados. Paula colocou-me menos que uma prostituta; Victor me coloca como uma aberração e aventureira; Cecília enxerga uma doce criatura nas mãos de uma predadora. Enfim, por esses pensamentos, calculo o que você fez e pode fazer em relação aos sentimentos alheios. Todos a desprezam, porque você não enxerga nada, além de suas vontades e desejos. Desprezam, mas lambem o chão que você pisa por causa do seu dinheiro. O que me faz diferente dessas pessoas? Como eu consigo aturar você? Como disse Paula, não é nada difícil ter uma bela mulher como você na cama, gem*r um pouco e ir fazendo um bom pé-de-meia, pois logo você vai enjoar e jogar fora.
As últimas palavras de Becky acertaram fundo em Luciana. Descrevia muito bem, mas de forma tênue, o que eram as pessoas na vida dela: uso e descarte. Paula conseguiu plantar a semente, mas ela, Luciana, tinha dado vitalidade para o crescimento da erva daninha no coração da jovem a sua frente.
Como a médica permanecia muda, Becky continuou.
- Por que eu não posso me deixar levar pelas intrigas de seus inimigos e pensar que uma boa parcela de verdade existe nessas afirmações?
- Rebecca, diga logo qual o seu ponto de vista. - a médica demandou, entre dentes.
- Cansei de ser, aos olhos dos outros, a sua bonequinha descartável. De alguma forma, não sei com qual sacrifício, você abriu espaço para mim colocando-me a frente dos projetos sociais...
- Você concordou, não foi imposição e eu achei que estaria fazendo você feliz.
- Certo, doutora, foi um começo, mas ainda não é o suficiente. Ainda fico à sua sombra; ainda ando com rédeas curtas. Quero que você e os outros me dêem mais créditos e valor. Quero poder eu pagar uma noite com a doutora Luciana; quero eu poder escolher se sou sua ou não; quero deixar bem claro que não preciso ser seu descarte, quando posso eu mesma me cansar de você.
Luciana sentiu forte dor nas têmporas. Sentia que explodiria.
- Becky, quais são os seus termos?
- Tempo. Quero tempo entre nós. Quero tempo para ser substituída aqui nas suas empresas; quero tempo para organizar meus projetos com Clara e, acima de tudo, quero tempo para saber se podemos retomar nossa relação de forma mais sólida; sem que as palavras de outros sejam capazes de minar toda e qualquer idealização que tenhamos feito.
- Como devo entender isso?
- Eu entendo como um recuo estratégico. Você entenda como quiser. Preciso de verdades e, uma delas, é ser quem realmente sou e não uma imagem mal construída por seus inimigos. Ser o que sempre quis para mim: aberta, digna, honesta. Eu era assim nas ruas, sob condições piores. Será que o seu mundo é mais podre do que a sobrevivência na rua? Nós não temos verdades, por isso temos medo; temos brechas para intrigas; temos mais veneno escorrendo por dentro do que por fora. Drenei o que pude desse veneno, cuspindo o excesso para nossa salvação. Você não ajuda. Fecha as feridas antes de tirar o que envenena. Estou dando murro em ponta de faca sem conseguir mostrar o que vejo em você; ao contrário, por ninguém enxergar o que teimo em querer ver, faço-me reles frente às testemunhas de seu passado.
- Você cansou de mim?
- Cansei deles.
Rebecca levantou. Encarou Luciana. Nenhuma expressão nos olhos gélidos. Ficava mais linda quando impunha seu temperamento. Queria beijar a mulher a sua frente, mas ela tinha que aprender certas coisas a respeito do amor entre elas.
- Eu quero proteger você.
- Ou a si mesma? Quem não suportaria mais um peso da perda? Luciana, sua couraça de ferro está afundando na areia.
O olhar foi penetrante, frio e calculista.
- Espero que você entenda que não considero isso um blefe.
- Ainda bem, doutora, pois não estou blefando.
- Sua proposta, analisada, só traz benefícios para você: é sua a escolha de ir e talvez voltar; é sua a demanda de tempo sem data para expirar. Eu, como parte interessada, só vejo inconvenientes. E, na verdade, não foi uma proposta; mas um anúncio de que você está virando as costas ao status de ser minha noiva; ao fato de ser minha aliada; mas, de tudo, está deixando o espaço vazio que os inimigos sempre adoraram destinar para mim. - levantou e foi até a jovem - Rebecca, agora, aqui, você demonstrou todos os motivos pelos quais eu a quero do meu lado; como minha companheira. Sabemos que não precisa fazer o que está fazendo; se você jamais voltasse a me procurar, eu entenderia. Não aceitaria, mas entenderia. Com certeza, não iria procurá-la; como também é certo que jamais deixaria de recebê-la, caso viesse a mim. - olhou fixamente os olhos verdes - Entretanto, aqui está diante de mim, digna. Cada vez mais eu quero você, porque cada vez mais é um diamante que todo o meu dinheiro não pode comprar. E eu não sei o que de valioso eu tenho para entregar-lhe.
- Sabe sim; mas só você pode abrir esse cofre e libertar seu bem precioso, doutora.
Diante da resposta, afastou-se, ficando junto à janela, seu lugar de praxe quando está perdida em seus pensamentos. Rebecca reconhecia cada movimento de Luciana, mas nunca saberia ao certo se seriam com os mesmos significados.
- Você sabe que eu também sou sócia da empresa que Clara pretende criar?
- Sei.
- É meu dinheiro também. - disse em tom irônico.
- Empresas são negócios; vidas não. - falou mais ríspido do que queria.
