Pentimentos por Cidajack
Capítulo 25 - Cap 25.1
VINTE E CINCO
PARTE UM
disclaimer no capítulo UM
"...
Night and day, under the hide of me,
there's an oh, such a hungry yearning
burning inside of me.
And its torment won't be through
'til you let me spend my life making love to you
day and night, night and day."
- Então, Clara, o que você pretende fazer com a fazenda?
Clara olhava a escritura da fazenda em suas mãos e não entendia como se metera naquilo tudo. Olhou para Rebecca e encolheu os ombros.
Tinha pensado na possibilidade de comprar a propriedade, desde quando a jovem loirinha esboçou suas incertezas com o que fazer com as terras. Após ler os estudos e acompanhar o trabalho dos técnicos, andou pesquisando. Fez alguns contatos e investigações, constatando que vários nichos poderiam ser explorados.
O que impossibilitava não era o valor a ser pago pelas terras, mas o valor a ser investido. Comprando as terras pelo valor mais alto, ela se descapitalizava. O valor menor não ousava oferecer, cedendo à ética de ser Becky sua amiga, além de noiva da sua empregadora.
Mas ver o pai de Rebecca sendo impiedosamente humilhado por Régia e o seu jagunço de estimação havia tirado a secretária de seu eixo.
Olhando a escritura, não diria que comprar a fazenda fora um impulso; mas, a cena a forçara a decidir rapidamente.
Andras não merecia sair triunfante da situação. Clara não era hipócrita para negar que se aproveitara do momento de terror também, ao forçar o homem a vender as terras pelo menor preço.
Ao voltar da cidade, a secretária encontrou Rebecca inconformada com a ausência de Luciana, que fora embora com a Régia, além de estar preocupada como a possível separação de seus pais.
- Clara, minha mãe quer ficar e papai quer ir embora; sinto-me tão culpada e embaraçada com a situação. Lilly não está entendendo nada!
- Becky, sua mãe me pareceu muito fria lá na sala. Apesar do horror todo, acho que não foi uma atitude tão repentina. Conversa com ela, de mulher para mulher; acredito que existam antigos rancores que você, como filha, nunca foi capaz de perceber.
Após a manhã fatídica, todos ficaram estranhos e recolhidos em seus pensamentos. Clara decidiu que deixaria a família sozinha. Aproveitando-se da ausência da doutora, iria ficar na antiga enfermaria.
- Penso, Becky, que a fazenda vai ter que esperar; mas a situação está temporariamente sob controle e a espada não pende mais sobre as cabeças daquelas pessoas.
- E nem de Régia. - a jovem emendou.
Clara simplesmente assentiu mudamente.
- Becky, estarei lá na enfermaria. Conversa com sua mãe. Seu pai, ao que parece, ficou abalado com a decisão dela. Aliás, tanto quanto ele, eu também. Ela ficou inabalável diante do suplício do homem nas mãos da ...dos dois brutamontes. - disse isto com certo repúdio.
- Ele mereceu o susto, ainda que eu também tenha ficado apreensiva. João ainda é uma incógnita para mim.
- E Régia também. - a secretária constatou com uma expressão indecifrável no rosto, com a qual saiu da sala.
Imaginar a líder como alguém perigoso e vê-la em ação foram duas experiências que se mostraram contrárias em seus efeitos sobre Clara.
A enigmática bióloga que tantas vezes dissera a ela que matara pessoas e tinha sangue nas mãos, fazia nascer uma excitação e um desejo primais em ter sob seu domínio tremenda força e fúria. Porém, ao ver o olhar maligno, perceber como a líder sentia prazer em torturar e adorava poder exercer esse pavor sobre o outro; ver isto, fez Clara sentir um profundo pesar por saber que ali, diante dela, estava a mulher que nunca gostaria de ver; alguém por quem nunca sentiria nada, além de desprezo.
***
***
Silêncio.
Uma formiga andava com seu fardo de folha nas costas, caminhando resoluta em sua labuta diária.
Uma borboleta voava. O fogo havia se extinguido e apenas as brasas, mal adormecidas, teimavam em resistir.
Régia e Luciana.
Duas mulheres extremamente cheias de igualdades.
Hábitos e vontades sem questionamentos.
Líderes natas em suas esferas de poder.
Duas bêbadas, isoladas em suas dores de amores, por loiras de olhos verdes.
A garrafa de cachaça, compartilhada no gargalo, era o único meio de comunicação entre elas. Ou quase: depois de algumas goladas, ambas estavam falantes. Algumas frases que, em se tratando da doutora e da líder, era uma verdadeira verborragia.
A desculpa de caçar não havia servido para distraí-las de seus pensamentos. Seus sentimentos.
Qualquer que fosse a caça, certamente aquele era o dia dela; pois as caçadoras estavam perdidamente presas às suas respectivas donas.
- Como ela pôde? - as duas falaram ao mesmo tempo, balançando a cabeça, desconsertadas.
Olharam-se de forma ameaçadora, como se uma tivesse invadido o espaço da outra, ao coincidirem em suas frases.
- Acabou. A fazenda tem novo dono. Chega! Estou livre.
Luciana invejava a sorte da líder em poder se considerar livre. Ela não podia. Sua liberdade não dependia de bens, mas de olhos encantadores e um poder aquém de sua compreensão.
- Como você pode se livrar do amor, Régia?
Os olhos azuis transpassaram Luciana, que entendeu como se sentiam os que eram mirados por ela, quando em sua irracionalidade.
- Amor?!?! Mulheres como nós não sobrevivemos a ele. Não sem perdermos a lucidez. - bebeu um gole com fúria - Antes que acabe comigo, eu acabo com ele.
A médica observou e entendeu. Há muito aceitara a conseqüência da sua insanidade. Mas, Rebecca era companheira e a guiava. Régia não via em Clara alguém que merecesse tal entrega.
- Doutora, estou atormentada. Noite e dia eu penso, desejo, amaldiçôo. Meu equilíbrio é uma piada. Minha estada entre vocês é uma farsa que eu quero, apenas para ver...cheirar....! - o ardor da cachaça serviu para mascarar a expressão de sofrimento - Ela me olhou com repúdio; julgou antes de entender. Considerou-me capaz....
- Régia, você seria capaz, sim. - a médica disse, mal disfarçando o arrôto pelo outro gole da bebida que desceu queimando sua garganta.
A líder a olhou, com ódio.
- Por isso vou sumir. Acabou! Sou nociva!
- Ponha todas as barreiras entre mim e Becky, e eu darei um jeito de transpô-las. O imbecil do pai, as bestas dos meus sócios, a indiferença por meu dinheiro...
- Rebecca está em você. - a líder disse, com raiva.
- Clara está em você.....não adianta fugir. Você vai levar o tormento. A causa dele é a incerteza do que poderia ser.
- Nada pode ser entre uma jagunça assassina e uma muié da cidade, além da cobiça. Não é amor: é cobiça.
A expressão no rosto da líder era insana.
- Sabe, doutora, desejo de ter aquela mulher sob meu corpo, enquanto arranco suspiros e gemidos. Sentir o cheiro bão, os cabelos sedosos.....provar do que as almofadinhas da cidade podem ter. É cobiça que tenho que conter por gratidão. Não fosse por isso, teria feito ela sem dó.
- Ela ia odiar você
- Ia ser um sentimento melhor do que pena; único sentimento que ela tem por mim é pena. E nojo.
Luciana sabia que tudo era mentira, mas não estava ali para dar conselho. Nem sabia direito sobre ela mesma. Estava com ódio de Rebecca. Estava com vontade de pegar a família dela, colocar num avião, e despachar para o pólo sul.
- Elas temem a gente. Rebecca me esconde coisas, pois tem medo de mim. Não quero medo entre nós. - a voz pastosa denunciava o início de embriaguez.
- Com medo eu lido bem. Agora, eu vi desprezo em seus olhos. Com isto, eu não lido bem.
A conversa começava a ser um monólogo a duas, cada qual praguejando contras suas sinas.
Cambaleantes, mas sem se ajudarem, voltaram em silêncio para a cabana.
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************
Mereciam aquele jantar.
Mais uma prova tinha sido imposta para a relação delas. E vencida!
Não fora fácil. E não seria. Certamente, Luciana jamais imaginaria ter que se submeter à ira de alguém, tendo que ser submissa e ponderada.
Desafiar os pais de Rebecca seria até café pequeno, não fossem eles quem eram.
É certo que, com a inesperada intervenção de Clara, as coisas ganharam outra natureza. Luciana e Rebecca saíram de cena para dar espaço para a nova situação formada a partir da oferta feita pela secretária.
Entretanto, saíram de cena, mas Luciana ficara profundamente magoada com a jovem por conta das omissões e também o fato de ter deixado transparecer que a médica, através de seu dinheiro e poderio, entrou de sola no seio de sua família, provocando o colapso que foram os acontecimentos posteriores.
Como aguardavam a chegada do jato apenas para o dia seguinte, Luciana disse à Régia, na frente de Rebecca, que queria ficar na cabana dela.
- Por que isso, Luck?
- Rebecca, não tem clima para eu ficar aqui. E acho que preciso ficar longe. Estou com muita raiva de você.
A jovem tremeu ao ouvir a frase final. Pôs a mão na cintura, abaixou a cabeça e sacudiu. Luciana sabia que isto denotava que ela estava a ponto de explodir. Mesmo assim, continuou.
- Você não consegue me contar as coisas como são. Por que sempre tem que omitir? O que você acha que consegue com isto?
- Preservar VOCÊ de se expor. - explodiu - Resguardar VOCÊ da frustração de não dominar coisas que não dependem do SEU dinheiro ou das SUAS vontades.
A médica ficara calada, desarmada pelo peso da resposta.
- O que adiantaria você saber da aposta? Seu desprezo por meu pai, por muito menos, já era fato. Se soubesse, duvido que teríamos chegado até aqui.
- Até aqui onde, Rebecca? Você acha que tivemos um saldo positivo? Você acha que poderia ter sido pior do que foi essa manhã? - fez um gesto amplo com os braços, englobando a sala, palco dos últimos acontecimentos.
- Se eu tivesse contado, Luciana, você não teria nem ao menos tentado conhecer minha família. - disse apontando para a médica, com rispidez - Já os teria repudiado logo de cara. No máximo aceitaria, com reservas, que eu me aproximasse deles. Tudo que aconteceu aqui hoje foi uma sucessão de erros, mas foi honesto. Meu pai foi honesto.
Luciana não acreditara no que ouvira.
- Você ainda teima em colocar honestidade e seu pai juntos em uma mesma frase? Esse homem é vil, é desprezível, é um verme....como diz o João: um perdedor!!!
A médica atirou-se no sofá, esticando as longas pernas enquanto colocava um braço sobre os olhos, tampando a claridade.
- Luciana, embora ele não queira ser; ainda que eu esteja profundamente decepcionada; ele é meu pai. De certa forma, prefiro que ele tenha nos repudiado, a que tivesse tentado usurpar de sua fortuna. É a esta honestidade que me refiro. A homofobia dele foi mais forte que o oportunismo. Ele foi honesto em sentimento.
- Ah!!! Entendi! Você me deixou assustada por um momento! - a médica foi sarcástica.
- Luciana, se eu tivesse contado tudo, não teria tido a chance de fazer nossa relação ser aceita por meus familiares. Papai não aceita; mas minha mãe e irmã adoraram você. A receberam com gentileza e respeito. - fez uma pausa, esperando alguma reação da morena - Não sei como será minha "família" agora, mas sei que poderemos ter convívio com parte dela.
Luciana estava em silêncio.
- De outra forma, nem olhar para elas, você olharia.
- Milagre você não achar que eu tentaria comprar sua mãe e irmã também.
- Também? Quando eu disse que você estava tentan....
- Preciso me afastar.....parar de colocar dinheiro demais na sua "família". - a médica quase cuspiu as palavras.
De repente, a jovem lembrou do que dissera no afã da discussão.
- Luciana.....eu não quis....não foi com essa intenção.
- Rebecca, eu ia comprar a fazenda para o bem da Régia e dessas pessoas. Não estava caindo na armadilha daquele homem. Não estava tentando comprar ou meter meu dinheiro goela abaixo da sua querida família. Aliás, se alguma vez eu o fiz, sempre foi pensando em tirar de você a única nuvem que fazia sombra em sua luz. - suspirou, impaciente, colocando-se em posição para levantar - Acho que nunca acerto com você. Que acha?
Rebecca sabia que não tinha como melhorar a situação.
- Você quer ficar longe de mim?
- Quero.
- Régia está lá fora, esperando. - a jovem retirou-se.
Depois dessa conversa na sala da casa da fazenda, logo após todos os acontecimentos, Luciana foi junto com Régia até a cabana.
A líder, após acalmar o povo, seguiu com a médica. Estava fula da vida consigo, por deixar Clara a desprezar.
Duas mulheres desencantadas com suas amadas resultou em dois seres embriagados.
Na manhã seguinte, quem disse que a tão pontual Dra. Luciana apareceu na pista de pouso? Rebecca não se fez de rogada: catou o Daniel e foi até a cabana e, com um balde de água fria, fez dois pares de olhos azuis, desnorteados, olharem-na, como se ela fosse um demônio da Tasmânia. De olhos verdes.
- Você, Régia, banho frio lá no rio. E você, doutora, vamos embora, tem um avião esperando a gente. - uma figura de olhos verdes, muito enérgica, demandou.
- Não vou. - a médica redargüiu, gem*ndo - Minha cabeça está explodindo! Apaga a luz!
Régia virara para o outro lado e continuava a dormir. Levou outro balde de água fria. E, num pulo, ficou procurando em quem bater.
- Régia, mantenha sua dignidade. E você doutora...- jogou uma muda de roupa em cima dela, que tirara da valise aberta no chão - Vai trocando de roupa. Tem aspirina aí também. Rápido. Clara espera na pista de pouso. Chega de atrasos.
A verdade é que, durante o vôo, após a médica disfarçar seu estado com os óculos escuro e muita água, servida pessoalmente por Rebecca, para incompreensão da comissária, Luciana dormiu nos braços da jovem.
- Fala para o piloto diminuir o barulho do motor!
- Pode deixar, doutora. Pode deixar! - Rebecca disse, enquanto afagava os cabelos negros.
Ficaram quase uma semana distantes, até que, vencidas pela saudade, conversaram e Rebecca admitiu que usara palavras fortes, pois sempre temeu que o dinheiro da médica pesasse mais do que o amor existente entre elas; mas nunca pensara que a médica queria comprar seu afeto. E a própria médica admitiu que jamais daria um passo para conhecer os familiares da moça, caso tivesse sabido que Becky era o prêmio da aposta.
Então, aquele jantar era de confraternização. Tinha que ser perfeito.
Ver sua companheira retornando para seus braços, após longos dias de espera; de difícil espera, considerando-se a impaciência e insegurança da doutora; era mais do que motivo para atender ao pedido da sua amada: comida japonesa.
O restaurante que escolheram, indicação da Clara, tentava agradar a ocidentais e orientais. Apesar dos pratos tradicionais e também dos reservados com mobiliário oriental; Rebecca preferiu as mesas de forma ocidental, uma vez que as longas pernas de Luciana sofriam com os acentos dos reservados. Mas, não abriu mão, é claro, dos rituais nipônicos. Assim, ambas estavam felizes. Ou, pelo menos, reinava a paz.
Pediram um prato chamado yosenabe. Uma espécie de ensopado feito à base de frutos do mar, peixe, verduras e tudo o mais. Luciana que já havia viajado para o Japão, tentava convencer Rebecca a comer a cabeça do peixe, que emergia do prato, alegando que para os japoneses era uma parte nobre, além de saborosa.
A loirinha fixava o olho embaçado do peixe e sentia seu estômago revirar. O prato era delicioso, mas a tal cabeça, literalmente, Rebecca não engolia.
- Sabia que em Portugal também é uma iguaria sem precedentes?
- Você pode me dizer o que quiser, não me convence.
Luciana preparava-se para começar a comer, quando Becky a ameaçou:
- Coma e não me beijará antes de escovar os dentes e enxaguar a boca com o antisséptico.
- Ué, querida, você sabe com o que associam o odor de peixe, não sabe?
Era engraçado para Luciana quando Rebecca enrubescia com alguns comentários mais maliciosos.
- É, sei. Sei muito bem e não concordo. Você se sente cheirando como peixe? Me sente cheirando como peixe?
- Fica assim não, meu peixinho favorito. Peixinho...peixinho....- continuou, se divertindo com a reação da loirinha.
Desafiando Rebecca, Luciana começou a comer. Vendo que realmente a loirinha iria passar mal, parou e chamou o rapaz que estava preparando o prato para finalizá-lo.
Maravilhada com a meticulosidade do rapaz, Rebecca discretamente deu um salto na cadeira e olhou para Luciana, que estava entretida com o ritual.
