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Palavras: 19743
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Capítulo 27 - Cap 25.3

VINTE E CINCO

PARTE FINAL

 

 

disclaimer no capítulo UM

 

 

 

 

"Amor não é se envolver com a "pessoa perfeita", aquela dos nossos sonhos. Não existem príncipes nem princesas. Encare a outra pessoa de forma sincera e real, exaltando suas qualidades, mas sabendo também de seus defeitos. O amor só é lindo, quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser."

 

Mário Quintana

 

 

 

 

Estava no hospital. Soro na veia. A luz branda. D. Ruth na cadeira ao lado.

 

Lembrou de tudo que ocorrera.

 

Uma semana se passou desde que voltara da fazenda, direto para sua casa. Não falou com ninguém.

 

Para seu alívio, decidiram que iriam deixá-la só por algum tempo. E esperaram o que julgavam ser tempo demais, dentro dos seus padrões.

 

Marcella, quando retornou de viagem, tentou conversar com ela, mas não a quis receber.

 

Não conseguia comer. Todas as coisas que pensava, levavam-na a ver o corpo mutilado de Régia. Principalmente os olhos. Não sabia como conseguira viajar, mas não poderia ter ficado naquela fazenda maldita.

 

Intuiu que para seu próprio bem, João a despachara no avião, mesmo desmaiada.

 

Não tinha vontade para nada. Apenas alcançava o vidro de remédio e dormia.

 

Ouviu uma ligação de Becky, na secretária eletrônica. Ouvira vagamente ela comentar sobre Luciana adiar os compromissos com a senadora e a empresária; mas, prática como era, queria resolver logo, para não perder o momento oportuno.

 

"Momento oportuno!?!" , foi o que conseguiu assimilar.

 

Como não dera atenção, a jovem loira acompanhada pelo motorista, que era o único que sabia o endereço dela, foi até o seu condomínio. Teve permissão para entrar. Destravou a porta para Becky, sem ao menos se dirigir à sala. A jovem foi intuindo os caminhos, até chegar ao quarto. Nunca fora até a casa da secretária, mas pode perceber que estava impecável como deveria ser, haja vista que parecia que ela não tocava em nada há dias. A fina camada de poeira denotava o único desleixo.

 

Em contrapartida, Clara sabia que estava um trapo. Usava a mesma roupa há dias e fizera da cama sua base à espera da morte. Algumas garrafas de água vazias, o vidro de calmante; a porta do banheiro entreaberta, com algumas manchas do mal-estar da mulher sorumbática.

 

Becky ficou imensamente consternada com o que viu.

 

- Clara, o João contou para gente o que fizeram com você. - Becky tentava ser cautelosa.

 

Silêncio.

 

- Estamos preocupadas... Apreensivas com seu estado. Você precisa reagir. Você precisa de algo? - a jovem tentava achar uma brecha para diálogo.

 

Com movimentos pesados, Clara lembrou que tentou levantar para ir ao banheiro, já que sua bexiga teimava em funcionar. Tudo apagou. Agora, acordava no leito do hospital.

 

Ao se mexer, chamou atenção de Ruth.

 

- Num mexi assim, minina. Vai sortar essis tubo aí. Péra, vou chama a enfermeira. - a jovem senhora disse baixinho.

 

Clara se sentia uma dessas bonecas de trapo, armafanhada, seca, tonta, confusa..... estava com muita sede.

 

- Minina, ocê mata nóis de susto assim. Faiz dois dias qui Cê tá aí, só nos tubos. - Ruth dizia, enquanto a enfermeira fazia os ajustes em Clara, que tentava se acomodar melhor.

 

Permanecia em silêncio. Ruth percebeu, por isso, não insistiu.

 

Ficaram assim o resto da tarde. Clara ora dormia, ora ficava agitada. Sempre balbuciava algo como não ver mais, querer ter, assassinos.

 

Ao final da tarde, inusitadamente, a Dra. Paz apareceu no quarto.

 

- Podrias deixar que fique sola com ella. - fez uma mímica indicando só ela e Clara, mas Ruth também já estava habituada ao portunhol da colombiana.

- Si, dotôra. - arriscou sua dose de espanhol.

 

Paz não entendia essa entrega da secretária. O que foi tão complicado entre ela e Régia ao ponto de não poderem viver a paixão óbvia entre elas. Era evidente que aquela mulher deitada ali, sob sedativos e soro, em nada deixava lembrar a outra que parecia desprezar a líder.

 

Régia nunca comentara nada. Tal seria, fechada como sempre fora. O certo é que saíra dali decidida a ir embora, longe do que a atormentava. E esse tormento tinha o nome "Clara" estampado nele.

 

Clara tinha Marcella, mas as vezes que vistas juntas, deixaram muito a desejar como parceiras. Eram cordiais, sorridentes, mas distantes. Nada do fogo ardente entre Becky e Luciana.

 

Por vezes, sentiu no ar que a diretora ofendia Régia, tendo a certeza quando a líder negou à secretária a posse da filha. Aliás, outro fato intrigante: o que Clara queria ficando com a menina?

 

O certo era que ninguém se transformaria tanto, ousaria largar tudo no meio da noite ou definharia, apenas por um alguém a quem tem simpatia, que foi o sentimento final que a loira demonstrou pela linda morena.

 

Como sempre acontece quando observamos alguém em seu repouso, Clara abriu os olhos e viu Paz a sua frente. Fechou-os novamente.

 

- Tu sonhavas com ella de nuevo?

 

Clara permaneceu de olhos fechados.

 

- Indo directo ao assunto: nosotros amávamos ella. Precisamos hablar. Ou, ao menos, yo hablo.

 

***

***

 

- Se não me engano, e eu não me engano, você deveria estar no leito do quarto 502? - Luciana disse em tom seco.

- Sim, mas não quis ficar mais. Estou bem. - a resposta foi em tom de indiferença.

 

Clara chegara à mansão, pouco depois da doutora e Rebecca.

 

- Clara, mamãe estava procurando você. Coitada. Está lá no quarto, toda preocupada. - a jovem disse, meio consternada.

- Preciso falar com algumas pessoas na administração médica desse hospital. Parece a casa da mãe Joana: os pacientes mesmo se dão alta e saem sem que alguém se dê conta. Fora a segurança também. Marcella vai me escutar. - o tom da médica não era de brincadeira, estava realmente contrariada com esse tráfego clandestino no seu hospital.

 

A secretária parecia indiferente.

 

Luciana se queixava que tivera dor de dente e não sabia o telefone do dentista; que precisara de uns papéis para o projeto da fazenda e não encontrou; que tinha a adoção da Anna que gostaria que Clara verificasse; enfim, desandou a dar ordens.

 

- Luck, menos. Clara acabou de sair do hospital, de um estado depressivo. Dá um tempo, amor.

- Becky, quem foge de leito de hospital é porque está querendo ação.

- Mas, amor, ela sofreu uma perda e...

- Senhoras, por favor. Sei minhas obrigações, sei do meu estado emocional, do meu colapso e tudo que estou passando. Apenas vim dizer que estou voltando para a fazenda amanhã. De manhã quero falar com a empresária e com a senadora. Vamos retomar o projeto. A doutora pode me ajudar?

 

O tom de Clara não era de afronte, mas era firme. Luciana concordou.

 

- Com relação à adoção da Anna, eu e Paz decidimos esperar um pouco. - falou calmamente.

 

Luciana olhou para Rebecca que estava com a mesma expressão intrigada que a médica.

 

- Quando vocês conversaram? - Becky quis saber.

- Ela me deu alta. - foi a resposta de Clara, desarmando Luciana por tabela. - Doutora, todos os telefones que possa necessitar estão em um arquivo copiado em todas as máquinas que a doutora acessa. Ao lado do telefone na cabeceira da sua cama, existe um catálogo impresso do mesmo arquivo.

- Eu sei, Clara. Eu consegui achar. Já tinha visto você mexer e ajudei Luck. Bom trabalho, como sempre.

 

Luciana estava meio carrancuda.

 

- Bem. Estou indo.

- Quando você volta da fazenda? - Becky perguntou.

- Quando sepultar Régia. - foi a resposta lacônica com a qual a secretária se despediu.

 

Antes de sair, foi ao quarto de Ruth e se desculpou.

 

Agora, estava mais tranqüila para prosseguir com seus planos.

 

***

***

 

O jipe com Clara adentrou o caminho principal da fazenda, seguido por homens a cavalo. Não foi idéia dela, obviamente, mas João percebendo que não adiantava mais discutir, resolveu se precaver.

 

Não foi totalmente má idéia chegar assim. Ela queria mesmo que todos soubessem que ela voltou. Queria que o camarada viesse com graça com ela novamente. Estava preparada. Até mesmo se a cabeça de Régia rolasse aos seus pés. Na verdade, até gostaria de reaver as partes extirpadas.

 

Era quase final de tarde. Entrou na casa e Mirtês a recebeu. Tudo estava arrumado.

 

- Sinhora vai precisá de argo, D. Clara?

- Não, Mirtês. Tudo em ordem. Me chama de Clara, Mirtês. Vai ter cantoria hoje?

- Sei não, sinho..... Clara. O povo ficô meio di luto, mor cumadre Régia. I a genti num sabia si a sinhora ia se ofende com nóis.

- Certo. Mirtês, eu quero uma festança para homenagear a Régia. Quero que ela seja lembrada como heroína. João, amanhã vamos providenciar uma enorme placa para a porteira. A fazenda vai se chamar "Conquista Régia"!

 

Os caboclos se entreolharam. Estavam estranhando essa "devoção" da secretária. Tanto Mirtês, como João, sabiam o quanto a líder definhara por conta da paixão por aquela mulher que aparecia ali, agora, prestando tantas homenagens à finada, quando tudo que deveria ter feito era amá-la em vida.

 

Mirtês não era muito fã de Clara. Gostava das mulheres Staionoff. Admirava a doutora. Mas, a secretária ela não engolia. Não depois do que fez a Régia.

 

- Hoje é quinta. Sábado à noite vai ter cantoria. Muita! - Clara afirmou, indiferente ao fato de ser ou não bem vista por ali.

- D. Clara, aquelis homi tão isperando ocê. Faiz favo di num arruma increnca. Nóis temo arma. Se dispara um tiro, vira guerra e vai te morti.

- Se for do lado deles, não me importa!

- Si ocê morre, eu vô fica muito aperreado, pois num cumpri com as ordi da Régia.

- Ordens? Que ordens?

- Quando ela achô que ia si perder no mundão, me deixou encarregado de oiá por ocê. Feiz eu dá minha palavra que morria, mais num deixava nada cuntecê cum ocê. E, me feiz jura isso, dizendo qui se um dia vortasse e eu tivesse faiado, ia mi caçá pelo resto da minha vida, qui seria bem curta dali em diante.

 

Os olhos de Clara ficaram úmidos. O coração apertou. Perdeu a fala.

 

- Dona, si cuida. Eu sô um só. Num quero faiá, mas tá vindo um monti de genti importanti. Num tenho tantos homis de confiança mais. Aqueli bosta do pai da loirinha tá perdendo dinheiro di novo. Tem genti dizendo que ele tá comprando arma pra aquelis uns. Nóis estamo ficando enfraquecidos.

- Andras. Bem lembrado João, traz aquele homem aqui. Tenho recado da esposa para ele.

 

Todos saíram. Clara ficou só. A casa, depois da reforma, ficou grande. E ela estava sozinha.

 

Não queria ninguém com ela. Até mesmo Daniel tinha se voluntariado, mas não quis. Dentro de dois dias, no sábado, a senadora com a empresária chegariam e passariam uma noite ali. Na verdade, queria mesmo a solidão.

 

Foil até a varanda. Deitou-se na rede. Estava cansada. Sentia-se fraca ainda, pois o único cuidado que teve consigo mesma foi o tempo gasto no hospital. As roupas estavam largas. Os cintos nem mais tinham buraquinhos para o fecho. Optara pelo jeans camiseta e camisa. As botas bem reforçadas. Chapéu. Virara fazendeira. Riu-se da idéia de sair direto da cidade para o papel de fazendeira. Na verdade, sentia-se justiceira. De alguma forma, sentia algo de Régia surgindo dentro de si.

 

Deitada na rede adormeceu. Adormecida, sonhou com a líder, o que era recorrente. Sentiu que ela a acariciava. Visualizou-as dentro da cabana. Deitadas, a secretária com a cabeça aconchegada no braço esticado da líder, que estava colada as suas costas, segurando-a firmemente contra seu corpo, o queixo descansando sobre sua cabeça. Estavam relaxadas. Sentia-se bem, protegida. Completa. Saciada em um amor que nem soubera como foi, mas a preencheu.  Era tão real. A respiração da líder fazia um cabelo dourado movimentar-se, rebelde. O calor emanado pelo corpo dela....ela era quente....quente e queimava...marcava feito ferro em brasa;e, quanto mais marcada, mais Clara sentia-se segura, sentia-se fundindo à líder. E, ao mesmo tempo, sabia que se virasse o corpo e tentasse ver Régia, veria apenas o espaço vazio na cama.

 

O que João dissera reforçava a certeza de que Régia a estava protegendo sempre. Todo seu amor só pôde ser canalizado em proteção velada. O amor lealdade. Amor zeloso.

 

No mesmo sonho, podia sentir o pesar. Não fora capaz de entender. Entendera o que quis, quando quis e o quanto foi conveniente. Clara nunca enxergara tão bem a essência de seu amor por Régia, como agora que não a teria para compartilharem suas angústias, acertando suas necessidades. Clara era zelosa e sempre preparada para cuidar de seu amor; Régia era seu amor: protetora, ainda que imensamente necessitada de afeto, dedicação; coisas que ela, Clara, ofertaria com generosidade. Essa a essência desse amor: generosidade alicerçada em incondionalismo. Clara não tinha que ser cega, teria que apenas buscar apoiar a líder em sua difícil redenção. Talvez, não a redenção diante de tudo e de todos, mas apenas diante de alguém que fizesse valer seus esforços. Alguém que testemunhasse seu amor ao mesmo tempo que a convencesse de que ela era possível de ser amada.

 

Deitadas, ali na cabana, Clara sentia que por toda sua vida buscou por Régia. Sentia nitidamente que o calor do corpo dela era bem recebido pelo seu. A proteção daqueles braços era impenetrável. A calma daquele momento, que certamente sucedera ao sex* entrega plena, beirava ao paraíso. O que, naquele momento era um sonho, poderia ter sido a realidade.

 

Sentiu o beijo em seu ombro, a lágrima em sua pele, o toque delicado; virou para receber o beijo. Não viu nada. Soluçando, acordou na rede. João ao seu lado.

 

- Pruquê?

- Medo.

- Dela?

- Da minha fraqueza.

- Ocê poderia ter sido a força dela.

 

Clara não tentou esconder as lágrimas diante do caboclo. Deixou escorrerem.

 

- Oia, si ocê vai fica se oferecendu comu isca pra queles cabra, vai precisa usá isso.

 

O capitão sacou o revólver e ofereceu à secretária.

 

- Não, João, não posso.

- Ensino ocê.

- Eu tenho licença para porte de armas. Sei atirar. Mas, não quero.

- Cê sabe onde tá si metendo, muié?

- João, meu nome é Clara. Tenta usar, eu apreciarei muito.

 

Pela primeira vez, o caboclo sentiu certo respeito por ela. Assentiu com a cabeça e se afastou, indo para cozinha.