Luciana ouviu o barulho dos passos; viu pelo vidro da janela Rebecca depositar coisas em sua mesa; ouviu os barulhos dos metais.
- As chaves do carro e do apartamento.
A médica não se mexeu.
- Agradeço por tudo.
Luciana viu Rebecca afastando-se para a porta.
- É o fim?
- Claro que não, doutora! Veja como uma chance de recomeço.
Nos minutos seguintes, duas mulheres ficaram separadas em seus mundos, sofrendo as mesmas dores.
***
***
No vestiário, após o último jogo daquela equipe que partia para conquistas individuais de suas integrantes; jogo que deu a vitória ao time da casa contra o colégio da capital; as meninas estavam eufóricas, preparando-se para as comemorações. Apenas uma jogadora, sempre segura de si, despia o uniforme suado, demonstrando sua satisfação apenas por um leve sorriso e o brilho nos azuis intensos dos olhos, focados em um único objeto de desejo. Na verdade, o jogo era travado ali, à vista de todas as meninas, entre ela e uma linda e cobiçada chefe de torcida. Todas as meninas queriam ser aquela princesa fútil e cheia de sorrisos forçados, pois além de rica e linda, era noiva do rapaz mais cobiçado da cidade, filho da viúva amante de Luciana.
O que ninguém sabia era que a tão feminina e mimada jovem, na verdade, favorecia ardorosamente à futura médica, a melhor em todos os esportes, porém a sapatona e pobre Luciana.
Então, ali no vestiário, entre todas as meninas cegas por inveja e puxa-saquismo, as duas se comiam pelos olhos, esperando o momento de se pegarem no corpo a corpo sexual. O clima era intenso pela adrenalina do jogo. Mesmo sendo a melhor jogadora, Luciana era deixada de lado, na presença da realeza no vestiário. Ela não se incomodava. Quando a rica chefe de torcida saiu, foi como se a colméia andasse e o enxame de abelhas a seguisse. Reinou paz. Calmamente, a jogadora que mais pontuou e foi responsável pela vitória do time, levantou e entrou no chuveiro. Poucos minutos se passaram até sentir a leve mudança de temperatura no ambiente. Seus seios foram envolvidos pelas mãos macias.
- Como se desvencilhou tão rapidamente?
- Não tenho muito tempo, Luce.
Virando-se, Luciana se expôs em sua gloriosa nudez para a garota que demonstrou, na gula do olhar, a sua aprovação.
Pamela, apesar de Luciana estar com os cabelos pingando, a água escorrendo pelo corpo, segurou o braço molhado. A moça sentiu a rigidez nos músculos da futura médica. Na seqüência, sem resistir, foi jogada contra o armário e beijada, com maestria pelos lábios sensuais, sentindo a língua na sua, fazendo-a se entregar. Luciana colocou a mão entre as pernas da sua presa, por dentro da saia, invadindo a calcinha e sentiu a umidade. Da mesma maneira súbita que começou o beijo, terminou. Pamela abriu os olhos, aturdida, e viu o fogo da promessa nos olhos azuis.
- Lá fora, no carro, baby!!! Meia-noite.
Naquela noite mesmo, atrás do clube, no carro de Pamela, Luciana sem qualquer remorso, mesmo envolvida com a médica da cidade, deixava-se levar por sua libido.
- Estamos fodidas.
- É o que estou tentando fazer...- Luciana balbuciava.
- Loucura...aqui é .... público...se formos pegas....
- ....eu sou menor e menos privilegiada financeiramente. Digo que você está me assediado. - falou, gargalhando.
- Luce, não falo isso para diminuí-la, mas nossas famílias são ricas e influentes. Se alguém tiver que perder, será sempre o mais fraco.
- Fica tranqüila gata. Terminou o colégio. Vou prestar o vestibular....
- .... e vai embora. Vai me deixar.
- Nada impede que você me acompanhe. Eu não posso ficar aqui nesse confim, mas você pode vir comigo.
- Luce, é o que você quer, amor?
Luciana mentiu, pois já estava combinado que moraria com o prof. Arthur, em São Paulo. Mentiu acreditando que Pam rebateria com uma negativa, por sua situação de noivado com o rapaz e todo o lado do preconceito e vergonha que poderia abater sobre suas famílias. Além do mais, saiam há muito pouco tempo para uma decisão dessas. Mas surpreendeu-se com o brilho e sorriso demonstrados pelo belo rosto. Soube, rapidamente, que a moça considerara a proposta.
- Sim. Mas sei que você não ousaria. - e começou a beijar lascivamente, buscando fazer a moça esquecer o momento.
- Nem sei....assim, agora, sou capaz de tudo por você.
- Até perder a vergonha? - disse, molhando os dedos dentro da vagin* ofertada.
- Já perdi a honra ...lembra?
- Ainda sinto o gostinho do sangue.
- Sorte o Tiago ser um troglodita e não se ligar, ou desconhecer mesmo essa coisa de virgindade. Ele só se importa com ele.
- Fui sua primeira... - Luciana ch*pava os dedos e os mergulhava de novo, como quem saboreasse um mel.
- ...e única. Sempre.
Antes de Paula, essas palavras de Pamela até poderiam surtir algum efeito no coração de Luciana; mas, agora, ele estava ocupado com a filha do professor. As coisas que fizeram juntas deixaram a jovem do interior enfeitiçada. Paula não era uma jovem comum e isso deixou Luciana excitada em ter sempre mais. Agora, qualquer distração sexual era apenas para conter a fome insaciável, pois era em Paula que descobrira seu prazer.