"O que um sakê não faz!"
Dissimuladamente, a doutora colocara a ponta do pé entre as pernas da loirinha, o que causou o susto não tão bem disfarçado.
- Deixei respingar alguma coisa na srta? - o rapaz quis saber.
- Não. De forma alguma. - sentia o rosto arder.
O pé de Luciana estava pressionando o afastamento da perna de Rebecca, procurando por abertura. Como a doutora mantinha o olhar desviado, a loira não podia fazer-lhe algum gesto de reprovação. Na verdade, sentia a excitação tomando conta de seu corpo e já cedera espaço para acomodar o "invasor".
- Você parece excitada com o ritual, minha querida.
- Nem tanto. De qualquer forma, já irá acabar, não é mesmo? - o tom da frase era bem enfático.
- Não sei.
Achando que era com ele, mais que depressa, o rapaz pediu permissão para servir.
Luciana parou o ataque.
Com certo controle, Rebecca experimentou a iguaria e apreciou o sabor.
- Agora posso beijá-la, ambas estamos cheirando à peixe. - dizendo isto, alojou o "invasor" no mesmo lugar e, com mais ousadia, tentava afastar o elástico da calcinha.
Os olhos verdes a fulminaram.
Indignada, Rebecca levantou-se e foi para o toalete. Antes, porém, tomou o sakê em um gole.
Olhou no espelho e viu o rosto enrubescido. A doutora não estava brincando. Era excitante, mas o lugar era público e estava razoavelmente cheio. Sua mesa era privilegiada e dava certa privacidade, mas era muita ousadia. Até mesmo para elas.
"O que muitos sakês não fazem?"
Voltou para a mesa.
A expressão de Luciana era de pleno divertimento. Sabia que estava excitando Rebecca, não só pelo desejo, mas pelo inusitado da situação. Mais uma provocação e era hora de ir para casa, pois ela mesma já não agüentava.
Nem bem sentou e lá estava o "invasor" novamente.
- O que foi doutora? Por que estes olhos tão surpresos?
Luciana não pode evitar de sentir cócegas quando a pele do "invasor" roçou os pelos recém depilados da loirinha. Esperando encontrar a maciez da lingerie, Luciana foi recepcionada por um vale ainda meio fechado, mas bem orvalhado e de fácil penetração.
- Uh! Temos um rio querendo transbordar.
- Ainda dá tempo para um mergulho. - foi a resposta desafiadora.
Era loucura pura. Trazendo sua cadeira o máximo possível perto da mesa, acobertada pela longa toalha, Becky pressionou o dedo do "invasor" contra seu clit*ris já rijo.
- Debata-se ou se afogará. - era uma ordem.
Agora, quem estava em apuros era a doutora. Sua posição não era propícia para muitos movimentos. Mas, fôra desafiada. Ajeitando-se o melhor que podia, iniciou os movimentos. Com certeza, ficaria com tendinite, mas valeria o esforço.
Tudo era excitante: a dificuldade dos movimentos, a exposição, a ousadia e, acima de tudo, a curiosidade em saber como Rebecca lidaria com seu ruidoso orgasmo, caso ousasse chegar até ele.
Olhavam-se fixamente. Olhos azuis maliciosos e debochados observavam o dilatar das pupilas tomando conta do verde intenso. O rosto de Rebecca estava rubro. As narinas dilatavam-se ritmadamente. O canto da boca trêmulo. A língua que constantemente lubrificava os lábios, agora era deles prisioneira. Discretamente, a loirinha cerrou o punho e o levou a boca, mordendo as costas da mão.
- Sua mão vai sangrar se continuarmos.
- Não pare! - a súplica foi ofegantemente proferida.
Esticando o braço, Luciana pegou a outra mão de Rebecca e, sem constrangimento, lambeu sedutoramente a palma úmida, fazendo movimentos circulares com a língua, como se saboreasse sua amada. A saliva da doutora em contato com sua pele estabeleceu uma ligação direta com todos os nervos já tensos e fez Rebecca enlouquecer.
Tudo teria sido perfeito, uma vez que, não fossem pela expressão e pelo olhar perdido oferecido pelo verde intenso, o orgasmo dela teria sido um leve gemido. Porém, Luciana, em seu excitamento, bateu a mão na campainha que, discretamente, chamava o garçom. Prestativo, ele presenciou os suspiros abafados da loirinha, as gotas de suor que brotaram no rosto corado e o movimento do peito, arfando contidamente.
- A senhorita está bem?
- Não. Engasgou. Traga a conta. - Luciana apressou-se em dizer.
Sem tempo para pensar, Rebecca foi arrastada para o banheiro.
- Bela desculp.....
Luciana lançou Rebecca contra a parede, beijando-a ardorosamente. Não beijava, devorava.
Rebecca sabia que falar não adiantaria, mas queria excitar ainda mais a doutora e a falsa sensação de medo era um poderoso excitante.
- Luck tem gente lá fora, não podemos....
Perdeu-se em suas palavras, quando sentiu a língua roçando sua nuca, segundos antes dos dentes cravarem-se em sua pele tenra e clara.
A doutora não estava para brincadeiras. Suas mãos desceram as alças do vestido, única veste sobre a pele de Rebecca e, em segundos, ele jazia no chão. Com a força potencializada pelo desejo, sem muita delicadeza, Luciana sentou a loira sobre o gabinete da pia. Rebecca sentia o mármore frio sob sua bunda e o azulejo gelado grudando em suas costas. A sensação de frio sumiu quando a doutora, já sem qualquer barreira entre suas peles, esfregava sua umidade e desejos nos músculos rijos da coxa da jovem.
Abraçando fortemente o corpo de Rebecca, Luciana concentrou-se apenas em esfregar-se em sua amada, sugando seus seios intensamente.
Por sua vez, Rebecca agarrou firmemente a bunda da doutora, apoiando-se e seguindo o ritmo das arremetidas. Vez ou outra, seus dedos tocavam o ânus levemente, o que fazia Luciana tremer. Nem mesmo o barulho da saboneteira que caiu com os ataques potentes do corpo moreno, fora suficiente para detê-las. Mesmo porque, não havia mais retorno.
Estavam tomadas pelo frenesi. Rebecca sabia que aquela era a hora da doutora. Sabia que o prazer dela não se intimidava por nada. Também sabia que a noite seria longa e só ela domaria a fera de olhos azuis.
Sentindo que não iria agüentar mais, a morena abafou seu êxtase colocando seu rosto contra os seios da loira.
O gemido abafado ecoou dentro do peito de Rebecca. Por alguns segundos, o corpo forte tentava se refazer. Os movimentos aos poucos foram recobrados. Ainda restava o tremor. Olharam-se e riram muito.
Rapidamente, vestiram-se.
Ao abrirem a porta do banheiro, havia uma pequena fila esperando, encabeçada pelo garçom preocupadíssimo.
Logo atrás, algumas senhoras japonesas cobriam o rosto para ocultar o risinho.
Luciana desculpou-se:
- Wasabe.
Rebecca sentia que estava muito vermelha ainda, mas não era motivo para os olhares das mulheres das outras mesas.
- Não estou gostando destes olhares.
- Seu vestido está ao contrário, querida.
Quando estavam quase na saída, discretamente, o garçom entregou um pacote para Luciana.
- AHA!! Não foi somente eu que chamei a atenção!
Triunfantemente, Rebecca sacudiu os sapatos de Luciana, entregues pelo garçom. Num gesto bem descontraído, a doutora mostrou a língua para a loirinha.
- Que é isso Luck!
- Uma lésbica excitada.
- Não enten....- então, ao compreender, Rebecca tornou-se da cor de um tomate.
- Você está impossível hoje...
E estava mesmo! No carro, a cada semáforo, Rebecca sofria um ataque.
Decidiram ir para o apartamento que, embora pequeno, era mais perto.
Os dois lances de escadas foram feitos em tempo recorde. Rebecca pensou que a doutora arrombaria a porta, quando ela começou a ter dificuldades em encontrar as chaves.
A meio caminho da cama, estava o divã. Já sem roupa, foi nele que a loira esperou a morena livrar-se de suas vestes.
Ajoelhando entre as pernas de Rebecca, olhou fixamente para os olhos verdes. A pouca luz do ambiente produzia nuances diferentes nas cores tão conhecidas.
Com muita lascívia, sabendo que aquela noite era da doutora, Rebecca abriu totalmente os lábios frente aos olhos azuis que tornaram-se quentes e frios ao mesmo tempo. A visão do clit*ris avolumado e a umidade que se fazia mais intensa, aquecia todo o corpo, mas dava um frio enorme pela responsabilidade de ter ali, na sua frente, uma pessoa tão devotadamente exposta. Por um momento hesitou e a sua hesitação preocupou sua amante.
- Não era assim que você queria, amor?
- Nã...não...sim...
Aquela mulher era dela. Só dela. De todas as formas, sobre todas as coisas, sob todas as circunstâncias.
A menina que com brincadeiras maliciosas se tornava rubra, era também a mulher ousada e liberal que atendia sem pudores seus desejos e vontades.
Estes pensamentos passavam pela cabeça da doutora, enquanto sem perda de tempo saciava-se no vale que lhe fora oferecido.
Olhavam-se.
Se Luciana estava insaciável, Rebecca estava controlada. Ela queria estar atenta para as menores indicações de desejos da sua mulher.
Agora, quase totalmente fora do divã, com apenas as costas sobre ele e o resto do corpo sustentado pelos braços e ombros da doutora, sentia-se como uma fonte que jorrava o líquido da vida, tamanha a avidez com que era sugada, lambida, devorada.
A língua da doutora estava totalmente concentrada no nervo rijo. Ora o lambia com toda a extensão do músculo relaxado, ora endurecia-se e concentrava sua atenção na pontinha mais sensível. Vez ou outra, brincava com a pele ao redor para, logo na seqüência retomar a sucção. Rebecca fora tomada de surpresa, quando a língua lambeu, de uma vez, toda a extensão oferecida, alojando e massageando o nicho onde a fenda começa.
A sensação era enlouquecedora, ao mesmo tempo que permitia à Luciana retardar o momento de Rebecca. Propositadamente, a morena evitava o clit*ris e fazia sua língua bailar ora no começo da fenda, ora já perto do ânus; onde detinha-se com leves toques.
Decidida a tirar o seu tão precioso descontrole da loirinha, Luciana deixou sua respiração aquecer o ponto novamente sensível, enquanto penetrava totalmente a língua dentro da abertura transbordante. Sentia sua própria inundação tomando conta de seu corpo, mas não podia largar o corpo de Rebecca. Teria tempo para si tão logo terminasse o que fazia. E faltava pouco. Luciana voltou a atacar seu alvo, agora presa fácil.
Alucinante! Era como se nunca houvessem feito sex* antes. Era novo, como se a doutora tivesse reservado aquelas abordagens para um momento especial. O que era tudo aquilo que ela sentia?
Precisando agarrar-se em algo, Rebecca agarrou uma das mãos no braço do divã e a outra fechou-se em torno da nuca da sua amante. Ao mesmo tempo que isto lhe dava firmeza, trazia a cabeça e toda a doutora mais para dentro dela.
Contivera-se demais para uma noite. Agora, nem que quisesse, seria silenciosa. Assustou-se com os próprios gemidos que, por pouco, assemelhavam-se com lamentos de pessoas torturadas. Sentia o suor em suas têmporas; o corpo molhado grudando no couro do divã; a dor na bunda, firmemente segura pelas mãos fortes da sua parceira. Ficariam marcas.
Ainda que mais privilegiada, via que sua amante também estava suando. Sabia como ela deveria estar molhada e tal lembrança detonou uma onda de calor que confundiu-se com a onda que vinha da língua alojada em seu interior. Tivesse como e tocaria Luciana. Sentiu urgência em sua libertação. Precisava sentir o gosto da sua amada. Porém, aquela noite era da doutora e o ritmo seria o dela.
Conhecendo bem os movimentos da jovem, Luciana voltou sua atenção para o volumoso e brilhante ponto exposto. Intensificou a pressão e em poucos segundos usava toda sua força para sustentar os espasmos de Rebecca, que a empurravam para trás. Teve pouco tempo para evitar que a jovem se machucasse, quando o corpo escorregou do divã.
Rebecca estava agora esparramada no chão, ainda sentindo alguns espasmos. Luciana estava encostada na parede, com a pernas abertas, o olhar faminto, as narinas pulsantes. Era pura fome animal o que aqueles olhos demonstravam. A luz fraca fazia brilhar os pelos úmidos e, mesmo sem iluminação suficiente, o cheiro característico da excitação da doutora guiaria a loirinha sem qualquer engano.
- Cama, já.
Antes que pudesse pensar, foi suspensa do chão e colocada sobre o ombro da doutora como se fosse uma boneca. Rebecca sempre esquecia como aquela mulher era forte e o quanto a luxúria aumentava essa força. Sem perder a chance, na posição em que se encontrava, tendo a visão da bunda perfeita a sua frente, a jovem aplicou um tapa e fez um dedo tocar levemente a entrada do ânus. Luciana tremeu.
Foi literalmente jogada na cama e encontrou o corpo de Luciana a meio caminho entre o impulso da resposta do colchão ao seu impacto e o mergulho da doutora. Quando aterrizaram novamente no colchão, devoravam-se impiedosamente. O desejo da doutora era por carne, sangue. Mordeu os lábios da jovem e os sugou. Rebecca sentiu a dor e o gosto metálico do sangue invadindo suas bocas. Confundiam-se entre línguas e salivas.
Sentindo seu clit*ris latejando, Rebecca sabia que devia se controlar se quisesse dar a doutora um pouco do mesmo remédio que recebera.
Sem interromper a comunhão das bocas, inverteu as posições, colocando-se montada sobre a doutora, escorregando deliberadamente sua umidade pelo corpo da morena, até encaixar perfeitamente suas formas. Relutantemente, afastou os lábios. Olhavam-se novamente. Era difícil não mergulhar na luxúria do mar azul que se abria para ela no olhar da sua amante. Esfregando levemente seus pelos, escorregadios e molhados, Rebecca permaneceu por algum tempo admirando o corpo de Luciana. Então, começou a beijá-lo.
- O que você quer? Peça.
A mulher mal conseguia falar, tamanha era a tensão e torrente de sensações que percorriam seu corpo. Cada toque, cada beijo de Rebecca eram disparos elétricos que faziam pulsar os nervos entre suas pernas. Sem exagero, sentia-se derretendo por dentro e escorrendo pelo lençol.
- Dentro....- ela estava ofegante - quero você dentro....de mim.
Erguendo as mão de Luciana, Rebecca as colocou em seus seios, pedindo para a doutora massageá-los firmemente. A rigidez dos mamilos excitou a médica. Puxando-a pelos braços, ficaram sentadas, abraçadas, sentindo seus meios se encontrando. Luciana mordia a nuca, o ombro da jovem, deixando marcas na carne macia e quente. Sentiam os bicos dos seios roçando partes do corpo, cada vez mais rijos.
Gentilmente, Rebecca empurrou Luciana de volta para o colchão, saindo de sobre ela.
- Espera...deixa eu experimentá-la...- a médica sussurrou o pedido.
Rebecca ia conduzir a mão da doutora entre suas coxas, mas foi interrompida.
- ...quero nos seus dedos...goze para mim....
- ...agora?!?
- ...acredite...tem que ser agora.
Luciana sabia que não seria algo demorado. Conhecia todos os sinais do corpo da sua parceira e ela estava retardando seu gozo.
Apesar de juntas há quase dois anos, nunca vira Rebecca se masturbando.
Acariciando os seios, ela começou umedecendo os dedos nos lábios da doutora.
- Com a mão esquerda ou direita? - perguntou maliciosamente.
Apesar de curiosa, Luciana fez um gesto de indiferença.
Umedecendo novamente os dedos, desta vez em sua própria boca, foi deixando um rastro de saliva que percorria desde o vale entre os seios até o vale entre as pernas.
- ...faça de conta que não estou aqui...
- se não estivesse tentando ignorá-la....- ela já estava ofegante - ..não estaria...- um leve tremor na voz...- demorando ...- estava bem perto - tanto.
Rebecca estava ajoelhada ao lado de Luciana, uma das mãos apoiada no colchão, a outra perdida no meio de suas pernas. O rosto muito corado, os lábios entreabertos, olhos fechados e o corpo trêmulo. Luciana podia perceber o movimento da mão entre as pernas, extremamente aberta, e a contração quando os dedos foram novamente imersos dentro dela.
A jovem atingiu seu orgasmo sem muito esforço. Para a médica, era a visão mais linda que já tivera de sua amante. Sem demora, pegou a mão de Rebecca e sugou cada dedo, sorvendo e saboreando cada gota. Seus olhos estavam presos aos verdes brilhantes, que reapareceram, ainda desorientados pelo gozo recente.