 

Clara foi atrás.

 

- Não, João, não sei onde estou me metendo. Sei que não posso deixar esses caras rondando por aí, gabando-se que a mataram. Vangloriando-se de um crime, desafiando a lei; zombando da dor dos outros. Régia não pode ser esquecida e, muito menos, lembrada por sua morte indigna e traiçoeira.

 

O caboclo avaliou a secretária. Deixou nítido que calculava o que poderia contar ou não para ela.

 

- Dona Clara...

- ...apenas Clara.

- Clara, esses cabras estão metido em argo muito grandi. E nóis estamu no caminho sem querer. Nóis temo algo que eles querem. Faiz muito tempo que tou assuntando aquelas cercas. A dotora e a loirinha já me viram por lá algumas vezes. Ocê conhece as cercas?

 

Clara negou.

 

- Cê sabi o que tem pra além de cada cerca?

- Sim: a fronteira sul fica beirando a rodovia, por onde acessamos a entrada da fazenda; a fronteira norte  divisa com a outra fazenda que está sob invasão; ao leste, a região mais alta, com acesso à mata; oeste temos a parte plana; não sei bem de quem são as terras das banda de lá, parece ser outra fazenda. Régia certa vez disse que era arrendada.

- É uma plantação. Avançando, vamu encontrá umas cabanas e, mais adiante inda, um galpão.

 

A expressão de Clara era uma nulidade em termos de compreensão.

 

- Contrabando? - arriscou.

- Qui tem coisa lá, tem. Nóis não quis chegá mais perto pra xeretar. Mas, Régia falo pra genti fica de oio na pista de pouso. Tivemos arguns aviãzinho descendo por lá. Uns homi armado até os denti.

- A pista fica bem próxima da fronteira oeste. E ficou muito boa depois da reforma.

- E inda é clandestina.

 

Era só o que faltava: se livrar de contrabandistas?

 

- Régia fez alguma coisa?

- Disse que ia esperar. Qui cedu ou tardi eles iriam por o rabo de fora.

- Aconteceu?

- O cabra que mexeu cum ela.

 

Tudo começa a tomar forma. Clara foi ao fogão e começou a esquentar o café.

 

- Dispois dela disfigurar o desinfeliz, a coisa viro rixa; mas antes, ele queria assunta quem mandava aqui.

 

Serviu café para os dois.

 

- E eles a mataram. - foi difícil dizer isso para ela.-  E o imbecil do pai da BEcky, onde entra nisso?

- Perdedô como sempri. É um língua-sorta e entrega nóis para eles. Fala merd*. Entregou a Régia.

- O fato d´eu ter comprado a fazenda, mudou o rumo das coisas por aqui. Começamos a chamar a atenção. A pista vai ter que sair da clandestinidade. Provavelmente o imbecil falou da possiblidade de arrendarmos. Eles precisam impedir isso. Fazer com que tudo dê errado. Céus! A senadora e a empresária correm riscos.

- Arrisco dizê que ocê corre mais. Num são besta de mexê cum políticos. Tem federar demais por aqui já. A empresária tá acobertada pela senadora.

 

Clara olhava o café.

 

João tirou novamente a arma do cinturão, colocou na mesa, a frente dela, e se retirou.

 

"Eu sou uma muié da cidade, Régia. O que vamos fazer?"

 

***

***

 

 

Era raro acontecer, mas estava atrasada. Luciana detestava chegar atrasada às reuniões. Sabia que poderia mandar todos à merd*; mas, ao mesmo tempo, essa pequena demonstração de poder era insignificante em relação à disciplina imposta por ela, esta sim de maior magnitude em termos de controle e rigor. O único que se atreveria a comentar algo seria o Prof. Victor, para quem uma simples resposta invertida bastaria. Entretanto, não queria que fosse necessário, ainda que divertido, se indispor por tão pouco.

 

Becky não tinha compromissos. Estava preguiçosamente espalhada na enorme cama.

 

- Amor, estou atrasada. Você poderia cobrir suas deliciosas formas, para que eu não me distraia?

 

A loirinha apenas deu um risinho maliciosa e puxou o lençol, enrolando-se no tecido aderente. Sabia que a médica deixara-se exaurir no sex* e só conseguira adormecer com os primeiros raios da manhã. Ainda sentia o cheiro dela em seu corpo.

 

- Clara e Paz juntas....- comentou, enquanto observava a médica fazendo o percurso do closet para o banheiro e vice-versa.

 

A cada volta, Becky começava a se excitar pelas modificações na morena: nua, ainda molhada; secando-se apressadamente, passando a toalha em lugares que Becky conhecia decor; escolhendo lingerie; correndo para secar os cabelos. Era fascinante ver uma mulher se arrumando; assim como era estranho constatar que a beleza do corpo nu supera qualquer tecido. A pele é a veste mais linda que uma mulher pode apresentar e poucos sabem apreciar, embora todos queiram ver. Era excitante vê-la desfilando semi-nua, sem a pretensão da sedução. Coisas do cotidiano. Simples. Linda.

 

- ....o quê? - a médica estava no closet.         

 

Becky saiu da cama e foi atrás dela. Deparou-se com a doutora curvada quase dentro do guarda-roupa, procurando algo. Estava de calcinha de renda branca, ainda sem sutiã. A bunda empinada.

 

- Disse "Clara e Paz juntas". - a loirinha sentia seu clit latejar diante da visão.

- As viúvas de Régia. - a voz da médica estava meio abafada, vinda de dentro do guarda-roupas - Droga...droga...não acho aquele sutiã....

 

Becky passou por trás dela, abriu a gaveta ao lado.

 

A loirinha achava engraçado essas manias da médica: em um guarda-roupas lotado de lingeries, ela fazia questão de achar uma especificamente, estando atrasada.

 

- Usa outro conjunto. - disse.

- Eu gosto des....-  sentiu o puxão na calcinha e a mão da jovem pressionando-a para que permanecesse curvada na mesma posição, parcialmente dentro do guarda-roupas.

- Despeça-se dele. - a voz era firme e sedutora.

- Já não se sente culpada por meu atraso? - a médica disse em tom de censura, ainda que sem se mover.

- Não sinto culpa pelo que faço com você. Somente pelo que não faço. - num gesto brusco, deixou a lingerie em trapos.

 

Nua, esfregava seus pelos na pele da bunda, agora exposta. Uma das mãos prendiam a médica pela cintura, em um abraço forte. A outra fazia todo o trabalho: removia o cabelo, expondo a nuca que foi lambida; desceu para os seios e beliscou os biquinhos, já rijos; desceu e abriu caminho pela fenda da bunda, massageando o ânus. Subitamente, a médica sentiu a ausência do apêndice curioso; mas a boca de Becky a fez esquece-lo rapidamente.

 

- Nã...não...pos..

- Sshh...quieta...quero você....melhor relaxar...sabe o que eu quero...- Becky dizia isso colada ao ouvido, sussurrando, em tom autoritário.

 

Luciana estava quase entregue. Raras vezes Becky assumia o controle; mas, quando o fazia, a médica alucinava. Sabia que era mais forte, mas a jovem também era quando queria. Era a comunhão perfeita: ela se tornava frágil e Becky adquiria força. Naquele momento, o barulho dos tapas em suas nádegas a deixavam cada vez mais molhada.

 

Becky a prendia pelos cabelos. Sentia a maciez entre seus dedos ao segura-los como suas rédeas. Puxava a cabeça para alcançar a boca, ao mesmo tempo que se abria para esfregar-se cada vez mais na bunda, segurando pelo flanco. Estava molhada e deixava rastros na pele vermelha e quente.

 

- Amor, tenho que ir mesmo.  - com um gesto mais brusco, Luciana quebrou o momento, sentindo a dor pelos cabelos presos na mão de Becky.

 

Ainda que extremamente excitada, a jovem sabia que para resistir ao que faziam, algo importante aguardava a médica.

 

- OK. Mas... aguarde. Você me deve uma....

- ...pagarei com meu sangue...

- ....hummm....proposta tentadora - arrepiou-se com o brilho nos olhos de Luciana.

 

A médica aceitou a lingerie escolhida por Rebecca, que por sua vez, foi para o chuveiro.

 

- Fico imaginando o que Clara e Paz conversaram. - a loirinha comentou, enquanto Luciana finalizava seus preparativos.

- Fizeram a partilha afetiva. Dividiram os espólios.

- Luck, você está tão crua com relação a essa situação!

- Becky, não gosto de ceninhas: Clara teve toda a oportunidade do mundo para se entregar à Régia. A mulher só não virou um farrapo, porque é orgulhosa e tem dignidade. Não se arrastou aos pés dela, mas também não ficava indiferente ao vê-la nessa relação frouxa com Marcella. Agora, primeiro fica feito zumbi; depois acorda, toda cheia de razão para querer vingar Régia. O que ela deu para Régia, para querer ter tanto direito?

- Mas era dela que Régia gostava. Era ela que devolveu-lhe o senso de amar, Luck.

- Paz soube o que era amar e ser amada por Régia.

- Atrevo-me  a dizer que só Paz amou; Régia cedeu à paixão carnal. Paz compôs o resto sozinha.

- Teve mais do que Clara foi capaz.

- Clara teve o todo, apenas não usufruiu.

- Eu tenho você. E a nossa é a única relação que me importa. Agora, vou trabalhar. O que vai fazer hoje?

- Ir ao advogado com mamãe e Lílian. Ela quer separar de papai de uma vez por todas.

- Almoçam comigo?

- Sim.

 

Luciana estava linda em um conjunto branco e sandália também branca, as pernas moldadas pelos músculos, à mostra pela saia. Becky salivou de desejo.  A médica beijou a jovem, deixando no beijo a promessa de que não acabaram ali.

 

- Lembre-se: você está em dívida comigo.

 

Luciana sabia que teria um longo dia pela frente.

 

***

***

 

Não precisava mais de acompanhamento; já sabia o caminho, o que a deixava livre para ir e vir quando quisesse. Sabia que era vigiada. João não estava relaxando quanto à segurança dela.

 

A cabana continuava parcialmente ocupável. Havia algum vestígio de reconstrução e alguma lonas de barraca foram colocadas para ocupar o lugar de parede destruída, mas muito pouco.

 

Passou por ela, deixando o cavalo trilhar o caminho calmamente.

 

Era um recanto bonito. Muito calmo. Era cedo. Desde a notícia da morte, não conseguia dormir. Agora, acordava cedo demais. Por esse motivo, conseguiu despistar a segurança. Saiu da casa muito cedo, pelos fundos. Nem sabia de quem era o cavalo, mas o pegou assim mesmo.

 

Chegou à cabana com o princípio da aurora. Sentada na pedra, à beira do riacho, deixava a Natureza abraça-la. O som dos pássaros, da queda d´água, das folhas. O cheiro das seivas matinais. O cheiro da rusticidade de Régia.

 

Despiu-se. Nadou para sob a pequena cachoeira. Deixou as lágrimas escorrerem, enquanto a água batia-lhe sobre o corpo, em uma surra merecida. Escolheu sentar-se sob as águas, os joelhos abraçados. Estava tão perdida. Tão deslocada. Sufocada pela força do querer, facilmente vencida pela força do não poder.

 

Viera com outros planos em mente e agora novos aspectos surgiam. Sabia o que tinha que fazer. A situação era ardilosa, mas ela queria apenas vingar sua amada. Sim, agora sabia que a líder era sua amada. Viveria sem ela, com certeza; tinha que viver, tinha Anna a quem se agarrar. Paz fora enfática ao entregar a menina aos seus cuidados.

 

A conversa entre as duas foi estranha. Duas mulheres cujo único elo era uma completa desconhecida para ambas. Uma desconhecida que as separavam pela rivalidade do amor; e as uniam pela defesa da memória desse amor.

 

Paz não demonstrou nada além de sinceridade quando entregou à Clara todas as nuances de seu  amor por Régia. Não havia um resquício de vingança ao dizer-lhe que tinha a líder impressa em seu corpo; ao revelar-lhe o quão incendiada ficava ao ser amada por Régia. Não zombou de Clara por ela ter deixado escapar o que poderia ser o maior amor experimentado por uma mulher. Contou-lhe sobre a Régia companheira, mansa, delicada, sensível. Também contou sobre a mulher que o pai, um perigoso chefão, temia e respeitava. Contou da excitação que sentia ao saber que as mãos que a acariciavam, eram letais instrumentos de morte. Por fim, concluiu que Clara deveria ficar com Anna, pois ela, Paz, tivera de Régia os momentos mais lindos de sua vida. Também sentira a dor de perdê-la e a felicidade de reencontá-la, para que pudessem selar de vez o que havia ficado pendente. Dignamente, admitiu para Clara que a líder pedira desculpas por não poder aceitar a oferta de uma vida conjunta, pois sua vida estava nas mãos da secretária, para quem não era nada além de uma mísera e violenta assassina.

 

- ( Eu pude sentir o corpo, mas nunca toquei a alma. Você tirou-lhe a alma sem tocar no corpo. )

 

Chorava demasiadamente. Lembrou do que Daniel contou. Foi até a pedra. Deitou-se. O Sol tomou-lhe o corpo com ardor. Ele convidava para o amor, ao lamber-lhe do corpo as gotas que ainda escorriam. A leve brisa era a amante que vinha disputar o corpo, eriçando os pelos ao sopro suave. Deixou as mãos vagarem pelo corpo, da mesma forma que as lágrimas libertavam a tristeza. Sentira Régia por seu corpo nas furtivas vezes que permitiu que ela a tocasse. Lembrou do beijo na festa, nas sombras do nicho que escolhera, quando não conseguiu ser mais forte que seu desejo pela mulher a sua frente. Tocou seus lábios aquecidos pelo Sol, nem de longe rival para o ardor dos lábios de Régia. Era tortura lembrar. "Estaria buscando uma punição? E, se assim fosse, admitia que fora culpada?" Sim, sabia que sentia culpa. Sonhar com o que pôde ter era a pior forma de castigo que pensava em se auto-impingir.

 

Sobre aquela pedra, Régia fizera com ela o mesmo tipo de amor que agora experimentava. O amor ausência, repleto de frustração, desespero e impotência. Quanto mais pensava nisso, mais seus dedos a invadiam com força, os toques eram rudes. Sentia dor misturada com a explosão de gozo que se anunciava. Régia sentia essa mesma dor; ao pensar nessa comunhão, sentiu a força do orgasmo e o nome saindo-lhe da boca, por onde deveria entrar em beijos: Régia!!! Gritou por ela, para te-la, por não esquece-la, para não perde-la. Continuou chorando.

 

 

 

 

 

.

 

***

***

 

- Vamos todas, então!

- Certo.

 

D. Ruth queria ir até a fazenda. Soubera que haveria uma cantoria em homenagem a Régia e queria estar presente. Também tinha que conversar com o desagradável marido.

 

Como Líllian também queria ir, Becky ficou preocupada com a segurança delas e quis ir junto. Lógico que Luciana ficou de cabelo em pé. Para encurtar o assunto, resolveu que iriam todas, junto com a senadora.

 

Assim, no sábado de manhã, a fazenda Conquista Régia foi invadida por amazonas: mulheres de todo tipo, cultura e propósitos.

 

A única caminhonete decente foi ofertada à senadora e à empresária. D. Ruth também foi levada nela, com Clara dirgindo. As demais foram na velha caminhonete.

