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Palavras: 11015
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Capítulo 31 - Cap 28.1

VINTE E OITO

PARTE UM

 

 

disclaimer no capítulo UM

 

 

 

Você e você

Gilberto Gil

 

Diz o I Ching:
Divino é saber
O que distingue
Você de você

Você dos outros
Do outro você
Você do mundo
Do você do ser

Você num canto
Vive o espanto
Enquanto o outro você
Sai pra viver
Por aí
Tanto pranto, tanta dor
Seu irmão
Pede o seu amor

Diz o I Ching:
Divino é saber
São dois no ringue
Você e você

Você que ataca
Pra se defender
Que beija a lona
Pra poder vencer

Você num canto
Apanha tanto
Enquanto o outro você
Bate demais
Deus do céu
Quanto sangue pelo chão
Seu irmão
Pede o seu perdão

 

 

Régia estava no hospital cuidando de Anna. Tinha ido à lanchonete esticar as pernas e tomar um suco. Quando retornou, surpreendeu Luciana ao lado da cama de sua filha.

 

Apesar de perceber que a médica andara chorando, não falou nada. Sentou em uma das cadeiras ao lado da cama.

 

Luciana sentou também. Ficaram lado a lado, por um bom tempo, sem conversarem.

 

O celular de Régia tocou. Era Clara.

 

Fora do quarto, a bióloga ficou sabendo de tudo o que ocorrera.

 

- Ela está aqui no quarto de Anna. Pelos olhos vermelhos, andou chorando e muito.

- Faz tempo que ela está aí?

- Aqui no quarto chegou agora; já no hospital eu não sei.

- Ela saiu do flat eram 11 horas da manhã; não faz uma hora ainda. Como será que está?

- Amor, você sabe que ela vai falar se quiser. Eu não vou dar uma de bisbilhoteira.

- Está bem. Mas, se ela não falar nos próximos 30 minutos, você poderia vir para casa? Estou estressada demais com tudo o que ocorreu e pensei que poderíamos ter uma tarde relaxante.

- Não faz assim, porque se ela falar, não vai demorar apenas meia hora e eu não vou conseguir prestar atenção pensando que você está me esperando....

- Bem...foi mau mesmo; pode esquecer; temos muito tempo para isso. Um beijo bem molhado nessa boca deliciosa!!!! Tchau.

 

Régia desligou, suspirando.

 

Ao entrar no quarto, olhou para a médica, ainda estática na cadeira.

 

- Clara já fez o relato? - Luciana perguntou sem ênfase.

- Acabou de contar. - Régia respondeu sem ênfase.

 

Luciana levantou e foi olhar pela janela. Passou a mão pelos cabelos.

 

- Eu não fui lá para brigar. Fui para ver como elas estavam com o planejamento e entregar o envelope com o organograma e nomes das pessoas chaves das quais precisavam. Depois do encontro no hospital, o qual você também já deve saber. - olhou para Régia que assentiu - Enfim, depois daquele encontro, eu tive uma conversa com Arthur. Percebi que estava facilmente caindo na conversa da Paula, que vê em mim a mulher que a ....- hesitou procurando uma palavra - ...transformou. Lembrei da Clara dizendo o quanto sofreu por tentar esquecer você e o que quase acabou provocando. Sou uma mulher inteligente, acima de qualquer outra possível qualidade; sei ponderar. Constatei que Paula já provocara o afastamento de Rebecca armando uma intriga. Por que eu teria que cair sempre nessas armações, sabendo o que sei sobre o coração da Rebecca e a obsessão da Paula?

 

Régia estava espantada com essa Luciana a sua frente.

 

- Então liguei para Clara sabendo que não precisaria armar nenhum cenário, pois ela me conhece e sabe o que sou profissionalmente. Ela sabe amedrontar em meu nome, pois já foi amedrontada o suficiente e pessoalmente. - deu um sorriso, Régia não retribuiu - Você pode ficar emburrada, mas eu e Clara temos nossos códigos; e reconheço a lealdade dela, acima de tudo. Mas, enfim, minha intenção era entrar, impor um terror barato e depois, magnanimamente, ofertar minha ajuda. Com isso, apaziguar o coração de Rebecca. Desde que a conheço, sei que a única coisa que a faz sair do sério, e revidar de alguma forma, é injustiça. Por isso, sabia que qualquer atitude mais brusca com aquela consultora, resultaria em uma postura de defesa e teimosia imediatas, por parte de Rebecca, para com essa pessoa.

 

Até agora, para Régia, Luciana estava demonstrando um conhecimento profundo sobre Rebecca; o que denotava sua atenção; o que evidenciava que, vindo de Luciana, isso era uma prova de amor.

 

- Mas, então, eu entrei no apartamento e vi a consultora com os cabelos molhados cheirando ao shampoo da Rebecca, usando uma blusa da Rebecca, cheia de cuidados com ela; isso me fez esquecer tudo que ponderei. Pior: me fez acreditar nas malditas fotos que Paula me mostrou, que acusavam que Rebecca e a consultora dormiam juntas. Daí, meu ciúme e orgulho tomaram conta. Desvalorizei-a completamente e ataquei o que pude atacar que era o passado dela. Perdi, inclusive, a percepção sobre o estado de saúde de Rebecca naquele momento. Quando fui agredida, recuperei um pouco do senso, mas ao ver o cenário do banheiro, o que eu tinha de dúvida, cedeu ao óbvio. E, para finalizar, ao ver Rebecca desmaiando sobre a mesa de vidro, correndo um perigo que eu provoquei e ignorei propositalmente; tentei alcançá-la, mas a consultora foi mais atenta, mais rápida, mais presente. Isto evidenciou a perda do meu lugar ao lado de Rebecca.

 

Nessa altura, ela estava com lágrimas escorrendo pela face. Régia ficou completamente sem ação: não eram mulheres de consolarem e, muito menos, serem consoladas. Sabia que tinha que fazer algo, mas resolveu que escutar seria o mais prudente.

 

- Luciana, não radicalize assim. Clara viu a cena toda e disse que você estava muito longe para alcançá-la. Foi um acaso que a consultora estivesse mais perto. Isso não evidencia nada. Agora, as fotos que Paula entregou podem ser consideradas? Você conversou com Clara para saber sobre a relação de Rebecca e Norah?

- Régia, eram nove horas da manhã. Aquela mulher tinha acabado de tomar banho; o banheiro estava como se ...- hesitou de novo, fazendo cara de raiva - ...se elas tivessem acabado de usar. Tinha até as duas escovas de dentes lado a lado. E ela usava as roupas da Rebecca, ficando claro que foi um pernoite de improviso; desses que acontecem quando ficamos além da hora, em algo que é difícil de interromper.

 

Régia sabia que Luciana não queria deixar claro que visualizara Rebecca trans*ndo com Norah, tendo uma noite inesquecível e, na manhã seguinte, as duas se arrumando para esperar a carrasca insana. Na cabeça da médica, era isso que todo aquele cenário evidenciava. E, pelo que Clara relatara, também estava convencida disso.

 

 - Sei lá. É suspeito. - continuou expondo para Régia - E depois teve a Rebecca me afrontando; sabia que ela defenderia a consultora; mas não imaginei que fosse dessa forma, tão apaixonadamente!!!

- Luciana, Clara disse que você não facilitou nada para elas. Até mesmo ela, Clara, foi alvo, acabando por ter que tomar partido. Veja como isso parece, agora que passou.

 

As íris azuis ladeadas pela vermelhidão do pranto olharam para os pares de olhos idênticos, porém mais calmos e claros.

 

- Luciana, quando eu via a Clara com a Marcella meu sangue também fervia; mas eu sabia que não era verdade o que eu via. Eu, ao contrário de você, ouvi os gemidos entre as duas enquanto trans*vam. Não precisei imaginar. E isso doeu muito, porque sabia que não poderia interferir. Todos os gestos e atitudes de defesa que Clara usava só atestavam a luta interna para me esquecer. Assim como você, também sei que minha melhor qualidade é ser inteligente; e, como você, também sou orgulhosa; mas, naquele momento, Clara só tinha uma coisa que me impedia de ser mais drástica: o livre arbítrio. Ela era dona das suas palavras e elas diziam "não". Eu quase violentei Clara no chão da sua cozinha, pois não agüentava achar que realmente era repudiada e, com isso, acabei colocando uma barreira real entre nós. Dei a ela argumento para alimentar os porquês que evidenciavam que não deveria ficar comigo.

 

Luciana olhava fixamente, aparentando que realmente escutava.

