Enquanto as amigas se divertiam fazendo piadas entre si, do outro lado da cidade uma família jantava entre conversas leves, porém uma pessoa estava com a cabeça distante. Não sabia ao certo o porquê sua cabeça andava uma bagunça e quanto mais pensava, mais ficava confusa.

- Minha filha? – a senhora olhava para a filha com curiosidade. – Micaela?

- Acorda, Mica...

- Aí... – o irmão mais novo beliscou o braço e riu da cara que a mais velha fez. – Não precisava disso... – passava a mão sobre o braço.

- Minha filha, você ainda tá pensando naquele cafajeste? – as outras pessoas que estavam a mesa também ficaram curiosos.

- Não, mãe... – respondeu sincera. – Sobre o que estavam falando?

- Sobre a moça da festa, filha. – o pai olhava sorrindo para a filha. – Poderia convida-la para um jantar...

- Jantar? – Micaela sentiu o coração falhar. Não estava preparada para ver a salvadora.

- Sim, mas você tá lenta hoje... – Fábio adorava perturbar a irmã.

- Ela te ajudou, filha. Vou pedir pra Paloma o número da moça. – Angelina dizia contente. Mesmo sem conhecer, havia simpatizado com a moça que defendeu a filha. – Tá decidido! Segunda a chamarei para jantar conosco.

Micaela sorriu sem graça, desejando poder estrangular o irmão que acabou contando para Angelina e Ricardo sobre a confusão na festa. Tentava negar a si mesma que beijar a tia de Paloma não havia sido nada demais.

- Tudo bem. – disse por fim.

Desde o incidente, Micaela tentava a todo custo se esquivar das tentativas do ex-namorado de aproximação. Ele tentou a procurou na escola, onde trabalha junto com a mãe, mas o rapaz foi proibido de entrar.

“Aquele idiota! Que ódio de mim mesma. Como pude ser tão cega? O cafajeste pegou a minha tia. Minha tia! E se não bastasse toda a confusão, agora aquela mulher não cansa de brincar com a minha cabeça. Me fazendo lembrar do beijo... Senhor, que beijo foi aquele? E a pegada... Não, não, não... Inferno! Micaela Fortunato Sanchez, você é hétero. Foi para se vingar do Gustavo, apenas isso... Aí! Ela não beija bem, ela não beija bem, ela... Beija filha da putamente bem”.

- Mãe, pai... Vou sair com as garotas. – Micaela levantou chateada consigo mesma. – Volto amanhã.

- Filha, toma cuidado. – a mãe pediu.

- E liga quando estiver na casa da Patrícia. – o pai concluiu.

Micaela apenas assentiu, foi até o próprio quarto, trocou de roupa e saiu de casa para esquecer as questões que não davam descanso em sua cabeça. Iria com as amigas para um barzinho e depois esticaria a noite na casa da melhor amiga.

 

Camila

Já havíamos assistido dois filmes e agora estávamos vendo Exorcistas do Vaticano, tia Juliane, Sam e eu estávamos no sofá, enquanto as outras meninas estavam espalhadas pelo chão. As únicas solteiras contra a esmagadora quantidade de casais. Para onde eu olhava, via alguma trocando carinho.

- Acho que tá na hora de sairmos do grupo de solteiras... – Sam comentou baixinho.

- Qual o problema em ser solteira? – tia Juliane não parecia tão convicta assim do que acabou de dizer.

- Não vem com essa, tia... – falei querendo ver a reação dela.

- Quando vão me deixar em paz com esse assunto? – ela fez uma cara de brava.

- Quando você admitir que tá louca pra ver a gatona da festa... – Sam falou e a tia Ju revirou os olhos.

- Vão encher linguiça... – rimos.

- Vou dá um jeito nisso... – peguei meu celular.

- O que vai fazer? – ela arregalou os olhos.

- Shiiiii! – as meninas ralharam e eu apenas sorri.

Busquei pelo nome da Micaela no facebook e não demorou nada para encontrá-la, abri o seu perfil e na sua linha do tempo haviam duas fotos postadas há cinco minutos. Ela estava com mais três mulheres em um bar.

- Olha... Ela tá no centro...

- Deixa eu ver... – minha tia arrancou o celular da minha mão.

- Tá vendo, Sam? – falei e a gringa riu.

- Ela tá no açaí biruta... – minha tia estava com os olhos fixos na tela. – Ela tá tão linda... Senhor, que boca é essa?

- Tá caidinha... – zombei e levei um beliscão – Ai!

- Shiii...

- Shii é o cacete... – reclamei.

Minha tia não devolveu o celular, ficou babando e curtindo todas as fotos da garota do meu perfil. Na certa iria achar que eu estava afim dela, tentei pegar o meu celular, mas sem sucesso, então peguei o celular da Isa. Não assisti nada do filme e quando acabou, as meninas decidiram fazer uma brincadeira do ‘eu nunca’.

