Micaela

- Como tá a sua amiga? – minha mãe perguntou enquanto jantávamos.

- A Becca vai precisar da mãe e da esposa. – meus pais me olharam engraçado.

- Esposa? – minha mãe franziu o cenho.

- Elas moram juntas. São basicamente esposas. – expliquei.

- O que aconteceu com o pai da Becca? – Fábio perguntou e por um momento pensei se teria o direito de falar sobre o assunto.

Pelo que soube o pai da Rebecca se envolveu com uma mulher há um ano e meio atrás e contraiu a doença. Não se cuidou e logo o vírus virou algo maior, mas ele só havia dito à esposa sobre quando ficou internado. A doença já estava totalmente incontrolável.

- Acho melhor não falarmos disso. – meu pai cortou o assunto e eu agradeci mentalmente.

- E você pensa em casar? – minha mãe soltou essa e eu quase engasguei com a comida.

- Sério que vamos falar disso? – perguntei vermelha.

- E qual é o problema? Não vejo nada demais. – ela só podia estar brincando comigo.

- É filha... Quem sabe não aconteça logo... – meu pai sorriu.

- Vão sonhando... – murmurei.

O jantar transcorreu sem nenhum assunto constrangedor. Não conseguia parar de pensar em todo o ocorrido do dia. O que era para ser uma noite feliz, se transformou em um dia trágico. Me sentia muito triste pelo que Rebecca e a mãe estavam passando. Emily não desgrudou nem por um momento e as meninas estavam lá. Viraram a noite sem reclamar e não deixaram de apoia-las nem por um segundo. Se via uma amizade verdadeira e sem maldade.

Depois do jantar resolvi subir e estudar um pouco. Lembrei do comercial e não pude deixar de pensar em qual seria a reação dos meus pais ao me ver na tv. Tentei ler inutilmente um livro de psicologia. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para a Juliane.

“Estou com saudades”.

Fui para a sacada do quarto, sentei no chão com o celular no colo e passei a fitar o céu. Estava nublado e anunciava uma tempestade. Senti o aparelho vibrar, olhei e era ela.

“Queria dormir agarradinha com você”. Sorri e senti o coração derreter.

“Isso é um convite?”. Enviei.

“Você vem?”. Pensei por um momento. Eu queria muito passar a noite em seus braços. Respirei.

“Vem me buscar?”. Mordi o lábio.

“Chego em meia hora”. Sorri.

Sai da sacada, procurei uma pequena mochila e coloquei algumas roupas. Desci e encontrei meus pais e o Fábio na sala. Eles me olharam, depois para a bolsa em minhas mãos. Sorri para não ser demorado o processo de pedir.

Era ridículo uma mulher da minha idade ter que pedir para sair, mas meus pais sempre foram muito protetores. Queriam  sempre saber com quem eu andava, aonde estava e que horas chegaria.

- Aonde vai? – Fábio perguntou. Revirei os olhos.

- Eu vou passar a noite na casa da Juliane... – falei de uma vez.

- Oh, ela vem te buscar? – meu pai perguntou tranquilamente. Fique espantada, pois não esperava aquela calmaria toda.

- Não vão fazer discurso? – sentei no sofá.

- Tá querendo um? – mamãe perguntou.

- Não! Tá bom assim... – sorri.

- Juízo viu mocinha... – meu pai me olhou com a sobrancelha arqueada.

“Mereço”. Ouvi uma buzina.

- Tô indo... – beijei os dois e dei um tapa na cabeça do Fábio.

- Idiota... – Fábio reclamou.

- Olha a boca garoto. – sorri quando minha mãe brigou com ela.

- Mas, mãe...

- Sem mais...

- Até amanhã.

Sai de casa quase pulando de felicidade. Parei no meio do caminho, pois a vi encostada no carro. Um short curto, uma blusa xadrez azul e um tênis branco. Estava com braços cruzados sobre o peito, cabelos em um coque e aquele sorriso...

- Oi? – fui me aproximando devagar. Ela passou os braços por minha cintura e em seu pescoço.

- Oi... – respondi. Ficamos nos olhando por um tempo indeterminado.

- Posso te beijar? – sorri.

Aproximei os meus lábios dos seus e eles apenas roçaram-se. Senti ela sugando o meu lábio inferior, fazendo um gemido involuntário escapar de minha boca. O beijo foi se intensificando e quando parecia que nossos juízos nos abandonaram, escutamos alguém limpando a garganta. Nos separamos e eu senti meu rosto esquentar. Era os Mendoças, um casal de senhores que moravam ao lado da minha casa.

- Que pouca vergonha... – eles foram passando.

- Esses jovens de hoje...

- Droga... – franzi o cenho. Aqueles dois são muito fofoqueiros.

- Relaxa amor... Devem sofrer de amnesia. Amanhã esquecem. – ela deu de ombros e eu apenas ri. – Vamos? Quero curtir a chuvinha de mais tarde grudadinha com você...

- Vamos...  – a beijei. – Essa noite vou te beijar muito... – ela sorriu.

