Pentimentos por Cidajack
Capítulo 24
Passaram uma noite agitada. A cabeça da jovem fervilhava com os acontecimentos que, de certa forma, acabaram sendo repentinos.
Por sua vez, a médica sentia seu estômago dar cambalhotas ao pensar em encontrar os pais de sua parceira.
Ambas fecharam-se com seus temores e canalizaram a criticidade do momento exclusivamente para as negociações com a produção do programa, através do contato de Clara.
Embora Becky demonstrasse ansiedade, foi com certa desconfiança que Luciana a viu aceitar esperar mais uma semana até a realização do programa para encontrar com seus pais. Pelo acordo, esse intervalo deveria ser respeitado para manter o clima do reencontro.
- Tudo bem, Luck. Dá para esperar, agora que sei que estão bem. Esperei até agora, sem nem saber se estavam vivos. - disse, com um sorriso encantador.
- Quanto a isto, não vou opinar. Você sabe dos seus sentimentos. Também sabe que tenho que viajar e ficarei fora durante todo o desenrolar da situação. Infelizmente, não posso adiar a viagem, pois Marcella estará fora também e não poderá me representar.
- Fique tranqüila. Você há de concordar que é até melhor, assim terei tempo para conversar com meus pais e sentir o terreno em que pisaremos.
A médica não esquecera a história da aposta. Apesar da distração, ainda queria respostas. Sentia que cada vez mais teria que se controlar para suportar o pai da jovem. Desde o começo, toda vez que pensava no que Becky sofreu e poderia ter sofrido quando nas ruas, sempre teve vontade de esganar o pai dela. Agora, sabendo do real motivo, essa vontade só fez piorar. De repente, não estava mais com tanta vontade de ficar sondando terreno algum. Qualquer que fosse o cenário, simplesmente ignoraria a existência dessa pessoa. Se o resto da família não fosse um empecilho também, poderia desviar sua cordialidade para a mãe e a irmã. Era um jogo e ela tinha que escolher seus aliados; já que o pai firmara seu papel de adversário.
Desconfiava que a jovem estivesse protelando o reencontro justamente para adiar tomar decisões. Por isto, a médica se esforçava para não cobrar todas as perguntas que ainda não tinham suas respostas. Becky estava com medo e já dissera o motivo.
- OK, Becky.
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Negociar o acordo para que o encontro se realizasse foi à parte mais tensa: Luciana não se conformava com o fato de ter que ceder ao sensacionalismo barato no qual colocavam sua parceira e familiares.
Ela quis ler o roteiro do programa, o que foi providenciado ainda no domingo. Após a leitura, feita junto com Rebecca, elas cortaram toda e qualquer menção ao envolvimento das duas, bem como fatos que colocassem em questão a vida da jovem após se perder dos pais. A médica tentava, a todo custo, proteger Rebecca e salva-guardar suas empresas.
A reunião foi no hospital, no andar da diretoria, altas horas da noite.
Uma vez que Becky e Clara conseguiram convencer a médica de que aceitar a participação no programa seria o caminho mais curto e menos alarmante, a secretária fora incumbida de realizar as negociações.
Clara e a tal Nanda sozinhas em uma sala equipada para vídeoconferência. Luciana e Rebecca acompanhavam, via vídeo, em sala contígua. A repórter não sabia que estavam sendo monitoradas. Após 45 minutos de discussão, nada parecia resolvido ao agrado da médica, que se comunicava com a secretária através de um ponto imperceptível alojado no ouvido dela.
Como detentora da informação, a repórter assumiu uma postura arrogante, mostrando-se teimosa. Entretanto, ela estava digladiando com uma mulher nada paciente, voluntariosa, irritada e, talvez o mais fatal de todos os adjetivos: poderosíssima. Nunca, jamais Luciana Lowestein cederia a uma possível ameaça ou chantagem.
- O reencontro de pais com filhos perdidos não é algo incomum. O que faz esta história um sucesso é o fato de uma jovem retirante se perder da família, virar uma mendiga e ser salva por uma mulher milionária que a assume como noiva.
- Nanda, conheço os detalhes da história. - Clara tentou interromper, já que sabia que a médica e a jovem ouviam tudo que era dito de forma nada sutil.
- Eu tenho tudo que o povão gosta: pobreza, desamparo, sex*, dinheiro, um conto de fadas e, ainda por cima, gay!!! O príncipe é uma princesa....
- Sei que isto é um furo de sensacionalismo para você; mas, para a doutora e a Srta. Rebecca não é. Que outros façam a platéia extravasar suas fantasias. O relacionamento delas não é nenhum circo. Você verá que os cortes no roteiro são perfeitamente aceitáveis, ainda dá para ter uma boa audiência.
A repórter ria com desdenho.
Luciana berrava ao ouvido da secretária, querendo saber como a tal repórter ficou sabendo de tudo. Apesar de oportunista, Nanda parecia ser uma boa profissional. Embora não tão alardeadas, as festas de comemorações do grupo despontaram em algumas revistas e pequenas colunas sociais. Alguns dos veículos, inclusive, eram do grupo de comunicação para o qual Nanda trabalhava. Simples exercício de associação entre o que foi passado pela agência de investigações com as pesquisas que ela devia ter feito.
A médica tirou a atenção de Clara por um lapso de tempo.
- E aí, Clara, virou leão-de-chácara da doutora agora? Pensei que ela estaria aqui negociando conosco e não colocando um empregado para resolver. Gostaria de ver essa tão poderosa Luciana.
- Pode estar certa que ela sabe os termos desta negociação. E eu saberei o que a agrada ou não.
- Como sempre puxando o saco, não é Clara?
- Nanda, por favor, não se coloque em situação pior do que já se encontra. Vamos aos fatos: tiramos tudo que se refere ao momento do encontro da Srta. Rebecca com a doutora; deixamos apenas o desespero por reencontrar seus pais; você também terá a presença dela no seu programa.
- Só a jovem?
- Sim, obviamente, sem a doutora.
- Mas...O que me resta? De tudo, o que menos importa é a tal Rebecca ter perdido a família...
- Então esquece o circo todo e apenas nos leve até eles. Você terá sua recompensa, ela terá os pais de volta e a doutora não precisará estressar-se com suas bizarras exigências.
- O quê? O dinheiro já é meu, certo? - perguntou desconfiada.
- Desde que o reencontro se concretize.
- Então eu quero minha história também. É a chance da minha carreira.
Luciana deu uma risada ao ouvido da secretária, que não gostou muito do tom interpretado. Conseguiu ouvir Rebecca pedindo calma; depois, a própria jovem se indignando. Tinha que pensar rápido.
- Você sabe que as maiores contas da sua emissora são das empresas Lowestein?
De repente o semblante da repórter já não era tão vitorioso. Pairavam dúvidas.
- É...se...sei. E daí? -não sabia, não havia checado esse lado da questão.
- Bem....ela pode retirar a conta da sua emissora. Basta uma simples ligação para nossa agência de publicidade.
Nanda percebeu que a doutora jogaria duro.
- Ameaça infundada...- sorriu amarelo.
- Quem disse que é ameaça?
A dúvida se estampou no rosto da teimosa repórter.
- Estou com nosso gerente de atendimento aguardando a ligação.
- Ah! Clara, deixa de ser tonta. Se ela quisesse jogar duro, teria me colocado sentada frente aos advogados dela e...
- Você prefere? Podemos providenciar. Já que é para ser circo, que seja pelo fato de você estar omitindo informações, chantageando e impedindo que uma filha reencontre seus pais. Vai ser rápido para nós, mas muito pesaroso e lento para sua vida e carreira, dependendo de quantos anos você deseja viver.
- Eu sei que vocês não querem a mídia investigando a relação gay das duas...
- Nanda, elas já circulam juntas como casal há um tempo, todos que deveriam se "escandalizar" com o fato, já sabem...
- ...os pais não sabem, até onde pude apurar.
Este era o ponto crucial e o grande trunfo da repórter que era esperta.
Clara já estava ficando irritada com Nanda teimando a sua frente e a médica bufando em seu ouvido.
- OK. Em cinco minutos, retiraremos todos nossos anúncios de sua grade de tv, revistas do grupo e rádio também.- perdeu a paciência - E a próxima ligação será para nossos advogados. Em dez minutos, teremos um oficial intimando você a nos levar aos pais da Srta. Rebecca. Nós estamos aceitando um ato circense; mas, se você quer o espetáculo todo, podemos providenciar.
Luciana ficara silenciosa ao seu ouvido. Se bem conhecia a médica, ela estava no limiar entre mandar tudo às favas e aceitar o que Clara dizia.
Pegou o telefone.
- Vocês não fariam isto! - foi a réplica de Nanda.
- Você quer apostar sua bunda seca nisto? - a resposta foi acompanhada de um olhar gélido, enquanto no viva-voz, um alguém se fazia ouvir. - Aguarda um pouco, Àtila.
Clara olhava pacientemente para a repórter. Por dentro e ao ouvido, sabia que sua tranqüilidade era uma representação digna de Oscar.
- Você não pode faz...
Nesse exato momento, a porta abriu. Nanda estava virada de costas e girou para ver quem entrava; deparou-se com 1,80 de mulher que a prendeu na cadeira, a milímetros de distância entre seus rostos.
- Você queria me conhecer?! - a frase saiu sussurrada entre dentes, enquanto olhos azuis fuzilavam a repórter.
Clara nem se moveu. Nanda tremeu dos pés à cabeça, embora tenha sustentado o olhar cortante.
- Sabe o que não pode? Não pode você querer esconder informações, não pode nos forçar a essa palhaçada toda e não pode questionar o que EU posso ou não. Aciono meus advogados e processo sua emissora, você e todos que eu quiser, diante dessa situação idiota.
- É. Mas suas empresas vão estar envolv...
- Eu sou minhas empresas. Eu decido o que me afeta ou não. E isto, com certeza, é nada para mim. Quanto a você, depois que eu terminar...
-....vai ser um choque para os capiaus saber como a doce filhinha deles arrumou a vidinha dela ...
Clara gelou, achando que a médica perderia a cabeça. Uma agressão seria um prato cheio para a repórter e inverteria todo o jogo.
- Não me interrompa quando falo! - a médica disse, sem parecer ter escutado o que a repórter falou - Quando eu terminar com VOCÊ, PODE APOSTAR QUE NEM EM OBITUÁRIO COLOCARÁ SEU NOME!.... - Luciana disse, empurrando a cadeira, que rodou e chocou-se contra a parede - Átila, pode executar a ordem. - a médica disse.- Clara, os advogados!
A repórter estava lívida.
- NÃO...não...ESPERA! - Nanda não teve tempo de argüir com a médica.
Voltou-se para Clara, que segurava outro telefone.
- Dr. Sampaio...pode mandar o oficial....
- ESPERA!! ESPERA!! OK. OK. Vou levar o roteiro e confirmo os acertos amanhã.
Clara jogou o roteiro com as correções em cima da repórter que só saiu após a secretária retirar as ordens dadas pela médica.
Após a saída de Nanda, Rebecca e Luciana voltaram para a sala.
- Clara, quem é Dr. Sampaio? - a médica quis saber.
- Meu dentista.
Desta vez, até Luciana caiu na gargalhada.
***
***
Com os acertos, a história toda ficou focada em torno da separação e o reencontro; com nenhuma menção à situação de vida atual da jovem.
Encontrá-los diante das câmeras em um dos programas de maior audiência nacional, foi extremamente desgastante.
Foram trinta minutos intermináveis, com três blocos de 10 min, entre os quais os ajudantes de palco ficavam tentando instruir como Rebecca e seus pais deveriam agir em termos de choros e sorrisos. Quando retornavam a cena, o insuportável apresentador ficava tentando arrancar lágrimas de todos; o que não foi nada difícil, já que a emoção do momento era real e indisfarçável.
Após o término da participação da família Stoianoff, Clara os conduziu até o carro, que ela mesma estava dirigindo. Rebecca dispensou motorista e seguranças, pois não queria ostentar mais do que já previa ter que fazer. Percebeu os olhares interrogativos para o carro suntuoso. A jovem só aceitara o veículo, para pode acomodar a todos.
- Minha filha, o que significa isto tudo? Quem é ela?
- Clara está nos ajudando, mãezinha. Quando chegarmos à fazenda, eu explico tudo.
- Fazenda!?!
- Pai, relaxa. - Rebecca comandou, sentada entre eles, fortemente abraçada pela mãe.
Segundo ordens da doutora, deveriam ser levados para um flat mantido em nome das empresas; e, na manhã seguinte, o jatinho os levaria para a fazenda, onde Régia os aguardava.
No banco da frente, virada para trás, Lílian observava a irmã, com visível encantamento.
Vez ou outra, Clara olhava pelo retrovisor e sentia-se satisfeita consigo mesma ao ver a felicidade estampada no rosto de todos, principalmente Rebecca.
A secretária observou que Rebecca era uma mistura perfeita dos pais: os olhos verdes e os cabelos loiros do pai, o tipo físico da mãe. Lílian não se parecia com ela. Era uma moça muito bonita também, apesar da aparência maltratada.
Clara os deixou, após se certificar de que tudo estava em ordem.
No flat, a família deixou fluir seus reais sentimentos e muita lágrima ainda rolou. Até mesmo Andras chorava e Rebecca imaginava o quanto de remorso ou alívio passava pela cabeça daquele homem. Ela o abraçava e não sentia nada de mais forte do que a certeza de tê-lo vivo em seus braços. Já com sua mãe e irmã a sensação era de voltar ao seu lugar, a sua matéria, sua origem.
Por sua vez, seus familiares a tocavam como que verificando se ela estava inteira.
Entre muitos elogios à aparência de Rebecca, surgiram alguns comentários preocupados dos pais sobre como ela estava tão "enricada".
- Você casou com algum milionário? Essa loira é sua empregada? - perguntas de Lílian
- Casou? - o pai reiterou.
- Calma. Vamos ficar calmos. Estou tão feliz em tê-los vivos. Todos!! Quero saber por onde andaram, o que fizeram....enfim...temos o que conversar.
- Nunca perdemos a esperança de achá-la, mas estava cada dia mais difícil. Você nos viu na tv? - a mãe quis saber.
- Na verdade, foi tio Antal.
De repente, ficou um silêncio.
- Você tem contato com aquela aberração? - o pai resmungou.
- Há menos de um mês eu o encontrei por acaso e ele me mostrou a fita do programa onde vocês foram me procurar. Fiquei tão emocionada ao saber que vocês estavam a minha procura. - a jovem quis tirar o foco da conversa de sobre o tio.
- Foi ideia minha ir ao programa. - Líllian disse.
- Excelente ideia. Com a fita, pudemos encontrá-los. Vínhamos buscando já há algum tempo, mas sem sucesso.
- Eu sempre tenho boas ideias! - a irmã se gabou.
- Como você está grande, mocinha! E linda! - Rebecca abraçou a irmã, enchendo-a de beijos.
- Eu linda!?! Você está outra! Não fossem esses seus lindos olhos verdes, não diria que é aquela minha irmã. - disse, encolhendo-se contra Rebecca. - Olha, mãe, ta toda cheia de músculos. Espia essa barriga tanquinho!!! - disse, levando um tapinha nas mãos por levantar a camiseta de Rebecca.
A mãe era só sorriso, encantada por rever as irmãs brincando.
- Mas, você ficou próxima dele? Ele não é boa companhia para você. - o pai ainda teimava em implicar.
- Pai, ele é seu irmão e o único parente que descobri. Gosto dele. E já contei a ele que os encontrei.
- Não tenho irmão. E não quero saber dele por perto!
Depois desta reação, a jovem resolveu mudar a conversa. Pediu o jantar, levando algum tempo para escolherem o cardápio.
- A gente pode escolher qualquer coisa? Filha é tudo muito caro! - a mãe se espantou. - Você tem dinheiro?
- É por conta da empresa.
- Você está trabalhando em quê?
Rebecca percebeu que quanto mais tentava adiar falar sobre sua vida, era difícil diante de todo o conforto e despreocupação financeira que aparentava.
- Assistência social, pai. Projetos com empresas.
- Desde quando? Você nem tem faculdade? Ou tem? - a dúvida estava estampada no rosto envelhecido do pai.
Jantaram em meio a muitas perguntas e quase nenhuma resposta.
Sobre eles, soube que eram caseiros em um sítio no interior de São Paulo. Conseguiram com algumas pessoas da comunidade húngara.
Lílian tinha 18 anos agora. Não estava estudando. Trabalhava como ajudante em uma casa da cidade.
- A gente se acostumou com o sítio. Dinheiro é pouco, mas temos casa e comida. Seu pai ajuda em tudo e tomamos conta. O patrão é um bom homem. Mas, não é como ter a terra da gente.
- O filho dele é lindo! - Lílian comentou.
- Deixa de sem-vergonhice menina!
- Credo, pai.
- Andras, deixa a menina, ela tá na idade de se interessar por rapazes. Não é mesmo, Rebecca? - a mãe deu a deixa para o marido.
- Falando em homem, você tá "ajuntada", filha? - o pai entendeu a deixa.
- Não, pai.
- Está sozinha...num achou alguém...
- Vocês sabem que não vão mais voltar para o tal sítio?
As expressões foram as mais diversas possíveis.
- Não....quer dizer...pediram para gente trazer umas mudas de roupa, mas não sabíamos que não voltaríamos. - a mãe falou.
- Eu tava inté preocupado em como levar mais uma para morar com a gente, sem deixar o patrão bravo. Ele já havia aceitado você no serviço da casa, em São Paulo.
"Seria mais um a me ganhar em aposta?", Rebecca pensou involuntariamente e percebeu que sentiu raiva dessa disponibilidade que o pai fazia da sua vida, sem ao menos nem saber onde ela andara em tanto tempo de separação.
- Bem, pai, não terá que levar "mais uma"; mas acho que seu ex-patrão ficou meio contrariado em perdê-los.
- Então, mana, pode ir contando tudo. Agora você acabou de dizer que nós não temos mais que trabalhar?
- Não para estranhos. Mas, amanhã teremos uma longa conversa, agora tenho que ir.
- Por que você não fica? - o pai quis saber
- Tenho coisas para ajeitar, antes de partir. Ficarei um certo tempo com vocês na fazenda e iremos colocar todas as novidades em dia.
- Pelo que podemos ver até agora, tem muita coisa a ser contada! - Lílian observou.
- Com certeza. - Rebecca concordou meio sem jeito - Clara deixou tudo certo para vocês. Amanhã a gente toma café junto e depois partimos.
- Essa fazenda é longe? - Lílian quis saber.
- É a nossa terra, irmãzinha.
- A nossa!?!? - todos falaram ao mesmo tempo.
- Sim. Mas, iremos de jatinho.
- O quê? Avião? Jato? Mana, você ganhou na loteria, fala a verdade? Nunca andei de avião!
Olhando para o pai, Rebecca percebeu certa preocupação.