 

Após todas devidamente acomodadas, Clara se reuniu com Luciana e Sandra, junto com João, antes do almoço e expôs a situação. A empresária foi passear com Becky e Lilly. Queria ver as crianças do lugar.

 

- Contrabando? - a senadora questionou.

- Num sabemu. Régia cantô a pedra mandandu vigiá a pista. Nóis fizemo tocaia e vimu os aviões. E os homi armado.

- Você disse que eram aviões pequenos, portanto não deve ser madeira. Podemos ficar com: armas, animais, peles e drogas; muito comum nessa região. - a senadora observou.

- Seja o que for, a pista de pouso é a chave. É o que eles querem. - a médica resumiu.

- Régia feiz a genti plantá que a pista ia ser destruída, pruque Clara queria em outro lugá. E foi issu que tirou os cara da toca.

- E eles a mataram. - Clara constatou, retendo as lágrimas.

- Quem era Régia? -  a senadora quis saber.

- Um muié guerreira, astuta, lutadora. A dona nunca vai achá outra iguar.

- Soberba mulher. - a médica completou.

- Com esse aval todo, lamento não ter conhecido. - Sandra constatou.

 

Clara ficou quieta. Por átimo de segundo, sentiu ciúmes da senadora, pois percebeu a predadora falando de sua mulher. "Minha mulher? Estou endoidecendo!"

 

- Bem, vamos informar a Aviação Civil. Pelo que se percebe, não houve registro da existência dessa pista.

- Régia disse que ela existe há uns 6 anos. O pai da Rebecca, antigo dono da fazenda, não sabia da existência, uma vez que nem mesmo sabia da total extensão de suas terras. Régia conhecia, pois já a havia utilizado em suas operações....

- ...ela era contrabandista? - a senadora espantou-se.

- Em uma certa época de sua vida, era. - Clara respondeu, em tom de desafio.

- Enfim, quando eu me meti no meio da história, pedi que a pavimentassem corretamente. Não supunha que ainda a usariam. De quebra, é claro que pedi aos meus advogados que a registrassem.  - a médica relatou.

- O processo ainda está em andamento. Mas, não lembro de ter comentado isso com ninguém, além de Régia. - Clara observou.

- Eu comentei com Becky e não pedi segredo. - a médica assumiu.

- O perdedô devi ter abrido o bico! - João acariciava o cabo da arma.

 

Sandra olhava de um para o outro, perdida na partida de xadrez que se desenrolava.

 

- Acredito que, na verdade, eles não acham ruim a idéia dela sair da clandestinidade; e Régia também achou, por isso mandou dizer que ela seria destruída. É interessante que permaneça lá e, estando legalizada, não chama a atenção dos federais. - Luciana caminhava de um lado para o outro.

- E vocês conseguiram ver o que tem naquelas plantações? - Sandra questionou.

- João não chegou tão perto. Apenas percebeu que um certo volume de dinheiro tem corrido entre os homens da nossa fazenda. O próprio pai de Becky tem perdido dinheiro de novo, uma vez que eles estão apostando por aí.

- Clara, temos que ir lá ver. - a médica disse. - João quantos homens você acha ainda tem de confiança?

- Uns vinti. O cabra que a Régia reformou a cara tá pegando todos os cabras pru lado dele.

- Eu posso chamar os federais. A gente dá uma batida e pronto. - Sandra falou.

- Algo me diz que se fizermos isso agora, não vamos encontrar nada. Você é uma senadora com uma empresária interessada nestas terras. Os federais estão na cerca oposta. Eles estão cercados. Qualquer atividade deve ter sido suspensa e bem camuflada. Só iríamos levantar a lebre de que sabemos deles. - a médica ponderou.

 

Ficaram em silêncio.

 

- Proponho que aguardemos. Pressinto que entre hoje, com a festa; e amanhã, com a colocação da placa, o desfigurado vai aparecer.

- Ele si engraçô com ocê. Acha qui ocê é a viúva da Régia. E ele quê tudo que era dela. - o capitão falou, com certa ódio, quebrando o galho que segurava na mão.

- Eu conto com isso!

 

As mulheres que conheciam bem a secretária, se espantaram com o tom de raiva e malignidade em sua voz.

 

***

***

 

Após o almoço, todas foram conhecer a parte da fazenda que realmente poderia interessar a empresária. A mulher era bióloga e ficou encantada com a diversidade encontrada.

 

- Régia sempre apontava que aqui havia uma farmácia inteira, bem como matérias-primas para a indústria de cosméticos. - Rebecca comentou.

- Régia entendia de plantas? - Sandra perguntou.

- Ela era bióloga. - a jovem respondeu.

- Botânica, mas exatamente. O pai era um renomado biólogo sueco. - Luck completou.

- Ela viveu muito tempo nas matas. Aqui mesmo, pelo que Mirtês fala, ela fazia suas pesquisas e tratava o povo com suas ervas.

- Cada vez mais lamento não te-la conhecido. - a senadora comentou.

- Se você não fosse aceita em seus códigos, não adiantaria conhece-la. - a secretária observou, em tom seco.

- Você, pelo visto, foi aceita até demais. - foi a resposta sarcástica.

- Ali, mais adiante, vamos encontrar o que ela dizia ser a parte mais rica. - Luck quebrou o clima entre as duas.

 

Cavalgaram por mais umas duas horas, refazendo o percurso de volta a casa sede.

 

A fazenda estava alvoroçada. Todos se preparavam para a festança.

 

Tomaram um pequeno lanche e foram descansar.

 

Clara habituara-se a ficar no balanço, olhando o horizonte, perdida em pensamentos. Não tinha sono. O pouco que dormia, sonhava com ela. Alías, sabia que era ela, mas não a via nos sonhos. Sentia apenas a presença, para nunca encontrar.

 

Naquela manhã, não conseguira ir até a cachoeira. João montara a vigília e a pegou saindo da casa. A repreendeu. Decidira que, tão logo as mulheres fossem embora, iria dormir na cabana. Do jeito que estivesse. Queria conhecer toda aquela área.

 

- Não era Marcella a sua eleita?

 

Clara olhou para a senadora com olhar vago. Não entendera a pergunta, mas ouvira o nome da diretora. "Preciso falar com ela." Tomou nota mentalmente.

 

- Eu perguntei se não era Marcella a sua eleita. Se bem me lembro, foi quem você nomeou.

 

Clara sentiu-se cansada. Sandra, de todas as pessoas, era a última com quem queria conversar e discutir relações.

 

- Sandra, é uma longa história. Um equívoco que provoquei. Estou pagando por uma parte, temo que ainda terei que pagar por outra. Não quero conversar sobre isso. - disse, quase implorando compreensão.

 

A mulher percebera que não era um assunto bem-vindo. Sentou-se ao lado de Clara no balanço. Abraçou-a.

 

- Clara, o que você não disse, já me contou o que queria saber. Sua aparência e atitudes ratificam o que penso do que não ouvi. - deu uma risada.

 

Clara entregou-se aos afagos de Sandra. E, como acontecia ultimamente, chorou.

 

- Sandra, seu eu pudesse voltar tudo....- e chorava mesmo.

- SShh..chora.

- Eu quero matar esse cara que vem aqui hoje. Não quero saber de pista de pouso, de contrabando, de coisas ilegais. Eu quero ele. Quero esfolar, arrancar os olhos e dar para os cachorros...não, quero primeiro arrancar as bolas e dar para os cachorros, depois as mãos, os olhos, atear fogo no corpo dele...e arrancar a cabeça para pendurar na cerca oeste. Quero que ele sinta o que fez com ela. E todos que estiverem com ele saberão que serão caçados. - de repente, as lágrimas cessaram e um riso insano brotou no rosto úmido.

 

Ao sentir Sandra estremecer, percebeu o grau de sua fúria. Era o que queria com toda sua força.

 

- Você sempre repudiou violência, Clara.

 

Ergueu a cabeça e olhou nos olhos claros.

 

- Sinceramente: não sei mais nada sobre mim! - levantou-se do balanço.

 

***

***

 

Andras fora chamado para conversar com Ruth. Estava confinado desde o dia que Clara ordenara. Ele sabia que não era pessoa querida por ali. Por todo lugar que passava, sentia os olhares enviesados do povo. Embora não tenha gostado de ficar trancafiado, percebeu que foi para sua própria segurança.

 

Ruth o recebeu sozinha. As filhas quiseram ficar, mas ela disse que era conversa entre marido e mulher. As filhas, se quisessem, conversariam com ele depois.

 

- Cê tá bonitona! Gastando dinheiro por conta!

- Cada um gasta como quê. Eu vejo ondi o dinheiro vai; ocê tá perdendo de novo.

 

Ele baixou a cabeça.

 

- Num bastô o que Cê feiz com as mininas? E essa coisa de anda fazendo fofoca? Entregandu a fazenda pros bandido?

- Tiraram ela de mim. Aquela magrela acha que fiquei cuntente com a mixaria que ela me deu.

- Ela num te deu mixaria arguma: ela sarvou tua pele, desinfeliz.

- Ah..é verdadi...mas a muié machu foi despachada. - disse, rindo.

 

Ruth não conseguia entender como pôde viver tantos anos com esse homem a sua frente. Até entendia que anos de trabalho duro, com pouco retornos, pudesse ter alguma influência; mas sabia que sua educação motivara sua submissão e resignação a um casamento como o seu. Ele fora bom pai; à sua moda, pensou ter preservado as filhas, o que sempre compensou o péssimo marido. A esposa cedeu lugar à mãe. E a vida passou. Felizmente, chegou o momento da virada.

 

- Andras, nunca qui pensei dizê, mas ocê é nojento.

- Si tua fia ch*padora de bu...

-...oia qui Cê vai dize: num preciso de Régia ou João prá acabá cum ocê se fala essas besteiras dessa sua cabeça torta contra nossa fia! - não havia motivo para duvidar dela.

- ..si ela num tivesse aparecido cum a muié machu dela, Cê era a mesma corna mansa de sempre. Qui deu agora? Cê inda é minha muié. E...- mediu ela dos pés a cabeça - ..cê inté tá me dando umas vontadi...

- ...e ocê vai fica nelas. Clara disse pro Cê qui to aqui pra genti decidir nossa separação?

- E si eu num quisé?

- Tem advogado cuidando. E, enquanto isso, Clara quer que Cê honre sua parte no acordo: vamos faze as partilha. Cê tá jogando de novo. Temos prova. Vamu separá o que é de Lillian e Becky e depois nóis cuida de nóis. Tou com a papelada aí. Cê assina e damu início ao processo de separar.

 

Ele ficou carrancudo.

 

- Aquelas muié machu da cidade acabaram cum nossa famía: tiraram minhas terras, minha fia virou uma aberraç ...- não teve tempo de terminar, diante do sonoro tapa que o atordoou.

 

Ficaram se encarando. Ele ameaçou partir para cima dela.

 

- Será qui é hoji que te mando ter aquela conversinha com o capeta? - João estava parado na porta.

- João...

- Num custumo ouvi trais das porta, mas ocê num é di confiança, seu perdedô.

 

Diante do jagunço, o homem retrocedeu.

 

- Cê vai deixa Lilly ser o quê? Vai arrumar muié pra ela tumbém? E essi ai vai ser o seu machu?

 

Ruth sentou-se, cansada de tamanhas bobagens. O homem não tinha jeito. Preferia o Andras calado à esse tagarela despeitado, fracassado.

 

- Andras, o dinheiro que vai sobra pra ocê dá pra ter uma vida muito mió do que ocê já pode sonha. Sossega, homi. Lilly ama ocê. Becky, apesar de tudo, num quê seu mal. Cê podi tê suas fias. Pára de perdê dinheiro em jogo. Cê é motivo de zombaria pros homi daqui inté a cidade. Num tem respeito, num tem dignidade, num honra tuas carças. Pega o qui é teu e vai imbora pro interior de São Paulo. Compra aquela chacra que cê queria.

 

A cada palavra de Ruth, o homem ficava mais vermelho. Apesar de tudo, ele tinha vergonha. Tinha orgulho e tentava não ser humilhado, mesmo não tendo nada que o alicerçasse.

 

- É mio ir imbora. Si tão rindo di mim é por causa dessa pouca vergonhice da nossa fia. Dessa muierada metida a homi qui apareceu aqui. Eu qui to cum vegonha do cês.

 

Ruth deu de ombros.

 

- Si assim Cê entendi mió: cada cabeça uma sentença. Sua fia tá tentando faze a vida dessa gente mais digna. Ela é querida por todos. E si ocê inda tem qualquer valia aqui, é pruque ninguém quê ser ingrato com ela. João aqui é testimunha: si a genti sorta ocê em desavença com BEcky, Cê num dura meia hora.

- Aí que Cê si engana. Tou com o lado forti agora. Cê vai vê. Si a magrela num abri o zóio, essi povo vai bandiá para quem der mais.

 

Ruth e João se entreolharam.

 

- Bem. Assina essis paper e vamu cada um pro seu lado.

 

Andras olhou para João. Nem leu o papel, assinou.

 

- Ainda tou preso? - perguntou para o capitão.

- Não. Está por sua conta. Somi.

 

João olhou para Ruth. Os olhos dele estavam úmidos.

 

***

***

 

A senadora Sandra demonstrara ser uma política e tanto: cativou o povo com sua simplicidade, carregou as crianças, bebeu pinga com os homens, conversou sobre as necessidades das mulheres, além de provar de suas iguarias. Junto com Luciana, argumentavam sobre o potencial da fazenda, deixando a empresária bem empolgada.

 

Todos os estudos feitos pelos especialistas mais os levantamentos deixados por Régia, apontavam uma mão-de-obra disposta a produzir, tão logo devidamente assentados e com recursos básicos supridos.

 

A maior preocupação, desconhecida apenas pela empresária, eram os homens sem família que se agregaram ao grupo, mas agora demonstravam pender para outros lados. João não conseguia dizer, ao certo, quem ainda estava com ele.

 

A festança já começara fazia um bom par de horas. Algumas fogueiras foram acesas. Havia fartura: mulheres fizeram pratos típicos da região, carne assando, doces, bebida. Tudo ao som das violas e violões.

 

O povo dançava, animado.

 

Luciana não quis comer o pato tucupi, pois ouviu dizer que o molho típico da região, era também um possante veneno, se não preparado corretamente; além da presença do jambu, que pode dá um certo anestesiamento aos lábios. Ficou no churrasco que havia pedido fosse feito. Não queria que BEcky comesse, mas a loirinha se esbaldou com as comidas, que não comia há muito tempo. Inclusive, D. Ruth fizera um guisado típico húngaro, o gulya ou goulash, e todos estavam apreciando, ainda que apenas para o seleto grupo da casa principal.

 

Clara pouco comera. Não conseguia. Com muito custo, recebeu das mãos da senadora um prato feito para ela. Não era de beber, mas estava acompanhando o João na cachaça.

 

- Você acha que ele aparece?

- Clara, ocê tá muito agoniada. Qui cê quer faze, si ele aparecê?

 

Clara olhou para o caboclo, percebendo que não sabia porque queria o aparecimento do camarada. Nem ao menos estava armada.

 

- Sei lá, João. - disse, entornando a cachaça, que queimou sua garganta.

- Tivi nutícia de que tem uns cabra de zoio in nóis.

- E por que ainda não apareceram?

- Tem arguns infirtrados, andano aí no meio. - e apontou para uns camaradas ao redor da fogueira, outro perto da mesa, outro dançando.