Pouco tempo depois, Luciana não poderia ter retornado mais feliz para sua terra: passara no vestibular na faculdade que queria e junto com Paula, que se tornara sua companheira definitiva e inseparável. Ambas se completavam em tudo; por incrível que pudesse parecer, Paula oferecia possibilidades novas e inusitadas, além de ousadias que nenhuma moça até então permitira e ofertara.
Para seu pai, a futura médica, sua filha, era uma espécie de deusa; até mesmo sua mãe a parabenizou com indisfarçável orgulho.
- Vamos fazer esses idiotas da cidade engolirem o que dizem a seu respeito. - comentou, com certo prazer vingativo na voz.
Luciana, com autorização dos pais, trouxera Paula para ficar alguns dias com ela em sua cidade. A garota fora colocada em um dos quartos da pensão e, com isso, a mãe de Luciana imaginava poder mantê-las afastadas; na verdade, sabia que não conseguiria, mas assim garantia que sua parte fora feita para evitar qualquer vergonha para si mesma.
De fato, as duas jovens futuras médicas dormiam todas as noites juntas. Paula nunca estava saciada; Luciana não se furtava em servi-la. Em uma de suas "brincadeiras", a jovem do interior quebrou o espaldar da cama, tamanho fora seu prazer; também aparecia com marcas no pescoço, nos braços, nas costas, que estavam ficando difíceis de disfarçar aos olhos da mãe, que indagava e ouvia desculpas esfarrapadas. A mãe olhava para ela com profundo desgosto; mas tratava muito bem a médica da cidade.
Definitivamente, aquela cidade não mais poderia comportar a fome de novidades e experiências que a futura Dra. Luciana Lopes começou ávidamente a alimentar com o banquete oferecido pela Dra. Paula Rangel.
Enquanto estava com Paula, andou pela cidade e foi vista por todos, inclusive suas duas amantes. Pamela não representaria problemas; mas Luciana se preocupava com Estela, a viúva.
- Se não me engano, você é filha do Arthur Rangel, não é mesmo? - disse, quando as viu no haras.
- Sou sim. E você quem é? - Paula respondeu meio debochada.
- Paula, ela é a dona deste haras, Sra. Estela. Espero que você não se aborreça por ter trazido minha amiga.
- Querida, o que é meu é seu; e ela é filha de um amigo. Está hospedada onde, Paula? Pode ficar aqui comigo, se quiser.
- Estou com Luciana, na hospedaria da mãe dela. Adoro tê-la por perto; quero atenção o tempo todo, não é Luciana?
A futura médica de olhos azuis estava meio ressabiada com o jogo verbal. Paula sabia de Pamela, mas não de Estela. A conversa transcorreu com a viúva montada em seu lindo cavalo.
- Eu sei como é; Luciana é irresistível; torna-se tão necessária quanto o ar que respiramos.
- Espero que você tenha seu próprio aparelho de respiração, porque ela está indo embora comigo.
- Como?
- Ainda não sabe, Estela? Eu ia contar: passamos na faculdade de medicina que queríamos e vou morar com o Prof. Arthur e família. - Luciana teve que falar subitamente, mas pretendia contar em outro cenário; preparar melhor a viúva.
A mulher ficou sem fala; franziu a testa, contra-feita; logo, recuperando-se um pouco, deu os parabéns para Luciana.
- Quero falar com você sobre seus serviços aqui no haras. Volte mais tarde. Sozinha. Paula não precisa escutar sobre bostas de cavalos; que é o que você cuida aqui. - havia certa dureza na voz; um que de arrogância.
- Estou certa que estas mãos não foram feitas para bostas de cavalos. Elas são por demais especiais. - dizendo isto, Paula beijou as mãos de Luciana, desarmando mais uma vez a viúva.
- As 17 h. Sem atrasos. - virou-se e saiu em galope.
Paula desandou a rir.
- Não me diga que você também pega essa daí?
Luciana teve a decência de corar antes de começar a rir.
- Distração. Sem você, aqui é entediante. Ela é fogosa. Aceita tudo que faço. Eu tenho uma mestra e, como boa aprendiz, tenho minhas pupilas.
Ambas começaram a rir.
- Quando verei a tal Pamela?
- Vamos no Bar Raco mais tarde, convidei umas pessoas, mas não sei se irão. Meu irmão é amigo do noivo dela, filho da Estela.
Paula arregalou os olhos.
- Uii...você come a mãe e a noiva do cara!!! Adorei!!!! Aí vem confusão!
- Paula, por favor, por meus pais, vamos com calma.
- Está com medo? É só proteção familiar ou protege mais alguém? Desconheço essa Luciana cautelosa. - o tom era de desafio.
- Comigo nada tenho a temer; mas, minha família é sagrada para mim. Vamos. - disse, levando Paula pelos braços meio abruptamente.
- Hey...calma...nada tema!
***
***
Antes de se apresentar na sede da fazenda, agora residência das Staionoff, Clara rumou diretamente para a cabana.
Totalmente restaurada, era naquele recanto de tantas recordações que Régia fixara seu paradeiro. Durante o dia, podia ser encontrada em alguma parte da fazenda, realizando trabalhos junto aos técnicos ou aos agricultores, que agora recebiam constante treinamento sobre como cuidar de plantações.
A rotina da líder era acordar cedíssimo, fazer seus exercícios matinais e ir tomar café com o povo reunido na nova cozinha comunitária instalada próxima ao novo alojamento, tudo ainda em construção, mas funcional. Herdara a posição de liderança, mas não era mais chefe de nada. Apenas buscava intermediar situações novas com esperanças antigas. Ainda era muito respeitada e, para seu desgosto, temida também.