 

- Só que eu sabia que realmente, na minha situação, eu não poderia dar a ela o que merecia ter de alguém. Eu tinha um passado forte, sujo, sangrento. Apesar dessa casca civilizada, sou capaz de matar; de ferir. Veja que digo ‘sou' e não ‘fui'. Eu e ela sabemos que sou o que sou. Mas também não preciso mais disso agora. Eu mesma cansei e pedi ajuda. Clara achou que agüentaria e seus princípios não agüentaram. Porém, ela amou de fato. Nos amamos de fato. Eu preciso dela e aceito que preciso. E, Clara, ao me aceitar, demonstrou mais que amor, porque ela não tem que viver meus horrores, mas escolheu assim.

 

Ela desviou o olhar.

 

- Luciana, você também sabe que algo em sua vida não vale a pena que Rebecca saiba; ou, até mesmo, esse algo diga a você que é uma injustiça colocar essa jovem dentro desse círculo.

 

As lágrimas vertiam silenciosamente.

 

- Mas, tudo o que Rebecca quer é a chance de decidir se quer ou não viver isso com você. Aliás, pelo que sei, ela está forçando você a fornecer o que precisa para decidir. Isso, só você pode. Não é Norah que ameaça. Qualquer pessoa que cercar Rebecca, para você, será ameaça, porque você julga todas melhores que suas cargas, sem seus fantasmas.

 

Luciana levantou e saiu do quarto, sem dizer qualquer palavra.

 

***

***

 

Rebecca ficou mortificada com tudo que ocorreu naquela manhã. Após a saída de Luciana, pedira que as outras também se retirassem. Agradeceu muitíssimo à Clara pela atitude que teve tomou, ao ficar do seu lado. Sabia o que representava para ela desafiar a lealdade que tinha com Luciana.

 

Livrar-se da consultora foi mais difícil, já que esta recusava-se a deixá-la sozinha. Agradeceu-a por tudo e, enfaticamente, pediu que saísse. Conversariam depois.

 

"O que pensar de Luciana?" Não sabia. Não conseguia sentir ódio. Recusava-se a sentir pena. Apenas sabia que não poderia ignorar tudo o que estava acontecendo.

 

Ainda sentindo-se meio zonza, foi ao banheiro e parou estática na porta.

 

- Minha nossa!!!

 

Ligou para Clara.

 

- Clara, Luciana entrou no banheiro?

- Ela não entrou porque ficou estática diante do cenário que encontrou! Você poderia ter arrumado o banheiro. Não deveria deixar que a doutora soubesse dessa forma.

- Soubesse do quê?

- Você e Norah....

- QUÊ?!?!?! NÃO! Nada a ver. Eu e Norah...

- Rebecca, agora que estou me dando conta do cabelo molhado, as roupas meio apertadas, o cheiro do seu shampoo evidente na sala. Na hora, eu estava tão apreensiva com a reunião, que não dei tratos; mas, a doutora não perde um detalhe. Você vacilou! Negou tanto com palavras, mas deixou tudo na cara dela, para que deduzisse. Também, ela mal vai ao banheiro, nunca daria para supor...

- Pára, Clara. Chega! Não estou ...aliás, estou...- Rebecca entendeu e não queria acreditar - ...é ridículo!!! Vocês têm a mente deturpada demais. Tudo é sex*, cama; nada pode ter uma explicação além disso? Isso está ficando algo doentio. Eu tou de saco cheio. Luciana não cresce porque todos ficam enxergando as coisas pelos olhos dela. Todos vocês que a cercam, inclusive eu, ficamos pensando o que ela vai pensar e corremos tentar fazer com que seja do jeito dela. Chega! - dizendo isso, desligou na cara de Clara.

 

A jovem não sabia para quem direcionar sua indignação. Luciana era cega de ciúmes e ódio, mas poderia crer mais no amor que sempre foi demonstrado para saber que era cedo demais para se envolver com alguém. Clara não deveria ficar nessa de guardiã da relação delas, se não conseguia ver por si o que acontecia. E Norah...bem, a consultora não fez nada demais. Foi tudo corrido; ela fez o que pode. Ia esconder as roupas embaixo do sofá?

 

Luciana deveria ser adulta o suficiente para não atacar como fez. Nem ao menos percebeu que a estava deixando doente; continuou com aquela demonstração patética de poder. Tanta pose para desabar diante de um banheiro. Fosse outra a situação e, possivelmente, até gostaria do ciúme externado; mas, ali, diante da seriedade do que era proposto profissionalmente, era ridículo; fora de propósito. Como dissera, não poderia ficar em uma sociedade que dependeria de com quem ela estava na cama.

 

Somente ela, Rebecca, sabia que nas noites que passaram juntas, realmente existiram algumas tentativas por parte da consultora. Todas as investidas de Norah foram delicadamente recusadas. Foram sutis, mas insistentes, ao ponto da jovem ser um pouco mais rígida, colocando um basta. Porém, não poderia impedir que a delicadeza e atenção continuassem a existir. Esse tipo de atitude parecia natural na consultora.

 

Não poderia negar que Norah era fascinante. Agregava qualidades primordiais para o julgamento de Rebecca, sendo a mais importante o valor ao ser humano. Ela era atenciosa e respeitosa com todos: desde o mais importante executivo ao guardador de carros. A jovem ficava encantada quando Norah chamava os guardadores de carros de ‘senhor'; em um dia chuvoso, perguntou se o guardador tinha onde se abrigar, se estava bem. Além das excelentes gorjetas que dava para todos. Eram gestos simples, mas que deixavam essas pessoas, menos favorecidas, mais confortadas. Rebecca entendia isso, pois vivera na pele a arrogância de muitos, poucas vezes recebendo um gesto de humanidade. Luciana mesmo, na porta do teatro, mandara o motorista afastá-la quando ela estava nas ruas.

 

Aos 35 anos, Norah não era milionária como Luciana, mas era bem sucedida aos olhos de muitos e poderia, se quisesse, ter seus ataques. Morava em um amplo apartamento na região dos jardins em São Paulo; tinha um carro novo e de bom porte. Trajava-se bem profissionalmente, mas preferia roupas simples quando não estava em trabalho. Era sofisticada. Conhecia excelentes restaurantes, bares. Tinha um gosto refinado por artes. Por duas vezes levara Rebecca em shows de cantoras novas; uma vez foram a um leilão. A jovem sabia que isso não era muito profissional, mas também sabia que colegas de trabalho saem juntas. Acima de tudo sabia que não estava fazendo nada de errado.

 

Estar com Norah era sentir o conforto de estar com alguém fácil, divertido, amável, delicado; também firme, decidido. De certa forma, lembrando do que Clara falava sobre Marcella, poderia comparar a sensação que sentia ao estar com a consultora como a mesma que a ex-secretária sentia ao ficar com a ex-diretora: era um oásis, um porto seguro para quem está naufragando em um oceano azul de amores complexos; com cargas emocionais pesadas demais.

 

"De repente, viramos todas ex da mesma pessoa." Ficou triste diante dessa constatação. Entretanto, precisaram virar "ex" para poderem enxergar o mundo ao redor e não somente o umbigo de Luciana.

 

Rebecca gostava de Norah, ainda mais porque precisava de uma pessoa fora do círculo de Luciana. Ao pensar nisso, ficava novamente indignada com as reações de todas que apontavam certeiramente para a cama de Norah e não para a possibilidade de uma amizade, como a que tinha com a própria Clara.

 

"E, se tivesse que me apaixonar novamente, por que não por Norah?"

 

***

***

 

A fala de Régia deixou a médica consciente de que tudo que estava acontecendo era culpa dela. Uma culpa chamada Paula. Mesmo que Luciana expurgasse tudo de dentro de si, enquanto essa pessoa nefasta existisse, novas culpas iriam surgir, piores e mais marcantes. Envolvendo inocentes.

 

A médica já fizera muitas coisas ásperas e calhordas em sua vida de empresária; assim como, não fizera questão de ter tato com as pessoas em suas relações afetivas; de uma forma geral, porém, nenhuma dessas experiências deixara culpa, porque todos sabiam de seus papéis; acima de tudo, estavam em um jogo, buscando a vitória, conscientes que essa só agracia quem pode mais. Todos queriam "poder mais": ela, com certeza, pode.

 

Entretanto, não queria aumentar o rol de nomes que trazia impresso em sua consciência; consciência que fechou após achar que nunca teve justiça em suas tentativas de vingar aqueles que sofreram por ela.