- Tudo bem com o senhor, pai?
- Tu...tudo, claro. Por quê?
- Ele tá com medo do avião, filha. Eu também. - deu uma risadinha tímida.
- Se serve de consolo mãe, eu também estou. É a primeira vez que embarco nele. Foi comprado recentemente.
- É seu? - Líllian arregalou os belos olhos verdes acinzentados.
- Da empresa.
- Essa empres...
- Bem, tenho que ir mesmo! Hoje foi um dia extenuante emocionalmente. Nem sei o que dizer. Já esfreguei os olhos, pisquei e me belisquei para ter certeza que estamos juntos novamente.
- Nem sei a quem agradecer, minha filha!
- Agradeça seus deuses, mas também à Clara. Ela tem sido o meu anjo-da-guarda. Não sei que seria de mim sem ela!
- Você não vai nos dizer que ela é sua...
- Minha....
- ...sua.....- ele não sabia como expressar, mas a jovem entendera.
- Não pai. Não. Ela é uma amiga mais velha e que se fez responsável por mim, além de realmente trabalhar comigo.
- Que alívio. Achei que você tinha virado sapatão!
- Que isso, Andras. Num fala assim com a menina. Que imaginação, homem. Filha, não dê ouvidos.
- Depois do pervertido do tio dela....e do jeito que cidade grande é....- ele deu de ombros - tudo pode ser.
Rebecca ficou sem chão. Não soube o que dizer. Apenas reforçou sua necessidade de ir embora e, após longa despedida na qual seus familiares queriam provas de que ela voltaria, conseguiu sair.
Na garagem, seu carro estava na vaga, deixado por Clara. Enquanto dirigia para casa, pensou no que acabara de ouvir. Estava com medo.
***
***
Rebecca ficou impressionada com o jatinho. Era uma aeronave feita ao gosto da doutora e comportava 18 pessoas, entre passageiros e tripulantes. Possuía área separada para a tripulação, cozinha, sala de reunião e um reservado com cama.
Se ela ficou maravilhada, seus parentes não paravam de exclamar.
- Isto é maior que nosso barraco no sítio! - Líllian disse.
- Os bancos são de couro! - o pai exclamou.
Ao entrarem, a comissária de bordo os recepcionou, toda sorridente. Rebecca mal sabia da existência da tripulação. Olhou a mulata escultural que estava deixando seu pai todo bobo e ficou imaginando se Luciana tinha escolhido.
- Menina, que mulherão!
- Pai, por favor, respeite-nos! - Becky ficou zangada.
Após as verificações para os procedimentos de decolagem, a comissária encaminhou-se para seu assento. Em seguida, o piloto deu as informações de praxe.
A viagem demoraria cerca de 2h30min. Líllian quis visitar a cabine e Rebecca pediu para a comissária.
- Claro, Srta. Rebecca. Vou avisar o comandante. A cabine é pequena, assim teremos que ir dois a dois. Seus convidados gostariam de ir agora?
Pela deferência, Rebecca entendeu que a comissária sabia quem era ela.
Após 1 hora de vôo, foi servido um lanche. Mais uma vez, todos ficaram boquiabertos.
- Nossa, filha, que mordomia! Cada vez mais fico curiosa em saber como você conseguiu.
- Pode acreditar que nem mesmo eu sei, mãe! - Rebecca falou com sinceridade, enquanto olhava para o interior da nave. - Vou me deitar um pouco, estou com dor de cabeça.
Estava realmente com dor. A conversa com Luciana por telefone, durante a madrugada, não fora fácil. A médica não gostou da resolução da jovem em ir com os pais. Haviam combinado que Rebecca a esperaria voltar e iriam juntas. Foi uma discussão séria. A jovem sentiu que a médica dava vazão à insegurança, deixando seu temperamento voluntarioso imperar.
- Em dois dias eu chego à fazenda. Espero que seja tempo suficiente para você "preparar" seus pais. Não sei bem o que tanto tem que ser preparado.
Rebecca contou sobre a reação do pai ao encontro com o tio e também a parte que suspeitou de Clara.
- Você pode achar exagero meu, amor, mas eu tenho que ser diplomática.
- É um absurdo um homem que coloca a família em perigo por motivo de vício, posar de preconceituoso. Sei que é seu pai, mas é muita hipocrisia.
- É um homem simples, que entende o mundo da forma masculina e rude como foi criado.
- Sua defesa me comove, mas não convence. - havia sarcasmo na voz da médica.
- Como você disse, é meu pai. - Becky se sentiu resignada demais.
- EU quero você e, no momento, é só o que me importa.
O silêncio do outro lado da linha não deixava a jovem nada confortável.
- Luck, amor, eu vou fazer tudo para que não tenha que ficar dividida.
- Você acha que pode ficar?
- Não sei.
- Boa noite, Rebecca!
Ela desligou e não atendeu mais nenhum chamado.
Naquela manhã, Clara informara que não iria para a fazenda juntos com eles. A doutora disse que precisava dela e iriam juntas dentro de dois dias.
- Becky, ela estava com o humor de antes. Precisei relembrar como era lidar com aquela antiga Luciana. - a secretária comentou.
- Ai, Clara, nem bem os encontrei e já estamos nos estranhando. Você sabe porquê não vem junto conosco?
- Nenhuma pista, Becky. Por enquanto, só sei que irei com ela.
A jovem contou para a secretária o ocorrido.
- Talvez ela queira me poupar de perguntas, Becky.
- Faz sentido. Meus pais e Líllian dariam um jeito de interrogar você. OK. Até daqui a dois dias. Régia está avisada?
- Falei com João de Deus. Ela não estava por perto.
- Mas ela irá nos receber. Não quero que meu pai dê de cara com o jagunço. Não agora. Peça para Mirtês recebê-los, caso Régia não apareça.
- Ela vai aparecer. - a secretária afirmou.
Rebecca estava absorta nestas recordações, quando Líllian sentou-se ao seu lado.
- E aí, mana, tudo bem? Melhorou?
- Sim. Estresse da noite passada.
A jovem ficou olhando para Rebecca.
- Esse "estresse" é grave? Papai e mamãe estão preocupados com você.
A jovem riu. Percebeu como sua vida era agora diferente da vida de seus familiares. Seu linguajar mudara, suas vestes, sua forma de entender o futuro e viver o presente.
- Comigo?!? - Becky fingiu espanto - Eu estou saudável, bem alimentada, vestida decentemente e estresse é uma espécie de cansaço mental comum em grandes cidades. Qual a preocupação?
- Por você estar "muito bem".
- Como?
- Mana, desde que a reencontramos só vimos carrões, jatos e coisas chiques. Você foi deixada na rua, sem eira nem beira!
Becky ficou quieta.
- Eles tão achando que você está em alguma coisa indecente. - ela sorriu.
- Indecente.....
- Você tá de viração....se vendendo...
- Prostituição?!?
- Você diz que num casou com milionário; então alguém te banca...
É. Rebecca pensou que realmente era difícil entender.
- E você, o que acha?
- Falando a verdade, acho que você se deu bem. Seja o que for que andou fazendo, você teve sorte de se perder da gente!
- Foi tão difícil assim, irmãzinha?
- Foi não: ainda é!
- Vamos dar um jeito de melhorar.
As duas irmãs se olhavam. Rebecca não podia deixar de se condoer ao ver a aparência de sua jovem irmã. Ela estava decentemente arrumada, mas suas mãos eram ásperas; sua pele castigada de sol; as roupas eram visivelmente velhas. Havia o frescor da juventude, mas dava para perceber certo cansaço. Rebecca lembrou das pessoas assentadas em sua fazenda.
- Não queria jamais ter perdido vocês. Gostaria de ter ficado e lutado junto. Penso que poderíamos ter vivido melhores momentos.
- Quer me enganar que preferia ter passado fome, disputado pão com outros famintos, dormir na rua...
- Líllian, por um bom tempo eu passei tudo isso sozinha. De repente, juntos não teríamos passado.
- Mas, você ta aqui, nos levando de jato. Vai dizer que você preferia...
- Irmã, se você me perguntar se eu preferiria esse jato a ter ficado com vocês, a resposta é NÃO. Mas, se você me perguntar se passaria tudo de novo, eu diria SIM.
Os olhos de Rebecca estavam úmidos. Ela sabia o que significou perder a família. Sabia que aquele jato era um mero símbolo da majestosa figura pela qual se apaixonara e entregara sua vida. Pela qual faria tudo novamente. E por quem, agora, estava lutando para não magoar.
- E por que passaria por tudo de novo?
- Por amor!
- Ahhá!!!! Sabia!!! Você está envolvida.
- Estou.
- Quando vamos conhecer?
- Em dois dias.
- Está na fazenda?
- Chegará em dois dias, mas não conta para papai e nem mamãe.
- Estou doida para conhecer essa pessoa misteriosa!
Antes que Rebecca falasse algo, a comissária veio avisá-las dos procedimentos de aterrissagem.
- As senhoritas terão que usar os assentos e afivelar os cintos.
Líllian levantou rapidamente.
- Esta é a tripulação habitual que atende a doutora? - Rebecca aproveitou que ficou sozinha com a comissária.
- Sim. Alguma observação, Srta. Rebecca?
- Não. Curiosidade.
***
***
Régia não queria ir esperar a família. Não queria conhecer o idiota do pai da Becky, nem pensar em explicar as pessoas na fazenda e dar satisfações. Não queria ver Clara.
Foram dez dias de isolamento. Algumas vezes, Daniel teve que ir até ela para ver se estava bem e repor algum suprimento.
O rádio nem sempre funcionava, mas as coisas com Anna estavam tranqüilas. A cirurgia estava marcada e faltavam 20 dias ainda.
O lugar que escolhera era perfeito para sua vida nômade; o tipo de vida que sabia teria que abrir mão em breve. E, por isso, fazia questão de se despedir.
Apesar de todos os anos sem um ofício, sua vida sempre esteve cheia de atribulações. Os acontecimentos que a levaram até as pessoas que passou a liderar foram extremamente violentos; tiraram-na de circulação e a fizeram renascer para a vida de simples peoa e, dela, para a figura messiânica que lutar por terras e esperanças a transformara diante daquelas pessoas simples.
Decididamente, o que estava fazendo agora era um retiro. Como fizera forçosamente no templo da monja Naomi. Seguia rigorosamente a rotina que seguiu em seus tempos de mosteiro.
Na cachoeira próxima, lavava a alma após toda a meditação e exercícios matinais.
As explorações pela propriedade a fizeram reencontrar-se com sua profissão. Cada dia mais se encantava e descobria plantas raras e de poder curativo espalhadas pela propriedade. Perguntava-se como poderiam tirar proveito daquilo tudo? Tornar aquela terra realmente produtiva?
À noite, recolhia-se à leitura. Estava lendo artigos que baixara da Internet sobre a doença de Anna. Também ganhara uns livros da doutora sobre plantas medicinais e estudos na área fitoterapêutica. A médica tinha um enorme interesse por essa cultura. Pelo pouco que pode saber, o pai dela era uma espécie de boticário em sua cidade natal. Ela possuía muitas anotações e fórmulas feitas por ele. Becky era medicada com uma destas, quando sentia cólica.
O casebre com o fogão a lenha, o bule de café e a carne preservada na banha era o que a bióloga precisava.
Em suas meditações, refletia muito sobre suas paixões. Não pensava nas mulheres que usara para saciar sua libido, mas os amores e o preço que pagou por amar. Traições bilaterais, intrigas, violência, perda e dor. E Clara.
Era engraçado que a pessoa menos violenta era a que mais estava causando-lhe dor. A pessoa que mal tocara seu corpo, para o bem ou para o mal, era a que mais estava deixando marcas como ferro em brasa. Não, o ardor da brasa ela conhecera e suportara. Clara era uma dor desconhecida que causava uma devastação branca, sutil e discreta, como a própria secretária; mas, tal qual a mulher, a dor era também extremamente objetiva e exata em seu propósito de não ceder à tentativa alguma de esquecimento.
Toda sua concentração ruía cada vez que pensava nela, no desejo, na vontade de ter, na contrariedade de saber que a tinha, mas não poderia aceitar que algo se concretizasse; mas, também não queria se importar se por uma única vez, a tivesse. E, então, novamente percebia o quanto tentava enganar-se, já que nunca se satisfaria em tê-la uma única vez, porque sabia que seu sonho era construir uma vida decente para as duas pessoas que mais amava no mundo: Clara e Anna.
E, quando as lágrimas escorriam por sua face sem medo de serem percebidas e tomadas como uma falha na tão estóica mulher, Régia mergulhava no lago, colocava-se sob a água fria da cachoeira e deixava as lágrimas correrem livres, misturando-se aos seus pares elementares.
Nua, em contato pleno com a Mãe Natureza, buscava retomar sua ligação com a vida, com a criação, com a própria essência feminina e, novamente, se deixava desaguar no oceano de águas claras...Clara.
Sacudiu a cabeça, como tentando se livrar desses pensamentos. Agora, tinha que voltar a ser a líder. O dono da fazenda estava chegando. O povo já cobrava respostas e Régia sentia a energia emergindo.
Clara estava chegando.
Montou no cavalo e seguiu a trilha íngreme de volta à casa principal. De lá, seguiria de pick-up até a pista de pouso, agora oficial.
***
***
O pouso foi perfeito. A pista tinha sido alongada e asfaltada. Ver a fazenda pelo alto foi um show para seus familiares.
- O que são aquelas barracas, minha filha? São posseiros? Invadiram minhas terras?
- Não pai. São pessoas que permiti acamparem pela propriedade. Gente simples e honesta.
- Filha, cê num entende disso. Pode crer que são um bando de urubu querendo terras.
Rebecca sentiu um embrulho no estômago. E a cabeça voltou a latejar.
- Andras, veja....filha, aquela é a casa velha?
- Sim, mãe. Ela foi reformada. E lá mais para o norte, tem outra construção que também foi reformada.
- Mana, aquilo parece aquelas coisas de eletricidade. A fazenda tem luz agora?
- Bem, essa parte é complicada pela extensão das terras. Mas conseguimos fazer algumas ligações e nas casas de alvenaria tem energia.
- Legal!!!!
- Você sempre fala "nois". Quem ta ajudando você?
- Muita gente, pai, muita gente.
- Mas, filha, esse povo aí num é endinheirado....
- Pai, fica quietinho. Na hora de pousar, é ruim falar.
- Andras, fica quieto. Num quero morrer justo agora. - a mãe falou.
Após todos os procedimentos, a porta foi aberta e a família desceu, com Andras fazendo um monte de gracinhas para impressionar a comissária.
- Cuidado com o degrau, senhor.
- Meu marido sabe se cuidar, moça!
- Qual seu nome? - Becky quis saber.
- Eliane, srta Rebecca. Espero que tenha apreciado o vôo e nosso serviço de bordo.
- Tudo perfeito, Eliane. Desculpe os modos de meu pai.
- Nada a se desculpar, Srta. Rebecca.
- Você irá servir todos os vôos com este jato?
- Sim, srta.
- Então me chame de Rebecca, Eliane.
- Sim, srt...Rebecca.
Definitivamente, não era o tipo de Luciana. "Sei lá qual o tipo dela!", sacudiu a cabeça.
Régia e Mirtês estavam esperando.
- Quem são, mana?
- Amigas que estão ajudando com a administração da fazenda.
- A morena é linda....se fosse um homem....aliás, ela até poderia enganar...
- Pai, mãe, Lílian....essas são Régia e Mirtês.
Não houve apertos de mãos e os cumprimentos foram apenas com as cabeças.
Andras mediu Régia da cabeça aos pés. Por ser bem mais alta, Régia o olhava com distanciamento e expressão indecifrável.
- Régia cuida da administração das pessoas que vivem aqui. Mirtês se prontificou a cuidar da casa principal e de todas as necessidades que tivermos com alimentação, roupas e afazeres domésticos.
D. Ruth assentia com a cabeça enquanto Becky explicava.
- São suas empregadas, filha.
- Não, mãe, são amigas. Pessoas leais e queridas.
- A troco de quê tar lealdade? - Andras falou cinicamente.
- Caráter encontrado em sua filha.
A resposta de Régia selou de vez o antagonismo entre eles.
- Obrigada por cuidar da nossa casa e de nossa filha! - D. Ruth respondeu, com a mesma simplicidade e sinceridade que todos admiravam em Rebecca.
- Não há de quê, dona...
-...Ruth, Mirtês. Esqueça o "dona", amigas de minha filha são minhas também.
Ambas sorriram, evidenciando que seriam cordiais entre si.
- Uau, veja a caminhonete, pai. É igual a do nosso patrão.
- Podemos ir? - Régia comandou.
No interior do veículo, foram Régia, Becky, Andras e Ruth. Na caçamba, Líllian e Mirtês.
- Nunca vi está parte da fazenda!!!! Ce sabia que pudia pousar avião por aqui, Andras?
- Não muié. Deve ter sido criada depois que saímos...mas, num reconheço essas bandas. Tem certeza que não estamos na propriedade de outros, filha? - havia certo receio na voz - Quem são nossos vizinhos?
- A pista foi construída há uns seis anos atrás. Acredito que vocês ainda estavam aqui. Servia para contrabando e pousos noturnos. - Régia respondeu. - E os vizinhos são: de um lado, o filho bundão do veio fazendeiro temido na região; dos outros, a fazenda divisa a estrada, um rio, e beira uma fazenda arrendada.
- Nossa, filha, nunca soube que a gente tinha tanta terra assim!
- Papai sabia, não é?
- Nunca soube direito. E esse povo: de onde surgiu? - desviou o assunto.
- Achamos que o dono da terra tinha abandonado.
- Eu achei que ce tinha vendido, homem! - a mãe exclamou
- Falta muito para chegar...- ele se esquivava da conversa.
Rebecca percebeu o desconforto e ali não era nem a hora e nem o lugar para lavarem a roupa suja.
- Clara chega em dois dias. Você sabia, Régia? - tentou mudar de assunto e se arrependeu na hora.
- Não. - foi a resposta seca.
- Da cirurgia da Anna você soube.
- Se for a data, sim.
- Quem é Anna, filha?
- É a filhinha da Régia. Está em coma em um hospital em São Paulo.
- Ah..oh....pobrezinha.
- E por que você num ta com ela? - a voz de Andras não era de simpatia.
- Ela está em coma, alheia a tudo e extremamente bem cuidada. As pessoas aqui estão precisando de mim.
- Posso saber como precisam d´ocê?
- Pai, mais tarde teremos uma reunião. Você vai entender tudo.
Régia não estava para prosa. A jovem percebeu que estava em um duelo de titãs.
Líllian desceu toda eufórica da caçamba da pick-up. Foi ajudada por Daniel, que logo atraiu seu olhar pelo nariz meio torto.
- Que fizeram com seu nariz?
Ele ia falar, quando viu Rebecca descer do carro. Ficou mudo.