Entramos no carro e logo saímos do condomínio. Passamos o caminho conversando sobre o dia de hoje. Juliane me disse que Rebecca pediu para a mãe passar aqueles dias com elas. Ela ficou feliz, pois poderiam ter a oportunidade de se acertarem. Ela falou também que Emily estava preocupada com a guarda do loirinho. O pai dele poderia usar o fato de Marcela namorar a Jaque a seu favor.

- As coisas serão difíceis...

Foi o que ela disse antes de entrarmos no apartamento. Fomos para o quarto e Juliane me deu um conjunto de moleton cinza do Barcelona e vestiu um azul. Ri daquilo e voltamos para a sala.

- Amor... Escolhe o filme e eu vou fazer pipoca pra nós. – ela me deu um selinho.

- Tá bom...

Liguei a tevê e como a Juliane tinha netflix, apenas selecionei o filme “Anatomia de uma cena de amor”. Fiquei curiosa para ver, pois parecia ser um filme legal. Vinte minutos depois ela voltou com uma vasilha enorme com pipoca e dois copos com suco.

- Esse parece ser legal... – colocou as coisas sobre a mesinha de centro.

- Espero que sim... – me aconcheguei nela.

Logo nas primeiras cenas arregalei meus olhos e me remexi nos braços da Ju. As duas atrizes estavam em uma cena picante e bem, aquilo mexeu comigo. Por um momento imaginei Juliane e eu, mas logo me repreendi pelos pensamentos pervertidos.

- Tudo bem amor? – ela com a voz rouca não ajuda em nada.

- Uhum... – fiz um som nasal.

Fiquei aliviada quando a cena acabou. Eu estava a ponto de agarrar a Juliane ali mesmo e implorar que ela me fizesse sua. Eu não queria que nossa primeira noite juntas fosse daquela forma, mas tenha dó.

Passei a prestar mais atenção no que estava legendado para não pensar em mais bobagens. O desenvolver estava bem interessante. A história era basicamente os bastidores de um filme, onde as atrizes se apaixonam verdadeiramente. O fim ficou em suspense, mas eu esperava que elas se resolvessem.

- Vamos ver outro? – ela pediu. – Eu escolho. – ela me olhou. – Está bem? – segurou o meu rosto.

- Sim... – sorri. – Tô feliz de estar aqui contigo... – dessa vez quem sorriu foi ela.

- Se dependesse de mim... Não iria sair daqui nunca mais... – suspirei.

- Quero te encher de beijos agora... – falei fechando meus olhos.

- E o que tá esperando? – ela sussurrou.

Avancei sobre os seus lábios e deixei claro toda a fome que estava deles. Ela mostrava a mesma necessidade em cada sugada mais forte em meus lábios. Acabamos esquecendo o filme e ficamos namorando no sofá.

Paloma

- Acha que existe outra vida? Que quando morremos aqui, nascemos em outro lugar?

Cássia que olhava para o céu nublado, virou-se e me encarou. O seu silêncio durou um tempo significativo. Talvez estivesse pensando em sua própria versão sobre o assunto ou se perguntando o mesmo que eu.

- Uma vez me disseram que todos que morrem, vão para uma espécie de sala de espera. Todos aqueles que não foram tão bons aqui, tem de esperar pelo julgamento de seus deslizes. – ela voltou a olhar para o céu. – Eu nunca parei pra pensar sobre isso... É um assunto tão... Triste.

Me aproximei dela, apoiei minha cabeça em seu ombro, uma perna e um braço sobre seu corpo. Ela me envolveu com lençol grosso, beijou minha testa e soltou um suspiro pesado.

- Perder alguém nunca é fácil... Mas, de uma forma ou outra temos que seguir... – pior que temos. – Devemos nos unir ainda mais e fazer a Becca sentir o quanto é querida e pode contar conosco...

- É exatamente isso que iremos fazer... – nos encaramos. – Ela sempre terá a nós.

- Amor... Promete que quando eu morrer... –me remexi, pois não estava gostando do rumo daquela conversa. – Depois de velhas... Bem velhas mesmo... – tive de rir. – Você não vai colocar uma novinha no meu lugar, não é?

- Amor... Como você é boba...

- Aí... - belisquei seu braço. – Tô falando sério, Paloma.

- Que novinha vai querer um velha toda caída? – arqueei minha sobrancelha.

- Sempre tem... – me olhou de canto. – Vai prometer ou não?

“Deus, que mulher bobona”.

- Se isso vai te fazer ficar feliz... Sim, Cássia Duarte, eu prometo. – revirei meus olhos.

- Assim é melhor... – balancei a cabeça em negativo.

Ficamos mais algum tempo ali até a chuva passou a cair. Outra coisa que não saia da minha cabeça era o encontro da Marcela com o ex-marido. Ele já havia pedido a guarda do loirinho. O advogado que meu pai indicou iria nesse ‘conversa amistosa’.

- Amor? – Cássia sorria. – Vamos dormi. Hoje foi um longo dia...

- Vamos...

Ainda bem que a Nicole foi dormir na casa da Isabela. Pois certamente já teria expulsado a minha amarela do meu quarto.  Deitei no aconchego dos braços da Cássia e não demorou para eu pegar no sono, pois estava há mais de 24h sem dormir.