- Vamos, doutora, ainda tenho um pedido para atender.
Luciana voltou à posição original e teve suas pernas gentilmente afastadas. A médica deixava-se conduzir. A jovem ajustou uma coxa da doutora entre suas pernas, mantendo o contato com a pele de Luciana, ao mesmo tempo que tinha liberdade para penetrar entre as pernas da mulher que só esperava por isso.
Rebecca sentiu uma onda de excitação atravessar seu corpo, quando Luciana colocou um travesseiro sob seu quadril, elevando a coxa e fazendo a jovem deslizar um pouco, friccionando seus clit*ris nos músculo rijo da coxa da médica. A posição agora era mais do que perfeita para ambas.
Uma rápida passada de mão entre as pernas da doutora e Rebecca não acreditou como ela estava molhada. Jamais a vira tão transbordante. Tão quente. Ávida. Entregue ao prazer. Era cada vez mais excitante observar as reações daquela bela mulher.
Os olhos verdes demonstraram surpresa e desejo; enquanto os azuis demonstravam prazer. Os movimentos de Rebecca eram lentos e ela apenas ameaçava a abertura, detendo-se sobre a base clitoriana. Tomava muito cuidado para não tocar o ponto rijo e sensível.
- ...dentro, Becky...- ainda havia controle na voz...- esfregue-se em mim...quero sentir sua umidade....
Rebecca apoiava-se por sobre o ombro da médica, que passara um dos braços firmemente por sua cintura.
O movimento de vai-e-vem era muito sútil. Rebecca sabia que a doutora precisava de mais. Pela lubrificação e elasticidade, o segundo dedo entrou facilmente.
Luciana abandonou o corpo aos cuidados da sua parceira. Não queria pensar, não queria mover-se além do necessário, não queria controlar-se. Percebeu que tudo relacionado à Rebecca respondia diretamente em sua libido, em seu desejo. Em seu nariz, o cheiro dela era presente; em suas mãos ainda podia sorver o gosto; sua boca ainda estava dormente dos beijos vorazes; sabia que em seu corpo haviam marcas representando a posse que a jovem loira tinha sobre ela. Agora, dentro dela, consumindo seu corpo em puro prazer e agonia, estavam os dedos delicados, sensíveis, letais. Além deles, diretamente apontados contra o seu, os seios roçando sua pele, obedecendo apenas ao ritmo da respiração da sua amante. Porém, nada era mais excitante do que sentir o calor dos olhos verdes que a miravam impiedosamente.
-....você... gosta.... do que... vê, Becky?
Rebecca alcançou a boca da sua amada. O movimento a fez deslizar mais sobre a coxa musculosa e macia; os dedos faziam movimentos circulares e deslizaram por sobre o clit*ris sensível. Luciana gem*u, sem saber qual parte do corpo provocara o gemido.
- .....gosto de ver....- a língua macia contornava os lábio sedutoramente....- sentir....- os seios foram tomados e mordiscados....- ...ouvir......- Luciana gem*u novamente quando, numa atitude ousada, mais um dedo fora introduzido.....- ....e falar....gritar.....seu nome...dizer....- esfregava-se mais intensamente - eu te amo.
Luciana colocou a mão entre seus corpos e alcançou sua parceira. Sem rodeios, enfiou seus dedos na abertura quente e úmida. Rebecca gem*u , tremeu e, por um instante, cessou os movimentos. Era demais manter sua concentração no outro corpo, quando o seu estava sendo invadido.
A médica pode ver a admiração nos olhos da sua parceira quando, mudando a direção de sua mão, Luciana alcançou os dedos que a preenchiam e , sem muito esforço, uniu os seus aos de sua amada, dentro de si mesma, testando sua elasticidade. Rebecca adorou a sensação de ter sua parceria junto consigo neste sortimento inexplorado dos sentidos.
- Luck, você está tão quente...tão molhada....tão relaxada.
- Mais, Becky...por favor...quero sentir você... - a mulher suplicava.
Por mais que quisesse, a jovem temia atender ao pedido. Quase todos os seus dedos estavam penetrando Luciana num movimento nada sútil, provocado pelas arremetidas do quadril da médica.
- Tenho medo de machucá-la...
As duas mulheres estavam em seus limites. As palavras sussurradas em seu ouvido, a idéia de penetrar totalmente a mulher sob seu corpo, o próprio medo, deixavam a jovem cada vez mais excitada, ainda que relutante.
Por sua vez, a doutora sabia do que seu corpo era capaz. Era a situação ideal. Ela queria. Sabia que Rebecca conseguiria.
- Não tema....apenas observe a forma da minha mão...
Sentindo a hesitação da sua parceira, Luciana simplesmente agarrou Rebecca entre seus braços, desequilibrando o corpo sobre o seu, e arremeteu violentamente contra a mão que a penetrava.
Foi muito rápido, quase imperceptível, o movimento e a penetração. Luciana literalmente viu luzes piscarem quando a mão de Rebecca escorregou para dentro de seu corpo.
Por sua vez, a jovem tentava assimilar o que acontecera. Estava presa fortemente contra o corpo da médica, cujo gemido fora arrancado de suas entranhas. Depois disto, apenas o ruído da respiração de ambas. A médica ficara quieta, imóvel. A jovem quase entrou em pânico.
- Machuquei você...- Rebecca não ousava se mexer.
- ...não...tente relaxar...estou bem...nunca estive melhor.
Aos poucos, com os movimentos voltando ao corpo da doutora, a jovem ergueu-se e tentou como pode melhorar sua posição. Era estranho ver como seus corpos estavam ligados. Estranha era a sensação que tomava sua libido. Tudo contraditório, porque não estava achando conforto no que fazia; mas encontrava satisfação quase animal.
Ao mesmo tempo que achava desconfortável e bizarra aquela situação, orgulhava-se em merecer a confiança da mulher que a abrigava.
- Olhe para mim, Becky. Quero que seus olhos me guiem.
Rebecca só teve noção da sua própria excitação, quando a doutora expôs seus dedos brilhantes pela umidade retirada de dentro da jovem.
Sem rodeios, Luciana iniciou uma massagem rápida e forte contra seu próprio clit*ris. Rebecca olhava fascinada o que acontecia a sua frente: a cada espasmo pela fricção ritmada, a jovem sentia como se o corpo da médica fosse engoli-la. O corpo da morena subia descontroladamente fazendo os seios, cada vez mais enrijecidos, dispararem setas para os olhos verdes atentos.
- Becky...mova.....rápido...
A jovem pensou em perguntar como fazer. Entretanto, ao sentir que sua mão estava adequadamente instalada, iniciou o movimento de vai e vem deixando-se levar pela excitação da cena na qual era expectadora e atriz ao mesmo tempo. Em poucos segundos, penetrava a vagin* querendo entrar dentro da sua mulher. Estava em estado hipnótico.
A médica forçava cada vez mais os movimentos da jovem, que não mais podia controlar a fúria da sua parceira. Cada vez mais sentia que a vagin* engolia sua mão; a umidade era algo novo. Sempre ouvira falar em ejaculação feminina; a lubrificação entre elas sempre fora abundante, mas naquele momento, sentia o liquido escorrendo fora da abertura, a cada estocada; sentia a carne escorregadia, a facilidade para sua mão mover-se e isto a estimulava a ser mais ousada, mais rápida, penetrar com vontade. Sentia-se, numa comparação grotesca, como um pilão.
Mantinha seu peso apoiado em um braço, enquanto a médica a segurava pelos ombros, firmemente presa. Suavam demasiadamente. Rebecca temia perder o equilíbrio e, da forma como estavam conectadas, causar algum ferimento interno. Entretanto, era impossível manter algum pensamento coerente diante de tamanha carga erótica e, de certa forma, a excitação crescente com a situação de submissão que a médica se colocara. Rebecca queria entender que sua mão estava em contato com o interior mais profundo de um outro corpo.
Tentando manter um certo equilíbrio, mas não podendo conter o desejo, Rebecca tocou levemente, com a língua, o bico rijo e quente do seio generoso. Foi um gesto simples, mas o suficiente para fazer sons desconexos preencherem o apartamento. A única palavra assimilada e dita claramente fora seu nome, dito e repetido como um mantra. Luciana ergueu-se, levando a jovem junto, tamanha a força do orgasmo. Ao deixar-se cair sobre a cama, puxou a jovem consigo, sobre seu peito, ainda mantendo-a fortemente entre seus braços. O corpo da médica tremia, ainda conectadas. Várias ondas sacudiram o corpo dela, embalando a jovem nos múltiplos orgasmos, molhando totalmente sua mão. A médica com certeza ejaculara.
Saída de um transe, Rebecca estava assustada com o espetáculo presenciado, além de não saber o que fazer agora, que aparentemente terminara.
Luciana demorou alguns minutos para voltar a respirar normal. Enquanto isso, a loira nem respirava com medo de se mexer. Recuperara a lucidez e o medo de machucar o corpo colado ao seu. Estava rija e imóvel. Tensa pela própria excitação e também pelo receio.
- ....Becky, preciso que você relaxe....- a médica ainda estava arfante - ....precisamos aproveitar que ainda estou lubrificada....
- O que eu faço?
- Respirar é um bom começo. - Luciana tentava descontrai-la.
- ....estou com medo.....vai doer....
- ....eu confio em você.
Estas foram palavras mágicas. Aos poucos, orientada por Luciana, a conexão foi se desfazendo. E, desta vez, Rebecca sentiu-se ainda mais excitada. Ela estava no comando e via sua mão surgindo de dentro da mulher que era a sua vida. De repente, era como se ela estivesse nascendo. Então, se dera conta de que estivera acolhida no calor e umidade do corpo que se deixara dominar. Percebera toda a confiança que a doutora depositava nela. Tais pensamentos a acendiam. Quando retirou o último dedo, queria sentir o que tirara daquelas profundezas. Esfregou a mão em seus seios, por sobre os mamilos totalmente rijos.
Percebendo os sinais do corpo da jovem, a doutora, ainda que exaurida, reuniu uma reserva de energia, vinda da vontade de retribuir sua amante e inverteu a posição.
- Você quer mais? - perguntou, ainda arfante.
- Você consegue? - Becky quase que implorava para que conseguisse.
A jovem observava o corpo suado, moreno, brilhante, amoldando-se ao seu, entre suas pernas. Nada em sua vida, absolutamente nada, superava amar e ser amada por aquela mulher. Sentia seu orgasmo surgindo apenas com a proximidade do calor do outro corpo, ainda vibrante. Lembrou do que fizeram antes e como se conectaram. Sentiu Luciana posicionar-se, fazendo seus clit*ris entrarem em contato. Estava muito molhada. Estavam. Agora ela, Rebecca, agarrava firme a médica e se deixava entregue, apenas sentindo os músculos, ossos, fibras, pele, qualquer coisa que mantinha toda aquela estrutura corpórea que se desmanchava sobre ela. Encontraram sua cadência juntas; em alguns minutos, o gozo de Rebecca preenchia o quarto, ecoando o nome de Luciana.
Exausta, a médica envolveu o corpo da jovem, em busca do descanso merecido.
- Luck...
- Hum...
- Obrigada.
- Você é sempre bem-vinda.
- Eu estava com medo...na hora de sair de você....achei que poderia machucar....foi estranho...
- Normal....não esqueça que eu já tive um parto natural.
- Não foi cesária. A cicatriz...você disse...
- Não. Boa noite, amor.
Não fora uma boa noite para Rebecca. Apesar de cansada, teve sonhos agitados. Não eram pesadelos, mas eram estranhos.
A experiência que tiveram abalou a jovem. Seus sonhos remetiam a partos. Ora ela estava realizando o parto do filho de Luciana, ora ela era a criança que nascia. Noutro sonho, ela via a barriga da doutora sendo aberta e sua mão surgia puxando-a para dentro de Luciana.
Acordou e sentiu o peso da perna da doutora sobre seu quadril. Ela dormia mansamente.
Situação estranha para Rebecca, ela estar sem sono e Luciana dormindo calmamente.
A cabeça da jovem trabalhava como um dínamo e recordava os sonhos.
Ela estava se sentindo dividida com tudo o que acontecera. Não era a forma como fizeram amor. Não: na verdade, era.
Não fora uma trans* simples, com elementos novos. Fora um ato, de certa forma, violento. Um ato de muita coragem e confiança. E isto, a confiança, era o que tinha tornado tudo possível e aceitável.
Mas, ao mesmo tempo que achava que a confiança entre elas já era incontestável; no momento no qual a médica parecia disposta a entregar tudo para ela, surgia um elemento dissonante: Rebecca tinha certeza que Luciana dissera que o parto do filho tinha sido cesariana.
O momento fora quase igual, pois foi logo após terem feito amor.
Nas primeiras vezes, quando a jovem explorava o corpo da médica, a cicatriz tinha lhe chamado a atenção. Ela lembrava ter dito que para uma cidadã comum, Luciana tinha muitas cicatrizes. Brincara com todas e detivera-se especialmente naquela, logo abaixo do umbigo. Era quase imperceptível, mas como estava minuciosamente examinando o corpo amado, deixou o dedo percorrer a pequena linha. A doutora nada dissera.
Depois, com a revelação sobre o filho, Rebecca disse que descobrira a origem de uma cicatriz e Luciana concordara. Bem, a médica pode ter sido induzida, mas confirmara de qualquer forma. Isto era certo.
Agora, diz que não.
"Por que ela nunca conta tudo?"
Levantou-se e foi ao banheiro. Seu corpo cheirava o sex* recém realizado. Seus odores se misturavam: ela estava impregnada em Luciana; Luciana estava impregnada nela.
"Por que conseguimos compartilhar tão bem o corpo, sem qualquer receio ou fronteira, e não temos essa facilidade com seus temores, doutora?"
Abriu o chuveiro e deixou a água quente escorrer. Pode perceber, mais do que ouvir, a presença da médica. Virou-se e viu que ela estava fazendo xixi. Percebeu a careta que ela fez ao se limpar.
- Dolorido?
- Leve ardor. Passa logo. - disse, rindo maliciosamente, enquanto entrava no box, junto com Rebecca.
Ficaram abraçadas um bom tempo, deixando a água escorrer por seus corpos colados.
- Luck....
- ....
- Não quero repetir mais isso.
- Como?
- Fist fucking.... não gostei.
- Eu que peço desculpas..
- Não. Nunca vamos nos desculpar por nos amarmos de todas as formas. O momento foi hipnotizante; para mim, teve significados importantes; mas, se pudermos passar sem, eu não quero mais.
Luciana nada disse, apenas abraçou a jovem e a conduziu para cama. Ainda cheia de pensamentos, Rebecca se aconchegou no calor do corpo amado e adormeceu.
******
Ruth conversara com Andras, antes de ter uma conversa mais ou menos semelhante a que teve com Luciana, mas desta feita, com Rebecca.
- Acertei com ele que não vou separa dele. Num conheço outra vida, num ser cuida dele e de ocês. Mas, num tenho sentimento de muié para homi faiz tempo. E ele num agiu certo com ce, minha fia. Que desgraceira ele meteu a genti. Si o João tivesse feito o serviço dele, nóis estaria 7 parmos baixo da terra e ocê ia ser quenga de veio coroner. Lillian num merecia.
- Entendo mãe...
- Não entende, fia, não entende! Deus se engraçou com ocê e, da maneira sábia dele, coloco a dotôra no seu caminho. Fico feliz, pois vejo em ocê uma muié linda, cheia de sabedoria, trabaio grãfino e, pelo qui pude escuta, muito bem servida no quarto.
- Mãe!!! - a jovem corou.
- Fia, estou chegando aos cinqüenta anos e nunca dei um "pio de coruja" na minha vida!
- Pio de coruja?!?!
- Esquece. Apenas guarde que seu pai e eu num somos mais marido e muié desde o nascimento da Lilly. Fui tudo que mi disseram uma esposa tem que sê. - disse, com uma expressão vaga no rosto - Vendo você, desejo que Lilly tenha a mesma sorte. Sorte que eu num tive. É tarde para quere ser uma muié amada de verdade, mas não é para deixar de ser uma que nunca foi. Seu pai é, de agora em diante, apenas seu pai.
- Se ele quiser!
- Ele acaba se acostumando.
- Então é isso: vocês vão ficar juntos por aparência? Pela Lilly? E você vai ficar aqui?
- Régia tem razão: oh muierada da cidade que faiz pergunta!!!
Diante dessa conversa, Rebecca teve que pedir proteção para seus familiares.
Muito à contra-gosto, João de Deus foi designado como segurança dos pais de Rebecca, já que todos insistiram em permanecer na fazenda.
Após todo o ocorrido, Andras não quis ir e deixar a mulher e a filha mais nova. A tal partilha teria que esperar. Ele acertara com Clara que faria; mas, a mãe de Rebecca pediu um tempo para a secretária, que obviamente concedeu.