 

A festança seguiu noite a dentro, sem qualquer incidente. Todos se divertiram.

 

- Vou me recolher. Partiremos após a colocação da placa, certo? - a senadora quis saber.

- Sim. O jato está programado para sair às 10:30 h. Fará escala em Brasília para deixar você, depois segue para São Paulo. - a secretária informou. - Da porteira até a pista leva quase 40 minutos.

- Bem, eu vou me recolher. Boa noite para todas. - Sandra disse, espalhando seu encanto para todos.

 

Com todos se recolhendo, ficaram apenas Clara, João, Luck e Becky.

 

- O sujeito num deu as caras hoje. - a médica observou.

- Mas tinha gente dele infiltrada andando por aqui. Eu e João estávamos de olho.

- Eu sabia qui ele num ia sê louco de aparece.

- Clara, você tem certeza que não quer ir embora conosco? - Becky se preocupou.

- Preciso ficar. Tenho que resolver algumas coisas. Ter certeza de tudo.

- A Sandra disse que a hora que você quiser, ela manda policiais para cá, investigar a tal fazenda e debandar esse grupo. - a médica assegurou.

- Doutora, o que eles fazem naquela fazenda, não me importa. Levar esse cretino para o diabo, sim. O que ele fez com Régia foi por pura vigança. Só por isso, já seria vil; não bastasse, foi tão covarde.

- E você vai fazer o mesmo: se vingar? Você, a pessoa mais anti-violência que conheço?

- Dotôra, num tou quereno bota fogo, mas já vi genti mais pacata fazê coisa que Deus dúvida movido por vingança. Tenho ordi da Régia pra protegê a Clara, mas ela num me iscuta. Entonces, vou tá junto dela mor de fazê nossa justiça. Clara sabe qui num sou amigo dela, mas essi bosta num vai sai rino da cara da genti não.

 

Luck sentiu Becky estremecer entre seus braços diante do olhar que João e Clara trocaram. Agora, eles estavam unidos nessa missão.

 

- Ok. Faça como quiser, Clara. Vamos Becky, temos algumas horas para dormir. Boa noite para todos!

 

Clara olhou para João.

 

- Se eu tivesse ficado com Régia, você seria meu amigo?

 

Ele olhou bem nos olhos verdes que refletiam lampejos da fogueira entre eles.

 

- Continuaria num gostando do cê, mas sempre seria lear pra Régia.

 

A secretária acentiu com a cabeça.

 

- Até amanhã, João. - e seguiu rumo a enfemaria, onde se alojara provisoriamente.

 

 

***

***

 

Clara olhava os homens erguendo a placa. Ela e João já avistaram os tais caras infiltrados de novo. Ela os observava, quando foi cercada por Lilly e Daniel.

 

- Por que Cê num faz um discurso pra homenagear a Régia? - os olhos dos dois brilhavam.

- Vocês estão louco!?!

 

Os dois ficaram murchinhos e foram embora. No momento seguinte, ao vê-los se afastando, a secretária repensou.

 

Não era religiosa praticante, mas a pedido das pessoas da fazenda, o pároco local foi chamado. Eram 8:30 h da manhã, e o povo tava reunido. Após a pequena missa e a benção dada à placa; a secretária aproveitou para pedir atenção. Haviam improvisado um palanque e nele acomodaram-se a família Staionoff, Luck, Sandra e a empresária.

 

- Quero a atenção de todos, por favor!!!

 

Silêncio geral.

 

"Qui essa doida quê faze?" , João levantou de um salto, alerta e com a arma engatilhada, postou-se ao lado dela.

 

Outros três homens postaram-se à frente do palanque e mais dois ficaram, nas laterais.

 

- Para quem não sabe, sou a nova dona da fazenda. Não entendo nada de fazenda.

 

O povo riu da afirmação.

 

- Mas entendo que temos aqui uma obrigação a ser feita. Todos vocês conheceram Régia. Alguns, muito mais do que outros. E todos muito mais do que eu. - nao queria e não ia chorar.

 

Uma aclamação geral seguiu-se ao nome da líder.

 

- Pois bem. Ela tinha planos para vocês. Lutou por todos aqui. Enfrentou até mesmo humilhações, mas em nenhum momento, qualquer que fosse a decisão tomada, ela jamais iria abandonar todas as famílias e vidas que estavam aqui sob sua responsabilidade.

 

Olhava para cada rosto e via neles a recuperação de seu amor pela líder. As mulheres com seus filhos, os homens com suas famílias. Crianças. Eram a redenção que Régia se impusera. Clara daria isso a ela.

 

- Mas a conheci sufiente para querer continuar com a luta dela, fazer do sonho dela realidade e dar a todos vocês alguma esperança. Estamos batizando essas terras como Fazenda Conquista Régia. Vou ser direta em dizer que aqueles que dentro dessas terras forem amigos, leais e dispostos a trabalhar, serão sempre bem-vindos. - fixando o olhar nos inimigos infiltrados, começou a aponta-los - Você, você, você e todos os que estão se juntando ao porco que a matou, desses tenho dó, pois vou caçá-los, tão logo pendure a cabeça daquele covarde ao lado da placa, aqui na porteira da fazenda. Vamos honrar e celebrar o nome de Régia!!! Em sua honra.

 

Todos a aclamaram. Gritaram o nome da líder. Palmas ecoaram no campo aberto.

 

Como boa política que era, Sandra pediu a palavra.

 

- Não conheci Régia, mas conheço as pessoas que a estimam; por isso, peço permissão para me juntar a elas em sua amizade por essa líder.

 

Todos ficaram silenciosos e pensativos.

 

- Garanto que farei dessa fazenda o mais bem sucedido projeto agrário. Aqueles que, como bem disse Clara, estiverem conosco, verão a recompensa de seu suor. Viva a Conquista Régia. - dizendo isso, ela e Clara desceram do palanque e foram discerrar a placa.

 

João teve tempo de se colocar a frente de Clara, quando o tiro ressoou, cortando certeiramente a corda.

 

Com a mão sã, o desfigurado segurava o rifle ainda fumegando. Se o cabra  quisesse, teria matado uma delas.

 

Clara nem piscou. A senadora, para seu mérito, também ficou impassível. Luciana estava à frente de Becky.

 

- Si colocá essa porqueira aí, amanhã vai te que coloca outra, viuvinha? - ele disse.

- Por que demorou para aparecer? - a secretária nem piscava, enquanto via o cabra se aproximar.

- Tava cum sardade, viuvinha?

- Não, queria apresentar o porco covarde para minhas amigas.

- Régia fez isso na cara dele? Sozinha!?!? - Sandra desviou a atenção.

- É, Sandra. E não foi só a cara não.  - Clara começou a rir e todos com ela.

 

O cabra ficou vermelho. Parou onde estava. O braço ainda em uma tipóia precária.

 

- É, só qui eu tou aqui, mais a cabeça dela serviu di bola de futibol pro meus homi!!

- Até onde sei, precisou de quatro homens para acabar com ela, dos quais três ela despachou também. E tudo a seu mando, já que você não teve culhões para fazer pessoalmente. Traiçoeiro covarde.

 

Ele começou a rir alto.

 

- Precisava mi garanti.

- De que ela num viria arrancar seus culhões pela garganta?

 

Todo mundo começou a rir de novo. Ele ficou mais vermelho ainda.

Sem uma palavra, Clara virou as costas e puxou o pano da placa. Todos bateram palmas. O padre, nessa altura, sumira.

 

- Não ligo se amanhã essa placa não estiver aí: em breve, farei outra com sua cabeça nela!

 

Ele ameaçou avançar, mas Clara em um ato repentino, arrancou a arma da cinta do João e apontou para ele.

 

- Clara, não!!! - algumas vozes ecoaram.

- Se você der um passo na minha direção, não vou matar você, pois seria muito agradável morrer por um tiro; mas, tenha certeza, você vai perder algo de valor.

- Clara, pare! - Luciana ordenou, chamando a atenção do cabra, que quase se borrou ao vê-la.

 

Todos perceberam. Ele ficou lívido, fitando a médica.

 

- Que foi? Viu fantasma? - Luciana perguntou ao cabra, em tom desafiador.

- Mais uma? Ocê tem estoque di muié de zóio azur? - ele disse, forçando um sorriso.

- Some daqui! - a secretária falou, ainda segurando a arma. - Nosso acerto será outro dia.

 

Ele não queria se intimidar. Avançou.

 

Com três tiros, a secretária fez o cara dançar, provando que era boa de gatilho.

 

Ele riu, parecendo admirado. Poderia até dizer, encantado.

 

- Viuvinha, agora sei o que a muié machu viu no Cê. Vou deixá passá essa. Quero nóis dois sozinhos. - e antes que pudessem fazer algo, ele atirou na placa, estourando o nome de Régia.

 

João teve tempo de tirar a arma de Clara, pois ela com certeza mataria o cabra.

 

- Num faiz issu. Por Régia! - ele e Luciana tentavam segurar o pequeno dínamo.

 

Às gargalhadas, o cara montou e foi embora com o bando.

 

- Me soltem! - Clara se desvencilhou das mãos que a seguravam.

 

A secretária tremia visivelmente. Olhou a placa partida.

 

A senadora pediu para o povo retornar às suas casas, lembrando do almoço que seria servido mais tarde.

 

Algumas pessoas passaram por Clara e deram-lhe tapinhas de conforto nos ombros. Outras, sem entender bem o que acontecera, olhavam estranhamente para ela.

 

Luciana, diante de tudo, foi se desculpar com a empresária. Explicou sucintamente a situação, tentando minimizar para não atrapalhar o interesse da investidora.

 

- Fica sossegada, Luciana. Apenas quero que você me garanta que tudo se resolverá. Aqui estando em paz, continuaremos com o proposto. - a mulher falou com firmeza.

- Pode deixar. Tem a minha palavra que vamos sossegar isso aqui. - Sandra falou, antes que Luciana pudesse dar seu aval, o que foi feito em seguida, como ratificação.

 

Clara pediu para João levar as pessoas para o jato. Estava a cavalo e disse que sabia o caminho de volta.

 

- Num vai fazê merd*. Tem qui te cabeça fria, muié.

- Pode ficar sossegado.

- Vou deixa o Daniel e mais dois homi cum ocê. Num discuti.

 

Clara estava esgotada demais para discutir. Sentia um cansaço terrível. Por pouco, não teria matado alguém. Isto não era ela. O que acontecia? Parecia duas pessoas que a habitavam: uma, cheia de ódio e que se alimentaria do sangue daquele infeliz com muito prazer; e outra que se horrorizaria ao ver o resultado dessa banho de sangue.

 

- Tem certeza que não quer vir conosco, Clara? - dessa vez, Luciana estava preocupada.

- Doutora, eu tenho que ficar.

- Tem mesmo? - Becky insistiu.

- Sim.

- Acho que você não trabalha mais para mim, não é? - apesar da altivez, havia um quê de pesar na voz da médica.

- Preciso de férias, doutora. - não tinha coragem de abandonar a médica.

- Tire-as pelo tempo que precisar. - inusitadamente, Luciana se despediu de Clara com um abraço.

 

Por pouco, a secretária não desaba no colo da médica, tão parecida com seu amor. Como as duas eram fortes. Ser abraçada por elas era como se fechar em um campo de proteção. Luciana, pela primeira vez, demonstrou respeito por ela. "Essas guerreiras e seus códigos!", pensou ao deixar o abraço.

 

- Se cuida, amiga! - Becky disse, com um sorriso acolhedor.

 

E todas foram assim; até mesmo a empresária, despediu-se com certa comoção.

 

- Você é digna do amor dela, Clara. - D. Ruth falou.

 

Tão logo a pick-up sumiu em seu rastro de poeira, Clara desabou no chão e chorou. Chorou sem se importar com os jagunços, com Daniel. Chorando, subiu na montaria. Fez o caminho em silêncio. Ao chegar na enfermaria, pegou algumas coisas necessárias, arrumou no cavalo.

 

- Onde Cê vai, Clara?

- Estou me mudando para a cabana.

- Mas, ela tá pela metade. Meu pai vai me esfolar...

- Daniel, fica calmo. - deu um beijo no menino, que corou até a raiz do cabelo.

 

Pegou os cavalos e foi embora. Daniel correu atrás.

 

- Faz fogueira e dorme na rede, tem muito bicho rondando por aqui. - ele recomendou.

- Está bem.

- Posso ir lá durante o dia?

- Querido, eu quero ficar só.

 

Deixou o menino para trás. Percebeu que os jagunços iam segui-la. Ordenou que ficassem.

 

- Eu me entendo com João. - e eles ficaram.

 

 

***

***

 

- Cês são um bosta mesmo. Num tem qui deixá...tinha que ir junto. Ela num sabi se virá no mato. Ai..ai..ai...- o capitão ficou nervoso - Daniel, seu porqueira, aqueli zóio verdi tumbém vira sua cabeça, moleque?

- Pai, ela é valente. E, despois, se ocê num entende elas, eu entendo a muierada da cidade. A gente deixa, e depois fica vigiando. Elas fica contente, achando que tão livre; e nóis num tem que escutar um monte, mas fica de zóio.

 

O capitão teve que rir da lógica do filho. E ele estava certo: Clara só poderia ser protegida, se parasse de achar que estava sendo vigiada.

 

Ele teria que se desdobrar para protege-la. Já corria entre os homens que ela era alvo. Não morta, mas viva. O desfigurado tinha planos para ela.

 

" Que Régia me ajude!!!" - o capitão não estava brincando em seu pedido.

 

 

***

***

 

Passado um pouco os desvario, Clara percebeu que não era mulher de viver no campo.

 

A cabana estava, dentro do possível, ajeitada.

 

Ainda lembrava o dia que estivera lá, logo após o atentado, quando ainda haviam marcas de sangue e carvão pelo chão.

 

Agora, pelo menos, o chão batido estava sem vestígios. A cabana era precária. Se achava a enfemaria desconfortável, agora a achava um hotel 5 estrelas.

 

Parte da estrutura do teto havia desabado por conta do incêndio. Assim, uma lona fazia as vezes de teto e outra, escorada da melhor forma possível, era a parede.

 

- Como vou armar rede, se nem parede tem? - de repente, lembrou da música e teve alento para rir.

 

O fogão tinha sido preservado. A mesa e duas cadeiras jaziam no chão, com seu membros quebrados.

 

Em um dos cantos, um arremedo de cama cheio de folhas e terra caídos do teto. Tinha até medo de mexer, tamanha aparência de ninho de cobras.

 

Tinha trazido uma barraca e decidira que limparia o local o melhor possível e a armaria ali dentro. Ao menos, o espaço permitia e as duas paredes que estavam em pé, serviriam de escora.

 

Fuçando pelos cantos, achou a lata de banha e algumas carnes preservada nela. Franziu o nariz. Conteve-se para não vomitar.

 

Não gostava de café. Tinha trazido seus chás. Trouxera alguma água potável. Mas apenas 15 litros.

 

Sabia que João apareceria de qualquer jeito. Pediria a ele que providenciasse mais água.

 

Lembrou ter visto em algum filme e improvisou uma vassoura com um galho de árvore que achou.  Revirou a cama e algumas aranhas saíram do meio do lixo. Berrou, se assustou, correu de algumas. Mas, no final, conseguiu se livrar.

 

Cutucou o fogão de lenha. A cobra que o habitava não ficou muito feliz. Clara não entendia de ofídios, mas para sua sorte, aquela saiu rastejando apressadamente pela porta aberta.