- Quebrou no cabo de uma enxada.
- Nossa, você deve ser ruim na enxada!!!
Ela riu e ele ficou sem-graça.
- Vejo que vocês já se entenderam. - Becky brincou. - Tudo bem, Daniel?
- Sim, Becky.
- Daniel, esta é Líllian, minha irmã.
- Uma belez...muito prazê!.
- Daniel, deixa de prosa e leva as malas, anda logo! - Mirtês esbravejou
O rapaz arrepiou carreira, descarregando a pick-up.
- Quem é o borra-botas?
- Ele é filho de um cabra meu. - Régia peitou.
- É meu amigo pai. Ele me mostra a fazenda e ensina caminhos. Conhece tudo.
- Vai ser capitão-do-mato igual ao pai. - a líder enfatizou, e Becky sentiu o arrepio percorrer o corpo de Andras.
- Régia, posso falar com você um momento. - virando-se para os pais - Pai, mãe, Líllian...entrem..bem-vindos de volta a casa de vocês.
- Nossa, filha, nossa! - a mãe retificou.
- O que deu em você, Régia? Chegar metendo os dois pés no peito do meu pai!!!! Está louca!?!
- Não gosto do seu pai.
- Não gosta assim? Sem dar uma chance?
A líder ficou quieta. João havia contado coisas sobre o pai dela que não gostaria de trazer para a discussão. O homem não somente era um perdedor, como também uma pessoa com muita vontade de ter poder, mas sem ter recursos para tal. Até podia trabalhar, pois do contrário nada teria mesmo, mas era um esbanjador ganancioso. Era um sujeito que o único escrúpulo que teve foi fugir para não entregar a filha. Quer por vergonha ou por amor a ela, mesmo de forma negativa, ele evitou uma sentença muito amarga para Rebecca, ainda que para isso tenha jogado a família toda na incerteza de uma vida miserável.
- Régia, papai deu sinais de que não vai aceitar facilmente a ocupação. Porém, ele não tem o que argumentar contra isso e eu o farei ceder. Mas, se você começar com antagonismos e sem diálogo, vai ficar cada vez menor a chance que tenho para convencê-lo.
- Becky, vou ser franca e direta: essas terras estão fadadas a sair da mão dele de qualquer maneira. Não há dinheiro para impulsionar as coisas por aqui. A melhor opção dele é vender e está na cara que o fará. Se ele agir direitinho com Luciana, ela terá influências para vender as terras para o governo e se sair bem; caso contrário, tentará vender pelo valor mínimo, que ainda é um excelente dinheiro para quem nada tem. Não tenho ilusão alguma. Só penso como dizer isto para as pessoas que confiaram em mim. Que elas estão novamente sem um lugar para ter um pouco de sossego, trabalho e algum provento digno.
A jovem estava muito calada. Régia estava correta.
- Mas, a gente pode contar com o mesmo prestígio de Luck para levantar financiamentos; entrar em acordos com bancos; provar que a fazenda vale investir. Montar uma cooperativa. Vamos precisar de mão-de-obra. Clara conhece um monte de figurões de banco. Sei lá....eu não vejo as coisas tão cercados dentro dessas opções que você deu.
- São as mais fáceis para um homem que aposta a filha. - a líder quase cuspiu as palavras. - Seu pai é um homem cansado, que ansiou a vida toda por ser rico, senhor de terras, ter a quem comandar. Essas pessoas não querem patrões. Seu pai vai querer o dinheiro no bolso imediato; não vai esperar para obtê-lo após anos de preparo e colheitas.
Becky buscava desesperadamente uma solução que aplacasse a líder; bem como a si própria.
- Mas podemos usar o modelo de assentamento do governo; apenas meu pai será o cedente das terras; poderemos obter financiamentos para que cada família compre sua parte e também o material para construir suas casas, insumos, implementos. Se pensarmos...
- Becky, eu acredito em você. Sei que compartilha da minha angústia por ver tantos rostos castigados, confiantes em nós. Entretanto, não confio em seu pai. Concordo que tenho que ser mais paciente. Vou tentar até que tenhamos a conversa definitiva.
Virou e ia saindo.
- Vai ficar na antiga enfermaria? - a jovem quis saber
- Só se você precisar de mim por perto. Deixei instruções para que sua segurança seja reforçada. Desta forma, entendo que está tudo sob controle e na casa você terá o auxílio de Mirtês. Se precisar de mim, chama pelo rádio ou manda o Daniel.
- Segurança?!? Você diz jagunços me rondando?
- Ordens da doutora. Única condição para que você viesse com seus pais. Pensei que você soubesse.
- Não tinha a menor idéia. - a jovem falou, pensativa - Então, você prefere ficar afastada?
A líder assentiu.
- OK. Se prefere assim. Está bem alojada, ao menos?
- Sim. - foi a resposta lacônica. - Inté.
Ao chegar à porta, voltou-se novamente para a jovem:
- Sei que temos ameaça de real invasão nas cercas do lado da fazenda vizinha, que já foi invadida e os federais estão lá. De nosso lado, os homens de João estão segurando. Eu temo que sejamos confundidos com eles, se nos envolvermos demais. Porém, também sei que eles vão espirrar para cá, se a policia apertar.
- Isto é muito grave.
- Sim. Pelo que sinto, os homens que defendem nosso lado, pensam que defendem algo que já lhes pertence; mas, poderão facilmente mudar de posição.
- É. São os comparsas do João.
- Pense como quiser. - a líder disse, com indisfarçável indiferença.
Com isto lançado no ar, saiu do escritório improvisado.
- Luck entenderia isto como ameaça? - a jovem sentiu raiva de Régia. - E será que estou realmente segura com esses jagunços?
***
***
- Filha, eu estou confusa com tudo. - D. Ruth dizia.
- Eu não entendo nada, mas estou adorando, mana.
Estavam almoçando a comida que Mirtês havia preparado, na cozinha reformada.
- Esta comida é excelente, filha. Mas, já combinei com a Mirtês e a partir de amanhã eu vou cozinhar. O véio fogão foi preservado.
- E a dispensa está cheia. - Líllian observou.
Embora a mãe e a irmã estivessem tagarelando, ora pasma pela situação, ora agradecidas por tudo; Andras comia muito calado. Desde a hora que chegaram até o momento, ele não arredou pé da casa. O máximo que fez foi sentar na rede, colocada no alpendre, para fumar.
- Filha, como você conseguiu a fazenda de volta. Seu pai disse que dera parte das terras para saldar uma divida e conseguira uns trocos pela outra parte. Não foi assim, Andras?
"Ao menos, ele não foi tão mentiroso" , Becky pensou.
- Eu precisei de meus históricos escolares. Quando Clara fez as pesquisas necessárias, acabamos tendo que vir pessoalmente até aqui. Neste processo, descobrimos a documentação da fazenda. Fiquei surpresa quando soube que papai ainda possuía as terras. Na ocasião, antes dos técnicos virem fazer as medições, não tinha noção do tamanho real.
- Vi que tem um povo diferente andando por aí. São os tais técnicos? - Líllian quis saber.
- Sim. Ainda temos alguns agrônomos soltos por aqui.
- Filha, você fala com tanta imponência. Parece que têm um exército trabalhando para você. Vejo que essa Clara é uma mulher muito esperta e ativa. Qual o interesse dela em tudo isso?
- Mãe, como disse, Clara trabalha comigo. Não há nenhum outro interesse.
-Vai dizer que a "empresa" também bancou essas suas descobertas. - o pai falou sarcasticamente.
- Não. A "empresa" desta vez não foi a responsável.
- Então, filha, seu pai e eu estamos muito preocupados com toda essa sua aparente riqueza. Gostaria que você falasse mais claramente.
- Sei que tenho muito que explicar, mas acho que papai também deve alguns esclarecimentos. Qualquer que seja o desfecho da minha vida atualmente, devo a ele essas mudanças bruscas. E acredito que a senhora e Líllian também.
Três pares de olhos, de verdes variados, encararam o homem que parecia diminuir de tamanho.
- É verdade, Andras, a menina ta certa. Você nos disse que tinha vendido as terras. Estava com dinheiro, ainda que não tenha sido o suficiente para nos garantir na cidade grande. Entendi que tínhamos que sair na moita, porque você se envergonhava de ter perdido parte da fazenda em jogo. Mas, agora, não entendo.
- É pai, a vida aqui não era fácil, mas a gente não tinha que sofrer humilhações. Nem me importava em não ter estudo, mas....
- Líllian, quando dei permissão para você falar assim comigo? Não vá abrindo as asinhas por causa da sua irmã. Ainda sou seu pai!
A menina fez um muxoxo, mas ficou calada, olhando para Rebecca a espera de ajuda.
- Pai, você deve a elas satisfação. E eu quero saber por que fomos arrastadas para o desconhecido? Por que você não poderia ter ficado com o que restou da fazenda, se as terras eram 10 vezes mais do que você e alguns ajudantes poderiam dar conta?
Ele estava vermelho.
- Se você foi buscar a gente para fazer inferno entre nós, pode deixar a gente onde tava e voltar para o pervertido do seu tio.
- Eu fico com a Rebecca. - a irmã se manifestou e recebeu um cutucão da mãe.
- Não estou fazendo inferno. Eu passei os últimos quatro anos pensando em como revê-los. Imaginando se todos estavam juntos, ou se Líllian também havia se perdido. Imaginei vocês mortos. Eu mesma, quase fui morta por andar com gente que queria sobreviver a todo custo. Pessoas que desejavam se dar bem na vida, mesmo que por meios ilícitos e perigosos. Imaginava se Líllian sozinha teria força para não se levar pelas tentações. E, se você está pensando que estou sendo ingrata, saiba que por anos fiquei entre odiar você por sua decisão ou perdoar por seu fracasso.
A mãe e a irmã assistiam a cena. Sabia que tinha uma aliada na torcida. Líllian sofrera sem entender e também queria respostas. A mãe, como toda esposa criada à moda antiga, aceitara qualquer conversa fiada do marido, mas também tinha seus pesares contra a atitude dele.
- Por exemplo: eu nunca soube essa coisa da aposta. - Líllian ousou.
- Não era da conta de nenhuma de ocês. Era prosa de adulto; de marido e mulher. Pai e mãe.
- Nossa mãe é uma esposa dedicada e nunca o questionaria. Lembro que um dos motivos era a nossa educação, minha e de Lílian. Também sei que não foi sua culpa que nos separássemos, mas apenas quero saber a necessidade de abandonar o que era nosso. Dinheiro você tinha, pois ficamos um tempo em São Paulo sem dificuldade.
- Só digo que fiz tudo pensando em vocês; em você, filha. Não pode me culpar pelo fracasso da cidade grande. Não sei o que faz ou fez, mas você foi a que se saiu melhor com a minha decisão.
- Você acha que mendigar, correr da polícia, fugir de delinqüentes, sobreviver com a ajuda de pessoas que nem sabiam o dia seguinte como seria; é uma situação sonhada por nós? Se eu consegui escapar ilesa, garanto que não foi por méritos tão concretos. Aliás, ilesa não diria; certas coisas que vi e sofri ainda me deixam muito perturbada.
- Então você quer se vingar de mim?
De repente, ela percebeu que todos a olhavam. Parou e suspirou. Não queria ter essa conversa agora. Precisava falar de outro assunto mais delicado.
- OK. Mãe, irmã, pai: acho que podemos começar tudo novamente. Quero que vocês três readquiram certa autonomia sobre suas vidas. A fazenda está aqui. É enorme. Uma vastidão. Temos pessoas dispostas a colaborarem com a revitalização destas terras, tornando-as habitáveis e produtivas, não apenas para sustento, como também para negócios.
- Você continua ingênua, Rebecca. Esse povo quer é terra fácil. Um bando de gente sem dinheiro. Nós também não temos. Como dono, não tenho vontade de morrer cavando terra. Se é tão grande, vender vai dar um bom dinheiro. A gente compra uma chacrinha em qualquer lugar perto de São Paulo e terminamos a vida mais sossegados.
- Pai, a fazenda pode ser muito produtiva. Depois, mostro os estudos e o que foi levantado sobre a topografia, vegetação, recursos e outros aspectos.
- Andras, você sabia que era tão grande?
- Sabia mãe. Quando ele comprou a parte do tio Antal, por uma ninharia, ficou com o que deve ter sido herança deixada por vovô. Isto significou duplicar o tamanho; mas como nunca tivemos recursos braçais suficiente, além do temporário, ele nunca se preocupou em cuidar.
- Esses técnicos aí fizeram algum levantamento sobre quanto custa tudo isso, mana?
- Sim. Uma empresa especializada nos forneceu dados de consultoria em agros-negócios e propriedades rurais. Como disse, tenho tudo documentado.
- Aposto que deve dar um bom dinheiro.
- Pai, qualquer dinheiro para você seria "um bom dinheiro". - lembrou do que Régia havia dito. - A questão é outra.
- Do jeito que fala, dinheiro não é mais problema para você.
- Ainda é pai, pode acreditar. Por isso meu interesse em tornar isto produtivo. Vamos para a sala.
- Vão você e seu pai, nos vamos lavar a louça. E vou fazer um café do jeito que você gosta. Você ainda gosta, né?
Rebecca pensou em objetar, mas queria ficar sozinha com o pai.
- Sim, mãezinha, sonhei com o seu café e comida muitas vezes.
- Só você, mana, para sentir saudades da comida com toda aquelas coisas da cidade.
Deixando a irmã inconformada, a jovem foi com o pai para a varanda.
- Pai, eu sei da aposta.
- Sei que sabe. Acabei de contar.
- Sei que fui o prêmio da aposta.
Ele começou a tremer. Ficou lívido.
- C...co...como você ficou sabendo?
- Como você pôde?
Ele sentou na cadeira de balanço.
- Mas eu fugi. Não entreguei você.
- E colocou todos nós na situação constrangedora e humilhante, para não dizer desesperadora. Sabia que tivemos a morte no nosso encalço?
- Aquele véio safado. Tarado.
- Ele estava no direito dele. Você era o perdedor.
- Você o defende...
- Não. Como mamãe sempre disse, passarinho que anda com morcego acorda de cabeça para baixo. Você é que deveria ter evitado a situação.
- Eu ia ter que dar a fazenda....fiquei desesperado....sentia a sorte mudar.
- Sentiu a sorte mudar?!?!? E colocou-me na aposta?!?!? Você é uma criatura infeliz, pai.
- Você não pode falar assim comigo. Fiz tudo por vocês. Não poderia deixar sua mãe e irmã na rua. Agarrei-me a única chance que apareceu. Dei azar, mas protegi você. Não admito a idéia de filha minha servindo um véio sem vergonha como ele. Não criei minhas filhas para serem muié de viração.
- Percebe que ficou sem terras, sem mim, sem dignidade e, por pouco, não perde a família.
- Escuta, sua mãe não sabe.
- Não vou contar. Não quero que ela se envergonhe do marido que tem. Nem quero que Líllian fique com ódio por ter passado o que passou para que você me "protegesse".
Neste momento, o resto da família apareceu.
- Nossa, que cara vocês estão!!! Quem morreu, mana?
- Papai estava discutindo sobre a fazenda. Discordamos de algumas coisas.
- Você fez boas melhorias aqui, filha.
- Só o básico. Na verdade, tivemos que arrumar para os técnicos. O povo aqui se reuniu e ajudou. Fiquei sabendo que eles até criaram uma olaria para aproveitar o que sobrou do material.
- Como você se envolveu com essas pessoas, minha filha.
Com muito jogo de cintura, Becky contou o ocorrido, omitindo a presença de Luciana e o que Régia fizera no começo.
- Você lutou contra caras armados? Irmã, você está me surpreendendo toda hora.
- Filha, então as pessoas aqui esperam que você os acolha?
- Mãe, eles sabem que não depende de mim. Sabem que papai é o dono. Não quis fazer nada antes de encontrar vocês. Eu dei minha palavra para Régia que quando encontrasse papai, pensaríamos numa forma de não prejudicar essas pessoas. É gente honesta, pessoas como nós. São famílias que precisam de sustento, crianças que precisam de escola, pessoas que precisam de cuidados básicos.
- São aproveitadores!!! - o pai falou. - Aquela tar lá é a líder deles. Era isso que ela quis dizer quando falou que precisavam dela. Ela é a cabeça.
- Régia é uma mulher forte, líder nata; o povo a seguiu porque ela tem cabeça e coragem. É uma mulher admirável.
- Estou ficando enojado de tanta muié admirável. Quero saber quando vou conhecer o cabra que ta te bancando?
Rebecca esfregou a mão no rosto, estava ficando impaciente.
- Pai, amanhã quero que você venha comigo e com Régia para ver o resto das terras. Tudo está em ordem. Não temos dívidas, impostos estão pagos; algumas famílias já até plantaram algumas coisas.
- Eu não quero ficar mais aqui. Sua irmã precisa estudar.
- Mas, eu num tava estudando e era empregada....
- Não interrompa seu pai, mocinha.
- Mas mãe....
- Você num tava estudando porque num tinha dinheiro. A gente vende a fazenda e você vai estudar na cidade grande. - ele disse. - Quem sabe o futuro dono da fazenda arruma algo para esse povo.
Para tristeza de Rebecca, tais palavras fizeram sentido para Líllian.
Não queria que o pai ficasse na fazenda, não era a idéia. Apenas queria garantir que o povo não precisasse sair dali. Também queria aproveitar a chance em ter algo para se ocupar. Por mais que dissera a Luck que não queria nada com a fazenda, sabia que algo surgiria dali que iria garantir certa independência financeira.
Principalmente não queria desapontar Régia.
- Andras, suas terras são enormes. Ouça a menina.
- Mãe, o tempo está chuvoso, mas amanhã você irá com a Mirtês conhecer as outras mulheres e crianças. Se Líllian quiser, pode ir junto.
O celular tocou. Foi com decepção que a jovem constatou que era Clara.
- Vocês não querem descansar? Preciso falar com Clara. Depois, vou ver como estão uns amigos.
- Eu vou junto, maninha. Posso?
Rebecca concordou e se retirou para um canto da sala, onde o celular pegava melhor.
- E aí, como estão as coisas?
- Como imaginamos.
- Seu pai está dando trabalho.
- Sim. Ele e Régia já se estranharam. Eu já disse que sei da aposta. Ai, Clara, não sabia que estava com tanta mágoa. Eu o acuei diante da mamãe e da Líllian.
- Já tocou no outro assunto?
- Ainda não, mas estão todos desconfiados. E, por incrível que pareça, eles não descartam a possibilidade correta: que seja uma mulher com quem me envolvi. Aliás, até agora, você é a suspeita número um!
- Quanta honra! Mas, realmente me espanta a percepção deles. E, se for, vai ser aquele clima que você já teve uma amostra?
- Ah, vai! Sr. Andras já está reclamando de mulheres demais em minha vida. Imagina quando eu tocar no assunto. Aliás, por onde anda o assunto?