Com a partida da mulherada da cidade e a definição da nova proprietária da fazenda; as coisas estavam brandas nos arredores da casa principal. Nas cercas, ainda o burburinho das invasões vizinhas continuavam fortes. João cuidou para que ficasse claro que as terras não eram abandonadas; que foram passadas para outras mãos e que essa pessoa assegurava o direito de posse das terras pelas pessoas ali assentadas. Com pouca intervenção da Régia, que desaparecera por completo após a tumultuada decisão da compra pela mulher da cidade, o capitão procurava ajeitar as coisas da melhor maneira possível.
Com o passar dos dias, o capitão-do-mato começou a fazer as refeições junto com a família, para desconforto de Andras. Junto com ele, Daniel também, para alegria de Lilly. A moça estava muito confusa com as coisas que ocorreram, mas decidira que não deixaria a mãe. Muito menos Rebecca.
João, quando despido de sua imagem, era um cara calmo. Caladão. Brincava muito com Daniel, de quem parecia gostar genuinamente.
Ele e Ruth andavam conversando bastante. Ela, como sua filha, sabia tirar das pessoas algumas confissões com sua bondade e compreensão. Mais experiente que Rebecca, a mulher tinha sabedoria aliada à percepção feminina. Sabia quando a conversa com o capitão excedia os limites do homem.
Andras, entretanto, não estava feliz com a situação. Vociferava, mas se borrava de medo de Régia e do capitão.
João estava na cozinha, acertando com Mirtês e Ruth as compras que fariam na cidade. Andras não se atrevia a colocar a cabeça na janela; mas Ruth e Lilly queriam ir rever algumas pessoas na cidade. O capitão disse que Mirtês poderia ir com elas, pois a mulher era de confiança e conhecida como braço direito da Régia. Ninguém mexeria com elas.
- Cês são um monte de trouxas! Aquela puxa-saco lá comprou a fazenda, mas duvido que uma empregadinha tenha dinheiro para bancar isto aqui!
Todos permaneceram calados, ignorando o comentário maldoso e inoportuno.
- Quero vê quando acabá o dinheiro que a zóio azul deu. A magricela empregada num vai ter como ajuda ocês.
- Cala boca, homi. Ela livrou ocê de boa!
- Isto lá é verdade. Pois, si fosse por ocê, eu tava capado! - disse, enquanto protegia as partes e olhava para João, que pegou no cabo da faca, zombeteiramente.
- É, mas se a Régia escuta ocê nestas prosas bestas, ela arranca seus bagos pela boca. O nome dela é Clara. E a noiva da nossa filha é a Dra. Luciana.
O homem tremeu todo ao ouvir a frase. Por todo o contexto dela.
- Mas, eu to falando a verdade: ou ela roubo a espertona daquela machona de zóio azul, nas barba dela; ou é doida pra continuá lambendo os pés dela, tendo a dinheirama que tinha.
- Andras, ce num entendeu ainda que não é pessoa bem-vinda aqui. Num entendeu que eu tôu aturando ocê por conta da Lilly. Num entendeu que sua vida foi salva pela Clara e só vale pela palavra da Régia. Cala essa matraca, antes que sua boca vire formigueiro...se a gente acha ocê para ver as formigas!
Ao dizer isto, Ruth pegou o chapéu e lenço e saiu, seguida por Mirtês.
- Eu sou seu marido, muié!
- Pelo qui iscutei, tu num tá honrando tua parte faiz tempo. - João de Deus deu uma cusparada que quase acertou em Andras.
- Cumê que ce sabe? - Andras perguntou para o vazio, passando a mão na testa, como que verificando o surgimento de algo.
*******
*******
- Clara, a Régia sabe que a cirurgia será dentro de dois dias?
- Deixei vários avisos com o pessoal da fazenda, doutora. - a voz da secretária era indiferente, não demonstrando seu habitual empenho.
- Quero um pronunciamento dela, ainda hoje! Manda o João ir atrás dela. Vá você pessoalmente se for o caso. Quero respostas!
- Sim! - a secretária se resignou.
- Dra. Luciana, é imprescindível a presença dela? - Marcella perguntou, com certa audácia.
- Se ela não quiser comparecer, problema dela; mas eu preciso que tenhamos prova de que tudo foi feito para localizá-la.
- Mas, temos a autorizaçã....
- Marcella, eu não sei quem é a Régia; nem sei se aquela assinatura é dela. Aliás, nem sei se a menina é filha dela! Não quero colocar a reputação do meu hospital em jogo.
- Finalmente algum juízo, Luciana. Por mim, nunca teria começado essa onda de caridade! - Prof. Victor falou.
- Por mim, não me importa a mínima quem ela seja: faria tudo novamente e até mais, se realmente não tivesse que ter tanta cautela com o que envolve estas empresas. E, Victor, o dia que eu realmente perder o juízo, VOCÊ tome muito cuidado! - disse, dando uma leve piscadinha.
- Doutores, a questão é que precisamos de todo tipo de instrumento legal que nos garanta que nada irá afetar a conduta ética deste hospital, caso não sejamos bem-sucedidos. - Prof. Arthur ponderou.
- Se a ....a.....aquela infeliz morrer, com certeza não será por negligência nossa! - os olhos do Prof. Victor arregalaram ainda mais sob a grossa lente.
- Victor, nós vamos usá-la para um experimento. A tal cirurgia foi alardeada entre os colegas da área e outras especialidades correlatas. - Prof. Arthur comentou.
- Sem contar que teremos a imprensa especializada em artigos clínicos presente pessoalmente ou por vídeo-conferência. No pior cenário, caso aconteça, não será um simples caso de internação que termina em óbito. - Marcella enfatizou - Por isso perguntei se a trogl....se a mãe tinha que estar presente, já que me parece ela tem alguns mistérios rondando sobre ela e deve preferir fugir de tanta publicidade, ainda que apenas para o meio. - a diretora não perdeu tempo em alfinetar.
Luciana permanecia calada. Sabia que a situação irregular da líder poderia ser um problema e tanto. Já havia ponderado vários cenários e todos exigiam a presença de Régia sob os refletores. De certa forma, quando Régia informou que iria embora e deixaria Anna aos cuidados de Becky, a médica considerou que seria uma coisa a menos a ser pensada diante dos minuciosos preparativos para o que se tornaria uma pesquisa divulgada entre outros países. Não era a cirurgia que chamava a atenção, pois está era até rotineira; mas o que viria depois.
- Clara, quero Régia na minha casa. Nada de hotéis e nem de perambular sozinha por aí. Grude nela! - Luciana ordenou.
- Co..como, doutora? - a secretária gaguejou.
- Por quê?!?! - Marcella perguntou e se arrependeu.
- Você quer ficar com a Régia, Marcella? Se está questionando meus comandos....
- A doutora sabe que não posso!
- Para mim, você pode tudo. Continua a me questionar?
- Eu estou recepcionando os médicos chilenos e equipe....
- Clara pode recepciona-los. É apenas para garantir acomodações e a estadia. - virando-se para a secretária - Clara, troca com a Marcella, então.
Ambas entreolharam-se.
A secretária não queria ficar com Régia, mas também não queria a diretora com ela.
A diretora não queria ficar com Régia, mas também não queria a secretária com ela.
- Mas..Dra. Luciana...
- Você vai questionar de novo, Marcella? Então você pode ir acompanhar lá do Chile, para ver se a transmissão ficará boa em vídeo-conferência. Clara dará conta das duas tarefas, com certeza!
Silêncio sepulcral. A diretora e a médica se encaravam. Luciana venceu o duelo.
- Bem, terminamos com o lazer! Voltem todos ao trabalho. - a médica disse, retirando-se da sala sem olhar para trás.
Incrivelmente, nenhum dos doutores fez qualquer comentário.
Marcella estava rubra, as juntas dos dedos brancas, pela força com a qual segurava o braço da cadeira.
Sem qualquer tempo para ser impedida, saiu pela mesma porta que a doutora, passagem que levava direto à sala dela.
- Luciana, qual seu prazer em me diminuir?
Clara veio logo atrás. Sabia que tinha que fazer algo, pelo bem de Marcella.
- Clara, bom que você também tenha vindo. Assim poderá escutar a única vez que falarei sobre o assunto. - Luciana falou calmamente, desviando sua atenção da tela do note.
Ela as encarou. A secretaria se preparava para a bomba.
- Vocês duas podem fazer o que quiserem fora das minhas empresas, quando não são minhas assessoras. Podemos até ter vínculos, devido às situações que nos envolveram. Mas aqui dentro eu dou as ordens, como sempre ditei. - a médica falava quase num murmúrio, muito firmemente.
Marcella queria retorquir, mas Clara segurou seu braço.
- Eu quero Régia em lugar seguro, longe de qualquer tipo de mídia e alarde. Já me arrisquei a uma exposição desnecessária com a estória dos pais da Rebecca. Quero-a em casa porque é cheio de seguranças. Quero Clara colada nela, porque ambas confiamos nela, eu e Régia. Se você, Marcella, tem ciúmes, insegurança, ou seja lá qual a sua paranóia com ela; aprenda que isto, aqui dentro e em meus domínios, é uma baboseira que não vai embotar meus atos e planos. - a voz era mais firme e em alto volume, não chegando a ser um berro.
Silêncio.
- Em louvor a sua corajosa atitude de entrar aqui e me questionar ainda mais, você pode ficar com os chilenos.
Marcella estava se preparando para ser chutada e quase retruca, quando percebeu o que acabara de ouvir.
Com um gesto de mão, a médica indicou que encerrara o assunto, voltando a atenção para a tela do note.
Parecia piada, mas o timing de Becky para chegar em situações assim era britânico. A loirinha chegou bem na hora que as duas saiam da sala. Não estavam com ar de que levaram uma descompostura, mas estavam com expressões indecifráveis.
- Vocês estão bem?
- Sobrevivemos mais uma ousada aventura! - Clara tentou ser alegre.
- Não sei como você agüenta, Becky. Juro que não sei!!!! - a diretora estava zangada, mas menos agressiva que de costume.
Fazendo um exagerado sinal da cruz, a loirinha entrou na sala.
- Se você soubesse o quanto é engraçado ver a expressão no rosto daquelas duas cada vez que saem daqui...não fosse o assédio moral, e eu acharia muito cômico.
Becky contornou a mesa e sentou-se no braço da cadeira da doutora, que a observou caminhar em sua direção, com um olhar de pura inocência.
- Assédio moral!?!? Você está me acusando?
- Luck, você sabe que é. No Brasil, infelizmente, as pessoas não se atentam para o fato de que existem leis para protegê-las contra patrões abusivos.
- Eu sou uma patroa abusiva? - disse isto, enquanto acariciava o rosto da jovem, mesmerizando-se com a beleza jade dos olhos de sua amada.
- É. - Becky mal podia manter os olhos abertos, saboreando o prazer de sentir o toque da médica.
- Mas elas recebem muitíssimo bem para aturarem meus abusos. - dessa vez, o rosto estava colado ao seio da jovem.
- Isso lá é verdade. Mas, mesmo assim, você exagera. - a jovem acariciava os fartos cabelos negros, observando um isolado fio prateado.
- Você veio aqui para criticar meu modo de agir? - não havia tanta jocosidade na voz da médica, agora.
- Claro que não.- Becky sentiu que poderia iniciar uma discussão que não era seu propósito. - Vim leva-la para casa. Chega por hoje! - e puxou o fio branco.
- Uiiiii! Ficou louca!? Isto também é violência: doméstica! - a médica fez um pequeno biquinho e recebeu um ardente beijo, como reparo do mau trato.
- Muiiiiiitooooo melhor. Vamos.
- Meus pés me matam! - Becky reclamou.
Sem pensar, a médica a carregou.
- Amor, eu adoraria descer pelo elevador em seu colo; mas, acho que sua imagem iria ser seriamente abalada. O que pensariam seus funcionários se a vissem tão servil?
Da mesma forma repentina, Becky foi posta no chão.
- Tem razão. Acabaria minha imagem de "patroa abusiva"! - disse, dando um tapinha na bunda da loirinha a sua frente.
No caminho de volta para casa, a médica contou o que ocorrera. Becky ponderou, com seus botões, que a diretora por vezes parecia achar que tinha alguma supremacia sobre Luciana. Com toda a honestidade, a jovem não gostava disso. Mesmo sendo contra a metodologia utilizada, acreditava que Luciana colocava Marcella na rota, cada vez que ela desviava do seguro e conhecido caminho da profissional e sua empregadora.
Com relação à Clara, sentia que Luciana estava forçando uma barra desnecessária. Não conhecesse bem sua amada, para saber que assuntos sentimentais alheios não a moviam, acharia que estava armando algo.
- Luck, amor, você sabe que a Régia e a Clara...bem.....elas....veladamente....elas...
- Becky, eu sei muitíssimo bem o que ocorre. E como disse às duas, estou me lixando para ferir ou não sutilezas. Eu não tenho interesse algum em bancar cúpido; eu tenho interesse em manter minhas empresas. Não tenho culpa que Clara e Marcella, as pessoas que mais confio, vivem esse triângulo mal-resolvido com a Régia, que é uma pessoa leal, mas completamente desconhecida; com um passado duvidoso.
- Mas, vai ser uma tortura...
- Amor, nem com 2000 km as separando, elas deixam de se torturarem.
Becky só pensava em quando Clara e Régia se encontrassem.
***
***
O rádio passado comandava que Régia estivesse pronta, na pista da fazenda, pois o jatinho ia busca-la.
No dia anterior, a líder confirmara sua presença.
Quando João chegou para comunica-la que as pessoas de São Paulo a procuravam, deparou-se com a porta aberta e a lider ausente. A cabana totalmente revirada, como se um potentado da natureza tivesse devastado o lugar: garrafas vazias, restos das cinzas do fogão, alguns bichos mortos pelo chão; um enxame de moscas sobre umas caças já decompostas; um vômito recente, constatado por sua umidade. A única coisa que aparentava alguma disciplina era o calendário, com as datas riscadas e um circulo vermelho em volta do dia da cirurgia.
Ele sabia os possíveis lugares para encontra-la, mas preferiu esperar. Enquanto aguardava, tentou ajeitar o que podia. Doía o coração do caboclo ver a penúria da soberba mulher.
- Ainda trago aquela zóio verde aqui e esfrego ela neste chão!
- Q´tá resmungando feito preto veio?
O caboclo assustou. Ainda mais porque ela estava nua, respingando água.
- Faz o que aqui? Cuidado que pode levar uns tiros nos cornos, remexendo aqui sem avisar. - em dois passos largos, arrancou um pano de um prego e enxugou as partes, para martírio do caboclo, que resolveu dar uma utilização ao chapéu, mor de evitar passar vergonha diante de seu repentino estado.
Seu corpo reagiu por instinto, pois ele olhava para uma mulher abatida, magra, sem brilho no olhar. Uma sombra do que fora a líder. Nem em seus piores dias, quando toda estrupiada em uma cama, ela tinha definhado tanto. "Tão pouco tempo! Ou, talvez, tanto tempo sem amar!"
- Sua fia opera em dois dias. O povo quer ocê por lá, ou uma papelada provando que ce foi avisada.
Régia jogou o calendário em cima de João e reparou no que ele escondia sob o chapéu, quando o derrubou tentando pegar o que lhe foi atirado.
- Deixa de ser besta, homi!!! Baixa isso logo se quiser usar novamente. - disse secamente - Hoje eu desço. Vou dormir na enfermaria. - completou, indo até o fogo, revirar no pote de café, vazio.
- Régia, o pai da loirinha irritante tá assuntando lá na cerca, de conversê com os cabras da fazenda do lado.
- O que que eu tenho com isso? - e foi embora.
Olhando para sua calça, o caboclo percebeu que Régia esfriara até sua alma.
Como prometido, ao final do dia, Régia desceu.
- Oia quem tá qui!! - Ruth recebeu a líder com entusiasmo - Estava preocupada com ocê, minha fia. Tá todo mundo arvoroçado procurando cê. Tá tudo pronto para a cirurgia da menina sua fia.
- Posso pegar um café, D. Ruth? - foi tudo que a líder disse.
- Pode, mas ce vai comer algo também. Que definhamento é esse minha fia?
Sem cerimônias, a mulher mais velha fez a jovem sentar. Entendeu que perguntas com ela não funcionavam. Começou a esquentar a comida, ainda morna do jantar.
- As muié lá da cidade gostam muito d´ocê. Minha fia gosta facilmente das pessoas, num conta muito...- disse, dando uma risadinha - ...mas a zóio azul num me parece fácil de engraçar com alguém. E ela tem grande respeito por você. A secretária, Clara, parece que também se preocupa muito.
