Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 23

 

Daniela e Bianca pararam na porta do pronto socorro.

-- E agora Dani? -- Bianca perguntou sem saber o que fazer.

-- Vem -- Daniela abriu os braços -- Vou entrar com você no colo.

-- Nem morta -- afastou-se para longe -- Não confio em você. Vai me derrubar no chão e me machucar.

-- Para com isso Bianca. Não temos tempo para medinhos. Vem logo.

Meio que a contra gosto Bianca aceitou. Daniela a pegou no colo e entrou porta adentro berrando:

-- Socorro! Ajude-nos! -- Daniela continuava berrando e Bianca com os olhos fechados segurava o riso.

-- O aconteceu moça? -- perguntou uma enfermeira baixinha com os cabelos grisalhos que se aproximou toda preocupada.

-- Ela estava atravessando a rua como uma pata sonsa, tansa, pateta... Enfim, veio um carro e bumm! Jogou-a longe. Coitada!

-- Coloque-a naquela maca com cuidado. Vou leva-la para dentro.

-- Posso acompanha-la? -- Daniela perguntou jogando Bianca sobre a maca indicada pela enfermeira.

-- Enquanto levo-a para o médico examinar, você preenche a ficha dela -- apontou para o balcão da recepção -- Depois espera aqui fora.

-- Não mesmo! -- Bianca resmungou.

-- Ahhh... Que bom que está consciente. Como se chama? -- pegou uma prancheta e começou a escrever.

-- O nome dela é Yasmin -- Daniela falou rápido.

-- Deixe que ela responda -- falou brava -- Seu nome completo Yasmin?

-- Yasmin Aiiiiiiiiii... -- Daniela beliscou o braço dela.

-- Coitada. Não está vendo que ela está com muita dor? Só Porque é SUS né? Se fosse plano de saúde ela já estava em um quarto com sopinha de galinha e suquinho de laranja.

-- Só quero saber o sobrenome dela. Por favor, Yasmin -- falou sem tirar os olhos da prancheta.

-- Yasmin Aiiiiii...

-- Moça, por favor... -- Daniela perdeu a paciência -- Ela está com dor. E se ela estiver com uma hemorragia interna? Um traumatismo craniano?  

A enfermeira colocou a prancheta sobre as pernas de Bianca e começou a empurrar a maca.

-- Tá certo. Depois preenchemos a ficha. Agora vamos entrar, mas você fica -- a enfermeira falou para Daniela.

-- NÃOOO... -- Bianca berrou -- Só vou se ela for comigo. Estou com medo de morrer.

-- Moça como você é insensível e se esse for o último pedido dela?

A enfermeira esfregou a mão pelos cabelos se descabelando toda.

-- Em pensar meu Deus que ainda faltam cinco anos para a minha aposentadoria.

-- Isso se o homem lá de Brasília não mudar -- falou Bianca.

-- Verdade -- concordou Daniela.

-- Venha me ajude a empurrar a maca.

 

 

-- MATITOOO... -- Vinicius berrou da sala -- O que você está fazendo criatura?

Matias saiu do quarto vestindo uma camisa branca lindíssima e uma calça jeans preta justa.

-- O que é isso? -- Roberta abriu os braços -- Estamos indo a uma boate LGBT?

-- Ai gentemmm! Porque esse bafão? Que mal tem uma pessoa querer vestir-se elegantemente?

-- Mal nenhum bofe. O problema é que a gente não tem tempo para essa viadagem -- Roberta deu um tapa na cabeça dele.

-- Calma Roberta -- Lavínia segurou-a pela cintura e a puxou para perto -- Não temos tempo para discursão. A Yasmin tem que sair daquele hospital antes que o dia amanheça.

-- A Lavínia tem razão pessoal -- Vinicius falou com um sorriso maroto no rosto -- E convenhamos, que o meu gato ficou lindo -- ele pendurou-se no pescoço de Matias e o beijou.

-- Viu boneca de Olinda? -- Matias falou para Roberta, cheio dos trejeitos e se achando o gostoso.

-- Oooolha... -- Roberta deu um passo em direção a ele.

-- CHEGA! -- Lavínia pegou a bolsa e colocou no ombro -- Pra mim basta! Se quiserem ficar aqui discutindo, fiquem. Eu vou ajudar a minha amiga -- a farmacêutica saiu porta a fora sem olhar para trás.

-- Espera! -- os três saíram correndo atrás dela.

 

 

O ortopedista cuidadosamente movimentou a perna de Bianca para cima.

-- Aiiiiiiiiii... -- ela berrou fingindo dor.