 

E, quem gravara alguns desses nomes perpetuamente em sua culpa, ainda detinha o poder de gravar outros, mesmo com todas as tentativas de negação. Paula era um monstro criado por ela, que se alimentava de sua dor, que imaginava serem da mesma espécie. "De repente, deveria considerar essa idéia. Ou destruir o monstro."

 

 

***

***

 

- Tudo o que sei, já contei para você, Rebecca.

- Não foi tudo. Não com palavras claras, Prof. Arthur. O que o senhor e sua esposa deixaram fluir nas entrelinhas foi um ressentimento por algo muito grave que, hoje, conhecendo sua filha, vejo que deixou marcas profundas e indeléveis.

- Desculpe se me intrometo, professor, mas Rebecca está certa. Estamos sofrendo efeitos colaterais sérios em nossas vidas, resultantes dos danos causados, provenientes dessa relação entre as duas doutoras. - Clara concluiu.

 

Resignado, Prof. Arthur concordou em contar o que sabia.

 

- Senhoritas, não sei os detalhes, mas apenas as principais conseqüências. Quero deixar claro que somente falarei porque desliguei-me das empresas de Luciana. Inclusive do conselho.

 

Clara e Rebecca olharam-se, rapidamente decodificando o que aquilo significava: outra perda para a médica. Mais um importante aliado que veio abaixo, como num jogo de xadrez, no qual apenas sobrará a rainha no tabuleiro: sozinha, seu poder é nada.

 

- Mas, Professor, como ocorreu? - Clara questionou.

- Professor, sem o senhor, Luciana estará ainda mais sozinha!

 

Com um olhar cansado, demonstrando a mesma paciência dos tempos de educador, ele começou a contar.

 

- Moças, alguns fatos vocês já sabem; outros, com certeza, já deduziram com certa margem de acerto; mas, a realidade, jamais saberemos. Minha filha cometeu crueldades inegáveis contra Luciana; mas, em nenhum momento, Luciana poderia posar de vítima, como sempre posou. Eu e minha esposa compactuamos com os desmandos dela como maneira de proteger nossa filha; evitar que ela continuasse a prejudicar inocentes, tentando atingir Luciana. Quanto mais ela tentava, mais fortificava o lado de vítima; mais saia ferida, por conseguinte, mais aumentava sua obsessão; seguindo num ciclo perigosíssimo para ambas.

 

Clara e Rebecca mal respiravam, com medo de perder ou interromper algo.

 

- Sou padrinho de Luciana; assumi para com o pai dela uma dívida de cuidar e zelar pela educação desta, no caso da falta dele. Desde o início, quando percebi o prodígio que era a menina, promovi o que pude para dar a ela as condições necessárias, tanto no aspecto educacional, quanto social. Desta forma, achei que seria bom para ela conhecer minha filha, já que ambas tinham a mesma idade, o mesmo desejo pela medicina, e a soberba capacidade intelectual. A união deu mais certo do que o esperado. O que vocês não sabem é que elas acabaram extrapolando essa união, transformando em um pacto: seriam inseparáveis, únicas em um mundo que, aos 15 anos, parecia perfeito.

 

O professor deu uma pausa, como buscando recompor a história, denotando também que escolhia as palavras e o que contar.

 

- Com 16 anos ambas foram aceitas no curso de medicina que queriam. Luciana definitivamente deixaria sua cidade, a princípio para morar em minha casa, mas descobrimos que seu pai havia comprado um apartamento para ela em São Paulo. Nas férias do primeiro semestre, Luciana foi visitar a família. Paula também foi, mas algo particular à história de Luciana, ocorreu. De repente, a vida dela desmoronou. A família desintegrou-se. Nesse momento difícil, penso, foi germinada a semente que cresceria de forma desenfreada. Nesse momento da vida de Luciana, Paula foi o único alicerce que conseguiu sustentar a jovem. Sustentou com seu amor, cujo poder desconhecíamos, mas demonstrava ser grande e, até então, muito sincero em ambas. Mas, de forma muito radical, Paula cerceou e isolou Luciana, colocando para ambas uma única vida; novamente, aquele mundo no qual somente elas saberiam entender  os códigos.

- Como pais, como vocês acompanharam isso? O que parecia a vocês esse tipo de isolamento? - Clara havia tomado para si a tarefa de perguntar, permitindo que Rebecca extravasasse o emocional, como parte diretamente envolvida.

- Minha cara, Cecília foi muito mais atuante do que eu. Ela, de algum modo, conseguiu penetrar nesse mundo, até a fronteira que Paula permitia. E, desta linha, alertou-me para um eminente distúrbio psicológico em ambas; achei que fosse o preconceito de Cecília vendo coisas para justificar a relação homoafetiva, por isso ignorei. Era fato, entretanto, que Luciana, por muitos meses, falou em vingança. De repente, calou-se. Desse momento, quisemos crer em uma melhora. Até aparecer Thomas: um dia, Luciana era obcecada por Paula; no outro, anunciava o casamento com ele. Então, Paula surtou.

- Nunca, em nenhum momento, Luciana evidenciou que, talvez, não pertencesse mais ao mundo criado por Paula?

- Clara, particularmente, nunca acreditei que Luciana participasse do que, hoje, sabemos era uma espécie de delírio de nossa filha. Luciana trazia o novo sempre; discutia, afrontando sim, mas detendo o conhecimento. Ao contrário do que Paula queria, ela interagia socialmente.

- Isto já era o indício de um rompimento com o pacto, que talvez a doutora nem tenha levado a sério em cumprir. - Clara, ponderou.

- Ao que Paula deixou transparecer, o entrosamento sexual era uma das chaves. Conhecendo Luciana, isto pode tê-la prendido mais do que qualquer pacto.  - Rebecca opinou.

- Senhoritas, não querendo ser indelicado ao mencionar a privacidade delas, realmente elas tinham muita afinidade nesse aspecto. Tinham hábitos refinados para a idade elas, realizando práticas pouco convencionais. Certa vez, tive que interceder e acobertar um deslize que cometeram, de teor gravíssimo, que poderia ter acabado com a carreira promissora de ambas.

- Nossa!

- É. Elas eram adultas demais em seu modo de vida. Mas, depois disso, Luciana ainda demonstrava apego à Paula, mas sua independência começava a se tornar nítida. Principalmente após retornarem dos Estados Unidos, onde foram fazer suas especializações. Enquanto lá, eram só as duas realmente. Aqui, tudo começou a ser mais difícil para Paula dominar Luciana. De repente, quis entrar na academia de esgrima e, dessa forma, tornou-se ainda mais próxima de Thomas. Já eram próximos, pois ele era o professor dela na residência. E, não foram poucas as vezes nas quais elogiou rasgadamente a inteligência, beleza e sagacidade da jovem pupila.

- Ele deve se orgulhar, pois até hoje ela o idolatra e beija seus rastros. - Rebecca falou de forma amarga.

- Rebecca, se vale algo, apesar da forma repentina que se casaram, os dois desenvolveram uma forma de amor particular.

- Pelo visto, Luciana está sempre buscando a ‘forma de amor particular'. Vai ver é por isso que não me encaixo perfeitamente: amo de forma muito popular.

 

Diante do desabafo de Rebecca, todos ficaram calados. Percebendo que interrompera o médico, pediu que continuasse.

 

- Thomas babava ao ver Luciana estacionando! Na academia de esgrima ele também tornou-se o tutor dela. Presenciamos algumas discussões entre as meninas, uma vez que o poder de Paula estava tornando-se cada vez mais fraco. Cada vez mais, Luciana se emancipava. Cada vez mais, Paula apertava o cerco, tentando reter sua igual dentro daquele mundo imaginário. Resumo: Luciana anunciou o casamento, Paula entrou em curto, elevando sua obsessão, tornando como seu objetivo não permitir que Luciana fosse feliz com mais ninguém, além dela. Isto estabelecido, ocorreram vários atentados, ora menos, ora mais violentos e com prejuízos de ordem física. Quando grávida, por duas vezes, Paula conseguiu atacar o casal; em uma delas, feriu gravemente Thomas e lutou com Luciana que, mesmo no estado em que estava, conseguiu subjulgá-la; não sem correr o risco de aborto.

- Coitada da doutora!!! -

- Clara, pelo que o professor conta, ela estava colhendo o fruto torpe daquela semente que deixou Paula plantar. - era nítida a repulsa em Rebecca.