A líder achara algo interessante no líquido escuro no fundo da caneca, enquanto ouvia a jovem senhora. Torceu a boca à menção do nome da secretária, o que não passou despercebido por Ruth. Um sorriso de escárnio surgiu no rosto da líder.
- A senhora sabe como nos conhecemos?
- Apenas Ruth.
Régia aquiesceu, sem interromper o que ia dizer.
- Quase matei a doutora sem socorro. E meus cabras quase mataram as duas. E elas nem piscaram para ajudar minha filha, quando a doutora usou seus conhecimentos médicos. - tomou uma golada do café amargo - Gente decente é assim, Ruth: mesmo a doutora sendo desconfiada, ela ama a sua filha e não negaria um pedido dela. E sua filha é boa, ingênua, doce, cheia de fé; Luciana teve muita sorte e, por tabela, eu também tive. Como boa oportunista, não poderia desperdiçar!
- Você é mãe, Régia! - a jovem senhora disse, colocando o prato fumegante diante da líder. - Se agarrô ao que tinha.
Por mais que quisesse negar, o cheiro da comida invadia os sentidos e Régia percebeu que estava com fome. Ou a sensação de amor e carinho contida naquele prato a deixava menos gelada, menos indiferente à vida.
- Você deve pensar que sou uma sem juízo em ter filho na minha condição. - disse, quase soltando um gemido pela deliciosa comida em sua boca.
- Num penso nada. Cada uma de nós tem sua cruz, nossa farta de juízo. Mesmo casada, vendo o que Andras feiz com a Rebecca, sinto que a culpa foi minha em ter fio com um homi tão desmiolado. - correu buscar um copo d´água para a líder.
- É diferente, Ruth. Apesar de tudo, ele proveu você...
- Não fosse a doença, ocê jamais abandonaria sua fia e nem a entregaria em uma barganha. - Ruth aproveitou que ela bebia a água, para interromper o discurso - Aliás, ocê tá engolindo seu orgulho para tentar o que pode para salva-la. Embora esteja desistindo do cê mesma, nunca desistiu da sua Anna.
A líder ficou calada, entretida com a comida.
- Minha Anna - riu amargamente - Eu num tenho nada, Ruth. Nada, a não ser raiva, destruição, mortes, rastro de sangue. Meu nome e o dela numa mesma frase parece pecado!
Mastigava por distração agora.
- Régia, ocê é uma mulher linda; é uma pessoa de fibra; de caráter. Num temi homi ou animar. Tem a lealdade dos homi barbado, o temor dos inimigos. Chegou até aqui, com essa gente seguindo ocê cegamente. Vi sua luta com Andras. De repente, ocê aparece aqui, assim, caída. O que te abate desse jeito?
Subitamente, a comida perdeu o gosto. Afastou o prato.
- Brigada pela comida, dona!
Ruth observou a líder sair pela porta, a passos largos. Tinha uma leve desconfiança da causa de tudo.
- Zóio verde!!!! Será que devo arrumar um cabra de zóio azul?
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********
A roda estava formada e a confusão armada.
A música fora interrompida quando uns cabras, cinco exatamente, afrontaram o João.
- Cês num são dos nossos. Qui tão fazendo aqui? Num queremo confusão. - o capitão disse, ficando a frente de Ruth e Lillian.
- Nóis queria conhecê quem tá no comando.
- Aqui num tem comando. Todo mundo cuida de tudo.
- Num tem dono? E o cabra ali, num é o dono? - disse, apontando para o Andras.
- Num disse que num tinha dono. Tem dono e num é ele. Disse que num tem comando.
- Ele disse que uma tar muié macho de zóio azul é a líder dos cês. Cê é o João, o puxa-saco dela, certo?
Todos os olhos fixaram-se em Andras, que encolheu; e voltaram para o capitão.
- Quem quê sabe? - o capitão não queria confusão, pois ainda era recente a morte do desinfeliz que tentou contra Clara.
- Eu penso que tem que ter mando. Tem muita terra aqui e muita gente querendo tomar dos cês. Ele disse que cês num tem dinheiro pra fazer isto progredir. A fazenda tem dono, mas é só.
Ao ouvirem isto, os cabras mais leais de João e Régia, empunharam suas armas e vieram acercar o capitão. Algumas pessoas começaram a se retirar; outros homens pegaram suas ferramentas para fazer frente.
- HUmmm....cê é o líder ou não? - disse encostando a ponta do dedo no peito do capitão. - Tá com medo, desinfeliz?
- Cabra, diz logo que ocê quer e vai embora. Se for di paz, a gente pode conversar manso. Si não....
Muito senhor da situação, o fulano foi até o barrilzinho de pinga e se serviu, tirando um naco de carne. Antes que pudesse colocar na boca, o brilho da lâmina refletiu em seu rosto e o zunido desviou o seu olhar para a carne espetada no tronco da árvore.
Mesmo com a pouca luz da fogueira e lampião, a silhueta inconfundível surgiu por entre as sombras. Mais perto da luz, os faróis azuis brilharam ameaçadores.
- Disseram que ocê procura um líder. Você é um líder? - as palavras foram proferidas com muita tranqüilidade.
Caminhou até o barrilzinho, ficando frontal ao estranho; tomou um gole de pinga, envergando toda sua altura sobre o cabra. Eram da mesma altura.
- Não, mas posso sê. Quem tenho que vence? Um jagunço bundão ou uma muié macho?
João ameaçou partir pra cima do cabra, mas Régia levantou a mão. Ele parou.
Repentinamente, o cabra deu um tapa no rosto da líder, que apenas girou a cabeça. Calmamente, ela estalou o pescoço, limpou o filetezinho de sangue e sorriu.
- Vai muié macho, enfrenta um homi de verdade!
- Moço, num tou muito paciente por esses dias não. Um último aviso: vai embora. Arruma outra luta, outra fazenda, outras pessoas. - dizendo isto, deixou o copo na mesa e virou-se para ir embora.
Ouviu o riscar da faca na bainha. Agilmente, com uma girada de corpo, o chute pegou certeiro na mão do cabra. Ele girou também pela força do chute e deu de cara com os punhos cerrados. Foi lançado contra a árvore. Novamente, a líder tentou se afastar.
Automaticamente, os comparsas dele precipitaram-se na direção da líder.
Ela girou o corpo no ar e um deles voou com o chute certeiro no rosto; outro, recebeu um chute preciso no peito, com a virada que a líder deu, lançando a faca longe e dando outro chute em sua cabeça.
Um deles estava armado, mas não teve tempo de puxar o gatilho, pois a faca de João cravou em sua mão. O outro, vendo que ia levar a pior, saiu correndo não evitando os chutes no traseiro.
Infelizmente, o que caíra perto da árvore era teimoso e insistiu em atacar Régia com a faca espetada no tronco, que ainda prendia a carne.
Ela nem se mexeu; tirou o corpo do caminho, pegou o braço, segurou a mão e o barulho de osso quebrado foi acompanhado do som do grito. A faca caiu da mão, que pendia mostrando o osso exposto e o sangue.
Quase ao mesmo tempo, o cotovelo atingiu o nariz e outro estalo se fez e o sangue espirrou, manchando a camiseta branca.
O sangue era um estimulante e tanto. Tudo ficou vermelho. Quente. Régia explodiu no gozo de sentir ossos e carne se esmagando sob sua força. Sabia que batia em carne humana. Era macio, quente; a resistência dos ossos era estimulante. Bateu naquele homem com a vontade que teve de esganar Andras; com a vontade que sentia em descontar em alguém sua fúria. Queria sentir suas mãos raladas pelos socos. Sentir dor física, mas aquele bundão num deu nem para o começo. Não usou nada, além das suas mãos.
- Chega, Régia!! Chega! Ele tá morto...
João estava tentando segurar ela, junto com mais uns 3 caboclos. Tão logo conseguiram afasta-la, outros arrastaram a massa disforme que era o desafiante e o levaram para a cabana. Não sabiam se morto ou vivo.
Régia olhou e viu a marca de sua violência: podia jurar que tinha pedaços do homem em suas mãos. Levantou os olhos e viu Ruth, Lillian e Andras. O homem estava lívido. Lillian com os olhos verdes arregalado, assustada.
- Vem, Régia, vamos limpar isto e colocar sal. Vai inchar feio. - Ruth a segurou pelo braço.
Ao passar pelos presentes, pode ouvir comentários: no geral, o povo estava eufórico. Davam-lhe tapinhas no ombro. Algumas moças enxugavam-lhe o rosto suado. Daniel a olhava com respeito.
João acompanhou os outros até a antiga enfermaria. Pela primeira vez, rezava para o cabra não morrer. Régia não precisava de mais essa culpa.
- Régia, minha fia, espero que tenha expiado seus demônios!!!
A líder ouvia, observando o sangue manchar a água salgada da bacia. Suas mãos estavam raladas e inchadas. Doía o movimento de abrir e fechar. E Régia o repetia, querendo a dor.
- Você é uma guerreira!!
- Era apenas um rapaz querendo chamar a atenção...- dizia com raiva de si mesma.
- Se ele pudesse, teria matado você.
- Sou um monstro! - disse com desprezo.
- Uma sobrevivente! O que ocê chama de "monstro" são emoções que pessoas nunca te deram chance de sentir; esse "monstro" se alimenta de pessoas que insistem em te machucar, em negar a ocê uma única palavra de amor. Quem ama ocê, Régia?
- Eu mereço amor, Ruth? - havia fúria na pergunta misturada a incredulidade.
A jovem senhora abraçou a líder, sentindo na pele as lágrimas.
- O que você mais quer é isto, Régia. Ao parir Anna, ocê pensou em ter alguém que desse amor para ocê. - afagou os cabelos - Quem olhar através dessa fúria e puder ter a mulher carente, vai ser a pessoa mais sortuda desse mundo, tamanho amor tem aqui guardado! - tocou o peito, por sobre a camiseta suja de sangue.
- Você num tem repugnância, nojo, de mim?
- Daquela mulher que vi defendendo as pessoas lá fora, contra um cretino? Ou daquela que não se deixou humilhar por um borra-botas como o meu marido? Não, dessas eu não tenho. Essas sabem se cuidar.
A líder levantou a cabeça e olhou profundamente nos olhos verdes.
- De qual você tem medo?
- Da que está desistindo do amor.
- Você seria capaz de me amar?
- O meu amor não é o de quem você quer; e nem da forma como precisa.
A jovem senhora acompanhou a líder até o quarto desocupado, já que a enfermaria agora ocupava o que sobrou do desafiante.
- Descansa. Amanhã é outro dia. Ocê é uma heroína aos olhos desse povo. Não se envergonhe!
Observada por Ruth, a líder dirigiu-se até a cama.
- Verdade que Andras já não a visita mais para cumprir as obrigações?
Uma nuvem de tristeza atravessou o olhar, mas um sorriso tomou o lugar.
- Entendo. Boa noite, Ruth. Não desista do amor você também!
A luz apagou e duas mulheres ficaram a imaginar como recuperar o que perderam em suas vidas.
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**********
Rebecca acompanhou Clara até o aeroporto. Foi com muita alegria que soube que sua mãe também estava vindo com Régia.
Luciana quis que a mãe da jovem ficasse hospedada na mansão. Rebecca não questionou, pois o apartamento era pequeno demais realmente e sabia que a médica não tinha a menor intenção de ficar privada de seus momentos íntimos.
Rebecca falara com Ruth ao telefone e contara sobre a situação que a doutora metera a secretária e a líder.
- Bem que eu discunfiei, fia! Aquela tristeza misturada com fúria é mesmo pela Clara, então?
- Mãe, a Clara está comprometida com outra pessoa, mas a gente sabe que ela se sente atraída pela Régia. E vice-versa. Mas, ambas boicotam essa paixão. De certa forma, Clara não está errada. Luciana admira demais a Régia, mas não pode fazer nada, pois ela nos é completamente estranha quanto ao seu passado e nada parece promissor em seu futuro.
- Fia, se a doutora num tivesse tirado ocê das ruas, ninguém iria dizer que por trás daquele ser desinfeliz mendigando, existia uma moça de família, que foi criada com amor e até mesmo educação.
- Eu sei, mãe. Mas...
- Fia, essa Clara me parece confusa. Muito boa profissional; cuida de ocês; faz tudo com esmero...
- Mas..
-...mas, ela tá estragando a vida de uma muié como poucas. O passado já atormenta demais aquela moça, por isso somente alguém especial para tornar o presente dela algo melhor. Clara poderia ser essa alma boa. E delas nascer o futuro chamado "promissor".
- Desde quando a senhora se tornou protetora da Régia?
- Da Régia, não: do amor!
Diante dessa conversa, D.Ruth decidiu acompanhar a líder. Queria ver as duas juntas e sentir o quanto de veracidade existia nas resoluções da secretária.
Como esperado, dentro do carro, somente mãe e filha conversavam. Régia estava calada, olhando pela janela. Estava um dia frio e a fina garoa de Sampa colaborava para a quietude da líder. Clara, ao seu lado, entretinha-se com seu palm top.
Ao chegar à mansão, passado todo o momento de admiração pelo tamanho e beleza da casa, Rebecca seguiu com sua mãe para o quarto que fora reservado para ela; Clara levou Régia para um dos quartos, para surpresa da líder.
- Tenho orientações da doutora para não deixar você sair sozinha. Assim que almoçarmos, iremos para o hospital. Por enquanto, se quiser, descanse. Avisarei quando servirem o almoço. - disse em seu melhor tom profissional.
- Por isso vou ficar aqui dentro? Sou prisioneira, agora?
- Régia, você irá conversar com a doutora e ela explicará os motivos desta orientação. - a secretária falou secamente.
A líder, que normalmente faria alguma observação para irritar a secretária, apenas ficou calada. Não tinha ânimo para se meter em gracejos com Clara. Essa fase há muito terminara.
Percebendo que não haveria mais diálogo, a secretária se retirou.
Clara se espantara com a aparência da líder. Estava bem mais magra e a pele mais curtida. Ela sempre aparentara mais idade, porém nos últimos tempos estava bem mais vistosa e com aparência mais sadia. Entretanto, agora, era outra.
Se Régia sofria era por conta de seus erros; por conta da sua violência e passado. Coisas e fatos que em nada tinham a ver com ela, Clara.
"Mas, o passado não trouxera essa Régia até você, Clara? Essa mulher de aparência derrotada lembra a mesma que pegou você no colo e fez sua cabeça rodar de desejo? Que fez seu corpo arder com o gosto do beijo roubado? Eu sou o elemento destoante entre passado e presente?", a secretária não queria pensar, muito menos admitir sua culpa. Sentiu certo pesar, mas não quis deixar isto influenciar em sua resolução de esquecer a bobagem de pensar em algum tipo de relacionamento com ela.
Dentro do quarto, uma criatura se atormentava com o fato de ver a mulher que amava surgir linda a sua frente e saber que não tinha coragem ou força para lutar. Negar seu passado não poderia; incluir Clara em seu futuro, muito menos. Tira-la do seu presente, um esforço sobre-humano, mas que seria feito.
"Por que achou que poderia beija-la, na cabana, e ter tudo terminado? Em qual momento a secretária deixou transparecer que aceitaria uma vida de delírio? Foi alicerçada por sua dominação, que achou que poderia ter Clara na cabana, quando prendia todas sob seu julgo? Foi repudiada ali, mas Clara quis mais, não quis?", a líder não queria pensar, muito menos admitir que a culpa não era sua. Não entendia suas atitudes como fraquezas, mas como demonstração de força. Uma única vez na vida, pensaria no bem de todos.
O almoço foi entremeado de notícias sobre a fazenda. Régia não quis almoçar, uma vez que Luciana avisara que não viria, por conta do almoço com os outros médicos.
- Becky, seu pai tá fazendo confusão na fazenda. Ontem a coitada da Régia teve que se intrometer de novo. Aliás, será que ocê consegue que alguém lá do hospital da sua noiva de uma olhada na mão dela, pois me parece que algum osso machucou, pelo inchaço. - a mãe da jovem falou.
- O que houve, mãe?
Embora a fazenda fosse sua agora, Clara não demonstrava menor interesse; até mesmo esquecera do fato e pouco prestara atenção à conversa, até ouvir o nome da líder.
- Reparei a mão enfaixada. O que aconteceu? Quem foi a vitima dessa vez? Por que quebrou osso?- a secretária falou, com certa aspereza e repúdio.
Ruth contou toda a estória, fazendo questão de ressaltar cada detalhe. Estava realmente fascinada pela atitude da líder e mal se lembrou qual poderia ser a reação de Clara.
- Que horror, mãe!!! Pobre Régia, sempre tendo que matar um leão por dia. - Becky se comoveu.
- Pobre Régia?!? Ela quase mata um homem, com suas próprias mãos, e você diz "pobre Régia"! - a secretária estava indignada.