- Anda atormentando a vida da Marcella e de todos que cruzam o caminho dela. Está uma pilha de nervos. Deuses, havia esquecido como essa mulher é osso duro de roer. Você me perdoe, mas eu tenho que desabafar. Marcella está enfurnada em algum lugar do Chile, resolvendo um milhão de coisas. Não tem previsão de volta. E a doutora está querendo que ela emende para o outro lado do mundo, Austrália.
- Lá é lindo! Por que você não aproveita para ir com ela?
- Não sei. O que sei é que sua mulher, minha patroa, está soltando faísca. Ativa demais, a mente trabalhando como nunca e isto é sinal de que ela necessita se ocupar para não pensar no que acontece. Ela está insegura.
- Não nos falamos hoje ainda. Espero que ela ligue.
- Quando ligar, vai querer saber o que você tem feito.
- Não vou entrar nesta. Não sou você que tem que ficar enviando relatórios! - a jovem soou mais áspera do que gostaria.
- Você é quem sabe. - a secretária pareceu se magoar.
- Você sabia que Régia anda reclusa? Está vivendo em uma parte mais afastada dentro da fazenda?
- Sim. Só tenho conseguido falar com João de Deus ou a Mirtês. Mas, ela não está ausente totalmente. Ela está ...bem?
- Mais calada do que nunca. Senti certa resignação. Pareceu-me abatida, ainda que com uma aparência saudável.
- Régia providenciou sua segurança?
- Clara, alguma vez Régia deixou de atender o que é pedido?
Silêncio. A secretária percebeu que a jovem estava aborrecida com a situação da segurança.
- Becky, a doutora no outro telefone. Deixa-me ir. Algum recado?
- Não.
***
***
Os amigos que Becky foi visitar eram as crianças que ela amava e de quem recebia todo tipo de mimos.
A jovem não era indiferente e também trouxera uns presentinhos.
Líllian a acompanhava e também recebia atenção, quando elas sabiam que era irmã de Becky.
Algumas crianças estavam novamente com problemas de saúde, mas eram doenças como gripe e alguma infecção. A fazenda ainda não apresentava condições decentes de saneamento. E a água ainda não era adequada.
- D. Becky, estamos buscando poços, cavando aqui e ali, mas a água ainda ta dificultosa.
- Severiana, não sou "dona". Sou Rebecca. E esta é minha irmã.
- Eu ouvi dizer que o vosso pai e vossa mãe também chegaram. Graças a Deus a moça os encontrou!
- Sim. Estou feliz em ter minha família de volta. - dizendo isto, abraçou Líllian, que se aconchegou em seus braços.
- Menina linda, igual à senhorinha. E a dotora de zóio azul? Num ta montando guarda hoje? - a velha senhora riu um riso banguela.
- Não.
- Milagre. O povo apostava que ela num ia deixá a senhorinha aparecer aqui sozinha, depois dos tiros da última vez. - olhou para longe - Mas, a senhorinha ta cheia de proteção.
- Que tiros? De quem cês estão falando, mana? Por que proteção?
Com certo desconforto, a jovem se despediu da velha senhora.
- Líllian, eu estou noiva.
- Ah!! A gente sabia. Tava na cara....
- Por que tava na cara? Eu poderia ter ganho na megasena! - tentou ser engraçada.
- É, mas não estaria nessa aflição por papai teimar em vender a fazenda.
- Você é muito observadora, mocinha.
- Pensa que a esperteza da família ficou toda com você?
- Nem faria questão que ficasse. - fez uma pequena pausa - Você quer ouvir uma longa história.
- Tem final feliz?
- Tem felicidade, mas espero que o final nunca chegue.
Becky tinha prazer em contar seu envolvimento com a doutora. Contando para a irmã, percebia o quanto era inusitado aquele envolvimento. Ouvindo suas próprias palavras, sua história parecia de outra pessoa. E essa personagem parecia-lhe cada vez mais sortuda. Cada vez mais uma pessoa que o destino escolheu para testar os acertos nas impossibilidades.
Contou do sonho que ambas tiveram. De como decidiu que ia ganhar a amizade da médica poderosa. A maneira como a enfrentou. Como salvou a vida dela. E também foi salva por ela. Não entrou em detalhes muito íntimos, mas falou das loucuras que faziam juntas. Das ousadias afetivas. Falou da forma como a médica a apresentara em seu meio como sua noiva. Abordou o fato de estar em constante aprendizado ao lado da mulher que não se cansava de dizer que não merecia o seu amor.
Líllian nem piscava e mal respirava. Seus olhos de um verde denso, não cristalino como o de sua irmã, mas ainda assim belos, estavam fixos no rosto da jovem que narrava aquela aventura romântica. Vez ou outra eram interrompidas por uma criancinha que vinha pedir a atenção de Rebecca.
- Então não tem ele, mas "ela"? - a irmã falou, chutando uma pedra - E vocês estão noivas! Pode?
- Sim. A minha razão de viver é uma linda morena de olhos azuis, elegante, poderosa, magnífica. E com ela, para ela, tudo pode, porque ela é.... extremamente... voluntariosa! E muito áspera e arrogante quando não se dirige a mim. - ao dizer isto, suspirou.
- Ela é a dona do dinheiro? É a empresa?
- Ela é. E tem muito. É uma empresaria talentosa e reconhecida em muitos meios. Sinto uma responsabilidade enorme em ser sua futura parceira.
- Você tem medo dela?
- NÃO!!! Nunca.
- Mas você está apreensiva. Ta, como você disse, estressada?
- Sim. Nós discutimos. Devo abrir o jogo com papai e mamãe hoje; mais tardar, amanhã. Sem querer, a chegada da família colocou vocês como possíveis "rivais" para ela, que é uma mulher muito reservada. Está insegura também e acha que posso escolher vocês, a ela.
- Só se você fosse louca!
A jovem riu da irmã.
- Venha. Está escurecendo rápido por conta da chuva. Vou contar tudo hoje.
- Papai não vai gostar nadica. Pode crer!
Becky olhou a irmã demoradamente.
- Que foi?
- Você. Achei que ficaria chocada.
- Ficaria chocada se você tivesse dito que é um espírito. - sorriu marotamente. - Eu tenho 18 anos e quero mais que o amor aconteça.
Rebecca abraçou a irmã e seguiram pelo caminho.
***
***
Com a chuva, tudo ficou muito parado. Rebecca achava que teria cantoria, mas ninguém se prontificou.
Eram quase oito horas da noite.
D.Ruth e Líllian movimentavam-se na cozinha, terminando a janta. O cheiro da comida trazia de volta todas as recordações de infância. Becky tinha a sensação de que estava vivendo a vida de outra pessoa. Sabia que ainda mantinha a menina dentro de si, mas a mulher estava tornando-se cada vez mais distante da criança que fora.
Desde a conversa da tarde, não vira mais o pai. Segundo sua mãe, ele estava cansado e só sairia do quarto para jantar.
- Mãe, a senhora precisa ver como o povo venera a mana!
- Não exagera, Lilly!
- Lilly?!?! - a menina riu às gargalhadas - É meio dondoca demais, mas eu gostei. Lilly.
Rebecca ficou meio sem-graça
- Você é Becky, né? Vi a Clara te chamar assim.
- Meninas, que história é essa do povo venerar você, Becky?
- Já disse que é exagero dela, mãe...
- Não é. O Daniel disse que todos adoram você; apesar de ter uns não muito satisfeitos. Mãe, sabia que tá cheio de capanga protegendo ela?
- Mais um motivo para vender essas terras e ir embora. - o pai disse, assustando todos. - Por que você carece de segurança?
- Não vou negar que existe uns homens que não querem saber de dividir as terras da forma como eu penso. Eles foram controlados, mas sempre tem algum tentando um levante. O que vão conseguir, se as terras não forem passadas para os que nos apóiam de forma justa e pacífica.
- Num é problema nosso. Num vamu ficar pra ver.
Tentando ignorarem o comentário desagradável, a refeição seguiu com as brincadeiras de Líllian. Rebecca contou mais fatos da vida dela enquanto nas ruas. Também ficou sabendo de muita coisa que a mãe e a irmã sofreram.
Por mais que tentasse, Rebecca não achava o momento para contar sobre Luciana.
- Mas, e o seu trabalho?
- Eu estou auxiliando nas reformas administrativas de um grupo empresarial voltado para medicina de grupo.
- Parece importante. - Líllian se entusiasmou.
- É empolgante. Sou uma aprendiz. Trabalho com profissionais competentes e experientes.
- Mana, a mulherada da cidade parece ocupar sempre cargos importantes. E você tá entre elas.
- Nem tanto. Tenho muito que evoluir. Mas, com elas, visitei muitas empresas, conheci muitas pessoas que utilizam nossos recursos médicos e de saúde. Falei com assistentes sociais. Agora, vou começar com a parte de visitas a entidades assistenciais.
Percebeu que seus pais estavam interessados. Contou sobre as empresas, as festividades dos vinte cinco anos e, até mesmo, comentou sobre Luciana, citando a médica como a brilhante mulher de negócios e cabeça do conglomerado.
- Nossa, Becky, ela é mais poderosa que pensei!!!
- Você já sabia dela, Líllian? - o pai questionou.
- Eu e Lilly conversamos hoje à tarde e contei algo sobre minha vida atual.
- Sei. Mas, é só ela que toca esse mundaréu de empregados? Não é muito pra uma muié?
- Não seria muito, pai, mas além de todo um pessoal especializado, tem os outros membros do conselho que também são sócios e fundaram tudo junto com o Prof. Thomas, marido da doutora.
- Ah...ela é casada, filha.
- Viúva, mãe.
- Esses homens aí são moços, minha filha? Cê conhece eles?
- São senhores, pai, entre sessenta a setenta anos. Prof. Arthur é um cavalheiro e nos damos bem. Já o Prof. Victor, é difícil de confiar. Mas, não tenho que me preocupar com eles.
- Hummm....são enricados, então. São os donos da empresa?
- Sim.
- E você ganha bem?
- Andras, para de bisbilhotar!
- Não posso me queixar, pai. Tenho muitas mordomias por conta. - Rebecca ficou constrangida em responder assim.
- Então. Por que você insiste na fazenda? Vamu cai fora, Bec...Becky!
Neste momento, o celular tocou. Um sorriso involuntário surgiu no rosto da jovem. Atendeu e pediu um momento. Quando olhou para os outros, viu variadas expressões: a irmã, que sabia quem deveria ser, estava com uma cara de santa casamenteira; a mãe parecia entender que era alguém especial, sabia que era a companhia que a filha escolhera; o pai, tal qual a mãe, também entendeu, mas parecia meio carrancudo.
- Vou atender no outro quarto, lá pega melhor.
Levantou-se e ainda pode ouvir algum burburinho na cozinha.
- Pensei que não iria ligar!
- Pensei em não ligar. Não queria interromper seu momento. Só queria ter certeza que Régia fez o que mandei.
- Clara já deve ter dado todo o relatório.
- É. Mas ela disse que a Régia anda se isolando, o que significa que largou você nas mãos dos cabras do João de Deus. Não gostei disso.
- Não se preocupe, estou bem. Vigiada constantemente.
Ficaram em silêncio.
- Você... já..
- Não, ainda não!
- Quando?
- Amanhã.
- Chego na quarta de manhã.
- Eu sei, Luck.
- Quer que eu vá?
- É tudo o que quero!!!
- Ok. Então, até lá.
- Eu amo você, doutora. - a jovem tentava não chorar.
- Confio em você. Beijo.
Rebecca desandou a chorar. De repente, percebeu o quanto a confiança da médica ainda era frágil.
Não saiu mais do quarto. Não queria falar sobre elas com ninguém. Sentiu cansaço.
***
***
A pedido de Rebecca, Régia fora instruída a não deixar João de Deus cruzar o caminho do pai dela. Por isso, a líder estava encarregada de ser a guia no reconhecimento da fazenda, junto com um dos técnicos.
No horário combinado, bem cedinho, com a pick-up abastecida, foram rodar a fazenda. Em determinados trechos, havia homens a cavalo esperando.
Na pick-up, no banco da frente, Régia e o técnico; atrás, Becky e Andras.
- A fazenda tem condições para culturas desenvolvidas com prosperidade na região. O solo não tem sido cultivado o que, por um lado, é facilitador; por outro, requer maior preparo.
Embora muito fosse dito e explicado, nada parecia entusiasmar o pai.
Nas proximidades da divisa norte, puderam observar alguns homens armados, de ambos os lados da cerca.
- É aqui que falei para você, Rebecca. Essa é a divisa com a fazenda do bode véio do Capitão Coriolano.
- Você disse que ele morreu, num foi? - pela primeira vez, o pai da jovem fez uma pergunta direta à líder, desde a última conversa.
- Morreu. Parece que algum desinfeliz que ele rapelou no jogo, acertou ele primeiro.
- Vixi! Merecido!
- Régia, esse povo vai invadir nosso lado?
- Não sei, Rebecca. Não vejo nada que impeça. Não temos gente para impedir. Apenas um motivo muito fraco, que você já sabe.
Ao meio-dia, pararam em uma região, junto a uma nascente, para almoçar.
- Quanta gente tem espalhado por aí?
- Pedimos à Régia que não os deixassem espalhados. São 77 famílias e cada uma recebeu lona e improvisou barracas, formando fileiras. Concentramos todas na parte próxima à casa principal, até os limites da antiga enfermaria. Para que ficassem na linha por onde passa o pouco de eletricidade que temos.
- Tudo isso de gente?
- Sim, tivemos uma invasão em outra extremidade e contornamos pacificamente. Além das famílias, temos os indivíduos. Cerca de mais uns 50 homens.
- Com esses que devemos ter preocupação - Régia disse. - Não me parecem pessoas querendo terra para trabalhar, mas apenas aventureiros.
- E por que eles ficaram? - Andras quis saber
- Eles estão armados. Uns vieram com pessoa de minha confiança, que os controlam. Alguns são leais a mim. São esses perto da cerca que acabamos de ver.
Régia, após se servir, foi sentar bem afastada.
- Ela é perigosa, filha. Como cê pode confiar nela?
- Ela já salvou a minha vida várias vezes. Tem enorme gratidão pelo que estamos fazendo com a filhinha dela. É uma mulher leal. E, até onde sei, perigosa realmente. O povo a admira, porque ela cuida deles e os defende.
Ele permaneceu olhando para Régia, que conversava com um dos jagunços.
Durante a tarde, percorreram os lados onde Régia fixara sua base.
- Aqui, como perto da enfermaria, crescem as plantas que considero a riqueza da fazenda. Tenho estudado a região e encontrei mais de 50 espécies com poder de cura.
- A Dra. Régia pediu minha ajuda, mas não sou especialista em plantas como ela. Porém, sei que é uma extensão considerável o raio de abrangência desta vegetação.
- Dotôra? Desde quando jagunça é dotôra? - o pai riu.
- Pai!!! Régia é bióloga, especializada em botânica.
- Tem isso?
A líder não se abalou. Apenas parou de falar.
Visitaram a cachoeira, as regiões mais íngremes e o técnico explicava que poderia ser feito algum tipo de pastagem e criação animal, mas não era o forte do tipo de terreno da fazenda. Observou que várias correntes fluviais cortavam as terras, proporcionando água.
Rebecca, que percorrera alguns pontos junto com Daniel ou Régia, ficou encantada com as paisagens novas.
- É por aqui que você está fixada, Régia?
- Sim. Existe outra cachoeira e um laguinho. Para ir de pick-up, nos desviaremos e está escurecendo. Eu ainda quero voltar para cá.
- Mas, você sabe que amanhã....
- Sei.
Quando retornaram, ao entrar em casa, foram recebidos por Líllian.
- Pai, precisa ver como o povo se organizou bonito!!! Mana, a Régia é porreta!
- Sim, Andras, visitamos muita gente. Eles acham que aqui é o paraíso e nossa filha e a "muié de zóio azul" são as enviadas de Deus.
Becky percebeu que, pela semelhança, sua mãe achara que "a muié de zóio azul" era a líder.
O povo não tinha proximidade com a dotôra, mas sabiam que ela era a poderosa, mesmo sendo Becky herdeira das terras.
- Tem muita gente, né filha?
- Régia fez um censo. Temos todos os dados por idade, sex* e habilidades produtivas...
- Ela disse 77 famílias, muié. Umas cinco pessoas por família... - o pai calculava.
- Quase 350 pessoas. Tem muita criança. Vão precisar de escola...
- Precisam de muita coisa, Lilly!
- E não vai ser eu que vou dá. Filha, quero lê a tar papelada que você disse que tem. Vou me lavá pra janta.
Rebecca percebeu que sua mãe não estava feliz com a idéia. Quanto a Lilly, não sabia dizer o que ela estava pensando.
- Mãe...eu não posso desamparar esse povo...
- Rebecca, as terras não são minhas. Ele é meu marido. Eu sempre gostei daqui, apesar das dificuldades.
- Eu sei.
- Você não podia ter feito promessas, filha.
- Não fiz. Só que, como sempre, fui covarde na hora de dizer as coisas. De dizer não.
- Não diga isto, você me parece muito corajosa. Seu coração é puro e bom. Eu vi as muié e seus filhinhos; vi os homens com ar de esperança. Deu para perceber que são pessoas produtivas, pelo que já arranjaram com o que você e a tar "muié de zóio azul" deu para eles.
- Régia cuida...
- Régia não tem dinheiro. Tem mando. Essa tar de zói azul disseram que é enricada e poderosa. E que vira uma fera para proteger ocê. Falaram que ela é matadora de onça.
Rebecca teve que rir.
- Umas muié aí fizeram sinar da cruz quando falaram no cês, dizendo que Deus há de ter piedade pelo bem que ocês estão fazendo. Me olharam com dó. Num gostei muito não.
- Mãe...
- Pelo que ouvi, tem mocinha suspirando pela tar zóio azul, querendo estar no seu lugar, tamanha a lindeza e romantismo da história d´ocês. E tem mocinho xingando ela, por tirar ocê deles. E tem marmanjo querendo saber o feitiço que ocê usou.
- Eu não sabia...eu queria contar...
- Filha, ocê está vivendo sua vida. Depois das coisas que passou, se é assim que ocê achou felicidade, é tudo que uma mãe deseja para sua cria: que seja feliz!
- Tudo bem para você?
- Se não estivesse, o que cê ia fazê?
- Dela eu não abro mão. Por nada, por ninguém!
- Não quero mais perder ocê.
A jovem atirou-se nos braços abertos da mãe. Chorou por todas as emoções que sentia no momento. A generosidade da mãe, a sabedoria, humildade. A felicidade em ser aceita, em ter uma aliada com quem contar.
- Eu achava que ia ser sogra de marmanjo. Espero que ela num fique se intrometendo nas coisas da casa e cozinha.