- De alguma forma,...- continuou o médico - ... a ambição de Luciana, que estava aplacada pela atenção devotada por Paula, resolveu acordar e com muita força. O nome dessa força era Thomas. Ele deu a ela o poder que Paula jamais poderia dar. Com esse combustível, não era mais conveniente ter minha filha. E, nós, como pais, compactuamos deixando Thomas e Luciana usarem e abusarem do papel de vítimas. Fui coagido a exilar Paula, caso não quisesse perder minhas ações dentro das empresas; àquela época, não tinha tantas posses e não poderia me dar ao luxo de recusar.

- Sórdido! - a jovem estava estupefata.

- De certa forma, foi melhor para termos um pouco de paz. Entretanto, por longos anos, tivemos dificuldades em manter o acordo, já que Paula aparentava lucidez e as instituições mais sérias não queriam manterem-na internada. Isto quando ela não conseguia fugir. Quando estivemos na Austrália, Paula também estava lá, mas eu consegui fazer Luciana pensar que ela estava comigo; quando, na verdade, havia escapado. De qualquer forma, além desse acordo, um mandato de segurança também fora expedido assegurando que, num raio de até 100 m, Paula não poderia se aproximar de Thomas e seus afins, por tempo correspondente a duração do último descendente. Coisa da pesada mesmo: violar essa distância representava prisão em caráter inafiançável. Não sei como, mas conseguiram isso. Todos que cercavam Thomas, e posteriormente, Luciana eram profissionais renomados ou corruptos, de uma forma ou de outra, eram capazes de fazer chover, quando eles mandavam.

 

Clara observava as expressões corporais de Rebecca. Não gostava das caretas externadas durante a narrativa. Mesmo com muita coisa ainda misteriosa, o quadro do que ocorrera com Paula era de extrema crueldade e injustiças, para com ela e sua família.

 

- Isto é tudo, senhoritas. Sinto por contar o que, com certeza, Luciana tentou manter longe de você, Rebecca.

- Mas, porque o professor se afastou das empresas.

- Como disse, Clara, antes eu não podia dar-me ao luxo de afrontar Luciana; desta vez, quando ela veio fazer valer seus direitos, se assim quer chamá-los; eu dei um basta. Vai ser um rombo em meu patrimônio com certeza, mas tenho para mim o suficiente; garanto os luxos de Cecília até morrer.

- Luciana teve coragem de ameaçar o professor, depois de todas as provas de carinho e lealdade que o doutor deu a ela? É monstruoso!!!

- Rebecca, é desespero. Vou dizer a você o que disse a ela: Paula busca em Luciana uma mulher que não existe mais depois que você entrou na vida dela. E, essa, deve ser a arma para neutralizar minha filha. Ela quer isolar Luciana novamente e demonstrar que é a única que poderá dar a ela tudo que precisa, pois são da mesma espécie; como criaturas que convivem adaptadas com outras, mas buscam sempre encontrar os de sua estirpe para serem o que realmente são.

- Mesmo assim, o professor acredita que Luciana mudou?

- Acredito Rebecca. Ela que ainda não acredita porque, por mais que busque ser indiferente, Paula ainda consegue tramar e tecer com o fio da culpa ainda presente.

- O professor perdoou Luciana? - a jovem parecia buscar um motivo para poder perdoar também.

- Foram duas filhas que perdi, praticamente. Não sei se perdoar é o verbo, mas sei que não consigo deixar ambas naufragarem. Paula não tem mais volta em sua obsessão. Tendo que optar, opto por Luciana. Porém, tentei ajudar e cansei. Estou velho. Não preciso de desaforos. O que tenho hoje me garante o resto da minha vida e de minha esposa. Mas, penso que toquei aquela turrona. Ela vai pensar no que falei a ela. Aquele coração já derreteu o suficiente para entender alguns erros.

- Professor, sua filha está aproveitando um momento de transição no qual a doutora está envolvida. Transição difícil por tirar dela o poder sobre pessoas que antes dominava. E, agora, com os recentes fatos, outros foram arrancados pela própria intransigência dela. Como podemos neutralizar Paula, antes que a doutora, de alguma forma, meta os pés pelas mãos?

- Clara, infelizmente, como disse, só Luciana poderá resolver se realmente tirar Paula de vez da sua vida. É muito difícil prever Paula; podemos até saber que Luciana é o alvo, mas as vítimas são todos que a cercam. Vocês todos vão viver na dependência dos ataques de Paula?

 

Ele estava certo.

 

- Onde está Paula? Quero falar diretamente com ela.

- Rebecca, minha querida, mesmo que soubesse não diria. Você, com perdão e nenhum desmerecimento, não é páreo para minha atormentada filha.

- O professor não sabe?!?! - Clara estava de cabelos em pé.

- A fúria de Luciana foi exatamente isso: deixei de me importar com o paradeiro de Paula; Luciana tem mais cacife para neutralizá-la, seja como for.

- E sua esposa, a Sra. Cecília? Será que sabe?

- Cecília está na Europa, distante de todos; ainda não falei com ela sobre as últimas confusões que nossa filha anda se metendo.

- Poderia ela ter algo a ver com a volta de Paula? Talvez, com pena, ter relaxado o confinamento e a deixado escapar? Ter assinado os papéis de liberação.

- Clara, não havia pensado, mas não acho nada improvável; ainda que ela morra de medo que percamos tudo que temos hoje, mesmo que nos reste um confortável padrão de vida.

 

Clara constatou que a visita não ajudou nada quanto a neutralizar a obsessiva médica. E, como efeito reverso, provocou uma nítida rachadura na imagem de Luciana diante de Rebecca. Não gostou da forma quieta e cabisbaixa com a qual a jovem saiu da mansão do Prof. Arthur.

 

***

***

 

- Clara, ainda podemos usar o jatinho das empresas?

- Podemos. Chequei com o responsável e ele disse que tudo ok. Em dois dias, poderemos ir.

- Certo. Falei com mamãe hoje. Contei que não estou mais com Luciana. Também pedi que preparasse o quarto para Norah. Presumo que você ficará na cabana, com Régia.

- Não. É muito longe para que possamos nos reunir cedo todos os dias. Ficarei na casa também. Mirtês arrumou um quarto para nós.

 

Clara esperava que não ficasse óbvio demais sua tentativa de vigiar a consultora.

 

Régia, apesar de ser contra, alegando que era invadir demais a vida de todas elas; acabou concordando, pois queria ver de perto a consultora. Andara avaliando todos os acontecimentos e reparou que Norah sempre estava no meio das confusões, ainda que de forma involuntária. Por hábito, para Régia, coincidências nunca existiram. Não custava avaliar por si mesma a pessoa em questão. E, isto apenas para proteger Rebecca de perigos de morte; não para evitar que ela se apaixonasse por outra pessoa. Quem tinha que cuidar disso era Luciana!

 

- Então, fico com mamãe e Lilian em um quarto e Norah em outro.

- Perfeito!

 

A ex-secretária lembrou-se de um assunto muito chato, mas tinha que abordar a jovem nesse momento.

 

- A propósito, seu pai foi visto na cidade. Ele está em um hotel por lá. Está novamente perdendo em jogo. O João de Deus já o livrou de duas ciladas. Mas disse que só fez por você e sua mãe; porém, não é babá dele o tempo todo.

 

Rebecca soltou um longo suspiro, denotando que estava cansada de acumular tantas preocupações. "Eu era feliz nas ruas e não sabia!!!" Pensou, para se arrepender em seguida, pois tivera muita felicidade reencontrando sua família, encontrando um amor; aprendizados.

 

- Clara, eu queria muito tirar meu pai da cidade. O vício do jogo não podemos evitar, mas aí nessa região ele é muito mal visto. Sei que vai acabar em encrenca feia.

- Vamos ver se conseguimos trazê-lo. Não sei se ainda tem dinheiro suficiente, mas de repente, arrumamos algo fora de lá. Agora, tenho que ir. Preciso providenciar muitas coisas, pois assim que retornarmos, vamos para a mansão, para o tratamento de Anna.

- Vocês vão mesmo? Depois de tudo, ainda permanece esse interesse da Dra. Luciana?

 

Clara ficava triste quando a jovem usava o título antes do nome da médica, pois só o fazia quando estava muito ressentida com a doutora.

 

- Sim. Ontem mesmo, Régia foi chamada e, em vídeo-conferência com a Dra. Paz, acertaram tudo.

- Por que não na sua casa?

- A Dra. Luciana convenceu-se que Anna reage mais durante a madrugada; ela explicou que parece que todo o estímulo que ela recebe durante o dia, se manifesta na parte da noite; portanto quer monitorar a menina e acha que consegue agregar tudo estando na mansão. Disse que não haverá invasão de privacidade, já que a casa é enorme, com muitos quartos que são quase flats.