Almoçava sempre que podia com D. Ruth e com João, que dera para ser o guardião da família da jovem senhora. Ao final da tarde, voltava para a cabana, envolvida com suas pesquisas e catalogação de plantas da região. Agora que a fazenda pertencia, em parte, à Luciana, a médica acordara uma remuneração que fora aceita muito a contragosto pela líder, resultado do esforço de persuasão de Clara.
Sabia que teria que ir até São Paulo, pois Anna estava freqüentemente apresentando manifestações que ora animavam a Dra. Paz para, na seqüência, desfazerem a certeza de progresso. Não queriam desistir, pois a menina não estava se encaixando em nenhuma das reações manifestadas nas outras crianças, antes dela. Por isso, Dra. Paz queria explicar os rumos que iria seguir com os dados obtidos.
A comunicação com Clara era diária; mas, dependendo do local, para conversarem de forma mais íntima era complicado.
O reencontro na cabana não poderia ser mais explosivo. Desde que descobriram o quão perfeita era a relação entre seus corpos; desde que Régia redescobriu seu desejo sem medo ou culpa; as ausências só eram suportadas pela certeza de que a chama só tenderia a arder e consumir mais vorazmente a cada nova volta de ambas.
- Estou morta de cansaço!!! - Clara confessou, relaxada nos braços de Régia.
- Você estava cansada?!?! Deus que me ajude quando estiver descansada!!!! - a líder fez o sinal da cruz.
- Boba! Mesmo tendo ficado acordada com a doutora; viajado para Brasília e vindo para cá; nada me impediria de provar você. Aliás, foi o que me manteve desperta até agora. - deu uma risadinha.
- E como estão as coisas por lá?
Clara contou tudo para Régia que escutou muito calada.
- Depois de Luciana, você falou com Rebecca?
- Não. Viajei e não tive contato com ela.
- Aqui ninguém comentou. Ruth não está sabendo.
Clara colocou-se por sobre Régia, olhando-a com um misto de adoração e desejo.
- Você é....
-....linda; já sei. - ambas riram.
Clara estava feliz; mesmo com as incertezas, estava feliz. Régia a fazia viver, querer ser para alguém. Beijou a boca a sua frente, fazendo questão de esfregar cada centímetro de seu corpo no outro. Com a mão entre seus corpos, penetrou a líder, deslizando os dedos na umidade, ao mesmo tempo que a língua se entregava sem pressa, explorando, sentindo Régia reagindo ao estímulo. Montada sobre ela, com os dedos dentro, mexia a vulva sobre a mão, intensificando as arremetidas com leves movimentos do quadril, se estimulando também. A outra mão deslizava pelo ventre, barriga, seios; beliscou os mamilos. Régia mantinha os olhos abertos, totalmente desfocados, perdida em algum lugar entre o amor e o gozo. Clara era dona da situação; tinha sua mulher onde queria e sabia que podia tudo. Sentia o clit rijo, proeminente, querendo atenção exclusiva.
- Quero você comigo sempre. - Clara dizia as palavras, torturando os meios de Régia.
- ...estou....sempre....- a líder tentava retardar o gozo iminente.
Clara encaixara seu sex* sobre o de Régia e remexia...devagar...experimentando cada sensação...deixando se roçar no clit...na lábia...com vigor..também lentamente. Molhavam-se. A boca ocupava-se dos seios. Régia não conseguiu segurar mais; deixou vir seu orgasmo, deixou sair, gem*ndo alto, deixando o corpo estremecer, contorcer, esfregar mais e mais. Clara corria atrás do próprio gozo, mas esqueceu-o por um momento e deixou a boca envolver o clit rijo, com o corpo ainda pulsante sob sua língua; sugou forte, fazendo a ponta da língua desenhar traços imaginários, mas não menos reais no corpo da sua amada. Régia sentiu dor de tanto prazer; sentiu a força que transpassou seu corpo e voltou feito um raio que cai, certeiro, duas vezes na mesma vítima; para seu crédito, evitou desmaiar, mas seus olhos fecharam-se e a respiração perdeu o controle; mesmo com os lábios semi-abertos, não tinha ar; mesmo com as narinas dilatadas, não respirava; só sabia que tinha uma força maior ainda revolvendo seu corpo e, para seu delírio, sentiu o gozo de Clara.
***
***
Sem Becky, sem Clara; com Paz ausente, pois tivera que ir ao Chile; Luciana não sabia para onde ir.
Resolveu ir para o apartamento. Não era o melhor lugar, mas também se era para ficar recordando, preferia ir a um lugar de boas recordações.
Durante a semana pensara somente sobre a conversa com Rebecca. Paradoxalmente, amou ter sido acuada como foi. A jovem loira não poderia fazer idéia do quanto reforçou o amor à médica mostrando-se mais segura e consciente de seu papel na relação delas. Luciana tinha que admitir que dera poucas chances a Becky para descobri-la; mas, também, não conseguia deixar de pensar no que descobrira sobre as bisbilhotices da jovem, sem pensar que fora traída. Traição poderia ser uma palavra forte e exagerada, mas para a médica era um divisor de águas.
A verdade era uma só: tinha vergonha de dizer a Rebecca que amara loucamente Paula, fizera juras, planos e toda uma idealização de vida em comum, para num primeiro momento trocar tudo por um casamento sob contrato, apenas para ter poder de fogo contra os imbecis de sua cidade.
Sabia que Paula era obsessiva. Com o decorrer da relação, percebeu que o amor dela era mil vezes mais potente, mais possessivo, mais exigente em atenção. Eram amantes que se completavam; profissionais com interesses iguais; em toda essa simetria, existia o "mas" que sempre era evitado.