 

" Ai, Régia, você me enganou! Como você podia viver aqui?"

 

Armou a pequena barraca, tendo o cuidado de fecha-la enquanto não fosse ocupa-la.

 

Tinha trazido umas sopas, macarrões instantâneos, chá, seu adoçante natural, sal; apesar de tudo, viera previnida com as coisas básicas.

 

Desencostou a cama da parede.

 

Quando se deu por satisfeita, saiu para passear.

 

 

***

***

 

Em casa, a família Staionoff e Luciana conversavam sobre os acontecimentos.

 

BEcky e Lilly não conversaram com o pai. O homem sumiu, após ser solto.

 

- Como foi a conversa com ele, mãe?

- Desagradavi como sempre, nos úrtimos tempo. Mas, ele assinou. É o que importa.

- A senhora está bem, mãe?

- É estranho, Lilly. Andras disse uma coisa qui foi verdade: si tudo isso num tivesse ocorrido, eu ainda era a corna mansa dele. Então, num sei dizê. Deus escreve certo por linhas torta. Ele tumbém seria o mesmo homi calado qui era. Sem mi dá atenção.

- Você saiu ganhando, Ruth. Com certeza, você merece coisa melhor. - Luciana foi enfática.

 

Estavam no living. Paz chegou timidamente.

 

- Perdoname por interrumpir, pero quisiera saber de Clara. Ella se quedó en la hacienda?

 

Luck e Becky contaram toda a situação. Deram os pormenores, inclusive tecendo comentários sobre a alteração sofridas na personalidade da secretária.

 

A médica colombiana escutou tudo, sem fazer perguntas.

 

- Nós achamos que ela está sob efeito do trauma ainda. Esperamos, sinceramente, que ela se recupere. Hoje ela quase matou uma pessoa, tamanha sua raiva. Eu sou explosiva, Régia tinha seus momentos; mas, Clara é uma mulher centrada.

- Y por esto, ella perdió a la mujer que amaba. Ese hombre no sabe lo que hizo: elle se convirtió en el objetivo de la revuelta de una mujer llena de culpabilidad, lamenta por su error. Una mujer en guerra con sí mismo. Ella no puede ganar a sí misma, por lo que este cobarde asesinato es la realización de lo que tiene que ganar. Y ella ganará. Además, tenemos una obligación para nosotros. Sé que regresará. Tan pronto salga de su búsqueda (- E por isso, ela perdeu a mulher que amava. Esse homem não sabe o que fez: ele tornou-se alvo da revolta de uma mulher  cheia de culpa, arrependimentos por seu engano. Uma mulher em guerra consigo mesma. Ela não pode vencer a si mesma; por isso, esse assassino covarde é a materialização do que ela tem que vencer. E ela vai vencer. Além do mais, temos uma obrigacão para com nós mesmas. Sei que ela vai retornar. Tão logo encerre suas buscas).

 

Sem mais uma palavra, já que todas estavam pasmas pela eloquente interpretação dos sentimentos de Clara, Paz deixou a sala.

 

- Essas viúvas da Régia estão cada vez mais me surpreendendo!! - Luck assobiou. - Se duvidar, essas duas ainda ficam juntas!!!

- Régia era poderosa mesmo. - Lilly falou.

- Magnética. - D.Ruth concordou.

- Eu tou falando....essa Régia...

- Olha quem fala, Luck! - Becky deu um beijo na doutora. - Você e ela são iguais.

- Não. Ela é pura. Autêntica. - retribuiu o beijo - A única pureza que tenho é você.

 

***

***

 

- Belo acampamento, muié? Esse paninho armado é sua fortaleza? - João olhava desgostoso para Clara.

 

Ela não respondeu.

 

Ele começou a jogar as coisas que tinha trazido: uma boa coberta feita de peles; duas panelas; uma frigideira; bule; xícara; e, por último, o lampião e a querosene.

 

Clara fingia que não via, mas percebeu que esquecera de tudo isso. Achou que tinha na cabana.

 

- Eu limpei tudo daqui. Num deixei nada. Pru que cê quê ficá aqui? Pra mi dá trabaio?

- Quero ficar no último local que ela viveu. Aqui ela se refugiava. Pelos registros dela, até mesmo trabalhava em sua real profissão. Talvez, aqui,  tenha sido ela mesma. E aqui eu quero me reencontrar com ela. Entendeu?

 

João ficou mudo. Entendia sim. Entendia, pois na verdade quem estava ocupando a cabana era ele. Clara estava, sem saber, estragando os planos do caboclo.

 

- Vou fica com ocê. Num cunfio em mais niguém. Nóis tamu propondo trabaio e o bandido tem sortado dinheiro. Povo é cabeça oca e vai ondi é mais fáci.

- João, eu quero ficar só. Você tem que verificar o que tanto tem na fazenda vizinha. Temos que dar um jeito no desfigurado. Eu vou matar ele com minhas mãos.

- Clara, Cê ia atirar no desinfeliz pois tava de sangui quenti. Cê num mata nem tempo, muié!

 

Ela sentiu o rosto queimar.

 

- Deixa comigo. Quero qui ele pense qui é dono da situação. Aquela fazenda é o ouro dele. Temo que fazê sangra onde ele entende mais: no borso.

- Mas, o que ele fez com ela? Vamos deixar barato?

- Muié, ocê acha que ia consegui arranca pedaço dele e fica carma? Se acha que a reação de um homi quando vai perde as partes é iguar ao perdedô, que sabia que nunca isso ia contecer na frente da famia dele? Muié, si ocê oiá uma tortura, do jeito que nóis gosta de faze, Cê morre antes do desinfeliz perdê a primeira parte do corpo.

- Eu quero ele esquartejado!!

- Eu ti dou os pedaço dele. Cê si protegi. Deixa qui de sangue, eu entendo....e gosto.

 

Agora foi a vez de Clara engolir em seco diante da expressão maligna.

 

- Tá iscureceno. Cê ia fica no iscuro? Trouxe fósfis pelo meno? - ele olhou em volta, viu os papéis higiênicos - Num vô te que mi preocupa com as fóia de urtiga.

 

Clara poderia jurar que o caboclo estava se divertindo às custas dela.

 

- Trouxi comida que a Mirtês mandou. Magrinha desse jeito, num vai se sigurá quando começa a ventá por aqui.

- Cuidado, João, parece que você tá começando a se preocupar comigo!

- Régia me deu uma missão. Nunca faiei cum ela. - a resposto foi em tom divertido e não seco como sempre. - Ah, trouxe um chá feito cum ervas escolhidas por Régia. Foi uma das úrtimas coisas que ela me deu. É bom para dor de cabeça. Ela disse qui é algécico.

 

Mais uma vez, Clara constatou que acertara o código de acesso dos guerreiros. Dar os tiros no cabra pode não ter matado ele, mas trouxe a ela respeito. Luciana e João pareciam ver outra mulher: uma mais decidida, menos cheia de regras, menos "quadrada"; alguém que sente e reage, ao invés de polidamente ignorar, protegendo-se dentro de sua praticidade; sendo apenas funcional.

 

- Analgésico, João.

- Qui bom qui ocê intendeu! - ele ficou amuado.

 

Colocou o chapéu.

 

- Num vou gruda no cê. Vou ficá por aí. Si ocê senti quarquer coisa se mexê, atira. Si num acerta, pelo menu me alerta e eu venho.

- Certo!

- Só num vai acerta ni mim. - disse, com o tom de divertimento.

 

Clara fez uma careta.

 

- Amanhã, nóis vai colocar umas tabuas por aí, mor de melhora essa cabana, si ocê vai ficar aqui. Inté!

 

E, assim, Clara se viu finalmente sozinha.

 

***

***

Becky estava arfante. Chegara de viagem faminta. Não tinha tido tempo de cobrar o que Luciana devia. Assim, tão logo fecharam a porta do quarto, a jovem jogara a médica sobre a cama.

 

- Pensei que nunca cobraria.

 

A jovem não falou nada. Apenas a olhava, com certo brilho nos olhos verdes. "Muitas promessas nesse olhar" Luciana pensou.

 

- Em pé doutora. Quero que tire a roupa para mim.

 

Luciana demorou a processar o pedido. Na verdade, uma ordem.

 

- AGORA! - definitivamente, era uma ordem.

 

Estava com roupas esportivas. Abrigo. Removeu o tênis, os chutando longe. Soltou os cabelos presos e a cascata negra desabou sobre seus ombros. Abriu o zíper do blusão, lentamente. Aos poucos, os seios iam aparecendo, demonstrando os mamilos rijos delineados sob o algodão da camiseta.

 

- Está excitada, doutora?

 

Luciana não respondeu. Becky foi até ela e apertou os mamilos por sobre a camiseta, causando uma leve dor.

 

- Eu pergunto, você responde. Consegue isso? - apertou um pouco mais forte e a médica fez uma careta. - Consegue?

 

- Sim. - respondeu, relutante, mas já dentro do jogo.

- Gosto mais de "sim, minha dona". Entendeu? - mais um aperto no bico duro.

- Sim, minha dona.

 

Sentando em uma cadeira, com um gesto, Becky indicou que ela deveria prosseguir.

 

Ela ia começar com a camiseta.

 

- A calça primeiro.

 

Começou a se abaixar para remover a calça.

 

- Vire. Quero ver essa bunda gostosa. E faça bem devagar e mexendo.

 

Seja lá o que a loirinha estava encenando, a médica já se sentia bem excitada.

 

Começou a descer a calça, movendo-se de forma sensual.

 

Becky não tinha a intenção de brincar assim, mas sabia que a médica tinha essa "fantasia" com ela. Nunca se sentiu a vontade antes, não entendia bem essa coisa de dominar e o quanto a médica era movida por esse escape. Escutara Marcella mencionar; a própria médica deixara claro que tinha muito prazer com a diretora. Mas, nunca tinha se sentido capaz, até agora.

 

- Fique assim, com as mãos no joelho. Feche os olhos.

 

Luciana obedeceu. Becky demorou em postar-se logo atrás dela. Estava nua.

 

- Vamos começar de onde paramos.

 

Luciana sentiu o dedo percorrer o elástico da calcinha tipo boxer; o que dificultava o acesso. 

 

- Fique como está. Entendeu?

 

Ao silêncio que se seguiu, a pergunta foi reforçada com o sonoro tapa na nádega esquerda. Luciana sentiu esquentar, não pela dor, mas pela excitação. Permaneceu calada. E outro tapa.

 

- Entendeu, doutora? - mais um tapa, dessa vez mais forte.

- Sim.

- Sim...- outro tapa - somente "sim"? - outro tapa e Becky percebeu que estava gostando daquilo.

- Sim, minha dona!

 

Luciana sentiu a ausência momentânea. Mas, não demorou muito a espera. Logo sentiu o friozinho do metal e a calcinha foi cortada, tecnicamente seguindo a vala da bunda. Em seguida, sentiu a força rasgando o tecido.

 

- Melhor, não acha? - o tapa foi bem forte e a dor aguda.

- Sim, minha dona.

 

Habilmente, desceu a calcinha, improvisando uma algema em torno das coxas, prendendo a médica.

 

- Endireite-se.

 

Luciana estava sem sapato e Becky de sandália. Não era muito alta, mas fazia alguma diferença. Becky ficou a sua frente. Obedientemente, a médica estava de olhos fechados ainda.

 

Bruscamente, a jovem a jogou na cadeira e transpôs a camiseta pelo pescoço da médica, prendendo seus braços atrás do corpo com as mangas vestindo o encosto da cadeira. Luciana estava presa.

 

Abriu os olhos e deparou-se com Becky a sua frente.

 

- Eu disse que era para abrir os olhos?  - ainda que leve, a bofetada causou espanto em ambas.

 

Os olhos de Luciana lampejaram. Becky, ainda que receosa de ter passado limites, susteve sua aparência de dominadora. Sentiu a mandíbula da doutora se apertar. E, por um breve momento, percebeu os olhos dela lacrimosos; assim como os seus.

 

- Não sei onde iremos parar, mas você quer continuar? - Becky teve que dizer, pois embora estivesse dominando, a médica era sua dona.

 

Luciana hesitou. Seus olhos se contradiziam. Estava numa luta e a jovem sabia o que ela sentia, pois consigo algo acontecia de diferente também. Nunca ousaram assim. Sempre foram completas e nunca se negaram nada. Isto era o sustentáculo para que aquela cena, que começara sem pretensão, continuasse.

 

- Sim, minha dona! - as palavras saíram sussurradas, após o tenso silêncio.

 

Estabelecido o consenso, Becky retomou seu papel com extrema facilidade. Do jeito que fora imobilizada, os seios da médica se ofereciam desafiadores. Os bicos rijos. Instintivamente, a jovem os pegou entre as mãos, friccionando-os fortemente. Eram lindos: auréolas pequenas, de um marrom leve, os bicos volumosos, perfeitamente amparados por um peitoral forte, largo. Becky salivou. Ato contínuo, deixou sua boca envolve-los. E mordeu. Sabia que a doutora delirava com isso. Mordia e olhava para ela. Seus olhos se encontravam.

 

Lambendo ferozmente o caminho até a boca, Becky foi surpreendida pelo beijo. Luck, atrevidamente, segurou seus lábios entre seus dentes, arrancando sangue. Ela sempre fazia isso, mas não tão bestialmente. Becky assustou. A empurrou.

 

Com o dedo, revelou o  filete de sangue que  escorria internamente pelo lábio. Percebeu o brilho nos olhos azuis. Olhou para o sangue e novamente para a médica.

 

- Você quer? - disse, aproximando o dedo do rosto, mas mantendo distância.

 

Luciana tentou se aproximar. Estava presa. Becky pode sentir a frustração. Isso a incentivou.

 

- Acho que quer. - disse, passando a língua no corte e deixando entrever o sangue na saliva.

 

Luciana olhava fixamente, mas era visível a energia tomando conta. Seus olhos estavam semi-cerrados.

 

- Diga. - a jovem forçava a saída do sangue - Você quer: vermelho, quente, viscoso.... - lambeu o rosto da médica, marcando com o líquido rubro - Peça.

 

Encostou o dedo no nariz da médica. As narinas dilataram-se, como um animal com o cheiro, ainda fraco, mas insinuante. O olhar. Luciana estava a ponto de explodir.

 

Ela mesma já estava se excitando com o gosto.

 

- Pensando bem, quem tem dívida de sangue comigo é você, doutora. - e passou a língua sensualmente pelos lábios, limpando qualquer evidência.

 

Foi a conta. Não teve camiseta que resistisse. Becky presenciou o nascimento de algo possuído. Luciana rasgou tudo, agarrou e lançou a jovem na cama. Retomou o beijo, devorando cada nicho na boca molhada, com gosto de sangue. Deteve o lábio cortado entre os seus e o sugou. Mordeu o outro. E sugou mais, deixando a jovem sem resposta, quase desfalecida pelo prazer do beijo.

 

Inesperadamente, Luciana mordeu o próprio lábio. Com força, deixando sangrar a vontade. Becky, que estava de olhos fechados, só pode sentir o gosto. A saliva e sangue. Sentiu seu clit latejar. Agarrou-se ao cabelo de Luck, deixou as mãos deslizarem pelas costas, as unhas abrindo sulcos. Luciana a prendia na cama.

 

- Gostei do meu sangue com o seu, escrava.