- D. Clara, aquele homi teria matado ela sem piscar. Ela se defendeu. Num tem sangue de barata. E defendeu todas as pessoas também.
- Tudo ela tem que resolver na violência? Na força bruta? Machucando, humilhando, fazendo valer a fúria que não sei de onde ela tira tanta? Ela é bestial!!!! Não poderia ter conversado?!?
- D. Clara, Régia não é de prosa. E quando fala, gosta de ser ouvida. Aqueles cabras num tavam lá para escutá, pois inté que ela tentou falar. Enfim....só sei que o povo adora ela. E se sente seguro com ela. Confesso que, o pouco que vi, me deixa muito tranqüila em ter essa mulher por perto. Fico muito triste em ver que ela está se desfazendo dessa altivez a cada dia que passa.
- Para mim, ela é selvagem!!! - a secretária disse - Uma infeliz.
Ruth não gostou dessa afirmação. Clara estava criando uma imagem muito ruim de Régia como um álibi para conseguir justificar um não envolvimento com a soberba mulher.
- Você realmente conhece Régia, D. Clara?
- Quem conhece, D. Ruth?
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Prof. Arthur se desdobrava em mesuras para a mãe de Rebecca.
- Para ter uma filha tão linda, somente uma mãe igualmente agraciada em beleza! - disse, ao beijar a mão calejada da jovem senhora.
D. Ruth ficou sem saber o que dizer, ao sentir as mãos macias do elegante médico..
- Arthur, deixa de ser Don Juan. Não vê que deixou Ruth sem graça? - Luciana gracejou, tentando salvar a pobre senhora.
- Deixa, Dra. Luciana. Ele é muito bom com as palavras, pois é excelente mentiroso! - disse, sorrindo.
O professor ficou rubro com as risadas de todos presentes.
- Mãe, vamos: vou levar você para conhecer o hospital e depois até onde está a Anna.
- Assim que terminar a reunião, as duas são minhas convidadas para um café da tarde. - o médico convidou.
- Combinado, professor!
Antes de saírem, Ruth cutucou Becky.
- Que foi mãe?
- Lembra do pedido para a doutora? - cochichou ao ouvido da jovem.
- Que foi Ruth. Que você quer de mim?
- Credo. Que ouvido de tuberculosa, muié!! Num é nada, não: é que a Régia tá com a mão machucada e eu acho que tem que tirar umas chapas e ver se num quebrou nada.
Todos olharam para a líder.
- Ruth!!! Eu tou bem. Olha. - e flexionou a mão, mal disfarçando uma careta.
- O que houve? - a médica quis saber.
- Confusão com uns homens na fazenda ontem à noite. - disse, sacudindo os ombros.
Luciana pegou o telefone e chamou sua secretária.
- Deixa, Luciana. Depois eu vou com o ....
- O Dr. Ferrari está atendendo hoje? Marque uma consulta para Sra. Régia, dentro de uma hora mais ou menos. Diga a ele que eu pedi. O que? - pausa e um olhar maligno - Ele atende, mesmo que tenha que cancelar outras consultas. - não havia chance para negativa na frase.
- Feliz agora, Ruth? - a líder perguntou, ironicamente.
- Não sei como Clara não cuidou disso! - a médica esboçou certa irritação com o deslize da secretária.
- Ela é babá de vocês, não minha! - Régia disse rispidamente.
Cada vez que a líder parecia afrontar a doutora, um silêncio se apoderava do ambiente.
- Pensei que ela tivesse ganho o seu respeito evoluindo da fase "babá". Ela é uma profissional irrepreensível. Gostaria que você a respeitasse. - Becky desviou a atenção.
- Num tá mais aqui quem falou! - o tom da líder era zombeteiro.
- OK, agora vão dar uma volta. Temos uma reunião correndo aqui! - a médica disse sem rodeios.
Mãe e filha saíram, deixando um ar pesado na sala, pelo assunto que entraria em pauta.
Presentes apenas Luciana, Régia e Prof. Arthur.
- Clara falou que não posso sair da casa sozinha.
- Sim. É ordem minha.
- Você teme que eu seja alvo de perseguição de repórteres?
- Exatamente. Não é a imprensa comum. São apenas revistas especializadas em medicina. E teremos alguns articulistas de outros países. Porém, qualquer coisa que extrapole a normalidade, pode vir a ser alvo da mídia sensacionalista.
- Se Anna morrer, por exemplo? - a líder falou friamente.
- Régia, nesta fatalidade, não teremos apenas a morte da sua filha; mas, a morte de uma criança que está sendo monitorada dentro de pesquisas. E, assim sendo, além do seu pesar provavelmente você seria alvo de perguntas; e o hospital, de muita polêmica. - o professor tentava ser delicado.
- Sempre esqueço que ela é uma cobaia.
Silêncio geral. Os médicos ficaram apreensivos com a palavra "cobaia" saindo tão friamente dos lábios da líder.
- Se entendi tudo direito, essa cirurgia ainda é um procedimento prévio ao real objetivo da pesquisa, certo?
- Corretíssimo, cara Régia.
- Então, por que essa comoção agora?
- Quero resguardar meu hospital contra eventuais processos e escândalos. Não quero você no centro das atenções. Eu sei quem você é; o que fez; a quem deve; e acredito que não pode se expor dessa forma. Não quero você associada às minhas empresas.
- Deveria ter pensado nisso quando resolveu ajudar minha filha, não acha?
As duas mulheres olhavam-se de forma calculada. O Prof. Arthur sentia-se como um domador entre duas feras completamente imprevisíveis.
As expressões de ambas não deixavam transparecer nada, além de frieza.
Para o Prof. Arthur, Régia não desafiara Luciana. Entretanto, por muito menos, pessoas fizeram o temperamento da médica ebulir.
- Régia, sua filha serve aos propósitos da pesquisa que estou patrocinando. Ela É sim uma cobaia. O risco da morte dela é alto; eu sempre soube, mas só tínhamos a ela dentro das condições necessárias. Você sabe que ajudar foi idéia da Rebecca. E quantas vezes ela me pedisse, tantas vezes eu iria atender.
- Está arrependida? - os olhos da líder eram límpidos e não ofensivos.
- Não. - os olhos da médica eram frios.
As duas eram lindas. O professor ficou imaginando se não seriam irmãs, de alguma forma. Quase clones.
- OK, doutora, não vou dar trabalho para você e nem para sua babá de confiança. Amanhã é a cirurgia. Fico com Anna até passar o que vocês consideram período crítico. Depois, sumo. Como disse na fazenda, estou disposta a passar a guarda da Anna para Rebecca. Podemos fazer isto imediatamente!
- Sabemos que não é tão simples assim. Melhor esperar. Você não quer saber se a experiência com sua filha irá resultar em sucesso com o novo medicamento?
- Qualquer que seja o resultado, eu a mato em mim, para que ela viva em paz aqui ou em outra vida. - o olhar voltou a ser frio.
Ninguém poderia imaginar que naquele momento, a poderosa doutora Luciana sentiu o coração amolecer e se condoeu com a líder. A médica relembrou a perda do filho.
- Arthur, pode nos deixar a sós?
- Claro. Vou aguardar lá fora, para conduzir Régia ao centro médico.
- Perfeito.
Luciana levantou-se e ficou de costas para a líder, olhando pela janela.
Imaginava o quanto queria ter a chance que Régia tinha ao poder vislumbrar uma oportunidade de salvar sua filha.
Uma mera chance; mesmo a aceitação de transformar seu filho em cobaia, faria de Luciana uma mulher bem diferente do que tinha se transformara. Menos atormentada, agora com Rebecca em sua vida.
Esteve perto da morte e da total ignorância de saber se seu filho sobrevivera. Teria sido melhor se não se recuperasse, para saber que tinha perdido a oportunidade de ao menos tentar seus conhecimentos para evitar a perda da vida que justificava a sua.
Luciana nunca conseguiu deliberadamente considera-lo morto em seu coração. Talvez por não ter visto enterro. De qualquer forma, considerava-se morta para com os sentimentos direcionados para outros seres. Nunca enterrara o filho. Thomas, sim. Douglas, nunca poderia.
Sentia em Régia um pouco de si mesma. E sabia, por esse pouco, que a líder estaria entrando em uma agonia sem volta, se realmente planejava arrancar sua filha de seu coração.
- Clara vale o sofrimento de matar Anna?
Régia tinha se preparado para todas as reações possíveis de Luciana, mas essa pergunta a pegara de surpresa. A médica estava longe de ser alguém previsível. Observou a figura alta, esguia, postura ereta, ciente de sua altivez. Lembrou que também foi dona de postura igual. "Quando a perdi?"
- Condenei Anna à morte quando a deixei nascer.
- Enquanto mães, não fazemos isto desde o começo do mundo?
A líder mais uma vez ficara sem resposta. Nunca imaginou Luciana como mãe.
- Régia, sua resposta não completa minha pergunta, mas não tenho nada com suas vidas. Desculpe a pergunta. Totalmente inoportuna e sem cabimento.
Luciana virou-se e encarou a líder. Naquele momento, não foram as mulheres guerreiras e fortes que se olharam; mas duas mães sem seus filhos.
- Vá ver sua filha.
Régia levantou-se. Alcançando toda a envergadura de seu corpo, incentivada pela postura da mulher a sua frente. Com um leve aceno de cabeça, afastou-se.
Luciana voltou a olhar pela janela. Observou que a líder estava parada na porta. Olhou-a, por sobre o ombro.
- Alguma dúvida?
- No meu lugar, o que você faria?
Agora foi a vez da médica ser pega sem resposta. Pensou em Rebecca; no marido e filho mortos; nos pais que deixou ao longo do caminho; em Paula.
- Nós já perdemos muito, Régia. Perder mais é um luxo que não podemos nos dar.
Dois pares de olhos azuis demonstravam exatamente as mesmas emoções, enquanto olhavam-se.
A líder mais uma vez acenou com a cabeça e saiu da sala.
- Não posso pedir que lute, Régia. Eu mesma havia desistido! - a médica murmurou para si, olhando o horizonte.
*****
*****
Caminhavam lado a lado, em completo silêncio.
A secretária foi buscar Régia no centro médico, após a líder ter sido examinada e medicada.
- Quebrou alguma coisa?
- Só arranhão.
- E precisa gesso?
- Exagero desse médico.
Clara sentia-se desconfortável com a situação. Nada tinha para dizer. Não queria ser falsa, nem ocupar o tempo com amenidades.
Estavam sozinhas no elevador. Régia fechou os olhos. Sentia o suave perfume da secretária. Seus braços estavam a centímetros de distância. Quase podia sentir o calor que emanava dela, apesar da frieza constante.
- Dei minha palavra à doutora que não daria trabalho a você. Não precisa ficar me seguindo as vinte quatro horas do dia. - falou, ainda de olhos fechados, demonstrando cansaço.
- Não estou seguindo você.
- Vai dormir no meu quarto também? - abriu os olhos apenas para constatar a indignação nos olhos verdes.
Antes que Clara pudesse responder com uma grosseria qualquer, a porta do elevador abriu e Marcella, com uma comitiva de médicos, estava parada frente a elas.
A diretora deparou-se com o gélido azul disparado em sua direção. Percebeu a tensão entre as duas ocupantes do elevador. Hesitou.
- Tudo bem, Clara? - ousou perguntar
- Por que não estaria? - o olhar de Régia não demonstrava interesse em uma resposta.
- Tomemos otro ascensor. Esto está lleno. - a diretora disse aos médicos chilenos, disfarçando o constrangimento.
A porta do elevador fechou.
- Ela tem medo de mim. - a líder disse zombeteiramente - Nunca capei uma mulher, se é isso que ela teme!
- Sua ironia é sem propósito. Não contei a ela sobre a barbárie da fazenda. - ao dizer isto, assumiu a mesma expressão de repugnância.
Desceram no andar que ligava os prédios. Poderiam ir pelo térreo, mas do andar da doutora era mais fácil descer por um elevador, cruzar o corredor e descer novamente por outro elevador.
Desta feita, não ficaram sozinhas dentro do cubículo. Régia sentia doer a lembrança da expressão no rosto da secretária. Enquanto cruzavam os corredores, a mulher a sua frente sorria amavelmente para algumas pessoas; pouco evidenciando seus sentimentos.
Ao entrarem no quarto, encontraram Becky e a mãe. D. Ruth estava cada vez mais espantada com o império da mulher que sua filha carinhosamente chamava de Luck. Adorara o ambiente, que em nada lembrava que estavam em um hospital, tamanho conforto para acompanhantes.
D.Ruth tinha uma expressão cândida e estava acariciando a cabecinha da menina. Com a chegada de Régia e Clara, as duas resolveram sair, para não tumultuar o ambiente.
- Linda menina, a sua, Régia! - a mãe da jovem comentou.
- Sim. Obrigada.
- Gostaria de ver os zóios dela. São iguais aos seus?
- Com certeza não. - disse, amargamente.
Régia entrou. Clara a seguia, mas foi segura pelo braço por Ruth que a puxou para um canto reservado.
- Deixa ela ficar sozinha com a menina. - a jovem senhora falou.
Sem uma palavra, a secretária acatou. Percebeu que a líder não se aproximou da cama da menina. Ficou parada, distante alguns passos. Uma das mãos na cintura. A outra ameaçou percorrer o cabelo, mas subitamente lembrou-se do gesso; parou a meio caminho e sustentou o queixo, numa postura de contemplação. Permaneceu alguns minutos parada assim, até que pegou a cadeira e a colocou ao lado da cama, sentando-se nela à moda cowboy, apoiando os braços no encosto e a cabeça neles. A secretária observou que a líder fechou os olhos, como em meditação. Foi tudo que pode ver, pois saiu com as outras mulheres.
A líder agradeceu mentalmente a sensibilidade de Ruth, pois tudo o que queria era ficar sozinha com sua filha. Queria se despedir. Chorar. Pedir perdão por derramar lágrimas que disfarçavam sua devastação amorosa usando o sentimento de impotência diante do estado de sua filha.
Não tinha mais lágrimas para Anna, pois achava que a solução para a menina já tinha sido encontrada. Ela estava cercada por um exército que garantiria a sobrevivência dela. A morte, como em qualquer batalha, era o único elemento certo. As vitórias nem sempre foram apenas manobras táticas, mas também artimanhas do destino.
Sempre acreditou em fazer seu destino; nunca deixar somente por conta dele. De repente, quem sabe, para Anna viver, ela teria que mata-la em seu coração e desta forma moldar um destino mais promissor para a criança, até que a menina pudesse decidir por sua vida.
Definitivamente, não chorava por Anna. A dor no peito, o nó na garganta, a sensação de sufocamento, as lágrimas como agulhas nos olhos, não eram por Anna. Sentia-se tão mesquinha e desleal com sua filha por não serem esses sintomas os de uma comoção maternal.
- Perdão, minha criança. - esticou o braço e pegou a mãozinha que sumiu entre a sua - Mamãe está muito triste. Muito envergonhada por toda uma vida que não poderá apagar. Por toda uma herança que não me lega nada. Um passado que me usurpa de você. Usurpa de mim as mulheres que mais amo. - afagava o bracinho fino, desenhando as veias curvilíneas - Sei que você deve pensar que é injusto eu me abater por um amor tão repentino, de tão menos tempo que o nosso; uma pessoa alheia a nossa história. - sentiu uma lágrima se rebelar e limpou rapidamente - Sinto sua falta, sua pestinha. Minha companheira de galope. Nossas farras na hora de dormir; olhando as estrelas, os olhos do anjos, como você dizia. Ter você em meus braços. Minha menina, eu amo você. Mas....eu não quero fazer de você a recompensa para uma vida de erros. Não quero forjar em você um alguém para me amar. - lembrou da expressão da secretária - Como você me julgaria, se soubesse tudo que sou? Não quero ver em você a mesma expressão que vi nos olhos dela. Seus olhinhos inocentes viam uma mulher que era boa para você; queria que você tivesse orgulho por mim. Mas do que você poderá se orgulhar? - as lágrimas já não podiam ser contidas - Dói tanto, filha. Sua mãe quer coisas que não pode ter. Posso arrancar a força, mas não posso ter ...não vou me humilhar...meu último gesto de humildade é por você. Aceito a caridade delas para com você. Não comigo. Se foi por dignidade que cheguei aqui, por ela é que devo partir; enquanto ainda tenho respeito por mim mesma.
Levantou-se e foi ao toalete lavar o rosto. Por segundos, hesitou se olhar no espelho, por vergonha. Os olhos estavam avermelhados, derrotados na batalha contra as lágrimas.
Ao sair do banheiro, encontrou Clara afagando o bracinho de Anna.
Régia ficou calada, parada ao lado da secretária.
- Por que me deixou crer que aceitava o que sou?
