A amizade entre Layza e Vitória brotou de forma inesperada, em pouco tempo começaram a construir uma relação amigável, repleta de companheirismo, cumplicidade e carinho. Tornou-se rotina delas o encontro diário, quando não era possível tomar café da manhã juntas, almoçavam na companhia uma da outra ou então lanchavam e até os jantares passaram a ser constantes. As duas amigas já conversavam sobre tudo, desde assuntos importantes até banalidades. Em uma das inúmeras conversas Vitória fez alguns desabafos e até confidências, prevalecendo assim, a intimidade entre elas.

 

- Lay, estou pensando em trocar meu chip, o ruim é que já tenho este número há tanto tempo.

 

- Você esta pensando em trocar por conta do seu ex-namorado?

 

- Sim, ele é chato e insistente, fica ligando e mandando mensagem. Nas redes sociais já resolvi, bloqueei e até excluí. Porém, ligações é mais difícil, ele usa outros números ou liga restrito (desabafou).

 

- Ninguém merece, por essas e outras que não namoro. Nem tenho paciência para lidar com as minhas chatices, com as alheias então piorou.

 

- Eu só quero que ele me deixe em paz, tenho outras preocupações (ponderou).

 

- E este término é sem volta? Acabou mesmo? (bisbilhotou).

 

- Sim, é definitivo. Demorei a tomar esta decisão e sofri bastante.

 

- Por qual motivo você demorou tanto para terminar? Ainda gosta dele?

 

- Lembra quando eu te contei que aos poucos foi esfriando, bem típico da paixão e eu acredito que o amor infelizmente nunca teve, mas existia amizade e eu gostava disso, o problema é que até isso acabou, a traição é dolorosa e um caminho sem volta.

 

- Vitória eu só não entendo, porque você tolerou tanto tempo?

 

- É complicado (respondeu suspirando).

 

- Sim muito complicado, permanecer numa relação que não tem amor e cheia de traições. Enquanto ele curtia a vida, como você ficava? Chorando pelos cantos. Isso não é vida, você merece mais (aconselhou).

 

- Eu sei, na verdade sempre soube, mas acredito que deixei o meu medo de términos e mudanças falar mais alto.

 

- Você é uma mulher tão bonita, inteligente e simpática. Precisa se valorizar mais, não acha?

 

- Sim, tenho que melhorar minha autoestima, deixar de sofrer e abandonar os fantasmas do passado.

 

As duas ficaram um tempo em silêncio, refletindo sobre a vida.

 

- Quando você falou em fantasmas do passado, não esta se referindo só ao seu relacionamento, correto? (questionou pensativa).

 

- Correto.

 

- Quando te ouvi e também te vi chorando era exclusivamente por problemas do coração ou tinha mais problemas envolvidos?

 

- Layza, eu sofri bastante, já questionei várias vezes meus valores, crenças e toda a minha vida. Já passei por momentos difíceis, enfrentei diversos problemas de saúde, com pacientes, familiares e até os meus próprios. Fiquei muito fragilizada com este término, pois o Gabriel sempre soube das minhas dificuldades e da importância da fidelidade para mim. Além disso, odeio a solidão e abomino as mentiras.

 

- Nem conheço esse tal de Gabriel, mas já tenho muita raiva dele, que babaca e ele agora fica fazendo jus ao ditado “depois que perdeu fica correndo atrás”, muito impertinente da parte dele. Nossa e que história de vida a sua hein

 

- Desculpa por ficar desabafando assim contigo.

 

- Não se desculpe por isso e como eu já disse sempre que precisar pode contar comigo.

 

- Obrigada!

 

- Quando você se sentir a vontade me conte mais sobre você, fiquei curiosa (revelou).

 

- Eu já me sinto a vontade contigo, até parece que já te conheço há anos, estamos parecendo amigas de infância que conversam sobre tudo.

 

- Também me sinto bem e mais feliz contigo sabia? Quero sanar algumas curiosidades se não quiser responder eu compreendo. Não quero ser intrometida. Pode ser?

 

- Vamos lá, já entendi. Nós vamos brincar de perguntas e respostas então.

 

- Gosto do seu bom humor (destacou).

 

- Melhor utilizar do humor para lidar com as dificuldades da vida, não acha?

 

- Sim! Porque pediatria?

 

- Meu pai é dentista e minha mãe cardiologista. Eu sempre gostei da área da saúde e optei por pediatria porque gosto de crianças e bebês, na realidade eu as amo muito, simpatizo e tenho ternura por elas, gosto de cuidar, acompanhar o desenvolvimento, é a minha vocação (respondeu sorrindo).

 

- Seus olhos claros até brilharam agora. Você quer ser mãe?

 

- Eu sou infértil, no final da adolescência tive problemas de saúde. Inicialmente foi diagnosticado um mioma, precisei passar por cirurgia. Depois novos diagnósticos revelaram infecção pelo papilomavírus humano (hpv), na época comecei a apresentar sinais e sintomas do câncer de colo uterino, no tratamento fui submetida a uma histerectomia total, retiraram meu útero e também os meus dois ovários.

 

- Nossa Vitória, eu nem imaginava, que assunto delicado. Desculpa! (falou aflita).

 

- Sem problemas, atualmente consigo conversar com tranquilidade e sem chorar.

 

- Fui intrometida, vamos mudar de assunto (falou encabulada).

 

- Não fique constrangida, nós podemos conversar tranquilamente e é bom poder falar (explicou pegando nas mãos da outra).

 

- Seu nome combina muito contigo, Vitória!

 

- Verdade (concordou sorrindo) e você porque escolheu fonoaudiologia?