- Fico feliz, minha dona!

 

Dizendo isso, a jovem saiu de sob a médica e começou a lamber os pequenos pontos que sangraram nos arranhões que fizera.

 

Luciana sentia o ardor. Estava excitada com a aceitação de Becky a essa nova experiência. Sentia o corpo pulsando, a umidade entre as pernas, o intumescimento em seu clit*ris. Queria saborear a jovem ao gosto do próprio sangue.

 

Perdera um pouco o foco, pois a jovem deliberadamente esfregava todo seu corpo sobre suas costas, premiando com mordidas fortes, ora com os dentes, ora apenas pressionando. Esfregava a púbis nos montes da bunda, numa gangorra arrepiante. Ela molhava a carne e Luck não pensava em nada, a não ser luxúria e prazer.

 

- Posso levantar? - a médica pediu.

- Rapidamente. - foi a resposta, ao som de uma sonora bofetada na bunda marcada.

 

Observou Luciana nua afastar-se para o closet. Fechou os olhos e saboreou o que fizeram. Era o sangue delas que se misturaram. Luck nunca se incomodou que trans*ssem nos períodos de Becky. Quando não tinha cólicas, a jovem também não. Porém, sempre usavam proteção. Nunca houve o contato com o sangue em si. Ao menos, não deliberadamente, como agora.

 

Abriu os olhos. Luck estava com uma pequena bolsa de couro. Ao desdobrar, havia várias espécies de agulhas, um pouco grossas.

- Luu... Luck..o que é isso? - disse, mal disfarçando o medo, vencido pela curiosidade.

- Calma. Isto são lancetas. Comumente vendidas nas farmácias para consumo de diabéticos. As minhas são provenientes da China. Esses instrumentos são usados pela Tradicional Medicina Chinesa em sangrias. Sou estudiosa e diplomada nessa arte. Não para uso médico, claro.

 

Becky entendeu e arregalou os olhos, sentindo certo pavor. Luck a olhava firmemente, não escondendo o desejo.

 

-.... você é minha dona, faça apenas se quiser. Sou sua.

 

A médica depositou o estojo ao lado da cama.

 

Becky hesitou. E se excitou. Novamente o medo, o novo, o desconhecido. Primeiro a dor foi aceita. Agora o sangue. O gosto era fraco, mas estava lá, em seu paladar. E ela sentia que queria mais: queria ver, sentir o cheiro, fazer a conexão mais profunda que se atrevia. Levantou-se da cama. Colocou-se a frente de Luciana, entre seus braços, fechando-os ao seu redor. Recostou a cabeça no ombro da médica.

 

- Inicie-me.

 

Luciana carregou Becky de volta para a cama. A jovem não havia reparado, mas havia um lenço junto às lancetas. A médica, beijando os olhos da jovem, a vendou.

 

A médica apertou os seios apetitosos de sua amante. Massageou firmemente, beliscando os mamilos, enrijecendo-os. Eles encaixavam-se perfeitamente nas mãos largas. Apertando firmemente a base com algo de borracha, a médica os deixavam cheios e os mamava, tirando longos suspiros e gemidos da jovem. Estavam doloridos, sensíveis, inchados. Sem poder ver, sentia seus bicos enormes e quentes. Luciana os molhava deliberadamente com a saliva, assoprando, para em seguida suga-los.

 

Então, aconteceu: a picada doeu. Uma dorzinha potencializada pela surpresa. Mais surpreendente foi o gemido que a jovem soltou. Luciana reconheceu a aceitação hedonística. Desta em diante, com intervalos regulares de segundos, a jovem sentia as picadas.

 

- Não reprima o medo. Deixe fluir. Assim você me ajuda a não machuca-la.

 

Becky tentou levar a mão ao seio, mas a médica a segurou. Para se controlar, a jovem segurou o espaldar da cama.

 

Pode perceber que as lancetas eram espetadas ao redor da auréola. Sentiu um leve formigamento. Em seguida, o outro seio também foi contemplado.

 

Aparentemente satisfeita, a médica resolveu percorrer outros caminhos. Abriu a lábia da jovem e constatou a umidade. Passou o dedo suavemente por sobre o volumoso clit. Becky arfava, gem*ndo baixinho.

 

O silêncio era outro ponto afrodisíaco no momento que experimentavam. Não era preciso palavras.

 

Becky sentiu a picada sobre seu monte de Vênus. Instintivamente, tentou tocar. A médica a prendeu. Após ter certeza que poderia largar a mão, colocou outra lanceta, e outra, e outra. Desenhou um arco ao redor da abertura da lábia.

 

Voltando pelo corpo amado, Luciana deixava-se esbarrar levemente nas pontas das lancetas, provocando arrepios em si e em Becky.

 

Segurando firmemente o rosto da jovem, apertou-o de forma a boca ser aberta.

 

Após um rápido intervalo, a médica enfiou sua língua totalmente dentro da boca da jovem.  Becky sugou. E sentiu o sangue. Luck furara a própria língua e dava de beber a Becky.

 

- Faça comigo, escrava! - foi um sussurro.

 

Ofereceu a língua e sentiu a dor da perfuração. Muito mais dolorosa; porém, tão logo ela despontou em sua boca, Luciana a prendeu entre seus lábios, sugando demoradamente. Agora, bebiam do coquetel de sangue e saliva que estava começando a viciá-las. Luck estava em êxtase.

 

Arrancou a venda da jovem. A primeira coisa que ela viu foi a luxúria nos olhos azuis. Depois, olhando pra o próprio corpo, sentiu um misto de medo, excitação, horror: as agulhas estavam perfeitamente colocadas ao redor de seus mamilos, nos seios amarrados e quase arroxeados; mais abaixo, outras despontavam em sua púbis.

 

Habilmente, a médica retirou todas as que circundavam um dos mamilos. As gotículas de sangue brotaram. Olhos nos olhos, Luciana desceu a boca sobre eles e os devorou literalmente, ao mesmo tempo em que soltava a borracha. As sensações foram indescritíveis. Becky sentia seu orgasmo vindo. Seus seios emanavam descargas para seu clit*ris. Luciana tinha nos olhos o prazer estampado. Becky sentia que goz*riam somente com essa visão: o sangue escorria um pouco e a médica lambia, ch*pava. Vampirescamente. Insaciavelmente.

 

Ao repetir com o outro seio, foi como reviver o recém vivido momento, em um flashback muito fresco. Ambas gemiam ruidosamente. Becky erguia o peito, oferecendo-se mais e mais. Luciana gemia da mesma forma que um gourmet apreciando sua criação.

 

Luciana, em movimento audacioso, posicionou-se em um meia nove, oferecendo-se a Becky ao mesmo tempo em que, retirando as agulhas da vulva, via o sangue escorrer para dentro da fenda. Abriu o acesso ao seu mundo: o sangue descia por sobre o grelo inchado, molhado. Nenhuma das duas queria perder nada. Mas, Becky perdeu-se diante da fera faminta que atacava seus meios. Não tinha como não ser rápido. O grito do êxtase não teve preocupação com paredes, cortinas. Ele saiu buscando a liberdade. Saiu querendo se mostrar; mostrar do que era feito.

 

Luciana, mesmo sentindo os espasmos, não conseguia parar.

 

- Beije-me - Rebecca implorou.

 

A médica sugou mais os pontos em busca do sangue. Sugou os seios. Chegou à boca.

 

- Prove.

 

Eram elas traduzidas em uma bebida, um licor; uma mistura inebriante de gozo, saliva, sangue.

 

- Quero mais, escrava. Você me deve. Pague-me! - não era um pedido, era uma ordem.

 

Luciana arqueou a sobrancelha, incredulamente. Incrédula pelo que acabaram de fazer; incrédula pela aceitação da jovem, que parecia num transe enfeitiçada.

 

Deixou-se ser posicionada no centro da enorme cama. Becky montou em seu colo, encaixando seu sex* no dela. Os olhos da médica estavam escuros, concentrada nos gestos da jovem.

 

Becky admirava o pescoço longo, as veias, o contorno. Estava avermelhada como se tivesse febre. A pele suada, brilhava. Os cabelos molhados, em desalinho; alguns fios grudando nas tempôras. Becky estava hipnotizada. Havia fome nos olhos verdes.

 

Acariciou o pescoço com os dedos, depois delineou com a língua, passando a sugar. Prendeu entre os dentes a veia que saltou ao ser ch*pada. Quis sentir o pulsar.

 

Luciana fechou os olhos ao arrepio de sua pele. Antes, porém, o brilho da lanceta fulgurou em seus olhos.

 

A jovem segurava a médica em seus braços e agora descera a língua entre o vale dos seios. Luciana sentia a mordida no mamilo esquerdo, quando a dor aguda se fez sobre o seio direito. Não foi um gesto suave; foi como uma punhalada, seguida de um arranhão. Olhou para seu peito e viu o líquido rubro escorrendo. Sentiu o cheiro. Adorava a cor do seu sangue. Becky parecia não ter pressa. Com os dedos, desenhou um coração de sangue na pele morena. Em seguida, puxando os cabelos de Luck, fez sua cabeça pender para trás, arqueando as costas, impulsionando o peito para frente. Becky deixou a boca amoldar-se ao corte. E sugou. Engoliu com volúpia o precioso líquido. Reteu na boca e trouxe os lábios de Luciana até os seus, alternando o beijo com a sucção na ferida, que assumia um gosto metálico ao continuar a verter a inebriante bebida.

 

Luciana gemia alto, agarrando a cabeça loira, puxando-a para junto de seu peito. Uma vez segura, Becky colocou a mão entre seus corpos e começou a friccionar rapidamente o clit de Luciana. Os gemidos se intensificaram, a corrente elétrica que sacudiu a médica irradiou-se para dentro da jovem, que tinha a boca colada em seus seios, sentindo o peito arfante. Sentia a vida de Luciana entrando nela. Ao sentir-se penetrada em espírito, penetrou a carne escorregadia da vagin* de sua mulher.

 

- Sangue doce... carne aveludada... - Becky sussurrava perdida no banquete sensorial, de prazeres animais.

 

Luciana tremia. A jovem sabia que ela estava no limiar. Com os dedos dentro da médica, aumentou deliberadamente o movimento de penetração, procurando forçar o clit. Continuou a sugar o pequeno corte. E tudo aconteceu: a médica agarrou mais forte o corpo, soltou um urro profundo, cravando sua unha na bunda da jovem.  Tremia. Não sustentava mais o corpo,  deixando-o tombar. Becky, que a amparava, acompanhou o corpo quase desfalecido, beijando a boca entreaberta. Acompanhou Luciana até a cabeça recostar no travesseiro e fez do peito arfante o seu repouso.

 

- Incrível!!!! - estava eufórica - Obrigada, minha escrava.

 

Luciana beijou a testa da jovem.

 

- Perfeita, minha dona!

 

 

***

***

 

 

 

 

 

 

 

Olhou a cabana precária. Em 3 dias ali, conseguira melhorar consideravelmente o ambiente, com a ajuda do capitão. A mesa e a cadeira foram consertadas. Tábuas colocadas como paredes; o teto ainda mantinha a lona. Desfeita a barraca, Clara a usou para revestir a cama. Dormia dentro do saco.

 

A rotina era simples: o banho matinal, as caminhadas e a ioga. Na tarde, saía a cavalo. Por vezes, era interceptada por João. Desvia-se do caminho que queria seguir, mas aprendia outras paisagens com ele.

 

- Mostre-me a cerca com a fazenda vizinha.

 

Relutantemente, foram até lá.

 

- Temos que entrar mais fundo nessa mata.

 

João não fez comentário. Ignorou.

 

- Tem notícias do desfigurado?

- Não. Tá sumido. O perdedô tumbém desapareceu. Falaram que foi prum hoter lá na cidade.

- Melhor para ele... João, como ela estava quando voltou?

- Firme. Feiz as despedidas da gente, eu e Mirtês. Deixou as roupa que cês compraram pra ela. Me deu as ordi. Montou e veio pra cá. Naquele noite, fizeram o que fizeram.

 

Ficaram calados.

 

- João, cê a conhecia bem?

- Nóis é primo. Parte de mãe.

 

Clara ficou surpresa. Olhou para ele: não havia nada que os relacionassem.

 

- Se importa de contar alguma coisa sobre ela: infância, gostos, feitos.

 

Ao término daquela tarde, resolveu que escreveria sobre Régia. Sob a fraca luz do lampião, pelo que agradeceria João até sua última geração, abriu o caderno em branco.

 

Não tinha a menor idéia de como iniciar. Foi rabiscando palavras, recheando a folha com letras aleatórias.

 

João a ensinara a acender o fogão, assim pode esquentar a água para o chá. Usou o de Régia, pois estava com a cabeça estourando. Resolveu tomar o chá e os comprimidos habituais. A cabeça doía, pois ela só fazia pensar.

 

Fixou o olhar na luz bruxuleante do lampião. Viu algo se arrastando no chão. Um bicho rasteiro. Estava encostada ao lado do fogão, onde era mais quente. Sentiu sono repentinamente. Encostou a cabeça no braço, a chama deixou de existir.

 

Acordou na cama, com a roupa, mas sem as botas.

 

Estava tão acostumada a ser seguida por João, que nem mais se dava ao luxo de tentar despista-lo. Saía livremente. Subia as encostas, adentrando-se na mata tão amada por Régia.

 

Observava as plantas, cheirava, olhava as texturas. Recolhia amostras. Entremeava cada término de sua escrita com a folha de uma planta recém-descoberta.

 

Habituara-se com o chá de Régia. Não sabia se eram os remédios, mas sempre adormecia em seguida. E dormia bem. Relaxava. Sonhava com a líder, mas era como se ela estivesse presente. Sentia tamanha segurança, que não se importava com bichos, com gente. Se entregava ao sono. Neles, estavam sempre juntas, com a secretária aninhada nos braços fortes.

 

Houve uma noite, porém, que jurou ter ouvido vozes. Uma discussão. Tentou acordar e não conseguiu. Em seguida, acordou com João ao lado da cama. Disse que a achou agitada e resolveu ver de perto.

 

Depois disso, nada mais.

 

Cada vez mais adentrava a mata. Demorava mais para entrar; demorava mais para retornar a cabana. Acompanhada do caderno, fazia suas anotações.

 

Devido às instabilidades climáticas, Clara viu-se presa na mata, com o dia começando a escurecer. Assumira que estava sempre em companhia de João. Por isso, não se preocupou.

 

Descobriu tardiamente que não era bem assim. O tempo fechou. Na clareira, pode ver os raios. Por mais que quisesse correr, não retornaria à cabana sem pegar uma boa chuva. Por incrível que pareça, estava só. Só, no meio da mata, na eminente escuridão, sob uma possível tempestade.

 

- Ótimo. Era o que me faltava.

 

Mantendo a calma, tentou refazer o caminho de volta. Viu o vulto ao raio que clareou sua visão. Nunca ficara tão feliz por ver João. Foi até ele.

 

- Você demor...- a voz emudeceu ao ver o rosto iluminado pelos relâmpagos.

- Cê tá suzinha, viuvinha?

 

Clara gelou, mas não se intimidou. Inventariando suas chances, percebeu que sua bolsa não seria eficaz; não estava armada; o local era uma pequena clareira; correr seria sua melhor chance. Mas, para onde?

 

- Quem tá na chuva é pra si moiá, viuvinha!