O médico sentou-se calmamente atrás de sua mesa e começou a preencher um papel.

-- Estou encaminhando a Yasmin para a radiologia. Depois que tiver realizado o exame, volte aqui.

A enfermeira baixinha saiu empurrando a maca pelos corredores do hospital até parar diante de uma porta larga. Ela apertou uma campainha e virou-se para Daniela.

-- Assim que o técnico abrir a porta entregue a requisição para ele. Eu vou retornar para o Pronto Socorro. Quando estiver pronto ele chamará alguém para busca-la.

Daniela ficou olhando para a enfermeira que se afastava a passos largos entrando em uma porta no final do corredor.

-- E agora Dani? -- Bianca levantou a cabeça assustada.

-- Não esquenta que...

-- A guia, por favor -- pediu o técnico em radiologia.

O técnico pegou a guia e empurrou a maca para dentro. Bianca não fazia mais nada, que levantar a cabeça e olhar para Daniela com os olhos arregalados de pânico e medo.

Daniela roía as unhas. Seu pensamento se concentrava em arranjar uma saída.

-- Prontinho! -- o rapaz falou com duas chapas de metal na mão -- Aguardem enquanto eu vou revelar os Raios-x -- ele entrou em uma pequena sala e fechou a porta.

Daniela e Bianca perceberam que aquele seria o momento perfeito para agirem.

-- Vem... Vem... Vem -- Daniela chamou Bianca que pulou da maca e correu até ela -- Vamos bloquear a porta. Pega uma cadeira.

Prenderam o técnico impedindo que a maçaneta da porta fosse aberta bloqueando a saída com a cadeira.

-- Coitado -- Daniela hesitou por alguns instantes.

-- Não tenha pena dele. Vai ver ele era um menino tão mau que só se tornou radiologista para ver a caveira dos outros -- Bianca fez cara de mau -- Vamos ter que correr Dani. Não vai levar muito tempo para eles descobrirem o que a gente fez com o cara.

-- Vamos! Mas vamos levar com a gente a maca e dois jalecos.

 

 

No estacionamento do hospital...

 

Uma bicha comprou um carro 4 por 4, resolveu ir até o shopping e deixou seu carro no estacionamento. Veio outra bicha, olhou pro carro dela e disse:

-- Humm... 4 por 4? -- Ela escreveu com uma pedra na lateral do carro: 4 por 4 = a 16

Quando a outra bicha voltou levou um susto:

-- Ai meu deus! O que fizeram com o meu carro!!!!!

Ela viu o 4 por 4= a 16

Pegou a pedra e escreveu no carro: -- Está CERTOOO!!!!

-- Muito engraçadinha, sua King Kong fêmea -- Matias falou para Roberta.

-- Seuuu...  -- Roberta levantou a mão para ele.

-- Será que dá pra dar um tempo? -- Lavínia abriu a porta do carro e saiu -- Enquanto vocês ficam aí nessa briguinha boba, as horas estão passando.

-- Você tem razão -- Roberta estendeu a mão para Matias -- Cessar fogo. Temporariamente.

-- Tá certo -- Matias aceitou a trégua -- Vamos salvar a minha deusa.

 

 

Daniela e Bianca empurravam a maca pelos corredores derrubando lixeiras, cadeiras, atropelando pessoas. Quando chegaram ao corredor do quarto trezentos e dois, perceberam que a missão não seria tão fácil assim.

-- Cara tem um segurança guardando a porta! -- Bianca não pode reprimir um gesto de surpresa.

-- Chegamos até aqui, não vamos desistir agora. Deixa comigo, que eu converso com ele.

Estacionaram a maca diante da porta, bem próxima ao segurança.

-- Viemos buscar a paciente Yasmin para fazer exames de Raios-X -- Daniela disse num tom alto e firme.

-- Não tenho autorização para permitir a entrada de qualquer pessoa no quarto da dona Yasmin -- ele falou enquanto movimentava o braço.

Daniela percebeu o bíceps dele se flexionando, e engoliu em seco. Imaginou-se levando um soco daquele Brutus.

-- Só estou fazendo o meu trabalho -- Daniela entregou a requisição de exames para ele -- Pra nós é até melhor, um trabalho a menos. Né colega?

-- É isso aí. Agora vamos colega. Vou ligar para o senhor Pedro Vargas e comunicar que o segurança não permitiu que levássemos a dona Yasmin para o exame.

O rapaz musculoso arregalou os olhos ao ouvir o nome de Pedro.

-- Desculpe! Gostaria que entendessem que...