 

- Nem é tão interessante, quer mesmo saber?

 

- Sim, me conte tudo e não me esconda nada.

 

- Eu não sabia o que fazer. Fiquei toda perdida na época do vestibular. Minha mãe me ajudou tanto, me levou para fazer testes vocacionais, eu não sabia se cursava administração, música ou oceanografia.

 

- Muito semelhantes, quase a mesma coisa (brincou).

 

- Saquei a ironia viu moça, mas não se assuste tem outra área que também fiquei atraída. Você sabe que sou como unha e carne com meu irmão, ele é dois anos mais velho e fez educação física...

 

- Explicado o corpo atlético dele (interrompeu com o comentário que incomodou Lay).

 

- Então você ficou reparando no corpo do meu irmão. Que folgada! (reclamou).

 

- Vamos combinar, só se eu fosse cega não enxergaria o Luiz, ele é grandão, bonito...

 

- Já chega! Quer falar sobre meu irmão conversa diretamente com ele (disse ríspida).

 

- Então quer dizer que você tem ciúmes das suas cunhadas é, quer seu irmão só para você?

 

- Não, ele é livre para ser de quem ele quiser e se você quiser se candidatar entra na fila.

 

- Lay, desculpa, eu estava brincando, você é ciumenta e eu nem imaginava.

 

- Não sou ciumenta, só não estou acostumada a ouvir amiga minha dando em cima do meu irmão.

 

- Ei alto lá, não tire conclusões precipitadas. Não estou dando em cima de ninguém (afirmou).

 

As duas ficaram em silêncio por alguns segundos. Layza não estava entendendo a razão de sentir tanto ciúme, já tinha ocorrido quando estava com o irmão e agora novamente.

 

- Lay, você não terminou de contar porque fonoaudiologia (tentou retomar o assunto).

 

- Depois de alguns testes vocacionais me encontrei, mas antes disso fui impulsiva e cursei um semestre de educação física, mas descobri que não era a minha praia, gosto de esportes como hobby; trabalhar com isso e estudar não combinam comigo. Já como fonoaudióloga, sou feliz, me encontrei.

 

- Entendi, o importante é se encontrar e o fundamental é ser feliz.

 

- Concordo!

 

- E você gosta de crianças? Quer ser mãe?

 

- Gosto sim, mas nunca tive isso de querer ser mãe, sou diferente das outras mulheres, nunca tive este sonho.

 

- E se futuramente sua companheira tivesse este sonho, como você lidaria com isso?

 

- Nunca parei para pensar nisso.

 

- Verdade você nunca nem namorou, por isso nunca passou pela sua cabeça estes planos, como você consegue?

 

- É fácil e bem mais simples do que namorar, acredite! No meu caso então nem se fale.

 

- Por quê?

 

- Se relacionar com mulher nem sempre é fácil, somos seres complexos e intensos.

 

- É aquela história tudo tem seu lado bom e ruim.

 

- Eu prefiro viver só o lado bom, curtir, sem compromisso, sem precisar dar satisfações. Eu já tenho que lidar com a minha TPM, manias e todo o meu universo feminino.

 

- Qual seu signo?

 

- Aquário.

 

- Explicado!

 

- Como? Não entendi.

 

- Liberdade é o lema do aquariano, vocês não lidam muito bem com emoções e sentimentos, são mais racionais e até frios quando o assunto é relacionamento amoroso.

 

- Uau, você entende sobre signos.

 

- Só um pouquinho. Você também é orgulhosa e raramente demonstra suas emoções, já que as mesmas não podem ser explicadas de forma racional.

 

- Mulher, você acertou em cheio, não sabia deste seu lado astróloga.

 

- Sua boba! Eu não sou astróloga, mas acredito em astrologia e leio sobre.

 

- Vou te confessar, não levo estas questões de signo muito a sério.

 

- Deveria, pois eles interferem sim na vida das pessoas.

 

- Balela! Inventaram isso só para ganhar dinheiro.

 

- Você não pode generalizar. Claro que ocorrem mentiras e tem muito charlatão por aí, mas existe o lado sério também. Eu acredito, mas tenho discernimento.

 

- Compreendo e você faz bem. Acredite, desacreditando. Por falar nisso e esta história de mudar alguns signos, porque do nada parece que aumentou mais um.

 

- Eu vi isso e achei um tanto quanto chato. A pessoa passa a vida achando que é de tal signo, faz até mapa astral e de repente mudanças nos astros.

 

- Desmoronando assim sua crença em astrologia (brincou).

 

- Que nada sai ilesa (respondeu).

 

- Como assim?

 

- Fiz os cálculos e sou uma das pessoas que não foram afetadas, continuo sendo leonina.

 

O diálogo das duas foi interrompido quando o aparelho celular de Vitória começou a tocar.

 

- Que droga! Número desconhecido novamente (reclamou recusando a ligação).

 

- Vi, se tocar novamente. Posso atender?

 

- Acho que é o Gabriel, ultimamente ele fica ligando de números desconhecidos.

 

- Eu sei e também acho que é ele, por isso pedi para atender.

 

- Mas o que você vai dizer?

 

- Vitória, você confia em mim? (perguntou fitando atentamente a amiga).

 

- Sim! Claro que confio (garantiu).

 

- Ótimo!

 

O celular voltou a tocar, mais uma vez número restrito, as duas se entreolharam e Layza estendeu a mão, sem titubear Vitória entregou o aparelho, que prontamente foi atendido com irritabilidade e cinismo.

 

- Alô! Layza, quem fala?

 

 

 

Fim do capítulo