Paula era rebelde. Aprendera coisas por conta própria. Desenvolvera seus gostos utilizando a inteligência aguçada; mas não tinha controle. Na faculdade eram excelentes alunas; estudavam juntas; questionavam tudo e todos os professores; não aceitavam incertezas como respostas; acabavam, por vezes, sendo insolentes. Em pouco tempo, Luciana adquiriu seus próprios gostos; mudou seu foco; quis outros conhecimentos; mas ainda insistia em seus planos eternos ao lado de Paula.
A relação delas se intensificou após o incidente em sua terra natal. Ao ver-se sozinha, destruída em sua base familiar, Luciana foi trancada por Paula em um círculo de proteção. Convenceu-a de que era a única em quem podia confiar; somente ela saberia cuidar de Luciana. E assim foi enquanto a vingança permanecia fomentando, aguardando uma oportunidade. E quando a médica, já formada, pensava que não queria mais sua revanche, o momento chegou. E com ela a certeza de que o amor por Paula enfraquecera diante da possessividade e surtos que denotavam certo desequilíbrio; mas, como amante, Luciana não queria enxergar o que acontecia. Paula era um entrave para os planos súbitos da médica.
Luciana resolvera repassar sua vida diante de Anna. Estava tão sozinha que o apartamento não a conteve. Rumou para o hospital como fizera em suas piores fases. Quando percebeu, estava no quarto da menina. A enfermeira saiu quando a viu; deixando-as sozinhas. Leu o prontuário; observou os sinais vitais da menina. Estava com ótima aparência, parecia dormir. Sentou-se na confortável poltrona na qual, por vezes, viu Becky adormecida zelando por Anna. Tentou, com todas as forças, sentir o cheiro familiar. Sabia que com toda a assepsia do local, isso era impossível; mas quis sonhar. Fechou os olhos.
Becky ainda freqüentava o hospital. Luciana a avistara sem ser vista. Ela estava aparentemente contente.
- Por que não estaria? Livrara-se de um fardo!
***
***
A vida seguia seu curso. Becky ainda estava envolvida em projetos grandes e passá-los para outros demandava tempo; pois não queria perder a qualidade do que desenvolvera.
Além do hospital, juntamente com Clara, procuravam uma consultoria que as ajudassem a entrar no ramo de cosméticos e remédios fitoterápicos. Luciana possuía uma rede de farmácias de manipulação; desvinculada das empresas do marido. Esse seria um ponto de partida; mas toda a parte mercadológica ainda precisava de estudos.
Quanto ao coração, a jovem se sentia miserável. Jamais pensara em ficar sem Luciana; uma vez que se impôs ao jogo de forçá-la a pensar sobre seus medos, quase se arrependeu na seqüência. Ao fechar a porta do escritório, deixando chaves do que fora um lar para elas, sentiu-se mais desamparada do que quando ficava nas ruas. Não perdera nada material; perdera o abrigo de sua alma.
Por conta, instalara-se em um flat, até decidir o que queria de sua vida.
Freqüentar o hospital sempre alimentava o desejo de ver Luciana. Ou o medo de ver a morena maravilhosa e desmontar a aparência forte que fizera para si.
Sorria para todos, mas seu coração nunca estivera tão triste.
Não contara nada para Ruth; porque nada estava definido. Não queria conselhos, contra ou a favor, da sua decisão.
A semana inteira passou lidando sozinha com briefings, consultores almofadinhas e outros metidos a gurus. "Saco!!" . Clara não tinha a menor pressa de voltar da fazenda. "Nem eu teria, se ficasse nos braços de Luck, como ela está nos de Régia!".
Como não tinha uma sala definida no hospital, pois sempre ficara no escritório adjunto ao de Luciana; Becky resolvera atender em seu flat as consultorias que estavam pesquisando.
Recebeu a loira de estatura mediana, olhos azuis, muito elegante.
- Olá. Prazer em conhecê-la, Rebecca.
- Prazer é meu, Norah.
Acomodadas confortavelmente, a mulher ligou o notebook.
- Confesso, Norah, que fiquei curiosa com seu telefonema. Como soube de nossa busca?
- Esse mundo de marketeiro é pequeno. Conheço Waldemar; ouvi rumores; também estive nas comemorações das empresas de sua noiva e, pasme, também acompanhei o caso do reencontro com seus pais. Permita-me dizer, fiquei emocionada.
- Uau!! Agora estou em desvantagem: você sabe muito sobre mim! - Becky exclamou com genuíno espanto.
- Por isso não: pergunte o que quiser sobre mim. - riu, encantadoramente.
Nas quase duas horas seguintes, Becky soube que ela trabalhava em uma das empresas que tinha convênio com o grupo de Luciana; era alta executiva na segmentação de cosméticos; ao ser demitida, optara por consultoria. Waldemar era um tagarela e falara algumas coisas sobre a relação de Luciana e Becky; sutilmente, Norah deixou claro que não era homofóbica; prosseguindo com sua apresentação.
Abrira o note, mostrara o site da empresa e oferecera referências. Como consultora, ainda era novata; mas com amplo know how como alta executiva em empresas de renome.
Por sua vez, Rebecca falou da fazenda; do projeto; dos recursos e potencial.
- Inclusive, estamos colhendo já para a primeira leva de encomenda. Temos duas empresas arrendando; e, uma parte, vamos usar para nós, em uma cooperativa.
- Além de você, tem a Clara Camargo que mencionou; mais alguém?
- Dra. Luciana Lowestein. Ela detém a maior parte da fazenda.
- Nossa! A sua noiva é reconhecidamente uma raposa. Esperta demais!
- Não é....
- ..claro que é. Waldemar diz...