- É, nisto ela tem razão. Menos mal que tudo isso não tenha arrebentado para o lado de vocês, prejudicando Anna. Mas a imprensa também, vira e mexe, acompanha o caso, depois de todas as notícias envolvendo o hospital. A doutora preza demais suas empresas. É negócio, ao final de tudo.

 

Clara ficou em silêncio. Sentiu certo rancor nessa constatação.

 

- Rebecca, como você está de fato? Sinto muita amargura em suas palavras quando menciona a doutora. Nem parece você.

- Clara, não sei dizer nada por enquanto. Cada vez que mexemos nesse ninho de cobras, saímos com mais dúvidas sobre quem é vítima de quem. O pior que sempre saímos com mais mistérios, mais situações que não configuram se a doutora sofreu ações externas ou sempre foi assim indiferente aos sentimentos de outros. Tudo que ouvimos só aponta para jogos. Parece meu pai, apostando com vidas humanas. Penso que sofri na própria carne esse tipo de jogo, por isso não é fácil entender tudo que move essa compulsão.

- Tudo cheira vingança, Rebecca.

- Nem sempre vingar é fazer justiça. Por vezes é apenas uma diversão; jogo de gatos e ratos. Mas, como disse, não sei o que sinto.

- Quer sair hoje? Eu e Régia resolvemos fazer algo diferente. Vamos a um barzinho, ouvir rock´n´roll. Quer ir?

- Norah chamou para um cinema. - resolveu falar a verdade, chega de ficar escondendo o que não existe. - Fica para outra oportunidade.

- De qualquer forma, envio o local para você, se decidirem ir. - Clara retomou sua habitual discrição.

- Beleza. De qualquer forma, divirtam-se.

- Pois é. Depois teremos que viver jornada dupla com Anna. Temos que aproveitar.

 

Rebecca não estranhou que Clara não fizesse comentários, mesmo ficando claro que estava tentando evitar que Norah ficasse sozinha com ela na casa da fazenda. Essa era a ex-secretária. Uma excelente amiga e protetora. Mas, sempre muito prática e profissional.

 

***

***

 

- Quando voltarão da fazenda?

- Combinamos realizar tudo no tempo mínimo necessário. Além das tarefas delegadas, teremos que mostrar a região para a consultora. E, temos outro inconveniente: o pai de Rebecca.

- Aquele perdedor não toma jeito mesmo, não Régia? Mas, você acha a consultora um inconveniente? - Luciana, como sempre, muito perspicaz.

- O pai da Rebecca É um inconveniente. Norah ainda não, apesar de todas as intrigas em que se mete.

- Ainda tenho dúvidas se ela se mete ou faz parte delas.

 

Luciana traçara planos para sua vida. Com isto em mente, apesar de todo o tumulto e ressentimento com a situação, fez o que sabia fazer melhor: enterrar-se no trabalho. No meio de tanta coisa ruim, retomar sua profissão foi uma atitude surpreendente até para ela, já que foi tão sutil; como um vírus oportunista que se aloja aproveitando um organismo com baixa resistência.

 

Os dois dias que decorreram da fatídica reunião operaram algumas mudanças estranhas no comportamento de todas: Rebecca ficou mais calada e ausente, sumindo os dois dias mencionados; Luciana, para quem não a conhecia, poderia enganar que superara e estava seguindo em frente. Régia sabia que algo estava sendo marinado com temperos nada fracos no interior daquela panela de pressão.

 

- Régia, hoje dei ordens para Clara operar todas as mudanças que vocês julgarem necessárias na mansão, a fim de receber Anna apropriadamente. Eu vou me ausentar uns dias, mas pretendo acompanhar Anna mais detalhadamente. A remoção dela será somente no meu retorno.

- Vamos ficar, no máximo, 5 dias na fazenda. Você demorará mais do que isso?

- Pode ser.

 

Como sempre, não dava explicações. Régia resolveu desviar o assunto.

 

- Luciana, eu e Clara vamos dar uma saidinha hoje. Descobri um barzinho que toca o bom e velho rock´n´roll e vamos para lá. Vem com a gente?

- Rebecca vai?

- Convidamos, mas ela disse que não ia dar, pois está enrolada com as coisas da viagem.

- Não sei. Mas, agradeço o convite.

 

Régia tentou ser o mais discreta ao admirar o agradecimento final, tão atípico da mulher a sua frente. Ela foi discreta, mas Luciana sabia que era apenas uma atitude polida; como alguém que aceita a homossexualidade do outro por educação, por receio de ser incorreto; mas não por entender o que se passa.

 

- Régia, não sei como vai entender o que direi, mas você e Clara são as últimas tábuas que me mantêm equilibrada dentro do que chamam convívio social. Já estive em situação similar a que me encontro agora, mas antes pareceu muito mais difícil. É certo que eu dificultei tudo. Errava, pouco me importando com isso. Eu não fazia pensando nas conseqüências; não pensava em ser certo ou não; apenas que quem estivesse ao meu lado que arcasse com o resultado: se bom ou ruim, para mim sempre seria o que eu quis.

 

A bióloga esboçou um sorriso.

 

- Consideramos uma honra.

- É, mas que fique claro: só vocês. Não amoleci não. - disse, mostrando os caninos, num sorriso maligno.

 

Régia levantou, estendendo a mão.

 

- Não queremos menos, doutora. 

 

***

***

 

O bar estava lotado, mas a mesa era bem localizada. Era um local com faixa etária adequada, o som estava delicioso; Régia e Clara estavam realmente curtindo o ambiente. Também estavam muito a vontade, namorando tudo que tinham direito.

 

Luciana era uma presença magnética. Como se o ar mudasse quando ela adentrava o ambiente. O casal a avistou logo na entrada do bar. Aliás, o bar inteiro a avistou logo da entrada. Não apresentava nada em exagero, mas uma simples calça jeans, camiseta branca e botas arrasavam os corações solteiros do ambiente. Em contrapartida, ela ignorava outras presenças, caminhando firmemente para a mesa de Clara e Régia.

 

- A cerveja está gelada? - disse, parando ao lado da mesa do casal, pegando a garrafa de Régia.

- Fico feliz que tenha vindo. - Clara alegrou-se com a presença da médica, mas ainda intimidava-se em tê-la em convívio social.

- Vou aproveitar que a banda deu uma pausa e vou pegar mais cervejas. - Luciana também parecia um tanto deslocada.

 

Com o passar do tempo, a banda reiniciando a apresentação, um pouco de gin e tônica, fizeram a médica relaxar, embora poucas vezes permanecesse sentada. Circulava muito, era interpelada por quem tinha mais ousadia, após receber o famoso olhar gela cerveja; duas vezes, falou algo com os sortudos que mereceram atenção. 

 

- Vou sentar um pouco, antes que tenha que matar uma meia dúzia aqui dentro! - berrou ao passar por Régia na pista de dança, já que o som estava alto, no meio de um solo de bateria.

 

Quando chegou à mesa, Clara disse que iria ao banheiro. Nem bem saiu e Luciana, sempre atenta, notou o celular iluminado, anunciando uma ligação. Era Rebecca. Ao ver o nome, atendeu, mesmo sendo o celular da outra loira.

 

- Clara, ainda dá tempo de ir? - Becky não pode reconhecer a voz pelo barulho ao fundo.

- Sim. - Luciana falou o mínimo possível para não espantar a jovem.

- Até já.

 

O coração disparou. Não sabia porquê atendeu, vai ver era efeito do álcool consumido, mas a voz de Rebecca mexeu com ela novamente. Não sabia o que resultaria, mas foi mais forte. Não, não foi mais forte: foi a força da sua vontade sempre falando mais alto.

 

Clara e Régia retornaram para a mesa, rindo muito. Suadas, se agarrando um pouco além do normal. Luciana resolveu levantar. Se Rebecca a visse na mesa, poderia se assustar.

 

- Agora eu vou ao banheiro. - disse, berrando e fazendo gestos.

 

Vendo que as duas estavam entretidas demais, rumou para uma outra parte do bar, de onde pudesse visualizar a entrada.

 

Logo avistou Rebecca, que por sua vez, logo achou o casal, indo para a mesa.

 

- Consegui chegar! - a jovem falou, contente, interrompendo o beijo do casal.

 

Clara levou tamanho susto, que empurrou Régia com enorme força, fazendo-a se desequilibrar do banco.

 

- Rebecca!!! O que faz aqui?!?!?!

- Como assim, acabei de ligar e você atendeu....