 

Ele estava a cavalo, Clara achou que teria melhor chance se corresse para a mata, as vegetações rasteiras e as arvores dificultariam para o cavalo. Deu uns passos para trás.

 

- Sabe que João está por perto. E outros homens também. - disse ganhando tempo, continuando a recuar.

- Leardade aqui tem preço. E eu tou pagano bem. João é caro. Mais, valeu!

- Mentira! João não ia se vender pra um verme como você.

 

Muito dono da situação, para incredulidade da secretária, ele desmontou. Foi a oportunidade perfeita: Clara largou em rápida carreira para dentro da mata.

 

- Oia, viuvinha, eu adoru caçá. - soltou uma risada que se confundiu com o som do trovão.

 

Clara corria o mais que podia. A chuva desabou, grossa e compacta; formando uma cortina de jatos pontiagudos que feriam seus olhos. Com isso, mal conseguia enxergar. Mas, continuou correndo em frente.

 

Não ouvia o desfigurado, mas o barulho da chuva abafava qualquer outro som.

 

Ao entrar na mata, parou um pouco para recuperar a visão. Ali, com as árvores, a água era menos impiedosa. O que sentiu de imediato foi o forte cheiro das plantas molhadas. Não conhecia ali. Recomeçou a correr e deparou-se com outra clareira, a chuva torrencial. Não tinha como sair no descampado. Não sabia como retornar. Como nos filmes de terror, os trovões e raios assumiam seus papéis cenográficos. Na claridade momentânea, o viu novamente. O sorriso maligno. Não tinha para onde ir, resolveu enfrentar.

 

- Cê vai esquece a muié machu quando prová o pau de um homi di verdadi!

 

Ele só tinha o movimento de uma mão. A outra estava na tipóia. Mas ele era alto, forte. Para tê-la subjulgada, teve que descartar a arma, coisa que não importava mais para ele.

 

Clara correu, mas foi seu erro. Ele a segurou pelas pernas, derrubando-a. Com um murro certeiro entre suas costas, tirou-lhe o ar dos pulmões. Já ofegante pela corrida, sentiu o ar faltar. Sem forças, teve suas mãos colocadas sob seus próprios joelhos, quando ele a posicionou de quatro. O rosto era seu único apoio no solo molhado. O desfigurado, sem perda de tempo, amarrou as mãos dela como a um novilho de rodeio. Satisfeito, a colocou de frente.

 

Com muita satisfação, esbofeteou-lhe o rosto.

 

- Queru vê sua valentia, viuvinha.

 

Abriu a braguilha e deixou saltar o membro rijo. Clara sentiu-se nauseada.

 

- Sua muié machu num tinha um desses. Num vô matá ocê. Cê vai sê minha quenga. Vai rebolá e gem* gostoso na ponta da minha vara. Cê vai gostá.  Abre a boca!

- Põe na minha boca e eu arranco seu pau no dente.

 

Sentiu certa hesitação, mas ele era teimoso demais para parar.

 

- Cravo meus dentes nessa coisa imunda e, se você me matar, isso é enterrado comigo! - disse, secamente.

 

Com raiva, ele desferiu um chute nas costelas de Clara. Ela sentiu a dor aguda ao tentar respirar. Alguma tinha sido deslocada. Tombou para frente. Ele deu a volta, ficando atrás dela, pois dessa forma, a subjulgava melhor. Ela sentiu o facão rasgando sua calça. Queria se debater, mas levou outro soco nas costas, que somado a dor nas costelas, a fez perder as forças e o equilíbrio.

 

Enojada, sentiu os dedos a penetrando. Estavam sob a chuva, sentia a água escorrendo por sua bunda, descendo pelo sex*. Pensou que, ao menos, estava lubrificada.

 

Com sua ultima reserva de forças, impulsionou o corpo para trás, acertando a cabeça no nariz, ainda em recuperação. O homem soltou um urro e o sangue dele escorreu em seus cabelos.

 

- Pensano bem, eu vô matá ocê, sua vadia. Mas queru atola meu pau no seu cu, até rasgar ocê todinha.

 

Ele dizia isso segurando o cabelo dela, forçando sua cabeça para trás. A dor era insuportável. Foi bruscamente empurrada para frente, o rosto novamente no chão molhado. Sentiu o membro roçar sua pele. O relâmpago iluminou o outro vulto. Clara só teve tempo de saber que não estavam sozinhos, antes de sentir a pancada na cabeça.

 

***

***

 

Os sonhos eram confusos. Mas, geralmente, iguais.

 

Sentia o rosto na superfície dura. Sentia a dor e a queimação no pulmão. Tossia, gem*ndo pela dor que a tosse causava. Tinha sede.

 

Por vezes, ouvira vozes. Discussões. Em outras, via Régia, que se transformava em João. Dormia de novo.

 

Em um rompante, sentou-se, acordada. Não tinha um foco, apenas sabia que os olhos abriram. Viu o fogão de lenha. Movimentou a cabeça com dificuldade para constatar que estava na cabana.

 

Mexeu-se o suficiente para fazer um inventário do seu corpo: estava enfaixada em todo o torso; também tinha uma faixa na cabeça; sentiu o inchaço no olho. Enquanto inventariava a parte física, teve o ataque de tosse que fez seu corpo doer em todos os pontos, feridos ou não. Colando a mão na teste, constatou a febre. "Infecção: pneumonia ou algum ferimento; mais provável as duas coisas.

 

Apesar de bem coberta, estava nua. Do lado da cama, tinha uma espécie de "comadre". Pensou em quem estaria cuidando dela. Por um momento, ficou com vergonha ao pensar no João. Depois, sossegou.

 

Mas, logo Mirtês apareceu. Na hora certa. Clara não teria forças para usar a vasilha.

 

- Ispera, Clara. Eu ajudo.

 

Sentia que não tinha forças mesmo. Desviou o olhar quando a cabocla retirou a vasilha e foi para fora da cabana.

 

Reparou na moringa perto da cama, na cadeira. Tentou pegar a água, mas doeu tudo.

 

- Deixa de sê teimosa, muié. Por teimosia que tá aí, toda estrupiada.

 

Estrupiada. "Estupro". Lembrou de tudo, horrorizada. Instintivamente, levou a mão até o centro do corpo. Nada estava dolorido por ali.

 

- Onde está o Joã....- não conseguiu completar, ante o ataque de tosse.

- Tou aqui, dismiolada!

- Quanto temp...- a tosse de novo.

 

Mirtês acudiu com uma xícara de chá. Num era nada gostoso.

 

- É mastruz, arnica e beladona. Vai faze bem pros pulmão. Tumbém ajuda si tiver alguma ferida interna, mas acho que num tem, pois seu xixi tá normar.  E faiz baixar o febrão. Não é tão ruim assim, vai!

 

Bebeu. O segundo gole não foi tão ruim, mesmo. Estava com sede e bebeu tudo.

 

- Cê ficou com febrão uns 3 dias. Ficou variada, falano em Régia, no desfigurado...

- João...- hesitou -...o que aconteceu? Ele me ... você sabe...eu desmaiei....fui atingida..não sei..- começou a tossir novamente, ficou ofegante e cansada.

- Ele num teve tempo. E garanto qui nunca mais vai poder fazer nada iguar. - disse, sem alterar a voz. - Ah...si ocê quiser oiá, a placa tá enfeitada lá na porteira. Do jeito que ocê quiria. - deu uma piscadela marota.

 

Os olhos de Clara se arregalaram. Tentou se erguer, mas desistiu.

 

- Mas...e o seu plano? Você não ia acabar com a fazenda?

- Como ocê disse, a fazenda num é da nossa conta; o disgraçado era. Ele pediu. Teve o que mereceu. Morreu sabeno que Régia era a responsávi por enviá ele ao demo. Tamu quite com ela.

 

Clara estava novamente lutando contra a situação contraditória dentro de si: se tivesse forças, iria até a porteira para ver, com prazer, a cabeça do infeliz; porém, ao ouvir João, não se sentiu nada melhor. Régia foi vingada, mas não trazida de volta. De quem era a verdadeira vitória nisso tudo?

 

- Não quero parecer ingrata, João, mas não me sinto melhor com essa notícia. Sinceramente, agradeço por me salvar. Peça o que quiser e eu farei tudo para compensa-lo. Mas, da mesma maneira que quero ver a cabeça do cretino; também quero voltar tudo até antes dele fazer o que fez a ela. Isso, nem eu e nem você podemos. - começou a chorar e tossir.

- Clara, toma esse chá. É outro, para você serená. Eu vorto prá cuidar do cê durante a noite. - Mirtês se despediu.

- Vamu leva ocê para a casa amanhã. - João falou, resoluto.

- Não quero. Deixa eu aqui. - bebeu o chá junto com os seus comprimidos de sempre; logo adormeceu.

 

Mesmo com os ataques de tosse, continuava adormecida. Sentia-se drogada. Nem sempre o sono era tranqüilo.

 

Sonhava com Régia discutindo com João. Ele queria que ela contasse algo e ela negava. Dizia que não. Não era o momento. Os dois falavam baixo, mas em tom alterado. Sentiu a vista turva quando tentou olhar. A chama do lampião aumentava as sombras. Ela viu o desfigurado; logo ele era João; também via Régia. Acordou com Mirtês segurando seus braços.

 

- Carma. Preciso limpa ocê; trocá seus curativo. Dispois, te dou comida.

 

Estava suada. O chá para febre e a coberta grossa a faziam suar muito. Sentia-se relativamente bem.  Tossiu, expectorando. Mirtês a fez cuspir em sua mão. Apesar de nojento, lembrou das brincadeiras de Régia, quando se conheceram. Sentiu saudades dos poucos e roubados momentos de descontração. A lágrima verteu.

 

- O catarro tá meio esverdeado, mas num tá cum cara de pineumonia não.

 

Fez Clara aspirar e expirar. Ela tossiu algumas vezes, também fez careta, colocando a mão nas costelas.

 

- Quebrou alguma?

- Duas saíram do lugar. Pus di vorta.

- Como você sabe tanto, mulher?

- Um pouco aprendi cum uns médico qui vieram na outra fazenda. Dispois, tinha o homi que ajudava nóis aqui no acampamento. Mais, de planta, aprendi com Régia. Aprendi, mas ensinei tumbém. - disse, orgulhosa.

 

Clara estava lavada, curativos feitos, sopinha tomada. Ainda estava nua, mas bem coberta. Sentia-se fraca, cansada. Resolveu beber mais dos chás de Régia. Queria dormir. Dormindo, sentia a presença dela. Ouvia sua voz, sentia-se segura imaginando ela por perto. Agora, sem a eminência do desfigurado, não temia mais nada. Apenas ficara triste, pois seu plano real não deu certo.

 

Convencida por Paz que Régia ainda estava viva, resolveu se colocar na frente do desfigurado como isca, pretendendo com isso fazer a líder aparecer.

 

Paz dissera que a situação encontrada na cabana era semelhante ao cenário deixado quando a assassina Penumbra deu lugar à líder Régia. Insistiu que Clara a procurasse nos arredores da cabana. Que intensificasse as buscas. Ao invés, a secretária resolveu apelar para o que parecia ser o ponto fraco da líder: ela mesma, Clara.

 

Agora, tudo terminara. Com a morte do infeliz, a cabeça dele pendurado na porteira era o ícone do poder dela naquelas terras; a secretária sabia que a fazenda teria paz. Antes de ir embora, faria mais uma coisa para acabar de vez com o desassossego do lugar. Depois, era tocar o projeto com a senadora. Mais umas poucas visitas e estaria livre dessa história em sua vida.

 

Adormeceu pensando que sua próxima etapa para saldar sua dívida com Régia era cuidar de Anna. Ela e Paz também selaram esse acordo.

 

***

***

 

Depois de uma semana, Clara estava mais revigorada. Não agüentava mais tanto chá, mas sabia que eles foram responsáveis por suas melhoras. Nem se importava em buscar os recursos da cidade, já que por ali tudo era precário.

 

João trouxera o rádio, pois São Paulo estava alvoroçado por ter notícias dela. Ele, com sua discrição nata, apenas dizia que ela estava na cabana, incomunicável. Como Luciana desconhecia negativas, foi obrigado a colocar Clara em contato com ela.

 

- Marcella quer ir aí, buscar você. - a médica falou.

- Não deixe, por favor. Eu estou voltando. Assim que sarar da gripe, eu volto.

- Como estão as coisas por aí?

- Calma. O desfigurado perdeu a cabeça; agora está tudo calmo.

- Perdeu a cabeça? Fez alguma besteira? E a outra fazenda?

- Doutora, está tudo sob controle. - e começou a tossir. - Desculpa, mas eu estou um pouco cansada ainda.

- Tem certeza que não é pneumonia? Clara, se for preciso, eu ordeno que você volte!

- Doutora, estou bem.

 

Luciana a deixou em paz. Para não deixar de ser a última palavra, disse que seguraria Marcella por mais uma semana; depois, deixaria ela ir até a fazenda.

 

***

***

 

 

Os poucos passos que dera para fora da cabana, causaram-lhe um cansaço extremo. As costelas não doíam tanto mais. Quando se olhou no espelho, viu o rosto com a sombra escura sob o olho direito. Também os arranhões. No meio das costas, ainda uns resquícios dos hematomas dos murros. De resto, não estava com olheiras e até aparentava uma cor. Mirtês insistia para que tomasse os chás, de forma a acalmar. Dizia que o descanso era o melhor remédio.

 

- Mirtês num vem. Tá ruim. Achu que pego a sua gripe. - João disse naquela manhã.

- Tudo bem, já consigo me lavar sozinha.

- Trouxi a comida. Vou fazê os seus chás, também. Ela disse que cê precisa cumê e descansar sua cabeça.

 

Depois de tudo, sentia-se mais apaziguada. Havia evitado dormir durante o dia. Perdera o caderno na mata. Lamentava, pois tinha as folhas das plantas dentro dele. Resignadamente, recomeçou a escrever. Havia conversado um pouco com Mirtês também. Estava obtendo muitas informações valiosas sobre a líder. Coisas que a afastavam definitivamente da assassina cruel e impiedosa, fazendo-a lastimar sobremaneira ter sido tão dura em seus julgamentos.

 

Com o rádio de Luciana, lembrara-se que ainda tinha Marcella. Era uma situação ainda mais absurda: quando poderia ter tido Régia, preferiu Marcella; agora que não terá a líder, também não queria a diretora. A perspectiva da conversa com ela deixava Clara desanimada. Mas, depois do caso com a líder, a secretária não queria mais cometer enganos. Há muito que entre ela e a diretora nada mais existia em termos de relacionamento.

 

João deixou tudo ao alcance das mãos da secretária.

 

Ela tomou os medicamentos. Logo adormeceu.

 

***

***

 

Tinha um corte feio da têmpora até o início do queixo. Ainda estava avermelhado, mas já estava cicatrizando. No ombro, outro corte, este mais medonho ainda. Estava suturado precariamente. Pelos braços, sinais de queimadura. A mão enfaixada, repousava sobre todas as camadas de tecido das cobertas.

 

Era o sonho mais real que Clara tivera nos últimos tempos. Via a líder nitidamente. Não sabia se chorava pelo estrago evidente em seu corpo; ou se ria por entender que ela estava viva. Era seu maior sonho!

 

Fechou os olhos. Abriu novamente. Sentiu-se tão feliz. Deixou sua mão repousar onde estaria a dela. Dormiu, agarrada ao seu sonho.