- Não é mais minha noiva. - Becky sorriu, meio amarelo. - Apenas uma sócia.
- Desculpe-me. Quando as vi na festa, achei um casal lindo e muito, mas muito, entrosado. Lamento. - demonstrou consternação - Mas, noiva ou não, você tem uma excelente sócia!!
Becky riu. Norah sorveu um gole da água, na seqüência do café.
- Ela não quer se envolver. Entregou tudo nas mãos da Clara e na minha. Confesso que, de minha parte, queria deixar tudo com a Clara, que é muito mais experiente; porém, ela acha que tenho que me envolver mais; também confia em meu julgamento.
- Clara foi secretária da Dra. Luciana por muitos anos. A conheço de algumas recepções. Sempre me pareceu muito prática, cordial, minuciosa. Se formos trabalhar juntas, será um senhor teste para mim.
- De minha parte, me esforçarei para não atrapalhar com perguntas óbvias.
- Rebecca, se me permite, as coisas mais óbvias nem sempre são menos importantes. Além do que, você não me parece tão despreparada. E, com esse olhar franco, impossível achar qualquer palavra sua menos do que adorável. - disse, terminando o café. - Tenho que ir.
Rebecca, por um momento ficou pensando na frase final, tentando entender as entrelinhas. Então, ao ver a mulher levantando-se, também ficou em pé.
- Bem, presumo que teremos que esperar a avaliação da Clara. Quando ela voltar, agendamos nova reunião. E, então, já trarei alguns estudos de mercado, comparação de marcas, pontos fortes e fracos; análise de distribuição e vendas.
- Pode parar...é muita coisa. Já senti que teremos muito trabalho. Estou fascinada.
- Você não viu nada. Dê-me uma chance, e farei ser muito mais fascinante!
Agora, não havia dúvidas: estava sendo cantada.
"As pessoas não perdem tempo!"
- Assim que Clara voltar, entramos em contato. - a jovem disse, mantendo o profissional.
O aperto de mão foi cordial, ainda que tenha prendido a mão de Becky entre as suas, de uma forma um pouco inapropriada.
***
***
- Ahhh!!!
- Ai Régia... assim...esfrega....forte....
- Ahhh.. to quase goz*ndo... Ahh...
Ato que não pode ser concluído porque João gritava um tanto aflito do lado de fora, tirando a concentração da morena:
- Régia! Régia!
- Espera! - Régia gritou ainda na posição em que se encontrava, movimentando-se freneticamente.
- Régia! É importante! - João não desistia.
- Droga! - A morena esmurrou a cabeceira de madeira da cama e saiu de cima da loira feito um cão raivoso - É melhor mesmo que seja importante, João!
Clara pulou da cama numa vã tentativa de se vestir antes que João entrasse, mas este foi mais rápido e adentrou no local. A loira, vermelha de vergonha, correu e se escondeu atrás do corpo de Régia, também nua, mas que mantinha-se firme, como se estivesse com mil panos por cima do corpo.
O caboclo, embasbacado com a beleza da morena, ainda não havia conseguido proferir nenhuma palavra.
- Desembucha João de Deus! - disse Régia num tom ameaçador.
- Visita... - foi a única coisa que ele conseguiu dizer.
Como que completando a frase de João, um homem bastante alto e forte apareceu na soleira da porta, trajava uma calça jeans e uma camisa listrada. Para outra pessoa o volume do colete a prova de balas por baixo da camisa passaria despercebido, mas não pra Régia. Os olhos azuis correram discretos e se detiveram na perna esquerda, por baixo da calça sem dúvida se encontrava uma arma de fogo. Este homem com certeza era um federal a paisana!
Régia, experiente, soube que este devia ser o primeiro a chegar no local e outros estariam logo atrás. Calculou rapidamente qual a chance de sair dali, sem ameaçar a segurança de Clara.
Olhou para a direita e encontrou um facão, não era muito comparado à arma de fogo do federal, mas já era alguma coisa. Em sua ligeireza habitual, girou o corpo até o facão e numa fração de segundos teve o homem rendido entre seus braços:
- Quanta honra a visita de um federal... - sorriu sarcástica - Quantos vocês são?
Ao ver a cena, João se apressou para explicar:
- Ele veio a mando de Bela Fatal e está sozinho.
Assim que a clareza tomou o pensamento da morena, ela o soltou. Ele, porém não se moveu, e a líder chegou a pensar que ele estava em estado de choque ali parado como um dois de paus olhando fixamente... Olhando fixamente para Clara! Nua! "Ah, filho de uma que ronca e fuça!" Régia o agarrou novamente por trás pondo o facão no pescoço dele:
- Ta boa a vista? - disse novamente entre dentes para o federal.
- Na... Na... Não! - gaguejou.
- Clara, cubra-se! - pediu, em tom gentil, para a loira.
- Régia... - João sinalizou para que o soltasse, pois o homem estava roxo.
Ela o fez com brusquidão, fazendo com que o federal perdesse o equilíbrio e quase fosse ao chão, mas ela mesma o segurou interrompendo uma queda certa.
Régia caminhou três passos, olhou para Clara já coberta com um lençol e seu rosto suavizou numa expressão de puro alívio, sinalizando que o perigo passara.
- Bela Fatal? - não era uma pergunta, era apenas um pensamento alto.
- Sim, a própria. - o homem disse, massageando o pescoço.
Régia ficou de frente para a "visita", reparou que ele tinha nas mãos um envelope grande.
- Bela Fatal quer que você entre em contato com ela.