- Eu atendi! - Luciana falou ao ouvido de Rebecca.

 

Régia viu a cena de fora. Era um verdadeiro teatro do absurdo: Clara olhava de uma para a outra; Rebecca olhava de Clara para Luciana. E o terceiro elemento surgiu, mais uma vez, no meio da intriga. Régia já não tinha tanta certeza com relação ao ‘dedo podre' da pessoa ser proposital.

 

- Com licença. - Norah falou, cutucando as costas da doutora, de forma bem ousada.

 

Régia correu para o lado de Luciana, já prevendo o esforço para segurar a médica. Clara sentou, bebendo de um gole o gin e tônica de Luciana. Rebecca postou-se ao lado de Norah, também tentando proteger a consultora.

 

- Enrolada com a viagem!!! - Luciana simplesmente saiu, em direção ao bar, empurrando Régia.

 

Rebecca virou bicho.

 

- Clara, que significa essa armação? - disse possessa.

- Rebecca, ninguém aqui seria louco de convidar você e Norah para a mesma mesa de Luciana. Raciocina, ok! - Régia foi um tanto rude em sua postura, ao defender Clara - Simplesmente você disse que não viria. Eu convidei Luciana e fiquei muito feliz que ela tenha vindo. - a bióloga manteve o tom.

- Podemos ir embora, Rebecca. - Norah não queria encrenca com Régia e Luciana ao mesmo tempo.

- De jeito algum. Agora que cheguei, vou ficar. A casa é pública. Ou ela vai comprar e expulsar a gente?

- Ela não precisa comprar, apenas querer vocês fora daqui. - Clara ponderou.

- Se ela quisesse, vocês já estariam fora. - Régia arrematou com um sorriso sinistro.

- Então, quero uma cerveja bem gelada e algo para beliscar. - Rebecca finalizou sua teimosia.

 

A banda recomeçou, era o último bloco. Na mesa, não tinha um clima estabelecido, já que Clara temia alguma reação da doutora e Régia não tirava os olhos dela, acompanhando seus passos de fera acuada dentro do bar.

 

Rebecca e Norah estavam perto do palco, dançando. Apesar de tudo, a jovem loira sabia que Luciana a observava. Por um momento, seus olhares se cruzaram, quando a doutora se posicionara atrás de uma escada que permitia boa visão da pista. Tinha que admitir que ela estava lindíssima. Muito sensual naquelas roupas simples. Luciana não abusava de sua sensualidade, pois isso era natural nela. Sentiu saudades daqueles lábios, mãos, corpo.

 

Régia acabara por assumir seu papel de segurança. Se Luciana vigiava Rebecca, também era vigiada. Clara, por sua vez, observava Norah, mantendo uma conversa polida, após se acostumar com a atmosfera do ambiente. E, para fechar a quadrinha, Norah respondia distraidamente à Clara, pois mantinha vigilância sobre Rebecca e Luciana.

 

De repente, as peças se moveram. Luciana foi para cima de Rebecca; Norah, foi para a pista; Régia foi atrás de Luciana e Clara esperava para decidir se chamava polícia ou ambulância ou ambos.

 

- Você está com ela, não está? - Luciana virou Rebecca bruscamente, para que a encarasse.

 

Estavam encostadas no balcão, já que a jovem tinha ido pegar outra bebida.

 

- Não estou, mas suas atitudes estão cada vez mais me empurrando para ela, juro! - respondeu, fuzilando a médica com labaredas verdes.

 

- Essa sua fala não me convence. Não queira colocar em mim a culpa de se jogar na cama com essa consultorazinha. - dizia e, inconscientemente, apertava mais o braço da jovem, que se contorcia.

 

Ao redor delas, sem que percebessem, Norah, após deixar o copo em uma mesa próxima, cerrava cada vez mais os punhos, pronta para atacar. Régia queria dar tempo para ver o que Luciana e Rebecca decidiriam, mas estava pronta para segurar a consultora.

 

- Ao contrário do que pensam, não sou movida a sex* como você. Larga meu braço, você está bêbada. - Rebecca percebera que estava excitando a médica e isso não era bom, alguém poderia se ferir com isso.

 

Clara observava a interação entre a jovem e a médica, percebendo que a tensão em Luciana aumentava a cada fala de Rebecca. Temia pelo que poderia acontecer.

 

- Ela já conhece seu fogo tão bem quanto eu ou ainda banca a inocentezinha? A vítima da predadora? - Luciana, ao invés de largar, encurralara a jovem contra o balcão. Algumas pessoas já cediam espaço, percebendo o clima. Régia notou que os seguranças do local já olhavam para elas.

 

- Luciana, para com isso. Se ajuda a te acalmar, admito que é a poderosa, todas sabemos. Pode fica tranqüila, ninguém a ameaça! Nos deixe! - Rebecca tentava dispersar a atenção dela.

- Você é uma ninfomaníaca, moldada por mim. Mesmo meus restos merecem coisa melhor...- pode sentir o calor no rosto antes de ouvir o tapa.

 

Tudo explodiu: Norah avançou e ia acertar Luciana, quando Régia a interceptou, porém a médica viu e, empurrando Rebecca sobre o balcão, acertou Norah rendida nos braços da Régia. Com isso, obrigou a líder a soltar a consultora e tentar segurar a médica. Régia deixou que Luciana a golpeasse duas vezes, buscando distraí-la, antes de acertar um soco forte, mas apenas para render. Algumas gotas de sangue foram inevitáveis.

 

- Estou velha demais para isso! - Régia murmurou com seus botões.

 

Clara tinha dificuldade para atravessar o salão, já que os homens adoraram ver a briga das mulheres e fecharam uma roda, impedindo que os seguranças se aproximassem. De alguma forma, Norah se meteu no raio de Luciana de novo e, para surpresa geral, desviou-se de um chute, já que era mais baixa, e golpeou fortemente o peito da médica, jogando-a contra a parede. Porém, percebeu que Rebecca ainda estava caída, parecendo desacordada. Luciana também percebeu. Ambas se encaminharam para acudir a jovem, justo no momento que essa recobrava a consciência. O que ela viu foi a médica preparando para desferir um golpe com um banco nas costas de Norah. Teve tempo de gritar. Régia cortou o golpe ao se lançar contra a médica, jogando-a ao chão. Não soube dizer se a consultora fora atingida.

 

Nesta altura, os seguranças já as rodeavam.

 

- Não precisa encostar em nós. - Régia se esquivou das mãos fortes.

- Se você encostar um dedo em mim, eu mato você! - Luciana esbravejou, cuspindo sangue.

 

Clara estava preocupada com Régia envolvida na confusão, mas ordenava que Norah tirasse Rebecca dali, já que elas não eram o foco dos seguranças. Pegou as comandas delas e as liberou na saída.

 

- Vai, valentona, vai curar seu porre na sarjeta! - o mais bruto dos seguranças tentou agarrar Luciana.

 

A médica revidou, aplicando um chute em seu saco, deixando o valentão dobrado, o que não impediu que levasse a mão ao paletó e sacasse uma arma. Régia teve tempo de aplicar um chute na mão do infeliz e colocá-lo de vez para dormir com um soco forte no maxilar.

 

Os outros dois seguranças ficaram parados.

 

- Senhores, por favor, larguem-nas. Vamos sair calmamente. - Clara se adiantou, percebendo a incerteza dos outros.

- Sair calmamente, uma ova!! - era o gerente.

- Sair calmamente sim. Seguranças não podem ameaçar clientes com armas. - Clara falou firmemente. - Sou advogada e elas são minhas clientes. Podemos pagar pelos estragos, mas somente isso. Se quiser engrossar, saiba que amanhã estará aqui, lavando o chão para nós. Quer apostar?

 

Luciana e Régia ergueram-se ao lado de Clara. Ambas com caras de pouca amizade. O homem mudou de expressão.

 

- Venham comigo. As levo até a saída. Banda, volte a tocar.

 

***

***

 

Rebecca estava horrorizada com o que vira. Claro que já fora testemunha do quanto Luciana era capaz em termos de lutas; mas, foram situações diferentes, em que corriam riscos de morte. Ali, naquele bar, estavam discutindo uma relação moribunda. Se é que havia o que discutir ou mesmo uma relação ainda.

 

Estava sentindo uma forte dor na costela do lado esquerdo. Quando a médica a jogou sobre o balcão, caiu de mau jeito por sobre uma das banquetas que tombou com o peso de seu corpo. Doía um pouco ao respirar.

 

Norah a amparou até o carro.

 

- Que mulher bárbara!!! O que ela queria com você? O que disse?