- Pode ficar sossegada. Acho que Luck nunca cozinhou.
- Luck?!?!
- Dra. Luciana.
- Ela é a dona do hospital, num é?
- Sim, é. Mãe, vou aproveitar enquanto tem eletricidade para o banho, mas depois prometo contar mais.
- Vai lá. - e deu um tapa na bunda da filha. - Preciso adiantá a janta.
Becky estava aliviada. Agora, só faltava o pai. A reação da mãe foi inesperada. Mas, sentiu que foi ingênua por deixar a mãe andando com as pessoas da fazenda. Todos ali sabiam dela e Luciana.
"Matadora de onça" - ria sob o fio de água que conseguira esquentar e que era chamado lisonjeiramente de banho.
Conforme prometera, após o banho, conversou muito com a mãe. Líllian ouvia tudo.
Reunidos à mesa, Becky começou a falar de como se envolvera com Pedro. Queria que o pai soubesse que a doutora não entrara em sua vida de forma promíscua. Achava que contando que se envolvera com um rapaz, que correra perigo ao lado dele e, de repente, fora salva pela médica, ajudaria na introdução de sua história com ela.
- Filha, mas que coisa horrível!!! Ele foi espancado até a morte?!?!?
- Sim, mãe.
- E ocê também foi?
- Fui. Estava quieta no meu canto, olhando o movimento da rua, quando fui empurrada dentro de um carro. Queriam que eu desse conta da muamba que Pedro perdera. Eu nunca soube de nada e, após desmaiar de tanto apanhar, eles me jogaram no mesmo lugar, como fizeram com Pedro.
- E a doutora te ajudou?
- Ela já tinha ajudado o Pedro, Lilly. Mas, ele estava com hemorragias demais. Comigo foi menos grave.
- Mas, eles só bateram...quero dizer, filha...num fizeram mal....você sabe.
- Isto é algo que até hoje agradeço a Deus, pai! Eles não me estupraram. Lembro de algum deles mencionar que poderiam se divertir comigo, mas o chefe disse que num tinham tempo para isto.
Percebeu que o pai estava cabisbaixo.
- Sempre imaginava se Líllian estaria segura ao lado de vocês, ou vagando pelas ruas, como eu fiquei. Rezei muito para que vocês estivessem juntos e que ela nunca conhecesse o inferno que é viver na selva de concreto. Mãe, as pessoas que me ajudavam um dia, no outro queriam se aproveitar. Tive um amigo que se vestia de mulher para ganhar a vida...ele me acolhia quando o namorado não...
- Menina, num fale desses indecentes perto da sua irmã! Respeite sua mãe.
- Ela já me contou, pai. E eu sei o que é travesti. E Renée ajudou Becky. Dava casa, comida, roupas.
- Nossa filha deve a vida a ele também.
- Num quero saber. Essas coisas de homem querer ser muié ou muié dar uma de homem; tudo indecência.
As três mulheres se entreolharam. Todas com o mesmo pensamento. A conversa morreu aí e Rebecca mais uma vez se sentiu acuada.
Após a janta, Mirtês veio convidar para a cantoria.
Líllian se agitou toda; D. Ruth também ficou feliz em ir e convenceu o marido, que foi muito à contra-gosto.
Ao chegarem próximo à fogueira, Daniel já veio puxar conversa com Líllian. D.Ruth se envolveu com as outras senhoras. Andras sentou um pouco mais afastado, fumando e bebendo uma pinga trazida por um dos homens do acampamento.
- Pai, podemos conversar?
Ele fez um gesto indecifrável que Becky entendeu como permissão para sentar. Ainda ficaram um tempo em silêncio.
- Eu li o documento. - ele falou primeiro - Pulei umas partes de encheção de lingüiça. Vi o quanto podemos ganhar vendendo a fazenda.
- Você entendeu que aquele valor maior é apenas se conseguir vender para o governo?
- Mas o outro caso também tá de bom tamanho.
- Pai, você está vendo as pessoas aqui. Elas estavam sem esperança. Sem vontade. Agora, até conseguem arrumar motivo para diversão. Tudo porque eu não consegui dizer que as tirariam daqui.
- Você empenhou o que não era seu, Rebecca.
- Assim como você me apostou, pai.
- Apostei o que era meu.
- As terras eram suas, eu não.
- Diz bobagem, menina. Você é minha filha. E eu te sustentava.
Rebecca sentiu o rosto queimar de raiva, mas se conteve.
- Apostou e perdeu.
- Mas o véio porco num teve tempo de botar as mãos. E tudo é meu de novo. E eu não sou obrigado a ficar com essa gente.
- Eu não sou sua.
- É. Agora deve ter arrumado algum cabra enricado prá sustentar ocê. Fez bem. Tem a beleza da mãe e a esperteza do pai. Se deu bem.
- Não graças a você, pai!
- Como dizem: Deus escreve certo por linhas tortas. - e riu descaradamente.
Becky olhava para ele. Não conhecia aquele homem. Nunca conhecera. Não tinha que se preocupar com a opinião dele.
- Nos reuniremos com a Régia e o homem de confiança dela. Vamos definir de vez a situação. Entendo que você vai vender mesmo.
- Sim.
- OK. Existe uma pessoa que está mantendo as coisas financeiramente. Ela também estará presente. É o poder por trás de tudo que foi feito até agora.
- E qual o interesse dela?
- É uma pessoa com tino para negócios e, embora não entenda nada de fazendas, foi quem bancou toda a assessoria que tivemos para que pudéssemos avaliar o potencial destas terras.
- Quem é?
- É a dona da empresa. A médica que mencionei na janta. Ela é uma pessoa influente. Conhece pessoas graúdas no governo.
- Como ela se meteu com a gente e com a fazenda? - ele perguntou, ainda observando as pessoas dançando.
- Pai. Tenho que falar sobre outra cois..- a frase morreu, percebeu que ele não a ouvia.
Mesmo sob a luz fraca, a jovem percebeu que seu pai estava lívido. Seguiu o olhar e viu João de Deus, arma em punho, atravessando apressado entre as pessoas.
- Algum problema , pai?
- N..nã...não. Eu acho que bebi demais. Tou vendo coisa.
- Coisa? Que coisa?!
- Nada, menina, nada. - e antes que a jovem pudesse falar algo, ele levantou e foi para a casa, olhando para os lados.
Naquela noite, não mais o viu.
***
***
Líllian quis ir junto com Rebecca receber Luciana. Assim, estavam encostadas na pick-up, vigiadas por quatro camaradas armados, a cavalo.
Observaram a aeronave taxiar. Quando a porta foi aberta, divisaram a belíssima comissária e, na seqüência, Clara surgiu recebendo um sorriso de Eliane. Quando estava na metade da escada, Luciana apareceu na porta. Ao dar o primeiro passo para começar a descer, a alça da briefcase enroscou em algo na roupa da comissária e ambas ficaram quase coladas uma na outra. Para espanto de Becky, Luciana sorriu e aparentemente fez um gracejo sobre a situação, para o qual Eliane também deu uma risada um pouco além de cordial.
Becky sentiu um calor subir-lhe pelo corpo e percebeu os punhos cerrados. O assobio emitido por Líllian a trouxe de volta da onda de ciúmes que percorreu seu corpo.
- Mana! É ela? É a doutora? Sua...ah...noiva?!?!?
- Você sabe que é, Líllian. - a jovem disse, ainda digerindo o incidente na escada do jato.
- Que mo-nu-men-to!!! Parece uma artista de cinema. Uma deusa! Becky, como você conseguiu?
Descendo as escadas, a doutora estava simplesmente arrasadora em uma calça jeans preta que pouco deixava a imaginar sobre o corpo perfeito; camisa branca aberta até onde era possível manter o decoro; e botas. Os cabelos estavam presos em um simples rabo-de-cavalo.
- Você ainda não viu nada. - Rebecca pensava na força e beleza dos olhos azuis.
- O que mais tem para ver? Quero dizer...bem..sei que tem mais que você vê e eu não, mas o que posso..
- Lilly, deixa de ser maliciosa! - a jovem sorriu, enrubescendo.
Luciana estava de óculos escuros, mas Becky sabia que seu olhar estava fixo nela. Seu andar era firme em sua direção.
Clara, que voltara para ajudar a soltar a briefcase, vinha logo atrás e parecia buscar alguém.
- Cuidado com as moscas do ambiente!
- Ahã?
- Se ficar com a boca aberta, vai engolir as moscas. - Becky brincou com Líllian.
Luciana chegou e, sem qualquer cerimônia, beijou a boca de Rebecca. Por um breve momento, ambas esqueceram de tudo e se entregaram à saudade que sentiam. Era tão bom sentir o gosto, o cheiro, o calor, a força e a segurança que estar nos braços dela proporcionava. Ainda abraçadas, voltaram-se para os outros presentes. Becky queria rir da cara da irmã.
- Luck, está é Líllian.
- Prazer, Líllian. - a médica tirou os óculos, fixando duas gemas de safira límpidas no rosto da moça.
Líllian parecia mesmerizada. Becky estalou os dedos, fingindo tirá-la do transe.
- Wow!! Que olhos!!.... Eu já vi você na tv!!!
- Líllian, seus bons modos.
- Ah...Sim. Prazer é meu, dra. Luciana. - fez uma reverência engraçada.
- Você é sempre formal, Líllian? - a médica perguntou, com certo ar de divertimento.
- Como?
- Nunca tive cunhada, mas acho que "dra" não é necessário entre nós. - a médica disse e estendeu a mão, beijando o rosto da jovem na seqüência.
Líllian estava escarlate. Parecia que ia desmaiar.
Clara olhava tudo com curiosidade. Alguma coisa a médica observara na menina que a fizera ser simpática. Ou, o medo de perder Rebecca estava fazendo a médica rever suas posturas.
Passadas as apresentações, como que lembrando em que situação estavam, Becky e Luck se afastaram. Para ajudar, a loirinha não esquecia a cena à porta do avião.
- Vamos. - a médica orientou.
- Clara, você pode dirigir?
- Onde está Régia, Becky? - a doutora perguntou.
- Não sei.
- Daniel disse que ela não viria. Só se vocês precisarem, ele vai chamá-la. - Líllian respondeu.
- Sei. - todos sentiram que a médica não aprovou.
Com Clara e Lilly na frente, Becky e Luck ficaram juntas, lado a lado, quietas no banco traseiro.
Vez ou outra, Lilly olhava para a médica. Estava encantada.
- Eu já vi você na tv. Tenho certeza.
- Pode ser, Luck. Você deu uma palavra com aquele chato quando tivemos a festa de 25 anos. Mas, foi rápido. E eu acho que você, Lilly, dorme cedo para ter assistido o programa dele.
- Não foi entrevista. Mas eu acho que já vi você.
- Se for igual a sua irmã, aposto que vai dizer que pareço com a atriz do seriado da guerreira e da loirinha irritante...
- Como você sabe que é irritante? - Becky ficou curiosa.
- Eu assisti. - a médica respondeu, meio sem jeito. - Tinha que ver com meus próprios olhos.
- Gostou?
- É meio trash, mas as atrizes e o enredo prendem a atenção. E a loirinha é irritante! - a médica ratificou.
- É isso. Sei qual seriado é. É isso mesmo. - Lilly deu um tapa na testa.
Clara teve que rir da cara da menina.
A médica queria saber sobre Régia. Becky percebia que Clara tentava não parecer interessada, mas observava a conversa pelo retrovisor.
- Você parece com a Régia também. Daniel disse que antes de vocês aparecerem aqui, ele achava a Régia a mulher mais bonita do mundo.
- Esse menino está muito assanhado. Pena que ele só tem um nariz. E eu já quebrei. - a médica disse, fingindo estar brava.
- Ah! Então foi você. Aquele mentiroso! Mas, ele disse que a Régia tá muito estranha ultimamente. Mais do que sempre foi. Disse que ela parece triste. Ele acha que é porque papai vai expulsar as pessoas daqui e ela não tem como impedir. Também por causa da filhinha.
Luciana olhou para Rebecca. Ambas perceberam que Clara as observava pelo retrovisor.
Lilly até tentou mais uma prosinha, mas parecia que as três outras ocupantes do veículo, estavam preocupadas com coisas totalmente distintas. O silêncio reinou de vez.
Ao chegarem na casa, D. Ruth e Mirtês estavam esperando.
Becky desceu do carro pela mesma porta que a médica. A segurou pelo braço.
- Luck, papai ainda não sabe.
- Como? Achei que ...
- Lilly e mamãe sabem. Ele ainda não.
A fisionomia da médica se transformou. A armadura, como em desenhos japoneses, tinha
surgido.
- Mãe, esta é Luciana.
- Fez boa viagem, minha filha? - a mãe era só sorriso.
A pergunta de D.Ruth desarmou a médica. Instantaneamente, um sorriso se fez no semblante sério. Tirou os óculos.
- Sim. Prazer em conhecê-la, Sra. Ruth.
- Apenas Ruth. Então cê é a famosa "muié de zóio azul"! A matadora de onça! Que lindeza é você!
Clara viu algo que jamais imaginou ver: Luciana corou e ficou sem jeito.
- Maluquices desse povo daqui, Ruth. Não dê ouvido. A história é bem outra e Becky tem muito crédito nela.
- O que você aprontou, filha?
- Era aniversário dela e eu quis fazer um passeio diferente e...bem...as coisas meio que desandaram. Só isso, mãe.
- Mana, foi nesse dia que ela voltou só de calcinha e camis...
- Lilly!!!! Chega de detalhes. - Becky ficou vermelha e todos riram.
Clara apreciava o fato de ser ignorada, pois podia observar a cena fora dela. Era incrível, mas a mãe e a irmã de Rebecca já haviam conquistado a médica. "Que efeito as mulheres dessa família causam nela?"
- E, ocê, Clara? Bom ter ocê por aqui. Nunca vi muié mais organizada que esta. - D. Ruth falou para as demais.
- Além de ser a pessoa mais leal que já conheci! - Becky falou.
- Sua filha, D. Ruth, apesar de teimosa, é uma pessoa muito humana. Vale o esforço.
Becky deu um cutucão em Clara, que havia se aproximado. Luciana apenas observou a interação, o que fez a secretária refrear o impulso de dar um tapinha no braço da jovem.
- Meninas, vão se lavar que o almoço sai já já!
- Cadê papai?
- Disse que ia pedir um cavalo e ir até a cidade. Mas, deve tá de vorta logo.
Rebecca não gostou muito; porém, sua atenção foi desviada para o arranjo que fizeram para acomodar a doutora: Luciana e Clara em um quarto, e ela com Lilly no outro.
- Eu vou ficar na antiga enfermaria. Peço para Mirtês arrumar o quarto para a doutora. - a secretária adiantou-se a dizer, diante da expressão contra-feita da médica.
- Não. Pode ficar. Lá é muito longe e eu preciso de você aqui.- voltou-se para Rebecca.
A secretária pegou a nécessaire e saiu rapidamente, deixando as duas.
- Luciana...
- Becky, faça como achar que deve! - dizendo isto, saiu do quarto, largando a jovem sem ação.
- O almoço vai ser servid...
Luciana queria pensar. Precisava ficar sozinha. Saiu para o meio do terreno, andando em direção ao velho galpão que agora servia como armazém.
Não queria pressionar Rebecca, mas também não tinha paciência e nem vontade de ficar na expectativa de ser aceita. Nunca passara por isso. Também nunca amara alguém da forma como estava amando a jovem.
Para a médica, diante da incondicionalidade que sempre cercou o relacionamento, a atitude de Rebecca deveria ser simples: contar e depois decidir como agir.
Sabia que teria que existir certa diplomacia, pois a jovem não queria ter que romper com a família; caso conseguisse contornar tudo, excelente. E somente isto fazia Luciana conter-se.
Sentia-se nervosa, insegura e sem qualquer poder para decidir. Estava totalmente fora de seus domínios. Sem suas escoras financeiras e amorais. Sua paciência estava se esgotando.
Rebecca tinha deixado uma dúvida atroz no ar. Isto desestabilizara a segurança que a médica tinha em sua inabalável relação com a jovem. Não entendia como reencontrar a família poderia significar se sentir dividida entre eles e a relação que tão ferrenhamente defendia.
Não poderia negar que se encantara com a sinceridade com a qual fora acolhida, tanto pela mãe quanto pela irmã. Percebia nelas a mesma simplicidade e honestidade de sentimentos que Rebecca transmitia. Até racionalmente, era capaz de entender a necessidade da jovem em manter-se no seio familiar. Mas, sentimentalmente, não queria admitir que pudessem existir outros a ocuparem o coração e dividir o amor que julgava só seu.
"Eu sou egoísta sim! Sempre fui. Ah, Rebecca....eu queria..."
- Queria o quê, doutora?
Assustou-se ao deparar com a jovem atrás de si. Nem se dera conta da presença dela e muito menos de que falara alto.
Passando a mão pelo cabelo, num gesto impaciente, ficou calada.
- Mamãe está chamando para o almoço.
Caminhavam caladas, quando avistaram Andras desmontando.
- Cê deve ser a tar dotôra que minha filha fala tanto. - o homem disse, sem tirar os olhos do decote da médica.
- Sou. - foi a resposta seca.
- Luciana, este é Andras, meu pai. - Becky tentou restabelecer a cordialidade.
- Grandona, hein! - disse, observando Luciana descaradamente.
Com a bota, a doutora chegava quase a 1,88 m. Ele era bem mais baixo, mas não queria transparecer intimidado.
- Vou lavá as mãos, tou cheirando bosta de cavalo! - e deu uma piscada para Luciana.
Becky olhou para a médica que apresentava uma expressão de repúdio. "Era só o que faltava: meu pai dando em cima da minha mulher!"
O almoço não poderia ter sido mais constrangedor. Uma vez avisada que Luciana não gostava de falar da vida particular, a mãe não tinha muito sobre o que conversar. Líllian, por sua vez, escolhera conversar com Clara, com quem desenvolvera mais intimidade, ainda que cautelosa.
- Clara, você poderia fazer comigo o mesmo milagre que fez com Becky. Ela tá outra!!!
- Eu?!?!
- Ela disse que foi você que a levou aos lugares certos.
- Sua irmã é naturalmente linda, Líllian, não existe milagres. - a médica respondeu, por Clara.
- Mas, se você quiser, eu posso levá-la para um novo corte de cabelo, comprar umas roupas...- a secretária disse para agradar a menina -...você também é muito linda!
Líllian não tinha onde corar.
- Minhas filhas puxaram a boniteza do pai, moça! - Andras quis ser engraçado.
- Não seja convencido, homem! - a mãe advertiu.
- Se me permite, senhor, suas filhas espelham mais os traços delicados da mãe. E Rebecca tem os verdes dos seus olhos. - a secretária tentava adequar a conversa.
- Isso quê dizê que cê me acha bonita, Clara?!
- Com certeza, você é uma mulher muito bonita, Ruth!