-- Vieram buscar a Yasmin para fazer o exame? -- uma enfermeira perguntou aproximando-se da maca.

-- Hííí... Fudeu! -- Daniela murmurou ao mesmo tempo aflita e assustada.

-- Até que enfim que vieram. Já estava ficando preocupada -- abriu um sorriso e deu uma piscadinha para as duas -- Yasmin já está pronta.

-- Obrigada! O problema é que o Avatar do Kevin Costner não está querendo colaborar -- Bianca nem fez questão de saber quem era a aliada misteriosa.

-- Por Deus homem! Se o senhor Pedro chegar para buscar a Yasmin e ela não puder ser liberada por conta disso, você está ferrado.

-- Não sabia que ela seria liberada hoje -- abriu a porta e saiu da frente para elas entrarem -- Desculpa.

-- Tudo bem. Enquanto isso venha comigo buscar alguns pertences dela que estão com a supervisão -- falou para o segurança e voltou a olhar para Daniela e Bianca -- Meu nome é Esther... Que Deus as ajude.

Daniela entrou na frente, estava ansiosa pelo momento em que a encontraria novamente.

-- Yasmin! -- chamou pela ruiva com doçura na voz.

Yasmin acordou assustada, esfregou os olhos e levou alguns segundos para se concentrar e entender que aquela era a voz da pessoa que por tantos dias desejou reencontrar.

-- Dani! -- não conseguiu segurar as lágrimas -- Dani meu amor!

Daniela se aproximou e segurou o rosto dela entre suas mãos. A pele dela era macia e levemente úmida por causa das lágrimas.

-- Não chora meu amor -- correu os polegares pela face de Yasmin -- Nós viemos lhe buscar -- com ternura a trouxe para mais perto, alisando seus cabelos afetuosamente.

-- Não quero ser estraga prazer -- Bianca falou olhando para fora do quarto -- Mas temos que acelerar pessoal. Não temos muito tempo.

-- Ela tem razão princesa -- com muito cuidado, ela passou ambos os braços em torno do corpo de Yasmin e a puxou para si -- Deita na maca. Eu lhe ajudo -- ela receava machucá-la ainda mais.

Yasmin obedeceu e deitou-se na maca com a ajuda de Daniela. A loira cobriu-a com um lençol e sem perderem mais tempo saíram em disparada pelos corredores do hospital.

 

 

A porta do elevador se abriu, Matias e Lavínia saíram às pressas pelo corredor.

-- Que situação! -- Matias bufou indignado -- Pensei que teria que puxar os cabelos daquela recepcionista.

Lavínia deu um sorrisinho de lado.

-- Ponha-se no lugar dela né Matito. Visitas às três da manhã não é nada recomendável para uma pessoa doente.

-- Eu sei... É que estou nervoso e com medo. Se o Pedro me pega, vai fazer picadinho de Matito. Olha alí o quarto trezentos e dois.

Abriram a porta quase que juntos. Pararam diante da cama vazia e desarrumada. O cobertor jogado no chão e o travesseiro em cima de uma cadeira.

-- Ela deve estar no banheiro -- Lavínia correu e abriu a porta do banheiro -- Está vazio! -- murmurou decepcionada e surpresa.

-- Estranho! -- Matias estava perplexo -- Será que Yasmin piorou e levaram-na para a emergência?

Assustaram-se quando Esther parou na porta com o semblante sério e preocupado.

-- O que estão fazendo aqui?

 

 

O Pronto Socorro naquele horário estava praticamente vazio. Estacionaram a maca discretamente em um canto e pegaram uma cadeira de rodas. Daniela se aproximou dela e passou um braço ao redor da sua cintura, a trazendo para a beirada da maca.

-- Está doendo? -- perguntou preocupada.

-- Você não vai me machucar -- Yasmin ergueu os braços, e ela abraçou-a com força levando-a até a cadeira -- Estou bem Dani, não se preocupe, acho até que posso caminhar -- tentou se levantar, mas Daniela a conteve.

-- NÃO! -- berrou -- Você não pode fazer esforço.

Bianca balançou a cabeça e revirou os olhos.

-- Dani ela está grávida e não com uma fratura na coluna lombar.

-- Eu sei, mas pode ser perigoso -- falou salpicando um beijo na cabeça dela.

-- Então vamos -- Bianca saiu empurrando a cadeira e olhando para todos os lados.

-- Ei moça!

-- Humm? É comigo? -- Daniela bateu no peito.

-- Você não é enfermeira? -- perguntou uma moça sentada em uma cadeira de rodas.

-- Ahhh... -- lembrou que estava de jaleco -- Não. Esse jaleco é só um disfarce.