- Você ainda quer fazer piada comigo? - disse, dando dois passos na direção do homem, que se afastou - ... Tentei novamente, mas simplesmente não consigo mais! Já não tenho o número da Mariah, portanto... - Régia sorriu com malícia - ...mas a Bela Fatal, sim, encontra quem quer e quando quer.
- Exatamente por isso ela pediu que eu trouxesse esse celular... - ele tirou o aparelho do bolso - O número ta gravado, é só apertar "send".
- E ainda banca que saiu da máfia. - a líder deu um leve riso de viés.
O federal se limitou a sorrir, cúmplice. Ambos sabiam que a morena estava tão ativa quanto antes.
Régia pegou o aparelho da mão do federal e fez a chamada. Tocou uma vez, duas vezes, três vezes... Silêncio. Teria caído a ligação?
Um barulho leve se fez ouvir do outro lado, certamente alguém atendeu, mas permanecia mudo. Régia estava com todos seus sentidos aguçados. Ainda poderia ser uma armadilha. Também estava sem paciência, principalmente por estar sentindo o sex* latejando. Mais tarde, Clara sentiria o resultada dessa frustração; e, se não fosse verdade, caparia João pela inconveniente interrupção. Resolveu arriscar:
- Alô?
- Hola!
Aquele sotaque... Aquela voz... Régia sorriu, então era mesmo verdade, só podia ser ela!
- Quanta honra, Bela Fatal!
- Um fantasma certamente! Hahaha... - riu divertida Bela Fatal - Aliás, uma pena que tenha morrido: Penumbra era gostosa!... Ai! - gritou, era notório que sentia dor, mesmo estando do outro lado da linha.
- Você está bem?
- Claro, apenas me lembre de cortar a manicure da Roma do meu orçamento... Que unhas mais afiadas!
- Hum... - foi a vez de Régia ficar calada - Penumbra está morta, mas não sou um fantasma! - retomou o assunto, rindo com gosto.
- Não, claro que não... Você é Régia Sofia Blixen... Gostosa também!! Aiii!!! - dessa vez o grito foi mais estridente - Oye rubita, é brincadeira!
- Antes que seja esfolada viva, novidades para mim, Bela? - Régia ficou séria, falando ao celular, nua, diante da platéia seleta.
- Se estou falando com você agora significa que todos os documentos que você precisa estão em suas mãos: identidade, CPF, passaporte, habilitação, certidão de nascimento de Anna, cartão de banco e crédito entre outras coisas. Seu nome está limpo, basta que confira. Régia Sofia Blixen é uma bióloga que viveu nas matas e agora retorna a civilização. Renasça e seja feliz com sua rubita.
- Bela Fatal... - a líder segurava as lágrimas - Obrigada!
- Não diga obrigada, diga estamos quites. - e a linha emudeceu.
Ainda em choque, Régia devolveu o celular para o federal, ignorando que ele não tirou os olhos de sobre ela o tempo todo, quer por cobiça, quer por medo.
Pegou o envelope, olhou a documentação. Junto com os documentos, os dados de uma conta bancária, na qual havia uma quantia suficiente para um recomeço.
- Se estiver tudo certo, meu trabalho terminou. - o federal meio que receava indagar.
Quem o dispensou foi Clara e João o acompanhou.
Régia sentara na cadeira e, ao perceber que estavam sozinhas, começou a rir e chorar.
Clara ficou apreensiva. Bela Fatal era conhecidíssima. A dra. Luciana quase fora o pivô de um conflito internacional ao ser barrada no aeroporto em Barcelona, confundida com a poderosa mafiosa. Clara teve a mais difícil missão junto com os advogados. Luciana queria acionar embaixadas e seus conhecimentos junto aos diplomatas brasileiros. Tudo porque Bela Fatal desfilava em público como se fosse a mais cândida das pessoas nesse mundo.
Agora, temia que Régia estivesse sendo chamada para alguma missão. Temia que retornasse à máfia. Por outro lado, temia que fosse um alerta para Régia desaparecer. Poderia estar sendo caçada pelos federais ou pela máfia ou, ainda, por ambos.
Habituada a cuidar de todos os trâmites da doutora, a secretária reconhecia a manilha de papéis e presumiu que aquela documentação representava algum tipo de disfarce. Se assim fosse, era certo que Régia estava enrascada novamente. Ou, quando muito, um novo dilema as afetariam: a relação delas seria abalada novamente?
- Régia, meu amor, o que ela disse? O que ela quer? Você corre perigo? Corremos perigo?
Com a tão admirada agilidade de sempre, Régia trouxe Clara para seu colo e a beijou.
- Só assim para calar tantas perguntas, minha muié da cidade!!! - disse, ainda com o rosto molhado pelas lágrimas.
- Se o método for esse sempre, nunca pararei de perguntar.
Não fosse a real curiosidade e apreensão, elas retomariam o que João interrompeu. Clara, mesmo sabedora de estar jogando lenha na fogueira do desejo de Régia, insistiu em obter respostas.
A líder entregou os papéis. Cinco minutos depois, a secretária vertia lágrimas e também sorria ao mesmo tempo.
- Estou entendendo corretamente?
O sorriso de Régia iluminaria o estádio do Maracanã de tão radiante.
- Ela pode fazer isso? É legítimo? Bela Fatal tem esse poder?
- Graças ao inevitável preço de cada um, ela pode sim meu amor. Isto é mais do que legítimo.
- Mas...
- Sem "mas", amor. Ela demorou, mas não esqueceu. E demorou porque teve que rastrear tudo e apagar qualquer vestígio. Ela conseguiu. Minha preocupação era com a máfia e suas ramificações, mas parece que tudo que poderia ligar Penumbra a Jesse foi apagado. E, sem Jesse, Régia é uma bióloga que se isolou na mata e agora retorna à civilização. Palavras da Bela.