- Fiquei sem graça!- D.Ruth escondeu o rosto entre as mãos.
- É minha muié. - Andras enfatizou, demonstrando que não confiava na secretária.
A mesa fora disposta com a doutora entre a mãe e a irmã. Clara ao lado de Rebecca. Assim, Luck ficava frontal à Becky e Clara. Percebeu que a secretária ficara indignada, mas se conteve.
- Mas, as muié da cidade são muito formosas. Aquela moça do avião...
- Pai!! Que coisa! - Rebecca estava achando seu pai inconveniente demais.
- Sossega homem! - a mãe falou, sem demonstrar qualquer ofensa.
- Como é o nome dela, Clara? - a médica quis saber, para incomodo de Rebecca.
- Eliane. É muito simpática e eficiente.
- Eficiente até demais...- a jovem disse, encarando a médica.
- O que disse, Rebecca?
- Nada mãe, nada!
- Vocês gostaram do jato? - Clara tentou outro mote para a conversa.
Houve um momento de exaltação ao redor da mesa. Todos falaram animadamente sobre a aeronave.
Líllian contou dos detalhes da cabine. Andras comentou, nada sutilmente, sobre a "dinheirama' que deveria ter custado a aeronave e quanto a médica deveria ser rica. A mãe falou sobre o conforto e serviço de bordo.
- Gostei da privacidade para o descanso.
- Sabia que gostaria. Podemos aproveitar na volta, Becky. - a doutora comentou, lançando um olhar abertamente libidinoso para a loirinha.
Becky sentiu o rubor subir-lhe à face. Ouviu uma interjeição reprimida de Lilly. Clara, de repente, achou o garfo de dentes tortos a coisa mais interessante do mundo.
Ruth encarou Andras e depois olhou para Rebecca.
- Cê vai embora com ela, Rebecca? Nem bem nos reencontramos! - fez um ar de tristeza.
- Sim, mãe. Quero deixar tudo resolvido com as pessoas daqui. E, depois, irei com Luciana.
- Hummm...A dôtora tá interessada no que, aqui na fazenda? - Andras quis saber subitamente.
- Honra da sua filha. - foi a resposta lacônica.
- Em troca do quê?
- Prazer! - a doutora respondeu, sorrindo ironicamente.
Era um diálogo de duplo sentido. A médica sabia que o homem a sua frente não era tolo. Era um jogador e sabia blefar. Era malicioso. Com certeza, continuaria a fingir que não entendera a situação entre ela e sua filha. Era certo que não aprovava o tipo de ligação, mas também era certo que não desprezava a condição financeira privilegiada que Luciana possuía.
Os dois ficaram se encarando por algum tempo. Andras riu da mesma forma que João de Deus fizera quando elas chegaram à fazenda. Luciana reagiu igual à antes: riu na mesma intensidade.
- Muito engraçado, dôtora. Cê vai comprá as terras?
- Se for preciso...
- Será, porque eu vou vendê e tou pouco me lixando pro povo daquela muié macho arruaceira...
- O nome dela é Régia. - a secretária interveio, rispidamente.
- Sim, pai, não a trate desse jeito.
Ele deu de ombros. Luciana levantou-se.
- Hoje, a terra é sua e você fala como quiser. Amanhã...- a médica falou.
- A família é minha. Nela eu é que mando. Sempre. - Andras não queria deixar de ser a última palavra.
Luciana apenas voltou a cabeça e ameaçou falar, mas olhou para Rebecca, que fez um gesto quase imperceptível, pedindo calma. A fera foi aplacada. A médica retomou o caminho da saída.
- Ruth, excelente comida! Meninas, com licença. - Clara saiu logo em seguida
As mulheres se entreolharam, enquanto Andras terminava calmamente o café.
***
***
O humor da médica era um dos piores que a secretária já presenciara.
Imediatamente após o almoço, elas rumaram para a antiga enfermaria. Luciana queria ficar o mais longe possível de Andras; assim como, de ter algum tipo de discussão com Rebecca. Do jeito que estava, certamente explodiria.
Alguém tinha que servir de bode expiatório e a médica escolheu Régia.
Tentaram localizar a líder pelo rádio, mas não obtiveram sinal ou conseguiram com que ela atendesse.
- Chama o Daniel imediatamente. Clara, quero que você traga a Régia. Quero que ela me conte algumas coisas sobre o que anda acontecendo.
- O Daniel já foi chamado. A Mirtês disse que o local onde Régia se encontra é um pouco afastado, caso ela seja localizada, demorará umas duas horas para chegar aqui.
- Estou com dor de cabeça. Vou deitar um pouco, enquanto você traz a Régia. - tirou um remédio da briefcase e engoliu a seco mesmo.
Clara ficou observando a médica deitar na cama simples, colocada em um cômodo adicionado a antiga estrutura. Parecia cansada.
Era inacreditável como essa coisa de amor e relacionamentos desestabilizavam pessoas tão seguras e certas de seus destinos, como a doutora. Ou, ela mesma.
A ausência da líder e os comentários de Daniel estavam deixando a secretária preocupada. A última conversa com Régia não fora nada fácil. Sentiu que a líder saíra ferida.
Observava Rebecca intimidando-se com seus pais, com sérias dificuldades para contar sobre uma situação que já estava mais do que definida para qualquer pessoa que, como ela, tivesse acompanhado a história da jovem com a doutora. Isto a fazia pensar em Marcella. A relação que mantinham estava milhas e milhas de estar perto do que envolvia a jovem e a doutora. Apesar da diretora ter todas as rédeas da família em suas mãos, não conseguia assumir o que era perante os pais. Salvas as devidas proporções, a secretária percebia que logo estaria percorrendo o mesmo caminho que a doutora. Definitivamente, isto não a agradava. Se aquela mulher que era o mais forte ícone de poder, estava sucumbindo à incerteza de uma jovenzinha; como ela, Clara, reagiria ao ter que provocar a diretora para assumir a relação das duas? Será que realmente a relação que mantinha com Marcella valeria a pena?
Pensava tantas coisas enquanto caminhava ao encontro de Daniel, que nem se dera conta de que o menino não estava só.
- Tarde, dona!
- João de Deus?!?!
- Eu vou levá ocê até Régia.
Clara ficou intrigada.
- Venha, num precisa ficá com medo.
- Não estou.
- Incomoda em ir no lombo do cavalo? É o jeito mais rápido.
- Sem problemas.
A primeira parte do trajeto, não importava se era feita por cavalo ou jipe, pois o terreno não permitia muita velocidade. O que o capitão-do-mato dizia era que a trilha descoberta por ele e a líder, por dentro do mato, encurtava o percurso em uns 30 min, mas o terreno era acidentado, sendo percorrido apenas por cavalos.
- Dona, não sou homem de rodeios. Eu quis trazê ocê, pra ter uma prosa bem particular.
A secretária se empertigou no lombo do animal.
- Pode falar.
- Você ta fazendo Régia sofrê. Tá matando ela aos poucos.
- Eu o quê? - a secretária achou que tinha entendido errado.
- A muié da cidade virou a cabeça dela. Ela num ta como antes. Perdeu o viço.
Ela entendera bem, então. Jamais imaginara que tal tipo de conversa ocorreria entre ela e o capitão-do-mato.
- Num entendo, num gosto dessa coisa de muié gostando de muié; mas, conheci Régia assim e ela é mais macho que muito homem, que num honra os culhões que tem. Ela é dura, justa, certeira em suas opiniões; é astuta, tem arte com o demo e força. Mas...
- Mas?
Ele pareceu desconfortável. Cuspiu, pigarreou.
- Cê num sai da cabeça dela e ta deixando ela fraca. Ela ta naquela cabana e num quê vê ninguém.
- Mas, quem disse que eu tenho culpa. Eu não! Ela atende a doutora...
- Moça, eu sô jagunço, posso num ser iletrado, mas não sô burro. Vi ocês juntas tempo bastante mor de sabê que a Régia quê ocê. Ela protege, cerca e não deixa nada acontecê. Depois dessas idas e vindas da cidade, ela ficou jururu. Viro bicho de mato de novo...
- Mas, por que você acha que sou eu? Ela tem mais com que se ocupar! Ela protege a doutora também....e a Becky...e tem o caso da Anna...e...
Ele cortou o que a secretária falava, erguendo a voz.
- Num sô homem de fofoca. Num sô menino de recado. Meus recados são dados à bala ou na ponta do facão. Vô ser dedo-duro pruque não é certo deixar um fogo se apagá.
Clara prestava atenção. O semblante do homem estava resplandecendo sinceridade e preocupação. Clara sempre achou que a lealdade de João era duvidosa. Começava a entender que se enganara.
- Tenho oiado ela. Fico de tocaia toda noite, pruque acho que tem gente que quê tirá ela do caminho. Ela anda descuidada, achando que ta sozinha. Não anda armada, não fecha as portas e anda por aí, como veio ao mundo. Não tem medo de homem ou bicho. Não está se alimentando. Toda a comida que trouxe, mal tocou. Só a cachaça num sobra. E, se não sobra, destrava quarquer língua.
- Ela tem bebido tanto assim?
- Mais do que agüenta...e sei que ela guenta muiiito! E foi assim, pingaiada e chorosa, que deixou escapá que não quê mais vivê. Não quê mais. Que nunca teve sorte. Perdeu sempre. Só morrendo poderia deixar de amar e achar que pode fazê os malditos zóis verdes ser dela; diz que não tem serventia para mais nada: num é líder, num é mãe e num é muié de ninguém; só sabe destruí e num quê mais vivê assim.
Clara não pôde evitar as lágrimas.
- Dona, em três tempo eu tomo essa fazenda das mãos daquele safado do pai da loirinha; sô capaz de vendê minha alma pro capeta para curá a Anninha; mas, num posso fazê ocê ser dela. Se ocê fosse homem, eu até tentava desafiar; mas já disse que num entendo essas coisas de muié atiçando muié. O que tenho entre as pernas não serve de nada; o que tenho no coração é muito, inté pode ser iguar, mas ela quê ocê. Aquela muié é uma guerreira, tem esprito que se apossa dela e ocê num imagina o que aquelas mãos podem fazê de destruição.
A secretária tremeu ao imaginar.
- Num tem homem, arma, animal que bote frente quando o bicho encosta nela. Eu sei, eu vi com estes zóios que a terra vai comê. E aí vem uma coisinha doce, cheirosa, zóio verde igual essas matas, matas que ela ama.....ocê está destruindo uma guerreira; tá tirando dela a única coisa que a faiz vivê. Coisa que num sei o que é, sei que ela nunca admitiu a derrota, nunca se entregou à morte...e...tá lá, agora, se entregando....desistindo até da Anninha....
Clara queria esconder as lágrimas e percebeu que João também.
- E o que você acha que eu posso fazer, João?
- Num sei dona. Eu só sei da missa a metade. E a metade que sei, diz que alguém tá rezando errado. Régia num ia se deixá atormentá facilmente. Ela num vê como vencê a luta, num tem armas prá lutá. Ela tá se sentindo miserávi. Sem valia.
Clara sentiu uma enorme fraqueza. Sentiu que não poderia ver a líder naquele momento. Não saberia ver aquela mulher, tão forte, desmoronando.
- João, não posso ir agora com você. - disse suavemente, temendo a ira do jagunço ante sua recusa.
- Num pod....- havia raiva nos olhos dele.
- Deixa eu falar, por favor. Ela não me espera. Não terá tempo de se resguardar.
- Cê tá com medo de vê o que feiz?
Clara parou o cavalo.
- Dona, definitivamente, eu num gosto d´ocê. Mas num achava que ocê fosse de num me toques num me reles; de tremiliques.
- Não é isso, João. Se você está querendo o bem dela, não a deixe assim tão exposta. Sei que diante da doutora, ela mantém sua dignidade. Deixe que ela venha resolver o que precisa ser resolvido. Sinto que Régia não se entregará totalmente enquanto tiver essas pessoas que precisam dela. Se eu a encontrar abatida, alcoolizada, frágil; ela jamais me deixará olhá-la novamente.
O caboclo coçou a cabeça.
- Tá certo. Num tem sentido cê vorta daqui. Vamu comigo, mas só eu falo com ela. Cê fica escondida. Dispois , cê vorta comigo. Num quero que ocê sofra argum acidente.
- Certo.
Seguiram o resto do caminho em silêncio.
Embora suas palavras fossem sensatas como sempre, a secretária queria mesmo era ganhar tempo. Naquele momento, seu sentimento por Régia era circunstancial. Deixara-se sensibilizar até mesmo pelo pedido, quase súplica, do jagunço. Ele não era pessoa de exageros. Era muito objetivo e racional, até mais do ela mesma. Entretanto, ele também era um ser apaixonado pela líder; pelo ícone que ela representava. Era certo que seu respeito por ela surgira pela brutalidade e violência, sinais de força que aquele tipo de homem entendia e louvava. Além da beleza física natural. Aquele homem não admitia perder seu modelo para algo tão insignificante como uma simples mulher. Mas, acima de tudo, não admitia perder a soberba vida existente nela. E isto tocara Clara. E sobre isto ela precisava refletir, pensar, ser honesta.
***
***
- Régia, o que anda acontecendo de fato por aqui?
- A coisa mais preocupante, doutora, é a ocupação nas cercas que fazem fronteira com a fazenda vizinha. O povo ali pertence ao movimento e os federais foram chamados. São conflitos armados. Aconteceram mortes. Ainda não respingou para cá, porque os homens do João estão fazendo frente, afirmando que a fazenda já é um assentamento e abriga famílias e não apenas um dono.
- Então, se o Andras quiser vender, ele provocará um levante.
- Abrirá a fronteira para que o povo de lá avance aqui. Não temos como evitar, até mesmo porque entre nós existem pessoas que são cépticas quanto ao fato destas terras serem divididas conscienciosamente. Aguardam ansiosas o anúncio da venda e a retirada das pessoas para provar que foram enganados todo esse tempo.
- Mas vender demora. O Andras não vai conseguir da noite para o dia.
- Você não vai ajudar?
- Rebecca não quer que eu me envolva financeiramente. Sinceramente, não tenho interesse nestas terras. O máximo que iria tentar era convencer o governo a comprar e garantir um assentamento. O que não evitaria os conflitos.
- Bem, o povo num tem para onde ir. Estaremos piores que antes, pois agora fomos expostos e as terras estão novamente na mira de todos. Se demorar a vender, Andras não vai investir nada e os recursos que temos vão acabar. Ele aqui será um alvo sempre.
- Outro problema, porque Rebecca nunca permitiria que eles ficassem mantidos por mim, em qualquer outro canto. E ela ainda não se sente capaz para isto sozinha. Aí teríamos tirado eles do pouco que tinham e os jogado no nada.
- Doutora, sendo sincera, vender é o melhor para ele mesmo. Ele vai ficar em um canto, não amola vocês e Rebecca fica mais tranqüila.
A líder falava e denotava um distanciamento da situação, como se não estivesse envolvida nela.
- Uma vez que estas terras deixarem de ser da Rebecca, esse povo volta a ser invasor; o que eles não são, de fato. - a médica ponderou.
- Significa que vamos ficar ao Deus dará de novo e no meio de um conflito entre polícia, politicagens e sem-terras. - a líder falou.
- Você não.
- Doutora, eu fico com eles. Eles confiam em mim e eu já vou desapontá-los; não posso abandoná-los.
- Você não é a redentora deles. Tem que seguir sua vida. Você é uma bióloga. Tem um futuro...
- Doutora, nós sabemos que não é bem assim. Eu tenho problemas que ainda não foram resolvidos. Pelo menos aqui eu valho algo. E corro riscos que eu sei mensurar.
- Mas, Anna não pode ficar com você em tal situação.
- Anna, se viver, poderá esquecer de mim facilmente. Será melhor para ela. De repente, quem sabe, vocês podem arrumar quem queira adotá-la. É uma menina bonita. - falou sem qualquer embargo na voz.
- Ela vai precisar de muita assistência, você sabe que será difícil...
- Eu cuido da Anna!
Rebecca entrara, sem ser vista. Dois pares de olhos azuis idênticos a miraram. Apenas um deles fez seu coração disparar.
- Eu cuido dela, Régia. É o mínimo que poderei fazer para reparar o que fiz com sua honra.
Luciana não ficou satisfeita com a resolução, mas não falou nada.
- Becky, você está tentando e sei que vai fazer tudo que pode. Não precisa fazer ainda mais isto.
- Posso e vou. E você sempre será a mãe dela. Ela vai saber sim. Vai saber que tem uma mãe linda, corajosa, forte, honrada. Terá orgulho de você. Não posso manter a fazenda. Mesmo que me caiba alguma coisa na venda, não será o suficiente para manter as pessoas aqui. Mas farei com que seja suficiente para dar à Anna toda a assistência que ela precisa.
Ficaram em silêncio.
- Régia, fica aqui hoje. Amanhã teremos uma conversa logo cedo com papai. Quero que o João também esteja junto.
- Tem certeza?
- Sim. Amanhã, às 9 h. Agora, será que pode nos dar licença?
Sem mais demora, Régia saiu do cômodo, após receber a aprovação da doutora.
- Você mandou Clara para casa. Pretende ficar aqui sozinha?
- Régia parece estar evitando encontrar com ela. Quis poupá-las. - respondeu friamente, mantendo os olhos na pasta que tinha nas mãos.
- Muita consideração, mas não responde o que perguntei.
Estavam separadas há quase dez dias. Sentia uma enorme falta da jovem, mas não queria ceder, porque achava que Rebecca estava fazendo corpo mole demais para resolver a questão. A médica estava muito sensível com tudo. Olhou para a jovem tentando disfarçar sua insegurança com irritação.
Por sua vez, Rebecca sabia que estava esticando demais a corda com a mulher tão voluntariosa. Percebia em Luciana o esforço para conter seu temperamento. Sentia que a médica estava no limiar entre socar seu pai e tirá-la dali à força ou ficar bancando o elemento destoante. A jovem engolia a seco cada vez que aqueles olhos a olhavam sem a segurança que sempre demonstraram.
- Não saio daqui sem você!
- Para quê? Para que eu fique agüentando seu pai naquela encenação toda? Eu estou louca de saudades, quero você em meus braços e o que encontro? Quartos separados. E por quê?
- Luck, mesmo que eles todos soubessem, não me sentiria bem fazendo amor, sabendo que eles estão por perto.
A médica estava sentada na cama, com alguns papéis espalhados. A jovem se aproximou, ficando parada a frente dela.
Luciana levantou e contornou Rebecca, evitando contato com a jovem.
No momento seguinte, estavam se beijando. Era tudo que a jovem queria.
- Estamos sozinhas aqui...- a jovem falava e apertava a bunda da médica, intensificando o contato - ...podemos fazer amor.....- dizia enquanto tentava subir a regata que a médica estava usando, ao mesmo tempo em que colocava as mãos dela por sob sua camisa.