- Porque queria crer que você "era". Que aquilo tudo era passado. - Clara disse, distraindo-se com o lençol.
- O que sou não é passado. E o que fiz, já fiz.
- Mas faria novamente....faz....como disse, você é o que é. E eu não gosto! Repudio. Desprezo.
Régia sentiu o tremor pelo corpo ao ouvir a conclusão da frase.
- O que você fez com o coitado do Andras...
Agora a líder sentia o sangue ferver.
- Coitado?!? Você chama aquele cretino de coitado? Pelo que entendi, ele estava insultando todas nós. Estava se achando o dono do pedaço, cheio de moral, quando sabíamos muito bem o tipo de homem que ele é. - falou entredentes, tentando não elevar a voz.
- Não era preciso tortura-lo.
- Clara, de todas as pessoas que ali estavam querendo esganar aquela porqueira de homem, eu era a única que não ficaria com remorso se o desafiasse. Luciana estava prestes a esquecer de BEcky; aliás, esquecer do que ela é; a filha não o afrontaria; João se fizesse algo, diriam que era por vingança. No entanto, todos ali queriam calar a boca daquele verme. E ele se aproveitando da imunidade para falar ofensas.
- E então foi mais que perfeito para você. Palavras não bastam para intimidar? Você já é intimidante o bastante, mas tem que ser violenta; vi os seus olhos brilhando...uma vergonha, um horror...
- Ele esticou a corda quando falou dela. - e apontou para Anna - Ele ofendeu uma criança, que nem ao menos conhecia. A mim ele poderia ofender, ela não.
- Conveniências para sua violência.
- Clara, de uma coisa você pode estar certa: não preciso de desculpas para mandar um sujeitinho como aquele para o inferno.
- Disto eu estou certa. E mais certa ainda de que não quero ser conivente com essas barbaridades.
Não se contendo, a líder virou a secretária bruscamente, forçando que ela a encarasse.
- Ele estava ofendendo você, criatura! Ofendendo Luciana. Estava pouco se importando para Rebecca. Sua própria esposa.
- Não é motivo para você humilha-lo e aterroriza-lo; você ia mutilar o pobre. - falou novamente com a expressão de nojo, desvencilhando-se das mãos de Régia em seu braço.
- Você não entendeu...
- Entendi que vi uma mulher violenta cheia de prazer por humilhar e torturar...
- ...você não percebeu...
-...vai me largar, ou terei que servir a sua violência, diante do leito da sua filha?
O sangue fervia nas veias de Régia. Clara não tinha real noção do quanto estava perto de ser realmente agredida pela líder, que já perdia o controle. E foi essa ameaça de perda de controle que a fez recuar, diante da menção de sua filha.
- Régia, vamos levar An...
O Prof. Arthur ficou em silêncio, diante da tensão evidente no quarto. Régia havia largado Clara, que massageava o braço. A líder olhou para o médico com olhos cegos e, por não ter escutado o que ele disse, apenas acenou com a cabeça. O homem gelou ao perceber que naquele momento, diante dele, estava a mulher que todos admitiam não conhecer e ser perigosa. A energia era avassaladora.
- Tudo bem aqui?
- Por que todo mundo faz a mesma pergunta quando estou por perto? - Régia olhou malignamente para o pobre médico e depois para a secretária.
- Tudo, Prof. - a secretária falou.
Clara colocou-se a uma distância segura de Régia, que a fitava.
- Vamos coloca-la já na U.T.I, para prepara-la. - médico, meio acuado, disse apontando para a menina.
- Sim. - Régia falou, desviando o olhar da secretária muito relutantemente.
- Dentro de 1 hora , mais ou menos, você poderá ir ficar com ela.
- Irei. - a líder falava como um autómato.
Na seqüência, uma equipe entrou e começou a remover Anna e alguns equipamentos. Clara saiu do quarto e Régia se encostou à janela.
Em poucos minutos, o quarto estava vazio. Clara voltou.
- A doutora quer ver você. Quer que conheça os médicos chilenos e a equipe que realizará a cirurgia.
Seguindo a secretária, encontraram com Becky e a mãe. Ambas olharam desconfiadas para as duas mulheres mudas. O ar estava denso. Em silêncio, todas foram à sala de Luciana.
***
***
Régia passara a noite no hospital. Não precisava, mas usara como desculpa para não voltar à mansão.
Muito cedo, dirigiu-se à U.T.I e aguardou o momento da remoção da menina para o centro cirúrgico.
Por si só, a estrutura do centro era imponente: 4 salas de cirurgias com o que havia de mais moderno em equipamentos; outras salas para cirurgias de menor porte; os equipamentos pré-operatórios dispostos em salas de forma a poderem ser rapidamente trazidos para os processos de cirurgias que os exigissem de última hora; os corredores para esterilização das pessoas autorizadas. Régia estava impressionada com o local.
A sala de cirurgia na qual Anna fora colocada parecia um auditório. Em duas paredes, amplas janelas permitiam visualizar a equipe dentro da sala. Para a ocasião, duas câmeras movidas por controle remoto foram também instaladas.
Tudo seria filmado, bem como transmitido para o hospital do Chile. Marcella estava nervosa e na correria, pois era a responsável pela produção toda.
Na sala separada pelas amplas janelas, assistiriam a cirurgia: Luciana, Régia, Professores Arthur, Victor e uma equipe de médicos residentes. Todos usavam roupas apropriadas. Luciana e Régia mal foram distinguidas pelo professor. Somente de perto, pela leve diferença de altura, que era possível dizer quem era quem. Geralmente o corte de cabelo e roupas as tornavam evidentemente diferentes.
Dentro da sala, os neurocirurgiões responsáveis eram 4: dois brasileiros e dois chilenos. Eles iriam narrar o processo todo. No total, eram 12 pessoas: monitores dos equipamentos e sistemas computadorizados, anestesista, enfermeiras e os médicos.
Régia cada vez mais se surpreendia com os aparatos. Estava realmente impressionada com o que de fato teria sido o custo de tudo aquilo. Era inegável que, por mais que a doutora dissesse que era um grande experimento, o custo também parecia vultuoso.
O espetáculo todo durou pouco mais que duas horas e meia.
Luciana explicou a técnica chamada de esterotaxia: um aro preso à cabeça de Anna forneceu referencias e dados para que fosse feito uma ressonância magnética; com as imagens obtidas na ressonância foram feitos cálculos, mapeando precisamente o local do inchaço. Isto tudo fora feito antes da entrada na sala de cirurgia, mas ali mesmo no centro cirúrgico.
- Agora, vamos fazer uma incisão no couro cabeludo, de uns 3,5 cm a 4,5 cm. - os médicos narravam os procedimentos.
Até o momento, parecia que os médicos estavam fazendo a coisa mais corriqueira do mundo ao abrirem a pele delicada da menina. Régia, que tantas vezes fizera coisas semelhantes, ainda que em outras circunstâncias, observava a frieza com a qual eles abriam o corpo de alguém, fazendo piadas e gracejos.
- Después de la incisión, se abrirá un agujero de cerca de 1 cm. - o outro médico prosseguiu, segurando uma furadeira, comparação leiga para o instrumentos em suas mãos.
Régia observava, impassivelmente, a broca abrindo um orifício no crânio de sua filha.
- Agora que abrimos a passagem, iremos inserir uma agulha de punção e seremos guiados com exatidão para alcançar a lesão, de acordo com as suas coordenadas estereotáxicas.
Extremamente compenetrados, os técnicos guiavam os cirurgiões pelo cérebro de Anna.
- Mais um pouco.... estamos quase chegando. Normalmente, eu cantaria um rock pauleira, mas agora, com tamanha platéia.....- um dos médicos tentava amenizar o clima de suspense...- ...
Todos os olhos estavam voltados para os monitores. O formato da agulha era perfeitamente visível, bem como o local que ela deveria alcançar.
- Consegue ver Régia. Estão bem próximos agora. - Luciana falava com empolgação.
A líder só acompanhava.
- ...chegamos ao nosso destino. Vamos drenar o sangue. - a voz do médico parecia de alívio.
Os 45 minutos seguintes foram para os procedimentos de drenagem, sutura e preparo de Anna para retornar a centro pós-operatório.
Régia percebeu que somente após o fechamento da incisão, que todos relaxaram.
Uma hora depois, todos estavam reunidos. Eufóricos.
- Impressão minha ou não havia tanta segurança que seriam bem-sucedidos?
- Régia, utilizamos uma técnica nova. Normalmente, teríamos feito um rombo no crânio de sua filha. - um dos neuros explicava. - E sairíamos da sala achando que ela tinha 70 % de chances, já que mexemos em uma área que categorizamos de "muito eloqüente".
- Muito eloqüente?
- Zonas do cérebro que comandam diretamente uma função psicomotora ou orgânica - o outro neuro completou.
- Em outro tipo de cirurgia, afetaríamos uma área maior do que a necessária, ocasionando conseqüências ou lesões como: perda da fala, da memória, da visão, audição, olfato, paladar ou tato; paralisia de porções do corpo. Enfim. - quem falara fora o neuro chileno, mas o Prof Arthur interpretara para Régia.
- Mas, esses riscos ainda existem, não é mesmo?
- Sim, mas por característica do quadro que a Anna já apresentava. - Luciana juntou-se a conversa - Régia, dentro de alguns dias, anunciaremos a técnica. Sua filha foi a pioneira.
- Pensei que só o novo medicamento fosse pioneiro.
- Não. A cirurgia também. Por isso tanto alarde. Eu tentei minimizar para você.
Então uma etapa tinha sido cumprida. Na manhã seguinte, sexta-feira, chegaria a equipe responsável pelo monitoramento de Anna sob efeito da nova medicação, com o medicamento novo, eu só começaria a ser ministrado na segunda-feira.
Régia estava cansada. Luciana percebera.
- Vá para casa depois do almoço e descanse. Estamos no caminho certo.
- Luciana, algum dia eu a recompensarei, pode ter certeza!
Mais do que depressa, a médica arrumou algo para conversar com o médico chileno.
Clara, que tinha acompanhado tudo na ante-sala junto com Marcella, apareceu no raio de visão de Luciana e recebeu ordens para levar a líder para casa, após o almoço no refeitório do hospital. Anna estava no pós-cirúrgico e depois iria para a U.T.I, voltando a rotina de sempre. Segundo a médica, não havia porque a líder permanecer no hospital.
- Alguma recomendação, doutora?
- Mostre a ela o ginásio. Sinto que ela precisa liberar energias.
Clara olhou para Régia. A frase da doutora causou uma sensação conhecida na secretária. Por mais que não quisesse, seu coração palpitava a um simples olhar daquela mulher. Mesmo sendo um olhar como que recebera no dia anterior. "Por que tinha que ser assim?"
***
***
- Só você mesmo, Becky! Um casarão daqueles e quer viver aqui, nesse apertadinho.
- Mãe, tanto Luck, quanto eu, gostamos daqui. Eu me sinto bem. Lá na mansão parece que todos me olham com malícia. Como se eu fosse um bibelô dela.
D. Ruth ficou pensativa.
- E eu não gosto daqueles quartos. Luciana tem insônia e fica vagando pela casa, entrando nos quartos. Um deles é o que era do filho dela. Mãe, a senhora acredita que ela se tranca lá ainda?
- Cê sabe como foi que ele morreu?
- Não. Luciana se nega até a dizer que ele morreu. Ela engasga com a palavra "morte". Mãe, eu amo demais a Lucky, mas ela é difícil. Não se abre. Eu tento deixar que ela mesma se abra, mas quando penso que consigo, ela se fecha de novo.
A jovem contou tudo para a mãe sobre suas descobertas e encontro com os doutores. Ruth escutava pensativa. O tempo todo, sua expressão não revelava nada de seus pensamentos.
Á medida que a narrativa fluía, ela enxergava a dimensão do amor de sua filha pela médica; mas também o grande desafio que a moça se impusera. Luciana era um mulher vivida. Tinha coisas nebulosas em sua vida. Coisas que caracterizavam rancores antigos. Débitos com o próprio destino e o que dela ele exigiu em termos de barganhas.
Becky era inocente, no amplo sentido de ser ingênua. Não percebia que a médica precisava de tempo para se recompor das coisas que a atormentavam. Ela estava conseguindo, dentro de um ritmo que não exigia dela desconstruir completamente suas fortificações, filtrar seus medos e limpar as coisas para Becky. Coisas que temia poderiam a assustar, terminando por afastar a jovem. O amor de Luciana por Rebecca era inegável; mas anos de endurecimento não se desfaziam apenas sob lindos olhos verdes.
- Filha, você não pode bisbilhotar sobre a vida dela dessa forma. Ela é desconfiada. Ce acabou de dizer que ela é um poço de insegurança, de carências. Se ocê consegue ver essas fraquezas nela, é sinal de que ela já se abriu muito. Eu conversei com ela e senti uma mulher que não tem mais paciência para o tipo de situação que ocê tá armando.
- Não estou armando nada, mãe.
- Ocê que sabe. Não sou eu que vou me meter. Parece que ocê puxou do seu pai o gosto por jogos e apostas. Tome cuidado, menina! A zóio azul tem limites. Inté mesmo pro cê.
Rebecca sabia que todos estavam certos, mas ainda não era o momento para contar para Luciana. Mesmo porque, até agora, não fora atrás de nenhuma outra informação.
A noite passada na mansão transcorreu como sempre: uma extenuante maratona sexual; a insônia da doutora, acordar sozinha na cama; a mesma rotina. Quanto mais excitada com alguma coisa, menos a médica dormia. Os acontecimentos no hospital a tinham deixado ainda mais ligada. Elétrica.
Rebecca gostava de ver a médica interessada por sua profissão. Luciana parecia que aos poucos recobrava o gosto pela medicina. Nunca deixara de estudar e comparecer a seminários e congressos, ainda que tivesse se afastado do exercício da profissão, dedicando-se aos negócios.
Outro fato notório era amizade dela com Régia. De repente, parecia que a médica encontrara alguma compensação na forma como tentava ajudar a líder. Principalmente na questão envolvendo Anna. Por duas vezes, com alguma desculpa, Luciana fora até o quarto onde estava a menina. Rebecca percebeu a forma como ela olhava para a criança; pela primeira vez, sua expressão corporal era relaxada e havia certa suavidade no olhar.
Todos que a conheciam mais de perto, apontavam mudanças. Ainda era autoritária, exigente, arrogante, fria, calculista; mas, cada vez mais, esses aspectos de sua personalidade iam ficando mais afastados do dia-a-dia com Rebecca e as outra pessoas mais próximas.
- Mãe, eu amo demais a Lucky e vou resgata-la. Ela vai tirar essa camada que ainda aprissiona seu coração. Mas, deixemos de coisa e cuidemos da vida. Vamos almoçar com as meninas e depois vamos às compras! Pena Lilly não ter vindo.
- Seu pai pediu para ela ficar. E ela tá meio entretida com as crianças por lá.
- Só com as crianças?
***
***
Almoçar com as meninas era almoçar com Luciana, Marcella, Clara e Régia.
O refeitório do hospital era amplo. A comida excelente, com variado cardápio, incluindo pratos light, grelhados com carnes nobres e um buffet completo de saladas e sobremesas.
Poucas pessoas presentes conheciam Luciana de fato. Geralmente, quando no hospital, a médica recebia seu almoço em sua própria sala, raramente indo ao refeitório.
E com a presença da Régia, por suas semelhanças, ajudava a camuflar a presença da empresária e responsável pela folha de pagamento de boa parte das pessoas ali reunidas.
Becky era mais reconhecida que a própria doutora, pelos trabalhos que vinha realizando nas unidades do grupo empresarial.
Marcella queria isolar a fila da bandeja para a pequena trupe, mas Becky não quis.
- Não vai matar Luciana ficar na fila junto com seus colaboradores, não é mesmo, doutora?
- Nunca me importei. Não sei o porquê dessa frescura agora, Marcella! Até mesmo porque causaria muito mais alarde.
Rebecca segurava a mão da doutora, lado a lado na fila. Marcella postou-se atrás de Clara, com Ruth e Régia na seqüência.
Marcella havia reservado lugar para elas em um canto mais isolado do refeitório, para terem mais privacidade e fugir de olhos curiosos. Percebera que fizera bem, quando notou muitos cutucões e olhares de soslaio.
- A cirurgia foi perfeita. Tudo correu dentro do esperado. - a médica estava eufórica.
- Desculpe-nos por não virmos, mas achei que não agüentaria. - Becky ofereceu suas desculpas.
- Régia, como foi assistir?- D. Ruth quis saber.
- Um tanto estranho ver uma broca penetrando a cabeça da minha filha. Mas, já vi coisas piores. - a líder estava neutral, não demonstrando grandes alterações de humor.