- E esse federal? Ele é confiável? Ele sabe de tudo.
- Clara, meu amor, para o bem dele é melhor que seja. Porque agora ele é um alvo de Bela Fatal, para o bem ou para o mal.
Clara estremeceu. Régia sentiu o tremor e a abraçou.
- Estou livre! Você é meu talismã da sorte.
O beijo entre elas foi ao sabor das lágrimas. Clara não poderia estar mais feliz; o que mais temia desaparecera. Agora, era levar sua mulher para junto dela e cuidarem de Anna. Uma família. Nada de passado, somente futuro.
- Você não tem pudor, atendendo as pessoas nua desse jeito. - brincou, mordiscando a pele exposta.
- Não queria perder tempo com roupas, já que teria que tirá-las de novo. Onde estávamos? - mordiscava o lóbulo e a nuca de Clara.
- Melhor começarmos de novo....
***
***
- Quando ia me contar?
- Estela, todos por aqui sabem que estava prestando vestibular. Posso não ser uma miss simpatia, mas sou reconhecidamente uma pessoal de grande intelecto. Prof. Arthur é meu padrinho. Em alguma universidade eu entraria com certeza; apenas foi a que eu escolhi, dentre outras.
- Não falo do vestibular. - fez uma pausa - Paula.
A jovem Luciana coçou a cabeça. Não havia pensando que Estela a levasse a sério. A relação delas era, dentro de todas as intolerâncias e preconceitos, a mais difícil de ser admitida.
Os momentos de sex*, de cama, eram excitantes para a jovem devido ao mundo de possibilidades que a viúva oferecia. O arsenal de acessórios e brinquedos permitia que Luciana exercitasse domínio sensorial, o que ela adorava. As outras jovens eram sex* sem criatividade; eram banais; casualidades; e Luciana só se deu conta disso após conhecer Paula e receber todos os "ensinamentos" que a jovem da cidade sabia. Aprendeu o que era prazer de fato, tanto para dar quanto para receber. Quando Estela surgiu, Luciana perspicaz e excelente conquistadora, atraiu a viúva com tudo que aprendera e pode alçar novos vôos. Mas, nem por isso, achou que devia para Estela qualquer satisfação. Sabia distinguir amor de sex*; ou sex* sem amor. Estela era passatempo; prazeroso, mas apenas distração. Ao menos para a jovem médica.
- Eu amo Paula, Estela. - foi curta e grossa.
- Ela sabe de nós. - o tom de voz era seco.
- O encontro de vocês hoje foi revelador. Ela perguntou e eu confirmei.
A jovem viúva ficou pensativa.
- Você sabe o que sinto por você?
- Não deveria ser nada além de um orgasmo. - Luciana permanecia distante.
A resposta pareceu ter acertado em cheio o ponto que mantinha a altivez da mulher diante da jovem.
- Eu posso dar tudo a você, Luciana. Posso aceitar, inclusive, que você saia com a noiva do meu filho.
Luciana, apesar do espanto, não fez menção de negar a relação com Pamela.
- Não se espante. Após o jogo, fui buscá-la no colégio. Vi vocês no vestiário e, depois, no carro dela.
- Se serve de atenuante, nosso envolvimento é mil vezes mais satisfatório para mim do que ela. Tenho real prazer em estar com você, Estela. Mas em momento algum pensei em ir além. Você tem nome, prestígio; com certeza, eu poderia me beneficiar, mas nunca poderia ser eu mesma. Não me escondo. Todos sabem o que sou. E quero que saibam que serei muito mais; terei muito mais conquistas.
Estela agarrou Luciana. Ela era bem mais baixa; tipo mignon; cabia entre os braços da jovem com folga e aconchego. Tentou sentir a essência daquele ser que parecia uma deusa da beleza: jovem, arrogante, segura e muito, mas muito mais experiente nas artes do sex* que qualquer um a quem tivesse se entregado antes.
- Saia daqui! - disse, empurrando Luciana. - Saia, não volte mais; não se aproxime do haras; não lhe quero mal, mas não quero sentir o que sinto. Suma!
Sem qualquer palavra, a jovem futura médica se afastou; num último instante, Estela se jogava em seus braços novamente.
- Possua-me. E eu te esqueço!
Nenhuma das duas prestou atenção ao jovem que escutara tudo. Tiago sentia-se enojado.
Dentre todas as coisas que sua mãe já fizera de vergonhoso, se entregar para aquela coisa sem eira nem beira era a mais humilhante para a memória de seu pai; era vergonhoso para ele, diante da cidade, caso soubessem.
Já Pamela era uma menina mimada; sua relação com ela satisfazia a junção das famílias. Foram prometidos desde criança. Porém, ser chifrado por aquela mulher metida a homem era demais. Quantas vezes fora desdenhado por Luciana; fora imbecilizado em provas de intelecto e mesmo em jogos e competições esportivas. Ao mesmo tempo que odiava a jovem; a amava. Queria possuí-la.
E ali estava ela, aquela aberração, roubando-lhe sua mãe e sua noiva. O ódio veio à tona, mas o rapaz sabia que com a cabeça quente nada resultaria na dor que queria aplicar àquela criatura indefinida. A hora chegaria.
CONTINUA....
"Agradecimentos à Mariah Galveia pela cena escrita, além de ceder suas personagens Bela Fatal e Roma, protagonistas da sua fanfiction Prisioneira do seu Coração"
http://www.fatorx.net/fatorxuberprisioneiradoseucoracao1.htm
Fim do capítulo
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