- Norah, isto não importa mais. O estrago não foi evitado. Vamos para casa, estou me sentindo meio nauseada.

- A cabeça dói? Está com tontura? Consegue manter os olhos abertos?

- Fica calma, não tenho concussão. Na verdade, bebi mais do que estou habituada.

 

No prédio de Rebecca, Norah subiu com ela, mas estranhamente manteve-se à porta, não insistindo para entrar. Parecia ter pressa.

 

- Posso ir? Você fica bem? - ao dizer isto, sentiu uma espécie de espasmo de náusea, bem como vertigem.

- Norah, seu rosto está horrível. Tem hematomas. Seus lábios estão pálidos. - a jovem olhou as mãos - Suas mãos estão raladas. - ao pegar na mão direita, notou que Norah fez uma careta. - O que houve?

- Rebecca, não foi nada. Acho bom descansarmos. Você também está péssima.

 

A jovem não quis saber: puxou o braço da consultora, para colocá-la para dentro do flat, e essa reprimiu uma exclamação de dor. Ao reparar na mão, viu o sangue coagulado e, depois, seguindo o braço, viu a mancha na jaqueta. Puxou a peça de roupa e a camisa branca não deixou mais dúvidas.

 

- Você sangrou bastante!!

 

Parece que Norah esperava que Rebecca descobrisse para cair desacordada.

 

Rebecca lembrou-se de ter visto Régia segurando Norah para Luciana bater. Depois disso, perdeu um pouco a consciência. Quando recobrou, viu Luciana se preparando para golpear a consultora e, dessa vez, Régia impediu; mas o banco acabou quebrando. Depois só viu confusão, até poder ver Clara e Norah tirando ela da roda.

 

Norah não perdera tanto sangue; mas o estresse e a adrenalina provavelmente causaram o desmaio. "Melhor assim, já que isto é uma forma do corpo se preservar", pensou a jovem.

 

Usando o que aprendera sobre primeiros socorros, colocou almofadas elevando os pés e virou a cabeça de lado, lembrando que ela estava com náuseas e poderia vomitar.

 

Começou a afrouxar o cinto, abriu a camisa ensangüentada e constatou que a mulher estava sem sutiã, recomeçou a arrumar a roupa quando a consultora deu sinais de acordar.

 

- Apaguei, né? Vim te socorrer e eu que desmaio. - disse, tentando ser engraçada.

- Consegue sentar, para que eu possa ver o que está no seu ombro?

 

Norah, com a ajuda da jovem, sentou na baqueta do bar. Rebecca, meio sem jeito, pediu que tirasse a blusa. A consultora o fez, mantendo a roupa junto ao corpo.

 

Era um prego grande cravado de viés, penetrando e saindo pela pele.

 

- Vamos a um pronto-socorro. Estamos precisando.

 

Quando Norah foi segurar o braço de Rebecca para dizer que não, bateu no lado esquerdo da jovem, que doía.

 

- Está com dor aí. - sem anunciar, levantou a blusa.

 

Imediatamente, Rebecca baixou a blusa, mas deu para ver que estava roxo.

 

- Eu ia protestar, mas é melhor irmos. - a consultora ponderou.

- Com certeza! Você precisa de injeções e remédio para evitar infecções.

 

No hospital, Rebecca lembrou-se da primeira vez que Luciana a salvara e, agora estava ali por causa da mesma Luciana. ‘Ficou pior depois de mim?". Também percebeu a diferença que o dinheiro faz no atendimento hospitalar: ambas foram conduzidas para os especialistas, aguardando em salas confortabilíssimas; foram examinadas, radiografadas, medicadas e, apenas demorou, porque ficaram sob observação cerca de uma hora.

 

Rebecca não quebrara nada. Houve um leve deslocamento e foi colocado no lugar. Tomou uma injeção para a dor; um pouco de soro para hidratar por ter bebido. Norah recebeu sutura, injeção, antibiótico, sedativo e recomendações para procurar o seu médico. Com tudo isso, ficou grogue. Por isso, teve que ficar na casa de Rebecca.

 

- Você fica acomodada aqui no quarto, pois tem menos barulho e a cama é king, bem grande e confortável.

- Rebecca, dou minha palavra que não vou atacar você. Deita comigo. Você também precisa descansar e aquele sofá não é dos melhores. Eu sei!! - disse, em uma voz sonolenta, que realmente tornava patética a necessidade de dormir em outro cômodo.

- Você quer saber? Já dizem que dormimos juntas, então vamos ao menos justificar parcialmente.

 

Com certo pudor, ajudou Norah a colocar a calça do pijama, já que a blusa atrapalharia com a bandagem. Ajeitou o máximo de travesseiros em volta delas e apagou as luzes. Dormir foi fácil, pelos sedativos; mas a cabeça ainda processava tudo o que a médica causara.

 

***

***

 

Clara era a última pessoa que Rebecca queria ver logo cedo. Mas foi a primeira que viu à sua porta.

 

- Liguei várias vezes ontem e você não atendeu? Fiquei preocupada. Você está bem?

- Estou com um baita hematoma na costela esquerda, mas a maior dor é no coração. A Régia segurou a Norah para Luciana bater!!!!

 

Clara demorou para entender.

 

- Você está acusando a Régia de ter cometido violência contra a Norah? É isso?

- É. Foi o que eu vi!

- O que você acha que viu, já que apagou momentaneamente, foi a Régia segurando a Norah que avançou em Luciana. Régia tentou impedir que a doutora fulminasse sua amiguinha, porém a doutora tem reflexo apurados, já que está sempre tensa, e acabou acertando dois socos, de raspão, na figura; e a minha Régia deu a cara para Luciana socar, a fim de distraí-la. Você viu isso ou achou que sonhou?

 

Rebecca ficou calada. Realmente, não fazia sentido achar que Régia segurou de propósito.

 

- Minha Régia quase se coloca numa encrenca com a polícia para defender esse triangulo bizarro. Levou socos e uma banqueta nas costas. E você fica aí, posando de ofendida!

 

A jovem ficou calada. Percebera que falara merd*.

 

- Vim aqui ver como você estava, já que não consegui te acudir, mas acho que a Norah foi competente. - disse isso, vendo pela porta entreaberta que a consultora estava na cama.

 

Rebecca seguiu o olhar e voltou, corando, a olhar para Clara.

 

- Na verdade, eu tive que levar-nos ao hospital. Ela teve um prego fincado no ombro, tomou muitos remédios e sedativos, tive que trazê-la para cá.

- Normal. Num tem que explicar. - Clara disse, pegando suas coisas para sair.

- Não estou explicando. Apenas resolvendo o mistério do meu desaparecimento. - a jovem disse, meio exasperada.

- Já entendi. - a ex-secretária insistiu, de forma sarcástica.

- Do jeito que você entendeu, não me agrada! Norah nem queria ficar ontem, pois sabia que estava mal. Eu insisti em ir ao hospital e não poderia deixá-la sozinha no estado deplorável que Luciana a deixou. Clara, eu não tenho nada com ela. Dividimos a cama porque ambas estamos doloridas e com escoriações, a cama era mais confortável. Já temos fama mesmo, melhor deitar na cama, literalmente.

 

A ex-secretária preferiu mudar de assunto.

 

- Amanhã viajamos ou mudamos os planos?

- Por mim, tudo bem. Norah também tem condições. Vamos sim. Mas, será que ainda temos projeto?

- A doutora não está nem aí para o projeto, já que nos entregou a direção. Ela está é louca de ciúmes. Vamos tocar nossa empresa, pois não tenho nada com a vida que você decidir levar.

 

Dizendo isso, virou para sair, mas parou.

 

- Fiquei imensamente magoada com o que você pensou sobre Régia. Ela não julga ninguém precipitadamente. Não se guia apenas por pressentimentos. O que ela fez foi proteção e lealdade.

- Entendo a consideração por Luciana. Anna está sob os cuidados da melhor no momento. - a jovem disse de forma meio áspera.

- Rebecca, eu tenho idade para dar umas palmadas em você e, se continuar dizendo essas besteiras, é o que vou fazer. - a loira mais velha estava indignada.

- Acho que você está andando muito com a Régia e com a Luciana: querendo resolver tudo na pancada!!!

 

Clara saiu, batendo a porta do flat com toda a força possível.

 

Foi o tempo da jovem loira tentar ir ao banheiro e a campainha tocou.

 

- Clara, não quero brigar...

- Nem eu!

 

Luciana estava parada frente à Rebecca.