-- Que pena. Acho que fraturei a perna -- falou chateada -- Uma enfermeira me deixou aqui e saiu. Acho que ela se esqueceu de mim.

-- Sinto muito, mas não posso ajuda-la. Estou com pressa -- olhou para Bianca que já estava longe com Yasmin -- Fica pra uma próxima.

A moça desanimada deu de ombros.

Alguns berros e portas batendo chamaram a atenção de Daniela que se virou em direção ao barulho.

-- Ahhh... -- berrou e agarrou a cadeira de rodas da moça.

-- É aquela alí -- apontou a enfermeira baixinha -- Aquela é a sequestradora.

-- Coloca o cinto garota. Vamos ter que acelerar.

Daniela saiu empurrando a cadeira de rodas pelos corredores em grande velocidade. Por onde passava jogava coisas pelo chão tentando atrasar os perseguidores. Entrava e saia de salas.

-- Aiiiiii... -- a moça berrava desesperada -- Socorrooo...

-- Relaxa moça. O SUS é assim mesmo -- falou ofegante -- Você não queria um atendimento rápido? Mais rápido que isso, só nas Paraolimpíadas.

Daniela parou diante da porta do elevador aberta.

-- A ortopedia fica no quinto andar -- empurrou a cadeira para dentro e deu um beijo na boca da moça -- Boa sorte.

-- Espera... -- a garota berrou, mas a porta se fechou e subiu em direção ao quinto andar.

Pelos grunhidos finos e histéricos da enfermeira, seus perseguidores estavam próximos. Para despistar e dar a entender que havia entrado no elevador, tirou o jaleco, jogou no chão em frente à porta do elevador e saiu correndo.

 

 

-- Como eu poderia imaginar que aquelas duas não haviam sido mandadas por você? -- Esther estava desesperada.

-- E agora Matito? Estou sem saber o que fazer -- Lavínia levantou os braços e sentou-se ao lado de Roberta -- E se foi o Pedro que a levou daqui?

-- Mas porque ele faria isso? -- Matias caminhava nervoso -- A não ser que... Ele queira mantê-la em cárcere privado.

Nesse momento um funcionário que deveria ser o vigilante do hospital, entrou agitando todos que estavam na recepção.

-- Ninguém sai ninguém entra até que todos sejam ouvidos e mostrem não ter ligação alguma com o rapto da dona Yasmin Vargas.

 

Daniela dirigia em alta velocidade pela Rodovia Fernão Dias.

-- Como você é lerda loira. Por pouco não botou a perder nossa missão quase impossível.

Daniela fuzilou Bianca com o olhar.

-- O que? Achou ruim ainda? -- Bianca continuava provocando -- Lerda sim... Aiiiiii...

Com um violento solavanco, o carro entrou por uma estrada lateral.

-- Além de tudo é barbeira.

-- Cala a boca Bianca! -- Daniela olhou para Yasmin que estava no banco de trás -- Desculpa princesa não vi o "Quebra Molas".

-- Tudo bem Dani -- falou sorrindo.

-- A Dani me faz lembrar-se daquela loira que estava de carro quando viu uma placa que dizia: "Devagar, Quebra Molas". Então ela acelerou bastante, passou pelo Quebra Molas e destruiu todo o carro. Saiu do carro, foi até a placa e escreveu: "Rápido, também quebra".

Yasmin riu baixinho. Daniela revirou os olhos.

-- Para onde estamos indo Dani? -- perguntou Bianca.

-- Você já vai ver. Estamos chegando.

Daniela passou pela guarita com um simples aceno para o vigilante. Seguiu por mais alguns metros até que estacionou o carro diante da casinha branca.

Saiu do carro e abriu a porta para Yasmin.

-- Esperem um pouco. Eu vou conversar com a dona...

-- Não será preciso Dani -- dona Brenda saiu das sombras e parou ao lado do carro -- Aqui está a chave. Mandei a Maria limpar e trocar as roupas de cama -- Aproximou-se de Yasmin e tocou em seu rosto com carinho -- Seja bem vinda meu anjo, você e seu filho. Lembre-se sempre: cada dia nasce de um novo amanhecer. Nesse mundo não há perdas ou fracassos quando temos no coração a vontade de lutar e modificar a vida. Agora vamos entrar, essa casa esteve esperando por vocês por longos dois anos.

 

 

 

Saber viver é saber esquecer as coisas que te prendem no chão e lembrar daquilo que te dá asas.

 

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A capa será atualizada após uma semana.

 

 

 

 

 

 

 

 

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Fim do capítulo