O som estridente fez sua cabeça doer como se um rolo compressor estivesse passando por cima dela. Ana Júlia levou vários segundos até encontrar seu celular entre os travesseiros e desligar o despertador que indicava sua hora de se levantar e se arrumar para o trabalho. O quarto estava escuro e ela se aconchegou aos travesseiros na esperança que sua cabeça parasse de doer. Mas aquele não era o cheiro da sua cama. Quando abriu os olhos ela também notou que suas fronhas e lençóis não eram daquele azul escuro e nem seu edredom era branco com detalhes claros de azul. Aquela não era sua cama e, ao reconhecer isso, ela se sentou rapidamente sentindo sua cabeça rodar. Depois de conseguir abrir novamente os olhos ela avaliou o quarto em que estava, não era seu quarto.

Foi então que achou um papel sobre o criado-mudo ao seu lado na enorme cama de casal. Havia um copo e um frasco de remédios junto ao bilhete que dizia: “Tome um comprimido quando acordar. O banheiro é a porta à sua esquerda. Tem uma toalha limpa pendurada, uma escova nova em cima da pia e uma muda de roupas na bancada.”. Ela não reconheceu a letra, mas arregalou os olhos ao entender que estava na casa de alguém, foi só ai que ela afastou o edredom e se olhou. Ficou surpresa ao ver seu vestido da noite passada ainda em seu corpo, olhou para o chão e seus saltos estavam colocados juntos perto da cama.

Ela pegou o comprimido e o colocou na boca. Só notou o quanto estava com sede quando virou todo o copo grande de água. Se levantou e seguiu para o banheiro tentando se lembrar da noite de ontem; sua memória só ia até o ponto em que via Alexya dançando com uma mulher negra. Pensar no nome da advogada foi como ligar um interruptor que trouxe todas as memórias de uma só vez. Ela se apoiou na porta do banheiro tonta com tantas coisas em sua mente e respirou fundo contendo a dor de cabeça. Lembrou-se da advogada a ajudando a subir escadas e entrar naquele quarto; sua mente se focou na expressão cansada e torturada da mais alta enquanto ela tentava beijá-la novamente. Lembrou-se de Alexya retirando seus saltos e a fazendo deitar. Depois se recordou de não a deixar sair do quarto e pedir para que ela ficasse ali.

Alexya tinha prometido dormir ao seu lado antes dela realmente se render ao sono. Ana Júlia sorriu fraco ao recordar da advogada recusando-se a beijá-la por estar bêbada, mas mesmo assim cuidando dela durante todo o tempo. Quando se olhou no espelho se surpreendeu com seu rosto livre de qualquer maquiagem, num pequeno pote ao lado da pia estavam seus anéis, pulseiras e brincos. Ela soube que a advogada havia retirado todos eles e se surpreendeu com o cuidado.

- Então é assim que é estar com uma mulher – ela murmurou para si mesma – Elas sabem o quão ruim é acordar com os brincos presos às fronhas – sorriu para sua constatação e retirou o vestido amassado de seu corpo.

Pegou a escova ainda embalada e achou a pasta de dentes. Checou vendo que as roupas intimas, uma calcinha branca e um top da mesma cor, ainda estavam com as etiquetas. Entrou no box e ligou a água quente deixando que ela relaxasse seu corpo. Algo dentro dela estava leve por se recordar das atitudes da outra, como se ela estivesse mais feliz com ela tê-la recusado do que estaria se tivessem se deixado levar. Vestiu-se, a camisa social ficando com os punhos bem abaixo de seus pulsos e a calça jeans precisando ter a barra dobrada duas vezes. Ela achou sua bolsa junto de um pequeno pente na bancada da pia, colocou seus acessórios na bolsa e penteou os cabelos deixando-os soltos antes de sair do quarto descalça e segurando os saltos.

Ela saiu pelo corredor e desceu as escadas dando de cara com uma sala ampla, um imenso sofá em ‘L’ e uma poltrona no canto mais distante. A advogada estava sentada ali com óculos de leitura no rosto, um jornal no colo e uma caneca de café nas mãos. Os cabelos ainda úmidos e o rosto completamente livre de maquiagem; ela usava apenas uma camisa social branca e um short curto que deixava as pernas longas a mostra. Os olhos verdes se prenderam nos castanhos esverdeados assim que Ana Júlia chegou perto do sofá.

- Não ficaram tão grandes assim – comentou ela colocando o jornal e os óculos numa mesa ao lado da poltrona – Achou seus acessórios? – ela quis saber levando a caneca aos lábios desprovidos de qualquer batom, mas que se mantinham rosados.

- Estão dentro da bolsa – respondeu Ana Júlia sussurrando enquanto ainda estava encarando a figura da advogada e soltava os saltos e a bolsa no chão.

- Ótimo – Alexya deu um pequeno sorriso – Tem comida pra você no balcão. Depois que me trocar te levo em casa – disse ela distraída se sentando mais perto da beirada da poltrona na intenção de se levantar.

Mas a advogada não conseguiu fazer isso. Ana Júlia chegou perto dela e pegou a caneca vazia das mãos da de olhos verdes que a encarou confusa enquanto via a caneca preta ser colocada sobre a mesa junto do jornal. Logo depois Ana Júlia subiu na poltrona colocando um joelho de cada lado do quadril da maior e se sentando no colo de uma Alexya completamente paralisada. Antes que ela conseguisse reagir sentiu as mãos delicadas segurarem as laterais de seu rosto e então Ana Júlia a beijou.