 

***

***

 

- Drumiu bem, Clara? - Mirtês apareceu.

- Como um anjo. Esses chás são fortes mesmo, não?

- Oia, esses aí eu num faço idéia do qui a Régia colocô, mais é sossega leão. Mais...

- Mas o quê?

- Deixa. Besteiragem minha.

 

Clara observou que a mulher não tinha o menor resquício de quem estivera doente.

 

- Si eu deixa tudo certinho, cê consegue si virá?

- Sim. Pode me deixar. Acho que dentro de uns dois dias, três no máximo, eu vou para a casa da fazenda e, depois, para São Paulo.

- Entonces, eu vô fica lá na casa e ajeitá tudo pro cê.

- Perfeito, Mirtês, perfeito.

- Inté. Oia, enquanto fica aqui, o Daniel vai colocá a água na tina pro cê, mor de se banha. Nada de rio, cachoeira e essas coisas fria. E se alimenta.

 

Ao final da tarde, Daniel deixou a tina com a água quente e foi embora.

 

Mirtês colocava uma essência na água que deixava o corpo de Clara relaxado. Ela dizia que era bom deixar o corpo de molho, pois ajudava a tirar as manchas dos hematomas. Demorou-se mais do que devia no banho, saindo com a água praticamente gelada.

 

Fez todas as coisas que podia para se distrair. Quando achou que era tarde o suficiente, bebeu o chá. Esperou o sono com os olhos fechados. E ele veio.

 

Era uma sensação de conforto, de resgate. Clara, com o corpo um pouco mais fortalecido, entregava-se despreocupadamente ao mundo que a rodeava. Estava adorando os paparicos dos caboclos; estava adorando ser a predileta da mulher que todos obedeciam, mesmo ausente; sem a ameaça do desfigurado, todos os cuidados que recebia, ainda que precários e humildes, eram muito mais do que já tivera  com todo o conforto da cidade.

 

Nos dias seguintes, sem a Mirtês e com Daniel repetindo a rotina de preparar seu banho, deixou de tomar o chá. Seja lá o que acontecia, ele não fazia mais o efeito de antes. Não apagava mais, apenas sabia que deveria dormir a noite, se quisesse ver Régia. Com isso em mente, dormir passou a ser a coisa mais esperada.

 

Visualizou a cama. Estava mais escuro que de costume. Mas, não havia problema. Sabia o caminho, estava muito acostumada já.

 

Seus instintos a alertaram para a outra presença. Preparava-se para reagir quando o clarão cegou seus olhos. Não conseguia ver quem emanava a luz, mas com certeza, era muito bem vista. Sentiu certo receio ante o fato de ter perdido o véu da noite como seu escudo. Nos últimos dias, havia se entregado demais. Sentia que podia relaxar um pouco, mas não deveria tanto. Não ainda.

 

O segundo que permaneceu paralisada, foi o suficiente para ser pega, sem qualquer chance de resistir.

 

Se deu conta que sua boca era procurada; fora feita prisioneira. Quis repelir, mas era tarde. Não havia engano. Aquele beijo era dela, só dela. Foi molhado, porque sua face estava molhada; os sentimentos eram molhados em prantos sufocados por tanto lamento; tanta ausência. À boca que a beijava sabia que não poderia oferecer mais nada, além da verdade contida naquele beijo.

 

Não tinha movimento, pois seus membros não a obedeciam. Sua mente gritava para que afagasse o cabelo ou empurrasse o corpo, que podia sentir, estava nu; mas, por qualquer capricho, não ousava. Rejeitar ou ser rejeitada? 

 

Como que lendo os pensamentos, o agressor pegou seus braços e os fez contornar o corpo, pedindo um laço, uma forma de ligação que comprovasse que ele não estava com a intenção de se livrar. Então, somente por essa pequena demonstração, seus membros voltaram a viver; uma vez livres, não obedeciam mais o pedido de cautela.

 

Era devorada por uma boca que queria provar cada centímetro de pele, ossos, feridas, marcas.  Aquela língua queria varrer por todos os nichos do corpo reencontrado por um desejo desajustado. Não é assim que são os sonhos?

 

Clara tinha a necessidade de provar, comer, lamber, morder. Também tinha a necessidade de se sentir presa ao único pedaço de paraíso que nunca soube como desfrutar. Ao exigir a cerca viva do abraço, soube a extensão de seus domínios. Tinham sido preservados para ela. Não desperdiçaria mais nenhuma oportunidade. Ao lançar a luz da lanterna, sabia que o facho seria a ponte para cruzar por sua dor até seu amor. O raio azul que recebeu de volta foi toda a luminosidade que precisou para ser conduzida na trôpega travessia. Não tinha tempo para cobranças, recriminações, ataques histéricos; essas manifestações eram por demais insignificantes ante a grandeza do que acontecia. Não sabia o quanto duraria, não queria arriscar que fosse mais um sonho sem final.

 

Tremia por inteiro, dentro e fora; não tinha controle, só uma força descomunal, a força de quem se agarra à última chance de sobrevivência: sairia viva, pois sua energia vital entrava por sua boca, atravessando seus sentidos, num corte longitudinal, irradiando potência. Estava tudo ali. E mais, muito mais, pois estava aquilo que nunca soube, mas sempre fantasiou, sonhou e desejou. Isso tudo ao alcance da caldeira chamada Clara que partiu da implosão sem sentido, para a explosão de delírios.

 

Não importava a escuridão, pois já decorara os caminhos em sonhos reais. Nada de botões, nada de tecidos, nada de barreiras. Elas foram caindo, saindo, voando, escondendo-se nos cantos da parca cabana, protegendo-se da combustão liberadas pelo corpo da mulher-bomba.

 

Tinha sido atacada, sabia que não havia como resistir. O silêncio dela sinalizava que a conversa era entre seus corpos. Deixou seus botões serem espalhados, sua camisa ser feita em trapos; adorou sentir o contato do seio quente contra o seu. Tremia por inteiro. Ou seria ela que tremia? Só sabia que tremia de temor. Não tinha mais volta. Tinha que seguir em frente. Mas não era quem comandava. Fora abatida. Prazerosamente capturada. Os sonhos podem ser coletivos.

 

Era devorada. Ouvia os risos, a satisfação, o soluço. Os toques eram indecisos: leves pela contemplação, firmes pela insegurança, errantes pelo descobrimento; quentes.. Fechou os olhos na escuridão e visualizou aquela que percorria seu corpo. Corpo tão massacrado por desejos, por violência, por auto-flagelos disfarçados em missões de risco. Sentiu vergonha das marcas em seu corpo e agradeceu a falta de luz. A pressão sobre seu corpo pedia mais espaços, pedia encaixe, torturava. Abriu-se, acolheu a coxa que prendeu entre suas pernas, vestidas, permitindo, ainda que restringindo, acesso. Não estava preparada. Quis tanto, mas nunca esteve preparada. Reagiu.

 

Não estava preparada para a reação. Facilmente foi dominada e perdeu o status de dominante. Sonhava com o beijo que nem em sonhos poderia supor fosse tão único. O gosto dela era de natureza; o hálito parecia o cheiro das ervas dos chás, a língua macia, lisa, molhada, nem dura demais, nem mole; amoldava-se, atendendo às exigências incoerentes da urgência do desejo. Era devassa, despudorada. Portava-se como um falo, ao enrijecer-se e penetrar dentro da boca para ser ch*pada. Sabia que era isso que tinha que fazer: sua boca-vagin* recebendo a língua-falo; ch*par, sugar, sorver e devolver, por sobre ela, a saliva trocada. Goz*ria pelo beijo, não fosse a retirada do falo, que voltando a ser língua, lambia a nuca, os lóbulos, sugando o queixo tão molhado por seus sucos de lágrimas e saliva. Sabia que mais ao sul, as mãos faziam descobertas entretendo-se com pelos, montes, saliências. A língua vindo do norte, a mão vinda do sul; a outra retendo suas próprias mãos sobre a cabeça, com muita facilidade. O encontro do fenômeno língua com a mão precisa nos bicos rijos: gem*u alto, sinalizando a aprovação. Clara nem ao menos se lembrava quando fora tão intensamente explorada. Nem em sonhos. Não se lembrava de nada, apagara tudo e estava reaprendendo. Não podia oferecer seus seios com as mãos, então erguia o peito para ficar mais perto, dentro da boca, engolida inteira.

 

Era macia, receptiva, cúmplice. Estavam falando a mesma língua, quando devoravam as suas línguas em uma mesma. A beijara antes, mas afoitamente, com medo, com vergonha por não resistir; roubando o que o momento atestava ser seu por direito. Ainda temia perder a boca de sob a sua; num canto do seu racional, não estava segura. Mas, ali, decidira que não perderia a oportunidade. O coito executado por suas bocas a levaria ao clímax há muito sublimado, não fosse a necessidade de reconhecimento de todo o corpo, antes de chegar à violência do gozo. Sua mão deliciava-se com os pelos abundantes, sedosos, orvalhados pela umidade vinda da fenda que os dedos aos poucos adentravam, com o cuidado de quem entra em uma caverna com tesouros recém descobertos. Não ousou tocar o ponto tenso, apenas deixou seus dedos vagarem pelos arredores, molhando-os o suficiente para traçar o caminho de volta até os bicos rijos dos seios que, sabia, encaixariam-se perfeitamente em sua boca sedenta. Desceu a língua pelo pescoço, entre o vale, subindo a mão molhada. Sugou o bico com força, após temperá-lo com o líquido vagin*l. Sentiu entre suas pernas a calça molhada com sua própria inundação, em um fluxo há muito esquecido; seu ser saía do entorpecimento, seu sex* acordara sedento e faminto. Tinha um banquete pela frente.

 

Ela sugava com requinte; imaginava se era assim que seria sugada em seu clit, já tão suplicante. Sabia que tinha molhado seus bicos com sua secreção, sentiu seu gosto no dedo colocado em sua boca. Não era seu gosto, era o gosto delas, mesmo que não tivessem sido misturados ainda. Dizem que cada perfume assume um odor de acordo com a pele de quem usa: o gosto do seu sex* na pele dela era muito mais saboroso. A pele dela, a ponta do dedo na boca, a língua que conseguiu sentir uma veia.... "Deus, eu amo essa mulher"...os seios estavam sensíveis, mas ela não os largava. Estava sob ela, encaixada, sua lábia atritando-se no tecido rústico que ainda cobria o sex* dela. Esfregava-se, mas não por conta própria e sim pelo tremor dos corpos. Estava tensa pela sofreguidão. Temia passar mal de eletrizada.

 

Soltou as minhas mãos; imediatamente tentei abrir a calça, tirar aquele absurdo do meu sonho. Não conseguindo deslizar tudo que queria, parcialmente roçando os pelos, busquei suas costas. Agarrei-me a ela. Com as duas mãos em meus seios, ela deslizou por meu abdomen, beijando com ch*pões cada parte da região. Agarrei seus cabelos. Eram fortes. Tinham que ser, tamanha a tenacidade com a qual os agarrava. Cheirosos.

 

Sentia seus seios roçando meu ventre, púbis, subindo novamente, colando-se aos meus, quando a puxei para mais um beijo. Sua mão entre nossos corpos e o dedo foi colocado, sem aviso, sem pretensão. Senti que minha boca sugou sua língua da mesma forma que minha vagin* contraiu-se em seu dedo. Ela sorriu e lambi seus dentes perfeitos, sugando o lábio. O segundo dedo; o terceiro. Habilmente, ela me encaixara em seu regaço, não sei onde estava a calça, pois agora podia sentir o calor da sua pele que me queimava a coxa. Estava empalada em seus dedos longos, sustentada pela mão forte, grande, como a concha da Vênus renascida. Eu era a Vênus, fazia jus à deusa do sex*, da paixão, da libido, do amor. Com os braços ao redor do pescoço, o nariz sentindo o cheiro dos cabelos negros; concentrei-me apenas em sentir os dedos deslizando para dentro e para fora, dentro e fora, dentro; mexia meu quadril, de forma a fazê-los percorrerem toda a minha cavidade. Tinha aquele ponto que ela sentiu perfeitamente, tocando-o com precisão. Agora, ela sabia como amoldar os dedos para que tocassem facilmente o ponto delicioso, ao mesmo tempo que o clit era estimulado; meus seios devorados. Agarrei-me a ela, pois Deus sabia que ela tinha forças, eu não. Foi crescendo a sensação; eu tremia por dentro, era intenso demais. O imaginário, o real, a sensação de dívida, as perdas, a chance recuperada. O querer de tanto tempo. Eu fui derretendo, escorrendo pelos dedos, nos nossos pelos, no ventre dela. Era a minha cachoeira que a banhava agora, o meu gozo das banheiras, o meu gozo que era dela nas pedras. Ela retirou os dedos, recebendo meu líquido. Meu corpo não tinha controle.

 

Ela não tinha controle. Seu gozo escorria em mim. Senti, enquanto me cavalgava, que encontrara nosso momento. Deixei ela me controlar. Minha cabeça doía, meu pescoço ficara tenso ao sustentar o corpo. Não via o que acontecia, sentia. Nos perdemos na escuridão, nada mais justo que nos reencontrarmos nela. Naquele momento, eu senti um tremor em meu corpo que não era um orgasmo: era medo diante de tamanha responsabilidade. Eu estava levando ao gozo a mulher que amo; a mulher que me deu tudo e tirou e agora devolvia cada agonia da espera. Seus gemidos, suas unhas em meu ombro, minha cabeça sufocada entre seus seios, tamanha a força com a qual era abraçada; o corpo dela ainda mais trêmulo, desfazendo-se, lavando meus meios com seu gozo abundante. Não conseguia mais me conter. Mesmo sentindo o corpo escorregando do meu colo, a amparei e desci minha boca para a vagin* encharcada, descendo a língua facilmente pelo rego, alcançando o clit inchado, duro, talvez maior pela minha falta de visão, mas totalmente pronto para minha fome. Não queria mais nenhum alimento, não poderia querer. Quem sabe fosse a refeição dos condenados, tinha que degusta-la. Sem dó, até mesmo com egoísmo. Vingança? Parecia violento arrancar um orgasmo dela, fazendo-o romper com tamanha força, jorrando novamente, abastecendo minha sede de longa data. Parecia que ela sabia que a sede era muita, pois não parava de me dar de beber. Punir, com o gozo, a dor que ela sempre ofertou.

 

E eu senti, sem me tocar, sem qualquer estímulo maior do que o contato com aquele corpo pequeno, mas forte; eu senti o meu tremor, a palpitação, o sufocamento; rezei para não ser a morte acabando com meu sonho, mas nem ela poderia me tirar dali naquele momento. Meu orgasmo ecoou dentro da vagin* dela. Meu suspiro arrepiou seus pelos dourados. Meu nariz repousava acariciado pelo cheiro do sex* dela. Não morreria sozinha, a levaria comigo em qualquer sonho, loucura, inferno. Paraíso. Abri os olhos.

 

Os espasmos foram cessando. A sensação de sono, tão bem-vinda, chegou. Não precisava mais do chá, embora ele sempre seria motivo de agradecimento. O conforto do sono, a proteção pressentida, a segurança de poder me entregar, sem medo, ao mundo ao meu redor; a felicidade, tudo estava presente novamente. Dormi o sono das amantes saciadas. Os justos e suas recompensas. O frêmito era real. Régia voltou para mim.

 

 

 

Fim do capítulo


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