A médica sentia o corpo reagir. Uma reação inesperada. Para ambas.
- Não é nem a questão. - Luciana afastou a jovem - Estar nesta situação me deixa furiosa com você. Fazer amor da forma como estou me sentindo seria ter apenas sex*. Você é muito mais que sex*. Você é minha mulher. Não tenho que me esconder para amá-la.
A frustração de Rebecca transformou-se em raiva.
- Sexo você faz com a Eliane! - explodiu.
- Quem?!?! - a médica ficou perplexa.
- Sua comissária. Aquela com quem você se abre toda. Ela nem precisa de pára-quedas, se você estiver no avião!
- O qu...o que você está falando, criatura? - a médica estava desnorteada.
Ficaram em silêncio, até que a médica começou a rir.
- Você está com ciúmes? Estamos em um momento crítico e você vem fazer cena de ciúmes por alguém que nem ao menos eu sei o nome?
- Você riu para ela.
- Quando?
- Ao descer do avião.
Luciana queria rir. Ao mesmo tempo em que achava tudo ridículo, era a primeira vez que Rebecca demonstrava ciúmes. Estaria ela com medo de ser abandonada?
- Rebecca, melhor eu ficar aqui. Estamos nervosas com tudo isso que acontece.
- Não vai ficar, não! Quero você comigo. Preciso.
Luciana perdeu suas forças ao ver a determinação nos olhos da mulher que amava. Recolheu suas coisas e saíram.
***
***
O clima no jantar não foi dos piores.
Andras não quis ir comer. Clara também não, alegando dor de cabeça.
Ainda que contrariada, a médica respondeu as perguntas feitas pela mãe e irmã. Ambas sentiam-se intimidadas com ela.
Basicamente conversaram sobre as empresas. A atuação de Rebecca, elogiadíssima por Luciana.
Não houve cantoria. O povo estava meio apreensivo.
Com isto, a médica sentia-se sem espaço. Clara oferecera-se para sair do quarto, mas estava com um jeito péssimo e a médica resolveu deixá-la em paz, indisposta; Rebecca, apesar da insistência da mãe, ajudava com a louça, junto com a irmã. Começava a se arrepender por ter cedido. Ao menos, na antiga enfermaria, não ficaria arisca ao fato de ter que cruzar com Andras.
Luciana foi para a varanda e deitou-se em uma rede. A noite estava bonita. Eram quase 21 h, o que para ela era cedo demais.
- Dotôra?
- Ruth....
- Posso ter dois dedos de prosa com a dôtora.
- Claro. Mas, é Luciana, certo?
- Vamu andar um pouco, pra arrejá as idéias, Luciana. - sorriu e a médica pode ver o mesmo jeito cativante de Rebecca nos gesto da mãe.
Andaram um bom trecho, até onde normalmente o povo fazia a fogueira, perto do galpão. Alguns tocos de árvore serviam como bancos e as duas mulheres sentaram-se, lado a lado.
Cruzaram com umas poucas pessoas: jovens enamorados, homens que fumavam olhando a lua; jagunços rondando em suas vigílias.
- Rebecca não vai deixá você, pode ficar calma.
Ao ouvir isto, Luciana se deu conta de que nunca falara sobre sua relação com Rebecca, mas sempre escutava conselhos e comentários. Percebeu que mesmo com toda a couraça, alguém sempre enxergava suas emoções e tinha uma palavra.
- É incrível como ela me deixa transparente! - a médica comentou mais para si mesma, embora em voz alta.
- Mas, você é transparente, Luciana.
Olhos azuis olharam fixamente para verdes brilhantes pela luz do luar. Não eram iguais ao de Rebecca, mas o rosto dava-lhe uma idéia de como sua amada seria alguns anos à frente.
- E por isso tão temida! O que agrada ocê, agrada. Se não, cê despreza. Sua cara não deixa a gente duvidar. Seus inimigo nunca apostam contra, porque é certo que cê não dá ponto sem nó. Cê num faz cara boa pra agradar. Aliás, cê num tem a intenção de agradar. Num tem mais necessidade.
- É...você está certa. Há muito tempo que não preciso agradar. As pessoas que se matam para me agradarem. E isto me deixa tão mais indiferente, se elas soubessem! Se entendessem que busco sinceridade, honestidade.....que não quero puxa-sacos, mas pessoas eficientes. Ruth, eu estava retirando-me dos meus negócios; estava pensando em ir embora do Brasil. E, então...
- Quando minha fia põe algo na cabeça, ela num sossega. Ela enxergou você melhor que qualquer criatura desta terra do bom Deus.
- Não sei o que ela viu. Só posso dizer que, como dizem, eu me agarrei com unhas e dentes. - riu da expressão - De fato, unhas, dentes e tudo que pude.
Ambas riram.
- Ruth, não gosto do seu marido.
Ela olhou para o céu.
- Ele é um homem bom. Queria ter fortuna; ter poder, ser senhor de terras, mas teve pouca sorte. Confundiu ambição com ganância; não resiste ao vício dos homens. É teimoso. Orgulhoso.
- Desculpe-me a pergunta, mas e com você?
- Não posso me queixar. É meu marido. Me deu duas fias lindas que alegram minha vida. Senti tanta falta da Rebecca. Acho que remocei uns 10 anos ao saber que estava viva. Saber que estava bem e feliz. Amada.
- Você não se importa conosco? Com nossa relação?
- Vou dar para você a mesma resposta que dei pra Rebecca: se me importasse, o que cê ia fazer?
- Só se Rebecca me pedisse, eu abriria mão dela. Ninguém me fará deixá-la.
- Bate a resposta das duas. Então, como não quero mais perder minha fia...
Luciana cada vez mais apreciava a lucidez daquela mulher. Sentiu uma curiosidade incontida.
- Qual a sua idade, Ruth?
- Acho que 48 anos. Num sei ao certo. Meu registro tá errado uns 3 anos.
- Vocês tiveram poucos filhos...quero dizer, você casou nova...
- Tinha uns 20 anos, eu acho. Perdi dois antes da Rebecca; depois demorei a engravidar da Lillian. Na hora de pari ela, tiraram algumas coisas de dentro de mim e num pude mais embuchar.
- Lamento...
- Deus sabe o que faz. Andras achou que fiquei inválida. - deu um sorriso frouxo - Num quis mais saber de mim. Arrumou umas muié por aí e me deixou em paz.
A médica sentiu ainda mais desprezo pelo homem. Não concebia uma mulher nova ser descartada como lixo; como um objeto quebrado, sem valor. Perder anos da vida sem ter prazer. Sem ser mulher, se sentir desejada. Era crueldade demais.
- Ruth, eu tenho quase 41 anos. Tive um casamento maravilhoso com um homem que eu admirava, respeitava e que me ensinou a ser temida, brilhante, astuta. Foi meu mestre em tudo. Tivemos um filho.
- Rebecca num disse que vou ser vovó! - ficou feliz, mas morreu o sorriso, ao ver a expressão da médica. - Desculpa...acho que pus a carroça na frente dos burros...lamento.
- Perdi os dois. E lamentei por anos. Aliás, não só lamentei, como procurei em quem me vingar e só descobri a mim mesma como alvo. E foi assim que Becky me encontrou: amarga, rancorosa, indiferente, sem luz. Ela me enfrentou com a pureza dos que não sabem o perigo. Daqueles que são cegos e surdos aos clamores e avisos. Então fiquei confusa, porque já não lamentava mais. Como você diz, Deus sabe o que faz. Eu perdi para ganhar. E sinto que não só ganhar, mas recuperar; recomeçar, revitalizar.
Sabia que estava com lágrimas, mas não sentia vergonha da mulher ao seu lado.
- Mas eu sou o que sou; não consigo mudar mais. Tenho um temperamento forte. Não me acostumo mais a viver falsidades. Consegui me livrar delas quando me tornei temida. Eu assusto Becky. Ela diz que todos precisam enxergar que sou boa. Mas, se sou tão transparente como você diz, então minha bondade está muito atrás de todas as camadas que transparecem e que devem ser assustadoras. E só ela enxerga essa luz, porque só vou permitir que ela se aproxime tanto.
- Luciana, ela não se aproximou de você; ela está dentro de você. E isto dá para vê. - sorriu.
Olhou para o relógio. Nem percebera o tempo passar. Gostou de Ruth.
- Ruth....não vou agüentar perdê-la! - disse sem olhar para a mulher ao seu lado.
- Luciana, ela não vai deixar de você por nada. Pode ficar tranqüila. Não castigue minha criança. Sua mulher.
Clara daria um braço para ver a reação da médica neste instante: simplesmente, baixou a cabeça, como uma criança que leva o maior sabão.
- Desculpa se estou deixando Becky triste. Não sei lidar com esta insegurança e situação.
Ruth levantou e deu um tapinha no ombro da médica.
- Vamu dormir. Amanhã minha criança tem um dia difícil. Diga a ela que estará ao lado dela. Tira o ...como é mesmo...."estresse" dela. - deu uma piscada maliciosa para a médica.
Para seu próprio espanto, Luciana sentiu a face esquentar.
***
***
Ao entrarem na casa, estava tudo silencioso.
- Boa noite, Luciana.
- Durma bem, Ruth.
Luciana entrou no quarto, procurando fazer o mínimo de barulho possível, embora algumas dobradiças insistissem em anunciar sua presença.
No escuro, tentava achar seu nécessaire e pijama. Normalmente dormiria nua, mas Clara estava junto. Ficou tateando a cama, onde pedira para a secretaria deixar tudo. Involuntariamente, praguejou, pois não achava nada.
Neste momento a luz acendeu.
- Clara, volte a dormir. Eu não acho o pijama, mas...
- E por que precisa de pijama?
- Becky!?!? Entrei em quarto errad...
Não teve tempo: foi jogada na cama, com a loirinha por cima.
- Gostou da troca?
- Mui..mui..muito. - o beijo foi deliciosamente indecente.
- Vou passar a noite aqui.
Ao abraçar a jovem, constatou que estava só com a fina camisola. Ficou excitada e sentiu latejar seu clit*ris. Beijou mais ardorosamente, buscando melhor posição.
- Mas, você tem que se comportar. Meus pais estão logo no final do corredor; e minha irmã e Clara no quarto quase em frente.
- Mas, eu quero você.
- Ué, mudou de idéia sobre o "fazer amor" e "sex*"?
Aquilo irritou Luciana. Subitamente, ela levantou, pegou sua camiseta e dirigiu-se a porta.
- Tem razão. Você que provoca, mas eu vou deixar você e seu decoro.
Abriu a porta e as dobradiças anunciaram sua partida.
Bateu à porta do outro quarto e, imediatamente, Lilly abriu.
- Vá dormir com sua irmã. - disse, sem margem para perguntas.
Lilly atravessou o corredor, sem olhar para trás. Clara fingiu-se de morta.
Alguns segundo depois, as dobradiças anunciavam nova partida.
- Luck, que foi aquilo?
Antes que fosse necessário, subitamente, Clara estava desperta e saia do quarto de fininho.
- Eu quero você. E você me quer. Fica me provocando e depois fala de "pai e mãe e irmã"...
- Mas, você disse que estava furiosa e não queria fazer amor assim. Pensei que poderíamos conversar...
- ...e você me amolece com seu calor, sua boca, me deixa molhada e depois me pede para ficar quietinha. Você tá me deixando mais louca de raiva ainda!
Apesar de estarem discutindo, o faziam cochichando.
- Volte para seu quarto! - a médica ordenou.
- Este é meu quarto. - a jovem replicou, batendo o pé, impaciente.
Luciana saiu de novo, entrando feito um demônio no outro quarto.
Lilly nem abriu a boca. Saiu, tentando conter as dobradiças. Clara não existia até a porta ser aberta por outro furacãozinho. A secretária pegou seu travesseiro e cruzou entre as duas oponentes, abaixando um pouco para não ficar no raio de visão delas.
Por meio segundo, a secretária não era surpreendida por Andras, que incomodado com as dobradiças, abriu a porta do quarto para espiar o corredor.
- Vem deita, homem de Deus.
- Mas, cê num escutô?
- A dôtora tá se arrumando para durmir. Ela num gosta de deitá cedo.
- Essas muié da cidade...- ele disse, voltando pra cama.
No outro quarto....
- Eu também tou com a maior vontade de você. Mas estou injuriada com aquele sorriso que você deu para aquela uma comissária.
- A Eliane? - a médica espantou-se de novo.
- Ah!! Agora até o nome já sabe, né?
- Você falou, criatura doida!
- E você memorizou, doutora!
Saiu do quarto, não se preocupando em fechar a porta, já que Clara vinha voltando, travesseiro debaixo do braço e segurou a porta para esperar a médica sair feito um raio. Por bem, permaneceu com a porta aberta, já que Lilly apareceu poucos segundos depois, esfregando os olhos e arrastando a coberta.
- Devemos trancar a porta, Clara?
- Acho que a doutora derruba. Melhor esperar mais um pouquinho.
Infelizmente, todas as dobradiças estavam tagarelas. Embora, desta vez, Luciana fizera estrondo ao fechar a porta.
- VAMU PARÁ COM ESSA RAPIOCA NO CORREDOR, MUIERADA!!!
- Andras, deixa de implicar. A comida tava salgada, elas tomaram água demais. - Ruth tinha uma vaga idéia do que acontecia.
No corredor, o silêncio imperou. Em um dos quartos, entretanto....
- Becky...não quero nem saber de onde você veio com esse ciúme com essa tal, mas amanhã mesmo ela tá na rua; porque não vou aturar essa sua ladainha!!!
- Ah!! Vai se livra da prova do crime!
- Eu estou querendo me livra do tesão que estou por você. Da vontade de devorar sua boca, sugar seus seios..- conforme falava, avançava e a jovem recuava - empalar sua vagin* em meus dedos... - avançava sem dar espaço e a jovem já não recuava tanto - beber meu prazer da sua fonte...- Becky estava molhando os lábios para o beijo....- fazer você gritar de prazer.
Como refeita de um transe, ela se afastou.
- Gritar! É isto que não posso. Não com meus pais ao lado. - e saiu do quarto.
Clara e Lilly cochilavam sobre seus travesseiros e levantaram de um salto quando a jovem entrou. No corredor estreito, encostaram-se à parede para Luciana passar. Andras abriu a porta, segundo após a médica entrar no outro quarto. Clara se escondeu.
- Fui ao banheiro! - Lilly emendou.
- EU QUERO DURMIR!!! ENTENDEU?!?!
- Bença, pai!
Ele ficou observando ela entrar no quarto, que teoricamente dividia com Becky
- Muié...
- Que é agora, homem?
- O quarto da Lilly num era o da isquerda?
- De quem vem ou de quem vai?
- Ahã?
- Dormi, homem, dormi.
Em um dos quartos...
- Clara, agora temos que vigiar o meu pai.
- Que noite. Que noite!
No outro...
- Chega. Sua irmã e Clara precisam dormir!
- Pensei que não tinha percebido isto, doutora.
- Só quero que você saiba que minha única mulher, meu único desejo, minha única energia sexual é só para você. Não vou me ofender com sua desconfiança, porque estamos inseguras com tudo que nos cerca. Sei que eu fui dura e até intransigente. E dei sinais que não iria tolerar sua atitude diplomática com seu pai.
Rebecca estava atônita.
- Peço desculpas. E estarei sempre ao seu lado. Sei que você já decidiu voltar comigo. Acho que posso esperar nosso ressentimento passar. Eu te amo e quero sempre fazer amor com você. Não quero nunca me deitar ao seu lado, ter seu corpo, se não tiver certeza que tenho seu coração. E estou nele sem manchas.
A expressão de Luciana era de pura devoção.
- Como tenho plena certeza agora! - concluiu, timidamente.
Rebecca continha as lágrimas. Nunca desejou tanto sua mulher, como naquele momento.
Luciana virou-se para sair, mas foi segura com certa força e empurrada contra a porta fechada.
- Faça tudo o que quiser comigo...- disse, abrindo o zíper da calça da médica - Mas....não me deixe fazer barulho.
Em outro quarto...
- Clara, acho que elas resolveram aquietar. - Lillian disse, com o ouvido colado à porta.
- Agora que temos que nos preocupar! - Clara retrucou, sem que a jovem entendesse.
Voltando ao quarto de certas amantes...
Sem pensar duas vezes, a médica encostou a jovem na porta. Beijavam-se sofregamente. A camisola foi partida ao meio, revelando os seios fartos com biquinhos durinhos, o abdômen moldado, o triangulo de penugem dourada, as pernas grossas e torneadas.
Luciana salivou diante da visão.
- Linda!!!
- Sua.
Em segundos, as roupas da médica estavam no chão e, desta vez, Rebecca apreciava a escultural morena a sua frente. Sentia-se como um animal faminto, cuja fome seria saciada até a gula.
Ajoelhando-se a sua frente, a médica afastou as pernas, colocando uma sobre seus ombros e foi recebida pelo perfume da excitação da sua loirinha. Becky excitava-se ainda mais, observando a médica admirar seu sex*, acariciar sua vulva, deixando os dedos deslizarem calmamente. Era uma fonte a jorrar desejo.
- Ai, Luck...como eu quero você....
A lambida que a médica deu por todo seu sex*, fez a loirinha tremer. Em seguida, toda a atenção foi dada ao seu clit*ris. Luciana sabia como ch*par com maestria, atingindo todos os cantos. Aquele dedo perfeitamente posicionado dentro da sua vagin*, tocando um ponto que nem mesmo Deus, ao criar a mulher, soube que tinha feito..de tão pecador que era. Becky estava quase escorregando pela porta, mas a médica a apoiava.....e sua língua entrava, saia, mexia, revirava e parava, para desespero da jovem. Repentinamente, foi virada de rosto contra a porta; a médica continuou o que fazia, adicionando cuidados especiais ao delicioso e delicado orifício anal.
- Ai, meu Deus....Minha nossa ...nossa..senhora...Céus...
No outro quarto...
- Clara, elas costumam rezar para dormir?
- Meu Deus!
- Você também reza?
- Bem que eu queria. Vai dormir, querida. Elas já decidiram o quarto que vão ficar.
A garota obedeceu e adormeceu tão logo deitou. Antes de dormir, porém, a secretária foi até o corredor para verificar se a "reza" estava menos fervorosa.
Apesar de alguns sons abafados, não seriam ouvidas.
Dentro do outro quarto...
- Luck...assim..eu....vou...goz...
A médica ficou em pé, inverteu a posição de Becky e colocou as pernas da jovem enlaçando sua cintura. E começou a penetrá-la freneticamente, abafando os ruídos com beijos cada vez mais desesperados. Sentia a umidade escorrer por sua perna e sabia que precisava de libertação.
Percebeu que empurrava a jovem contra a porta, o que fazia tremer a estrutura.
- Luck....meu pai....a porta...
Embora a contra-gosto, pararam um pouco, para que a jovem se certificasse que não foram ouvidas.