A de cabelos claros conteve um suspiro quando sentiu a mulher abaixo de si reagir. Alexya agarrou sua cintura puxando-a mais para frente colando mais os corpos enquanto inclinava a cabeça para trás e entreabria os lábios deixando que Ana Júlia colocasse seu lábio inferior dentro da boca. A menor puxou mais o rosto da outra contra o seu quando a advogada sugou seu lábio superior retribuindo o beijo. As mãos de Ana Júlia entraram por baixo dos fios negros e úmidos bagunçando-os enquanto ela se derretia com o aperto firme em sua cintura e a língua quente procurando a sua. Tinha gosto de café e menta. Seu único pensamento racional enquanto ainda sentia aqueles lábios contra os seus foi de que aquele era o melhor beijo da sua vida.

- Eu não estou bêbada agora – sussurrou Ana Júlia com os lábios ainda próximos dos de Alexya.

- Você se lembra? – questionou a advogada abrindo os olhos verdes que refletiam surpresa.

- Quase tudo, tem algumas partes nubladas ainda – falou a menor encarando os olhos verdes, suas mãos começaram um carinho e um arrastar leve das unhas na nuca da outra – Obrigada por cuidar de mim.

- Você não é uma pessoa fácil quando está bêbada – falou Alexya com um pequeno sorriso desviando o olhar para os lábios da de cabelos claros.

- Eu sei – murmurou Ana Júlia antes de colar os lábios nos lábios de Alexya outra vez – Quero todos aqueles beijos que você me prometeu Alexya – sussurrou ela contra os lábios fazendo a de olhos verdes estremecer.

A advogada não se conteve e deixou as mãos subirem por baixo da camisa tocando a pele da cintura de Ana Júlia. A menor suspirou em meio ao beijo fazendo a outra sorrir e se esticar para não deixar que a boca da outra se afastasse da sua. Ana Júlia, por sua vez, estava deixando arranhões cada vez mais fortes na nuca e no couro cabeludo da maior, tanto que já era possível ver algumas linhas vermelhas na pele branca.

Quando o beijo começou a ficar mais acelerado e desesperado Alexya não se aguentou e desceu as mãos para as pernas de Ana Júlia puxando o quadril da menor contra o seu e se impulsionando para cima. As pernas dela circularam sua cintura e a advogada caminhou para o sofá. Ana Júlia só se deu conta do que estava acontecendo quando sentiu suas costas serem pressionadas no estofado preto ao mesmo tempo em que seu corpo recebia a pressão de parte do peso da maior.

Uma das mãos da morena deslizaram apertando a coxa esquerda de Ana Júlia enquanto a outra era usada como apoio contra o estofado. O beijo começava a diminuir de ritmo, mas Alexya continuava a pressionar seu corpo contra o da menor que era quem estava com as mãos por dentro da camisa alheia dessa vez. A advogada sabia que suas costas já estavam vermelhas pela pressão das unhas compridas, mas não conseguia desgrudar as bocas ou diminuir seu aperto no corpo da outra, era bom demais para ela parar. Mal conseguia acreditar que manteve o controle na noite passada enquanto a menor se agarrava a ela quando finalmente deitou na cama após guardar os acessórios dela. Alexya só sabia que estava amando mais do que gostava de admitir aqueles beijos e aquele contato.

- Eu preciso ir trabalhar – murmurou Ana Júlia com um sorriso e num tom muito baixo enquanto segurava as laterais da cabeça de Alexya que mordeu seu lábio inferior antes de começar a beijar e morder seu queixo e pescoço – Eu realmente tenho que ir trabalhar Alexya – ela sussurrou ainda mais baixo e de olhos fechados quando a outra mordeu sua garganta de leve.

- Você quer me matar, só pode – resmungou a mais alta respirando fundo contra o pescoço de Ana Júlia e sentindo o cheiro de seu sabonete junto do cheiro da pele dela – Me beija desse jeito só para logo depois me dizer que tem que ir. Vou te processar sob acusação de fraude.

Ana Júlia riu e o som reverberou por sua garganta de forma que a advogada sentiu a vibração daquela risada contra seus lábios. Alexya descobriu que adorava o som. Os braços de Ana Júlia envolveram os ombros da mais alta e elas ficaram em silêncio alguns instantes. Até que a advogada finalmente suspirou e começou a se levantar.

- Vou trocar de roupa e levar você pra sua casa, coma alguma coisa enquanto isso, ok? – falou ela parando com o rosto sobre o da menor e encarando a fisionomia calma de Ana Júlia – O café ainda deve estar quente – ela murmurou beijando o rosto abaixo do seu com carinho – Se quiser tem frutas na geladeira.

- Ok – confirmou Ana Júlia sorrindo e tocando o rosto da advogada puxando-a para um selinho – Vou comer.

- Você ainda vai me enlouquecer, isso sim – falou Alexya com um sorriso sentindo a outra mão de Ana Júlia subir por dentro de sua camisa pelas suas costas.

Elas finalmente se levantaram e a advogada saiu depois de deixar outro selinho nos lábios da menor que foi para a cozinha encontrando muita coisa sobre a mesa.

Fim do capítulo