31 de dezembro.

- Bom dia... – Jaque falou assim que Cássia e eu entramos na cozinha.

- Bom dia... – dei um beijo nela e outro na Flávia. – Pensei que estive na Amanda...

- Fui expulsa pela minha adorável sogra... - rimos.

- Hoje será uma virada diferente... – Cássia comentou.

- Sem clima pra festa... – Jaque completou.

- Alguém falou com as meninas? – perguntei.

- Liguei pra Emi. Ela disse que a Becca tá um pouco aérea, mas ao menos tá tendo todo o apoio da mãe... – Flávia olhava para a própria xicara.

- Ao menos algo bom em meio a tanta desgraça... – pensei alto.

A virada de ano não teve nem um tipo de comemoração. Apenas nos reunimos no quintal de casa e ficamos sentadas no gramado vendo alguns fogos que os vizinhos estouraram. Tentamos animar um pouco a Becca que estava mais falante. Pedimos mais amor e menos violência nesse ano que estava iniciando. Por mais que não fosse do jeito que imaginamos, mas o importante era que estávamos todas juntas. Amanhecemos jogando conversa fora e também as meninas se vingaram da Camila e Samantha. Fábio bem que tentou avisar, mas foi amarrado na mangueira.

Vimos a Becca sorri e aquilo valeu a pena. A mãe dela estava conversando com meus pais e talvez aquilo fosse bom para todos. Parei para observar tudo por um momento e simplesmente sorri.

Flávia e Amanda deitadas em uma espreguiçadeira, Nicole e Isabela abraçadas no gramado. Emi e Becca rindo da minha tia, Cássia e Jaque que continuavam torturando Sam, Cami e até mesmo Fábio. Marcela e Nando em uma rede em merecido descanso. Micaela que estava ao meu lado apenas balançava a cabeça em negativo.

- Não poderia ser melhor... – sorri.

3 de Janeiro de 2016. Domingo a noite.

Fui visitar os meus avós, já que hoje seria a festa de confraternização do hospital. Estava tentando falar com minha namorada desde que acordei, mas nem sinal dela. Não estava acreditando que ela havia esquecido que dia era hoje.

Cheguei em casa e como esperado, não havia ninguém. Subi sem vontade as escadas e estranhei quando ouvi uma musica que vinha do meu quarto. Rapidamente entrei no quarto da Flávia e peguei o bastão de beisebol. Abri a porta devagar, mas quando ela se abriu por completo, abaixei o objeto.

- O que...

A sacada estava iluminada apenas por poucas velas. O chão forrado com travesseiros. Cássia que estava de costa para mim, virou-se e sorriu. Me aproximei e notei outras coisas ali.

- Achou que eu tinha esquecido? – seus pés descalços atravessaram a sacada até a porta. – Vai mesmo me bater? – tirou o bastão de minha mão e o apoiou na parede.

- Tentei falar com você o dia todo... – ela envolveu minha cintura.

- Estava tentando não estragar a surpresa... – beijou meu rosto. – Um ano desde o beijo mais maravilhoso que provei... – sorri.

- Neste mesmo lugar... – suspirei.

- Fecha os olhos... – ela pediu e eu fiz. Senti algo sendo colocado em meu pescoço. – Espero que goste... – abri meus olhos.

- Que lindo... – segurei o pingente em forma de boca.

- Acho faz sentido... – rimos.

Nossos olhos se prenderam por um instante. Senti a felicidade transbordar por meus olhos para depois sentir os dedos macios as enxugando. Aproximei os meus lábios dos dela, a vendo fechar os olhos. Admirei cada centímetro de seu rosto, rocei meu nariz no seu e a beijei como se a minha vida dependesse daquele gesto. Cássia me envolveu em seus braços e eu me pendurei em seu pescoço. O ar pediu passagem e nos separamos sorrindo feito bobas.

- Deita aqui... Quero te mimar muito... – deitamos.

- Todo ano será assim? – perguntei deitada sobre ela.

- Será melhor que o anterior... – sorri. – Prometo...

- E eu acredito...

Comemos algumas besteiras que ela trouxe. Conversamos sobre muitas coisas, inclusive que Flávia e ela iriam começar um estagio no bosque Rodrigues Alves. Ela estava feliz com o convite e eu por vê-la sorrindo.

Algum tempo depois minha família chegou. A intrometida da Nick veio até meu quarto. Na certa queria me encontrar com a boca na botija, mas deu com os burros na água.

- Tô de olho em vocês... – revirei meus olhos.

- Como se eu fosse fazer algo com você acordada... – resmunguei.

- Como é?

- Se manda Nick... – ela cerrou os olhos.

- Me pergunto se vai ser assim até quando estivermos casadas... – Cássia me olhou.

- Eu que não duvido... – bufei.

- Tô ferrada... – Cássia lamentou e eu ri.

- Vem cá minha amarela...

Me joguei por cima dela, que ria das cócegas que eu fazia em seu pescoço. Passamos algum tempo entre brincadeiras e beijos. Até sermos chamadas para comer pizza com o resto da família.

Fim do capítulo