A conversa com Clara ainda estava viva na lembrança. Ver Marcella ao lado dela aumentava a crença de que não teria chances com a secretária. Não tinha nada mesmo para ofertar. A diretora era alguém, mandava no hospital, era o braço direito da doutora. Era futuro.
- Nem quero pensar o que! - Marcella comentou.
- Suas limitações de pensamento não lhe dão condições para isso. - a líder retrucou calmamente, entretida com a carne sangrenta, para espanto da própria diretora.
- Meus limites chegam até onde a pessoas civilizadas vivem. Selvagerias estão aquém. - a diretora não deixou por menos, ainda que nitidamente alterada.
- Você precisa rever seus conceitos de civilização. - a líder retrucou, bebendo sua água com gás.
- Ainda mais se as muié da cidade são tão tupetuda como você, D. Marcella. - Ruth se manifestou.
Ninguém, muito menos Régia, esperava que a jovem senhora fosse se intrometer.
- Senhoras, estamos aqui para almoçar. Fiquemos em paz, por favor. - Becky pediu.
Pelo resto do almoço, somente Becky perguntava muito e Luciana respondia. O resto da mesa, permaneceu em silêncio.
***
***
O que mais queria era um sono tranqüilo. As vezes que tinha conseguido dormir nos últimos dias foram quando embriagada. Tais sonos não eram reparadores. Seus chás e ervas curavam as ressacas, mas não revigoravam.
Após chegarem do hospital, Clara mostrara o ginásio e a sala de treinamento de kung fu, arte que a doutora apreciava, mas deixara de exercitar.
- Régia, amanhã você tem reunião com a nova equipe multidisciplinar que está chegando hoje. Marcella deve estar recepcionando-os agora. - olhou para o relógio - A dra. Luciana liberou o ginásio para você, se quiser se exercitar. Estou na casa. Vou passar a noite aqui. Não sei se você sabe, mas amanhã será dada uma pequena recepção para despedida da equipe que vai embora e dar boas vindas aos que chegam.
A líder apenas escutou e assentiu. Clara usava seu melhor tom profissional, impondo um distanciamento que atormentava a mulher a sua frente, ainda que resoluta em respeitar a nova postura da secretária.
Depois de conhecer a dependência, separaram-se.
O quarto era espaçoso, com uma ampla varanda que abria para o jardim. Por estar no segundo andar, podia ter um bom raio de visão.
O banho estava excelente. Ficou na banheira, um luxo, por quase hora e meia. Chegou a cochilar, mas o gesso incomodava, enrolado no saco plástico. Ali, deitada na banheira, Régia decidira-se a dormir o quanto tivesse vontade. Era cedo. Na verdade, meio da tarde.
No quarto, sobre a cama, o edredon macio e aconchegante. Vestindo apenas o gesso, envolveu-se na coberta e deixou-se conduzir por Morfeus. Estava muito cansada. Cansada demais. De tudo. Dela mesma!
Acordou desnorteada. Agora era o excesso de sono que lhe causava o torpor. Sentia o corpo dolorido. Tanto tempo acostumada ao rude colchão da cabana fez a deliciosa cama parecer desconfortável, após amoldar-se à carcaça cansada. Além do gesso.
Estava escuro. Uma lua enorme olhava para ela, pela porta da varanda.
Descobriu que a razão do desconforto era a bexiga cheia. Dirigiu-se ao banheiro. Deixou que a luz da lua iluminasse seu caminho, pois sabia que seus olhos estariam sensíveis ao clarão repentino. Também sabia que dormira demais pelo gosto em sua boca.
Colocou o jeans e a camiseta. Sentia coceira no local engessado. "Vou tirar essa porcaria", pensou.
Abriu a porta e saiu para o corredor iluminado por luz difusa, quase que um rastro a ser seguido.
Desceu a imponente escada. Percebera que não conhecia o caminho para a cozinha, queria beber leite. Por incrível que pudesse parecer, no frigobar do quarto não tinha.
"Também, qual o marmanjo que bebe leite?"
Régia queria saber que horas eram. Seu senso dizia-lhe que passara da meia-noite. O silêncio reinante corroborava sua intuição.
Percebeu uma enorme e imponente (como tudo por ali) porta deslizante de folhas duplas e presumiu que cozinha não tinha portas assim. Outra porta e encontrou um lavabo, mais adiante outra porta idêntica a primeira.
- Merda de casa enorme!!! Pra que tanto espaço?!!?
- A doutora não gosta de tanto espaço também.
Régia quase grudou no teto. Ficou muito contrariada com o fato de ter sido pega desprevenida.
- Estou perdendo meu jeito com tocaias. - disse, com um meio-sorriso amarelo, mal visto na meia luz do corredor.
- Não, eu conheço melhor a casa. Presumo que esteja com fome. - a secretária afirmou.
- Quero leite. - a líder disse e ficou amuada com a cara de espanto de Clara. - Trogloditas também bebem leite. - disse, quase que se desculpando.
- Um copo de leite não vai mudar sua fama. - Clara disse secamente.
Foram em silêncio para a cozinha. Redundante dizer que também era enorme. Apesar da aparência conservadora da mansão como um todo; a cozinha era modernamente equipada, com um enorme balcão no centro dela e todos os utensílios dispostos à mão das pessoas que a utilizasse. Tudo em aço escovado ou branco. Adjunto, uma despensa que mais parecia um mini-mercado. Nela, também freezeres e refrigeradores maiores.
- Caramba!!! Qual a guerra que a Luciana está esperando? Isso dá para alimentar uma legião de soldados por alguns meses!!!!
Clara não pode deixar de rir da cara da líder.
- Vai dizer que num tem leite?
- Tem, mas não na geladeira da cozinha. Amanhã, peço para colocarem no seu frigobar. Mais alguma coisa que você queira?
Régia fitou Clara bem nos olhos, ameaçou falar, mas desistiu.
- Não tenho esse luxo de querer, por querer.
Clara estava com um pijama de um verde que esmaecia seus olhos na luz suave. Os cabelos finos estavam soltos. O chinelo era uma meia pantufa, deixando ver os pés delicados, de contorno elegante dentro da meia. Estava uma noite fria. A líder observava a bebida derramada para dentro do copo alto. Os dedos de Clara eram finos, mas firmes. Suas mãos eram lindas. Mãos que pareciam frágeis, mas também demonstravam força, nos gestos resolutos. Imaginou as carícias que aquelas mãos poderiam oferecer. Ela ergueu o copo e o ofereceu a Régia. A líder bebeu o leite com a sede de quem queria beber todos os sucos contidos no corpo da secretária.
Por sua vez, Régia estava apenas de camiseta, os pés descalços. Ainda que magra, seus braços bem torneados deixavam transparecer os músculos flexionados no simples gesto de erguer o copo e beber o leite, que Clara observava mover-se em descida pela garganta, em um pescoço delicioso para morder, lamber e deixar-se perder nos cabelos negros da nuca... "Ah, como seria fácil...."
Régia estendeu o copo, pedindo mais.
- Ouvi dizer que você só estava à base de cachaça. No entanto...
- Se você quiser matar a saudade, eu posso beber uma cachaça agora; e beijá-la como na nossa primeira vez...
Clara sentiu-se corar. Os olhos azuis estavam mirados nela, sem piscar. Com uma gula transparente. A secretária deu um passo para trás e viu-se encurralada pelo balcão. Régia avançou o mesmo passo para frente, mas suas pernas eram maiores. Ficaram quase coladas.
- ...e acabar no chão da cozinha, como larguei você na cabana. - a secretária disse, sarcasticamente.
- Vale o esforço. - dizendo isto, Régia prendeu Clara no vão entre seus braços.
Novamente, Clara sentiu-se afundando em um mar lindo e tempestuoso, cheio de perigos e também de maravilhas. Queria se debater. Se debateu; mas foi com tão pouca vontade, pois queria culpar a voracidade do mar por sua incapacidade de evitar seu afogamento dentro da correnteza bravia. Régia era rústica; sua pele parecia um cetim muito resistente. Os lábios eram macios, com aquele delicioso formato que fazia um leve biquinho; o hálito com o cheiro lácteo; a língua com gosto de leite. Ela não tocava a secretária, mas a atraía como um campo magnético. Clara sabia que estava jogando seu corpo contra o dela, querendo o contato. E a líder, ao perceber, a amparou, colocando a mão sem gesso por sob o pijama. Com o toque da mão em suas costas, Clara se deu conta de que, racionalmente, não queria aquelas mãos em seu corpo; assustada, usou toda sua força, jogando a líder no chão.
Ao tentar correr, Régia a segurou pelas pernas, a fazendo cair por sobre ela. Rapidamente, rolou o corpo, prendendo a secretária no chão. Desta forma, alguns botões do pijama não resistiram quando a líder sofregamente abriu a blusa e acariciou o delicado seio que se ofereceu. O gemido foi instantâneo. Clara agarrou os cabelos que caiam-lhe sobre a pele do peito desnudo, causando uma sensação prazerosa. Agarrou os cabelos querendo causar dor para afastar a líder, mas o efeito foi interpretado erroneamente por Régia, que sugou o seio com a vontade de meses. Novamente, a percepção do contato da boca quente em sua pele sensível, fez a secretária se recobrar.
- Pare!!! Régia...pare. Eu não quero...não quero - Clara conseguiu recuperar-se -...não assim! - chutou a líder, que parou sentindo a dor.
- Mas...- Régia estava aturdida - Clara, você...pensei....- e com a raiva pela dor que sentia, Régia insistiu cegamente em beijar a secretária.
- Sai de cima de mim, Régia. Você vai me estuprar?
Ao ouvir a palavra, a líder levantou-se em um salto. Esticou a mão para ajudar Clara. Foi recusada. Sentiu-se desnorteada. Por um momento, cogitou continuar, já que era assim que sabia conseguir as coisas.
Clara arrumava a blusa do pijama, catando os botões esparramados, sem olhar para a líder.
- Clara...você sabe que eu posso te-la à força. Sabe que estou enlouquecendo dia a dia por você. - Régia estava tremendo, num misto de fúria e desejo.
- Se você fizer isso, Régia, jamais serei capaz de perdoa-la. Nem com mil doutoras Lucianas ordenando, eu olharia para você. Não quero suas mãos sujas de sangue em cima de mim. Em qualquer parte do meu corpo. Não que eu a desculpe agora, mas vou deixar por conta do que pensamos ter. Do que fiz você pensar que poderia ser. Estamos quites, Régia. - dizendo isto, retirou-se da cozinha.
Num chute preciso, a líder fez a caixa de leite voar contra a geladeira, estourando em gotas brancas que escorreram no aço. Um relógio digital marcava quase 1h30min da manhã.
***
***
O café da manhã foi estranhíssimo. Régia só esteve presente, porque Luciana insistiu pessoalmente, já que queria falar algumas coisas antes de irem ao hospital.
Clara estava correndo com os preparativos para a chegada da pessoa que ocuparia a casa de hóspedes; bem como, com os preparos da reunião que a doutora promoveria mais tarde.
Rebecca estava contrariada com alguma coisa e mal olhava para a doutora.
D.Ruth tinha levantado bem cedo e ficara na cozinha com a D. Maria Luíza, a cozinheira da família. Logo, tornaram-se boas amigas. A mãe de Rebecca era a única que demonstrava bom humor.
- Clara, acho que isto é seu? - D. Ruth mostrou o pequeno botão esverdeado.
- Sim, é. Obrigada. - a secretária disse, seriamente, um pouco corada.
- Régia, foi ocê que jogou o leite na geladeira ontem?
- Por que eu?
- Porque a copeira levou uma caixa de leite pro seu quarto.
Todos os olhos estavam em Régia. Menos Clara, que não tirava o olhar da agenda.
- Sim. Eu deixei cair quando tentava guardar na geladeira. Esse maldito gesso. - ergueu o braço para enfatizar - Achei que se fosse limpar, seria pior.
- Clara estava junto? - Luciana perguntou, percebendo o jeito da secretária. - Foi quando ela perdeu o botão?
- NÃO!!! - ambas exclamaram
- Ok. Clara, manda verificar se os instrumentos no salão de música estão afinados. - a médica desviou o assunto - Um dos cirurgiões quer fazer uma jam session. Descobriu que o Prof. Arthur toca clarinete.
- Devo montar o buffet no salão de música, então.
- Pode ser. Abra as portas para o jardim também e coloque umas mesas.
- Vou providenciar, antes de ir ao hospital, levar Régia.
- Não precisa. Ela vai com o motorista, depois.
- Mas, ela vai sozinha? A doutora disse para eu...- a secretária estava confusa.
- Esqueça o que eu disse. Régia sabe o que acontece e é discreta por si só. Você está livre de acompanha-la, Clara.
- Por que não posso ir agora, com você? - a líder indagou.
- Rebecca e eu vamos visitar algumas outras unidades. Mas, se quiser ir agora, Clara avisa o motorista.
D. Ruth achava irônico ver Clara bancando a babá da Régia. Irônico e totalmente sem sentido, haja vista que a secretária era agora a dona da fazenda na qual a líder era nada, apenas uma agregada. À grosso modo, Régia era empregada da Clara e, no entanto, por ser empregada de Luciana, a secretária tinha que servir as vontades da líder. D. Ruth riu sozinha e Becky percebeu.
- Do que a senhora está rindo, mãe?
- Coisas que não entendo...
- Tudo certo comigo, né?
- Sim, fia. O que vou faze hoje, sem ocê?
- Eu fico com você, Ruth. - Régia disse - Vou fazer uns exercícios e depois iremos ao hospital, se você quiser.
- Isto mesmo. Boa idéia, mãe. Depois eu pego você no hospital e vamos nos arrumar para a reunião de hoje.
- Fia, eu acho que num quero ficar nessa reunião. Num tem ninguém que eu conheça e num sei fala a língua dos gringos. Só se tiver húngaros por lá.
- Pode deixar, Ruth, vou convidar os pais da Marcella e as esposas dos professores. Eles são mais velhos que você, inclusive. - a médica mostrou-se solidária.
- Doutora...
- Sim, Clara?
- Os pais da Marcella? A doutora tem certeza?
- Tenho.
Neste momento somente, os olhares de Clara e Régia se cruzaram.
***
***
O silêncio de Rebecca nunca prenunciava alguma coisa boa. Luciana estava no banco do passageiro. Tinham tido uma noite conturbada. Discutiram por causa da mania da doutora de se trancar no quarto do filho. E acabaram por dormirem separadas, após a jovem loira iniciar um ataque sobre a hóspede recém descoberta.
- Você acha que aconteceu alguma coisa entre a Régia e a Clara? - Luciana tentou puxar conversa
Nenhuma resposta. A médica apenas se resignou a esperar pela bomba. Mal prestava atenção ao relatório em seu colo, quando a jovem disparou.
- Desde quando você conhece essa tal doutora? Por que nunca me disse nada sobre ela? Fala, doutora Luciana.
- Becky, eu a conheci no Chile, quando estive lá com a Marcella.
- E por que eu não sabia disso?
- Porque ia ficar assim. E totalmente sem motivo. Um saco!!!
- Mas, por que toda essa gentileza de hospedá-la na mansão? E por tempo tão longo? - a loirinha ignorou a irritação da médica.
- Exatamente por ser um tempo longo. Todo o resto da equipe é brasileira, proveniente do Paraná e Bahia. Só ela é estrangeira e não quer ficar voltando para o Chile toda hora.
- Mas, existem hotéis excelentes, pelo que vi o resto da equipe comentando. Por que só ela vai ficar na casa de hóspedes?
- Porque a autora dessa estória não teria como arrumar uma cena de ciúmes entre nós, Becky!
- Você vai brincando, vai. Vai ver autora aqui colocar um The End e não vai ser muito Happy.
Luciana ficou calada. Cena de ciúmes era um pé no saco, mas ver a carinha de furiosa da loirinha, valia o sermão. Becky dirigia, com o rostinho mais lindo do mundo, por estar contrariada. Luciana, sob os óculos, avaliava as mudanças em sua amada: ela agora estava mais segura da sua presença na vida da médica. A repentina mudança em sua situação financeira, graças à intervenção da Clara com a compra da fazenda, fizera Becky aquietar sua ansiedade em resolver sua situação de dependência da médica. Com sua participação nas empresas, já havia ganho uma outra aura, agora estava bem mais segura. Isto a tornava mais mulher, mas não menos menina diante dos olhos de Luciana.
- Quando vou conhecer a tal médica?
- Ela só chega mais tarde. Você a verá somente na recepção.
- Bem, você já teve um bom castigo ontem, por deixar essa história para última hora. Se eu me aborrecer hoje, uma semana vai ser muito pouco para suas mãos ficarem longe de mim.
- Becky?!?! Não seja precipitada!
Becky achou irresistível ver o ar de contrariedade da médica, que fez um leve beicinho. "Será que eu agüento uma semana?".
Fim do capítulo
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