 

- Você é a briga!!! - disse, largando a porta aberta, sem vontade de afrontar.

 

Luciana ficou no mesmo lugar. Rebecca virou para falar algo áspero, mas foi pega de surpresa com a médica parada onde a deixou.

 

- Só entro se você quiser. - disse em um tom muito firme.

- Não quero. - foi a resposta imediata.

 

A médica rodou nos calcanhares e começou a ir embora.

 

- Volta aqui já!

- Decida: você quer ou não que eu entre?

 

Rebecca estava mais confusa do que irritada. Esperava tudo de Luciana, menos essa atitude cordata. Mas, ela estava com um aspecto cansado, visivelmente não pregara o olho. Usava a mesma roupa da noite anterior, que estava manchada de sangue. Tinha um corte no lábio inferior.

 

- Entra. - disse, disfarçando a preocupação.

 

Em três passadas, apesar de mancar um pouco, Luciana estava dentro, esticando-se no sofá. Mesmo avermelhados, Rebecca não tinha como desviar dos olhos azuis mais magnéticos do mundo.

 

- Era isso? Num tem sofá em casa? - a jovem disse, pateticamente. - Vai querer que eu cuide dos seus ferimentos também?

 

Rebecca usava um top e um short, a médica pode ver a bandagem em torno do torso.

 

- Sua costela...quebrou? Deslocou? - disse com real apreensão na voz.

- Apenas escoriações. Caí sobre um banco. Agora, o que você e Régia fizeram com Norah...

- Régia não fez nada a não ser apanhar para poupar sua consultora de maiores estragos. O que pode ter ocorrido com ela? Um olho roxo, igual ao da Régia! E a toda refinada consultora tem um coice poderoso, para alguém do tamanho dela! - disse apontando para a marca do sapato de Norah na camiseta.

- Você teve o que mereceu, sua brutamontes! - a jovem reprimiu um riso.

 

Becky estava lindinha com aquele ar de severidade. Aquela jovem loirinha era tudo que a médica queria amar.

 

- Você não cuidou desse corte; insiste em bancar a troglodita. - apesar de brava, não podia deixar de se preocupar com o jeito meio selvagem da médica com relação a ferimentos.

 

Luciana começou a rir. Isto desarmou ainda mais a jovem. De repente, ambas estavam rindo, quase gargalhando.

 

- Rebecca, você gostaria de me reeducar?

- O quê? Você levou uma pancada na cabeça também? - a loirinha ainda ria.

- O que eu preciso para ser sua eternamente? - a pergunta foi à queima-roupa.

- Parar de se esconder, porque quanto mais você esconde a cabeça do demônio, o rabo aparece muito mais feio. - a resposta mais rápida ainda.

 

O riso morreu como veio. Mas não houve réplica. E, da mesma forma que o riso, as lágrimas tomaram conta de ambas.

 

- Luck, eu não sei o que pensar sobre você. Eu convivi por quase três anos com você, sabendo que existiam duas mulheres aí dentro: uma só para mim, para aplacar minha ilusão; e uma outra que eu jamais ousaria conhecer, não fosse constantes provas do tormento no qual ela mantinha a mulher que eu amo. Não quero mais sermões, quero atitudes. Não quero mais suas provas de força física e poder financeiro; quero sua real coragem. Já ouvi coisas ruins demais sobre você. E, a cada nova passagem, percebo que outra pior acontece, antes de chegar à original. - sentou no sofá, colocando a cabeça sobre a mão, o braço apoiado no joelho, demonstrando desconsolo.

 

Ao lado, Luciana a olhava, admirando a juventude. Lamentando o quanto fizera a jovem perder sua determinação.

 

Sabia que aconteceria. Tinha assumido contentar-se com apenas o tempo que pudesse ter ao lado dela, até esse dia chegar. Teve a certeza que podia fazer isso, afinal ela sempre pode tudo. Nunca se prendera a algo. Muito menos, soubera reter boas coisas ao seu lado. Não aprendera a lição corretamente. Não sabia ser dominada. Não admitia. Tentou, de uma forma mais branda, extrair tudo de bom que pudesse ter com Becky e, depois, se conformar com a perda. Não contava que seu espírito de guerreira a faria lutar para não perder o pouco de luz que conseguira ter em sua escuridão. Mas, agora, essa seria a última perda em sua vida.

 

- Luck, somos nossas escolhas. Vivemos por elas; acreditando, defendendo, sofrendo. Mas, existe um momento no qual as escolhas precisam de uma definição, para que novas possam ser feitas. Tenho que decidir se fiz a escolha errada e parar para mudar de rumo; ou teimar que fiz a escolha correta, continuando a defendê-la; perseguindo o que me mostre que estou certa.

 

Olhou para ver se a médica prestava atenção e fixou os olhos amados.

 

- Mas, como você é a escolha, neste momento nossas vidas se cruzam e não posso decidir, se você não escolher também. É a nossa trama do destino: é aqui que minha vida realmente encontra a sua. Nesta encruzilhada. Um movimento seu definirá a minha próxima escolha. Aqui, agora, como estamos, estou propensa a jogar a toalha, admitir que fiz a escolha errada e seguir minha vida.

 

Luciana não desviou o olhar sequer um segundo. Escutou com lágrimas, mas muita serenidade. Parecia anestesiada. Talvez estivesse pela fadiga e provável ressaca.

 

- Não sei o que sabe, quanto sabe ou por quem soube. Mas, de antemão, digo que tudo é verdade. Não vou nem me preocupar em filtrar nada, partindo do pressuposto que você, Becky, não aceitaria que uma possível crueldade justificasse outra. E tem muito mais: além do que outros testemunharam, tem a minha verdade que é mais feia do que qualquer um conseguiria conceber.

 

Ao ouvir isso, Rebecca fez uma careta.

 

- Nada começou inocentemente, como ocorreu com você. Desde adolescente eu tinha meus jogos, minhas manipulações, formas de domínio, mesmo sem ter dinheiro. Tudo que esse meu corpo encerrava era meu e eu sempre usei muito bem. Porém, sem dinheiro, e isso você sabe, nada funciona favoravelmente. Uma vez que eu percebi que tudo o que esse meu corpo encerrava não bastava sem o vil metal, soube que precisava dele. E fui atrás.

 

Levantou e foi até o frigobar, pegando uma garrafinha de água. Bebeu em um gole.

 

- Rebecca, do jeito que estamos hoje, não sou a mulher para você. Nunca serei.

 

Rebecca permanecia imóvel, sentada no sofá.

 

- Ouvi todos que me cercam falando sobre nós. Todos enxergaram melhor do que eu. Tomei algumas decisões. Muitas, terei que esperar para realizar. Mas, uma delas, é a escolha que fiz; talvez a escolha que ajudará você a seguir: não vou atormentar mais você, mas não quero você perto de mim.

- Não foi isso que entendi no bar. - a réplica saiu quase como um desafio.

 

Luciana engoliu o líquido, esvaziando uma segunda garrafinha.

 

- Não é o que meu corpo entende, também. Não é o que meu orgulho entende ao ver você com outra.

- Para seu orgulho eu sou uma posse sua, um objeto. - a jovem falou meio desolada.

- Pode ser, pode não ser; mas, não sou a mulher que você pensa e quer. E não me diga que não sei o que você quer ou pensa, pois está evidente que suas descobertas estão apontando para a divergência entre seu pensar e querer com a realidade encontrada.

 

Rebecca chegou a corar, já que a médica estava corretíssima. Ela não tinha como replicar o que acabara de ser dito.

 

- Não vou agir mais como a conquistadora de nações que é dona de tudo e todos por onde passa. Não vou impedir que você siga sua vida, mas teremos apenas o elo comercial, por conta de todas as pessoas que esse empreendimento representa.

 

Rebecca estava sem fala. De repente, percebera que era isso que queria ouvir, mas não era dessa forma que queria ouvir.

 

- Norah, que nos ouve atrás da porta, pode ficar sossegada: seu caminho está livre.

 

Ato reflexo, Rebecca virou a tempo de ver o vulto afastando-se da porta do quarto.

 

- Luck, não tem caminho livre. Eu e Norah...

- ...não têm nada uma com a outra. Supondo que eu acredite, não importa mais!

 

Deixando a terceira garrafa pela metade, encaminhou-se para a porta, ainda entreaberta.

 

- Luck, houve um ‘nós' nesse meu relacionamento?

- Você sabe que desde sempre houve um ‘nós' em nosso relacionamento. O pronome errado é o "EU", já que não tenho um que a atenda.

 

***

 

***

Fim do capítulo


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