Ouviram passos no corredor e uma leve tosse.
- É a Clara. - a médica disse, ainda segurando a loirinha firmemente contra a porta, com três dedos dentro dela.
- Sempre nos protegendo! - a jovem disse, iniciando um movimento involuntário com a pélvis.
Luciana a levou para cama. O breve intervalo, redobrou a força do orgasmo da jovem, quando a médica a ch*pou sem piedade, ao mesmo tempo que intensificava a penetração. A jovem não conteve o gemido, e a médica tardiamente tampou sua boca, sem parar de ch*par, mesmo com a jovem se contorcendo e tentando fugir da boca gulosa.
Com muito esforço, Becky afastou a boca da sua vulva e foi recebido por dois faróis azuis, desfocados pelo tesão. Sabia que a noite seria longa. Inverteu a posição e saciou sua sede nos vales úmidos e quentes da sua mulher.
Em um outro "outro" quarto...
- Ocê ouviu, muié?
- Ai, homem de Deus, que foi agora?
- Eu ouvi um baruiú....gemido...um grito...
- É piu de coruja. Tá ficando frouxo agora, cum medo? Dorme, criatura!
***
***
Ruth acordou pouco antes das 6 h. Andras dormia. Ele não tinha motivo para acordar cedo. Resolveu aproveitar para ter sossego na cozinha, Rebecca chamara a Régia para o café, por volta das 8 h. Levantou-se.
No corredor, espiou no quarto da isquerda e, como deduzira, viu Lilly e Clara. Sorriu e entendeu que a "coruja" piara no galho certo.
Às 7 h, Clara levantou-se e, ao sair do quarto, encontrou Andras no corredor. Acenou com a cabeça e dirigiu-se ao banheiro.
Ele foi até a cozinha.
- Cadê a Lillian? Pru que num ta acordada ajudando ocê?
- Deixa a menina dormir mais meia hora. Coitada. Tá sempre acordando cedo.
- Cê num começa a fazê ela molenga, por conta do dinheiro. - disse, enquanto rasgava o pão feito pela mulher e molhava no café fumegante.
A mulher não respondeu. Quando o homem entenderia que dinheiro nunca a moveu?
- E a outra? Tumbem num vai levantá. Tem a tar da reunião com a jagunça. Tem que ta acordada. E a dotôra? Aquele deve trocá o dia pela noite. Deve durmir até chico vir de baixo.
- Deixa que a Clara chama.
- Aquela uma é mãe dela agora? Ao menos, já tá de pé. Vi quando saiu do quarto.
Passados alguns minutos, subitamente, ele levantou-se e enveredou pela casa.
Como viu a secretária saindo de um dos quartos, foi direto no outro.
- Fias...cês num vão....- a frase morreu e uma expressão indecifrável se fez no rosto castigado.
Rebecca estava nua, deitada com parte do corpo sobre o de Luciana, também nua. A médica a abraçava firmemente pela cintura, tendo a cabeça da jovem eu seu peito descoberto. A mão da jovem cobria a púbis da médica, de forma íntima e familiar.
Clara, que voltava do banheiro, perdeu toda a cor do rosto. Ele a olhou com expressão de repúdio. E ódio.
Ato contínuo, abriu o outro quarto e certificou-se que Lilly dormia, comportadamente, em sua própria cama.
Na cozinha, Ruth se deu conta que Andras dissera ter visto Clara sair do quarto e uma aflição tomou conta dela. Correu atrás do marido, apenas para constatar que chegara tarde.
- Quero aquelas indecentes aqui na sala, agora!!! - ele disse entredentes, passando por ela e Clara.
Ruth olhou para Clara, sem ação.
- Vá acalmá-lo. Eu chamo as duas. Elas estão acostumadas comigo. - a secretária coordenou.
Ao entrar no quarto, teria achado a cena mais linda que vira; não fosse a bomba que estava sendo detonada. Tirou o lençol da cama ao lado e cobriu o casal.
- Doutora, Becky...- chamou suavemente, mas com firmeza.
Luciana acordou meio desnorteada e ao mexer-se, fez Rebecca resmungar.
- Doutora, o Sr. Andras que ver as duas. - fez uma pausa.
- Quem? - a médica já demonstrava irritação.
- Sr. Andras quer vê-las. Imediatamente!
Ao ouvir o nome do pai, os olhos de Rebecca se arregalaram. Olhou para seu corpo nu sobre o da médica.
- Luck...eu...nós...Meu Deus!!! Tenho que ir para o outro quarto e..papai..ele não..
- Temo que seja tarde, Becky. Ele aguarda vocês na sala. - dito isto, retirou-se do quarto.
Na sala, Ruth estava calada.
- Cê sabia dessa imundice, muié? Sob meu própio teto. Que essa minina tá pensando? Eu sou homem, só pai dela...mando nela...num quero fia minha lambendo vaca da cidade!
A confusão estava feita. Lilly acordou com o barulho todo.
- Priciso arrejá. Respirá longe dessas sujeitas. Mas, elas não escapam. Se aquela lá gosta de imita homem, vai ter que ser macho agora! - disse, saindo para o terreno em frente a casa.
No quarto, as duas vestiam-se.
- Eu falo com ele, Rebecca. Não fizemos nada de errado. E ele já tava desconfiado.
- Luck...deixa que eu falo. Quem fez a confusão fui eu. Se eu tivesse falado logo que cheguei.
- Se ele ofender você, eu não vou responder por mim.
- Luck, por favor!
Nesta altura, Régia que nada sabia, havia chegado. Viu a cozinha vazia, pegou um gole de café e caminhou para a sala. Ruth estava sentada, com o terço na mão.
- Dia! - a líder acenou.
Antes que Ruth pudesse dizer algo, Andras voltou.
- Ah...outra muié macho. Que acontece, ta faltando homem no mundo?
E antes que Régia pudesse responder, uma voz firme ressoou na sala.
- Pai, sua bronca é comigo. Deixa a Régia fora disto. - Rebecca falava, parada a frente da médica, que a segurava pelos ombros, denotando proteção.
- Cê ainda tem a desfaçatez de me chama de pai? Num sô pai de uma indecente como ocê. Sua mãe e eu num colocamo aberração no mundo do Senhor.
Nisto, Clara entrou na sala. Sentiu a presença de Régia, mas não a encarou.
- E essa aí, tumbem é? Vai corromper minha outra fia cum esse jeito de muié da cidade? Isto virou um antro de sem-vergonhice.
Cautelosamente, a líder preferiu aguardar, antes de fazer o cabra engolir o desaforo feito à secretária.
- Acho muita hipocrisia sua, Andras, falar em Deus, quando se perde tudo em aposta e perde sua filha no mundo. Coloca sua família inteira no lodo. - Luciana não se conteve.
Ele ficou vermelho, colérico.
- Então foi ocê que envenenou ela contra mim, seu demônio. Contou da aposta. Fez ela virá a cabeça com dinheiro. - olhou para Rebecca - Fugi pra num entrega ocê e veja que aconteceu!
- Mas, entregar... como? Rebecca, você sabe...
- Andras, você disse que apostou parte das terras. Por que entregar Rebecca?
De repente, ele percebeu que falara demais.
- Ele apostou a fazenda e perdeu. Então, como última cartada, já que o velho cobiçava Rebecca, ele apostou ela contra ter a fazenda de volta. Perdeu tudo. - a líder falou.
Luciana ficou sem reação, até processar tudo. Olhou para Rebecca, que viu todas as duvidas tornando-se combustível para a ira.
- Rebecca...você sabia?
- Sim, Luck.
- E ficou cheia de dedos para contar sobre nós para esse verme que ainda chama de pai? Ele aí dizendo que você não é filha dele, como se desse importância para isto?
Ruth olhava para o marido como quem visse um estranho.
- Andras...homem....como você pôde...
- Que foi, muié. Eu fugi..num entreguei...
- Por isso a gente fugiu, pai, pra você não entregar a mana pra um bode veio?
- Ocê vai pru quarto. AGORA!!! Num quero ocê perto dessas desavergonhadas! - disse para a caçula, que olhando para mãe, recebeu sinal para obedecer.
Ele olhou para Rebecca, que ainda fitava a médica. Régia logo atrás.
- Fica sabendo que preferia ter entregado ocê ao veio safado, se soubesse que ia vira guenga de muié macho. Teria dado ocê prá ele, pelo menos ele ia enfiar pinto..ia mostrar o que um home...
O soco veio certeiro, em cheio no nariz. A cabeça do homem girou com o impacto violento. O sangue espirrou.
Régia, o mais rápido que pôde, segurou a médica. Rebecca chorava. Lilly saiu correndo. Ruth ficou estática. Clara foi acudir o homem.
- Tira essa mão de mim, sua pau-mandado!
- Não fale assim com ela! - a líder advertiu.
O homem cuspia sangue, mas continuava esbravejando.
- Ocê, sua muié macho arruaceira, cala a boca. Eu vou vendê essa fazenda. Mas, ocê e esse povinho sujo e miserávi que cê acha que lidera, podem ir saindo agora! Sua pé-rapado, ch*padora de teta de muié da cidade, mor de ter dinheiro. Num abra essa boca de carniça, que a casa é minha!!! - apontou para elas e foi recuando para a porta - Tenho nojo dos cês. Prefiria ter entregue ocê ....
Um clique foi ouvido.
- Dona, dotôra, tira as moças da sala. Vou termina um silviço que deixei de fazê! - João de Deus apontava o revólver para a cabeça de Andras.
Andras sentiu o líquido quente escorrendo por suas pernas. Sob o peso do revólver, caiu ajoelhado, molhando o joelho na poça formada por sua urina.
- João, por Deus, não faça!!! - Rebecca implorou.
Ele olhou para Régia. Ela estava impassível. Até que olhou para Clara e viu o horror nos olhos da secretária. Com um gesto, aplacou o jagunço.
- Cabra verminoso, num tenho muié para magoar, nem famia para zelar. Se abri o bico mais uma vez e ofender quarquer uma dessas senhoras, mando ocê para entregar uma mensagem pro o demônio!!!
João se afastou, manteve o homem na mira.
- Eu contei da aposta, mas a cidade inteira sabe. É qui essas duas nunca vão lá. Cê é piada prus homi daqui. Um perdedô! E um safado covarde. - o capitão falou.
Apesar de temer João, Andras era um jogador e percebeu que estava seguro. Luciana era dura, mas não assassina. Rebecca a segurava também. Régia mandava no jagunço e, na frente da família, não faria nada. Também percebera que a líder olhou para a secretária antes de desmandar o matador. Havia algo entre elas, com certeza. Apostou suas fichas.
- Só assim pru cês me vencê: na arma. A muié macho aí se acha homi pruque tem jagunçada armada. Quiria vê ocê sozinha.
- Andras....chega...- Ruth tentou advertir.
- Cala boca muié. Cê tumbém me traiu.
O homem continuava, apesar de sua aparência grotesca: ensangüentado e cheirando urina. Sabia que estava seguro. Ao menos, ali, naquela cena.
- Num quero sabe. Queru ocês e aqueles morto de fomi fora daqui ainda hoje.
- Cê sabe que não podemos sair assim. Preciso organiza...
- Se vira, Maria João. Ce num soube traze , agora enfia tudo no rabo e leva embora.
João olhava para Régia, com o dedo coçando no gatilho.
- Pai...você sabe que não tem necessidade...ainda demora para vender..- Becky tentava ponderar.
- Num sô seu pai. Num tenho que espera nada. - disse isto, enquanto cuspia o dente.
- Nós sairemos, mas suas cercas estarão abertas. Duvido que você consiga vender uma fazenda invadida. - Régia lembrou.
- Essa aí tem dinheiro, pruque num compra pra muiézinha que eu dei pro cê? Aí ela fica com esse povinho que grudou nela feito sarna.
- Diz quanto. - Luciana não se intimidou
- Luck, fica quieta. Chega de colocar seu dinheiro na minha família.- Becky foi ríspida.
Não acostumada a ser mandada calar a boca, ainda mais em público, Luciana sentiu uma raiva descomunal da jovem por colocá-la em tal situação. Olhou para Régia.
- Andras, Luciana não precisa da fazenda. Só digo que nós vamos sair dentro do tempo que precisarmos. Mas, você terá que sair logo na seqüência, porque sua vida aqui num vale um tostão furado, quando estas duas pessoas e eu formos embora.
- Sua jagunça ch*pa-teta, tá pensando que é arguma coisa pruquê tá sob as asas dessas aí: Que foi que fez pra elas: andou se isfregando nelas também. Como cê pode ter fia? Vai forma mais uma jaguncinha metida a homi ?
- Andras, a menina ta a beira da morte, no hospital...
- Melhor pra ela morrê. Se fica viva vai te vergonha da mãe ch*padora de muié; ou vai virá uma iguarzinha; invadindo terá de gente decente. Colocando revorvi na cinta e achando que tem pau.
Régia estava posicionado de modo que ao virar-se, deixava Andras atrás e deparava-se com os olhos de todos nela. Deu uma piscada e um sorriso maligno.
Sem que o homem se desse conta, ela meteu a mão entre sua pernas e o segurou pelas bolas, apertando com força moderada, mas o suficiente para faze-lo ver estrelas.
- Já que sou homi, quero ver se seus bagos são maiores que os meus! - disse, encarando o homem, que começava a se dobrar. - Melhor ainda: já que sou mais homem que você e não preciso deles, quem sabe sem eles, você pode me encarar melhor?
Estendeu a mão e João passou o facão para ela.
- Não vou te matar, por conta das suas filhas. Mas vou deixá ocê sem serventia pra muié alguma. Mijando sentado. - olhou para Ruth - A dona me desculpa, mas acabou a diversão.
Andras fazia careta de dor, porque Régia apertava com mais intensidade. Olhou para a mulher, pedindo ajuda.
- Faz tempo que num me serve mesmo, moça. - a mulher falou
Clara que estava quase ao lado de Andras, pouco mais atrás, não entendeu a armação e estava horrorizada.
- Régia...- ela tentou - ..isto é uma atrocidade...você não pode...
- Já viu porco sangrar, muié da cidade? Pega uma toalha, porque é o que ele vai ter no meio das pernas, quando entrar no hospital sem as partes.
Clara saiu correndo da sala.
- Ainda bem que temos uma dotôra por aqui. Dona , tira sua filha da sala. É indecente ela ver as partes do próprio pai. Mesmo fora do corpo!! - e riu um riso feroz, acompanhado pela gargalhada de João.
Um cheiro fétido encheu o ar.
- Ih! O cabra se borrô, João. Quanta macheza! - disse, soltando os culhões do homem - E agora, vai continuar a falar da minha filha? De mim pode falar; tem razão eu sou um nada, uma muié macho que já teve mais muié na cama que você bateu bronha e sangrou muito porqueira como você, por muito menos, sem ter tanta consideração. - disse, enquanto João cortava o cinto da calça do homem com o facão - Mas, minha filha é inocente. E será criada com mais dignidade do que eu. E sua vida só vai ser poupada, porque é sua filha que vai dar essa dignidade para a minha.
O jagunço ergueu o homem pelo colarinho e arriou a calça, deixando-o de cueca, alastrando o cheiro insuportável. Ele não tinha força para se suster, pela dor e medo, e caiu ajoelhado de novo.
- Pela mor de Deus, dona...num faz ...me deixa...cês pode ficá....eu dou...- ele chorava, suava e se contorcia.
- João, ele me chamou de dona? Num sou "dona", sou muié-macho, lembra? Sou Maria-João, aberração, demônio, lambedora de xota....mas, "dona"....E num quero sua terras. - olhou novamente ao redor - Ruth, leva sua filha daqui.
O homem viu o brilho da faca e fechou os olhos, implorando em prantos.
Neste momento, algo voou e aterrisou aos pés da líder, de fronte ao rosto de Andras, fazendo-o abrir um olho só.
- Eu compro a fazenda! O cheque é no menor valor de avaliação. - E jogou o documento com o valor avaliado. - Pegar ou largar.
Todos os olhares recaíram sobre Clara.
- Vamos acabar com esse circo dos horrores. Chega de humilhações. Você não merece piedade, mas suas filhas não precisam testemunhar o arremedo de homem que você é. - olhou duramente para Régia, que parecia ter saído de um estado de transe.
- Mas...isto é injusto! - Andras ainda argumentou, ciente que tinha sido poupado.
- Cabra, o capeta já recuso ocê três vez. Apruveita....ele num costuma perder a arma de ninguém. E eu tou doido prá fazê minha contribuição! - o jagunço disse, recolocando a calça do homem e batendo nos fundilhos com o cabo da espingarda.
Régia olhava para a secretária com um misto de surpresa e admiração. O olhar de reprovação de Clara a fez sentir vergonha. Não sustentou encarar os verdes intensos.
Ninguém replicou. Ninguém pensou sequer em argumentar para o que a secretária, o supra-sumo da urbanidade, ia querer uma fazenda. Todos queriam terminar com aquela cena que excedera os limites da civilidade.
- E cumé que posso acreditá que cê tem esse dinheiro. Cê é empregad...- a frase morreu, ao sentir a mão de Régia em seu ombro, enquanto a líder se afastava para perto das demais pessoas.
Clara caminhou calmamente, entregou uma toalha para Régia. Depois, ficou em frente a ele, olhando nos olhos verdes tão parecidos com os da filha, mas nada confiáveis.
- Vamos à cidade agora e providencio o dinheiro. Também iremos ao cartório, quero concretizar tudo o mais breve possível. Mas, tenho uma condição.
Andras pensou em retrucar, mas Régia e João estavam atrás de Clara, olhando para ele com caras de poucos amigos. Fez um gesto de concordância com a cabeça, enquanto pegava outra toalha das mãos da secretária.
- Quero que, na seqüência, você faça sua partilha de bens.
- Cuma?!?!?! - o homem parou de limpar a calça borrada.
- Você vai dividir e doar para sua esposa e filhas as partes que lhes cabem nesta venda das terras.
- Mas...mor de que isso? Elas vão comigo...- olhou para a mulher, buscando apoio.
A mulher suspirou. Se adiantou.
- Eu não vou. Vou ficar aqui. - Ruth falou
- Mãe...- Rebecca estava pasma.
- Depois a gente conversa, fia!
Luciana sabia bem o que isto significava para aquela mulher. Admirou-a ainda mais.
- Bem, Sr. Andras, se estiver de acordo, assim que o senhor se tornar apresentável, iremos para a cidade. João, você vem comigo, certo? Doutora, Becky, vocês precisam de algo mais?
O caboclo assentiu com a cabeça. As duas fizeram sinal de negativo, sem encontrar palavras. Régia estava encantada, apesar de sentir o desprezo latente na atitude da secretária.
- Vou me aprontar, Sr. Andras. - e saiu, deixando um silêncio de alívio na sala.
Fim do capítulo
consegui!!!!###@$@T%
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