- Vou buscar a tequila... – minha tia sumiu.

- Tem tequila? – Emi perguntou para a Becca.

- Que eu saiba, não... – não vi a minha tia com garrafa de tequila.

- Se sentem... – a gringa mandou.

As meninas se misturaram, minha tia voltou com duas garrafas de tequila e vários copos que eu presumi ser grande demais para a brincadeira. Ela colocou a bebida até a metade do copo, sentou ao meu lado.

- Tia, você não havia trago vinho? – perguntei curiosa.

- Também... – ela riu.

- Vamos logo com isso... – Flávia estava animada. – Quem começa?

- Eu! – Cássia pediu. – Eu nunca transei com uma garota.

Ela bebeu, sendo acompanhada por Emi, Becca, Paloma, Sam, tia Ju, Amanda, Jaque e Flávia. Olharam para a Nick, Isa, Marcela e eu.

- Que foi? – perguntei.

- Nada! – a resposta veio em coro.

- Eu nunca transei com um cara... – Flávia não bebeu. Amanda, Isabela, Nicole, Becca e eu bebemos.

- Eca! – Cássia falou e rimos.

O liquido queimava a minha garganta, minha tia voltou a nos servi novamente.

- Eu nunca tive recaída com um ex... – Becca disse e não bebeu. Jaque e Sam beberam.

- Eu nunca fiz ménage... – tia Juliane bebeu duas vezes. Flávia, Cássia e Emi também beberam.

- Vocês já fizeram ménage? – Amanda, Becca e Paloma levantaram.

Oh, oh!

- Faz muito tempo! – responderam juntas. Receberam um olhar assassino das três, que saíram de seus lugares e sentaram uma ao lado da outra com cara de poucos amigos. Vi as outras se esforçarem para não rir.

- Eu nunca mandei nudes. – Paloma tomou uma golada, Nicole olhou feio para a pobre da Cássia. Sam, Flávia, tia Ju e eu bebemos.

- Eu nunca trai. – Sam bebeu. Amanda, Becca e eu bebemos também. O clima não estava nada bom.

- Eu nunca transei no banheiro da escola. – falei e bebi. Emily, Flávia, Cássia, Jaque e Sam também beberam. Se olhar matasse, teríamos uma chacina aqui.

- Isso só tá piorando... – minha tia sussurrou em meu ouvido. – Amo essa família.

- Eu nunca bati em ninguém... – Isa tentou descontrair. Marcela e Cássia beberam.

- Ah, qual é? – tia Juliane queria ver o circo pegando fogo. – Vamos melhorar isso.

Como já era esperado, a brincadeira só foi esquentando e apenas dois casais estavam da mesma forma que chegaram. A bebida já estava fazendo efeito, Marcela decidiu parar, mas o jogo estava longe de acabar. Eu estava muito tonta e rindo de qualquer coisa, as outras não estavam diferentes.

Flávia

Essa brincadeira foi uma péssima ideia, Amanda estava me olhando atravessado, Paloma e Becca não queriam saber de suas namoradas. Estava implorando pelo fim desse jogo idiota, levantei e fui até o banheiro. Lavei o meu rosto, a nuca e sentei no chão para matar o tempo, mas não fiquei sozinha por muito tempo.

- Se escondendo? – Emily sentou ao meu lado.

- Você também? – ela riu. – Acabou?

- Sim... Finalmente! – respirou fundo.

- O que vamos fazer? – perguntei preocupada.

- Não faço ideia... – ela encostou a cabeça no meu ombro. – Não quero sair daqui. A Becca tá puta comigo... – ri.

- Amanda não tá diferente. – passei a mão no rosto da Emi.

- Posso me juntar a vocês? – Cássia entrou triste e sentou ao meu lado, encostando a cabeça no meu outro ombro.

Passamos um bom tempo reclamando da vida e acredito que pegamos no sono ali mesmo. Acordei um tempo depois e as meninas estavam dormindo sobre mim. Notei que havia um cobertor sobre nós. Levantei um pouco zonza, cutuquei as duas, mas somente a Emily acordou, então ajudamos a Cássia. Ela estava apagada, levamos ela até o quarto de hospedes, tirei a roupa dela e a cobri.

Emily e eu voltamos para a sala, tia Juliane, Sam e Cami estavam dormindo no sofá, Isa e Nick dormiam no tapete, cobertas por um edredon. Marcela e Jaque não estavam ali, assim como Amanda, Paloma e Becca.

- Devem tá na cozinha. – Emi falou.

- Não quero ir lá, não. – falei procurando o meu celular. – Nossa, como tá tarde. – me assustei com a hora.

- Vocês estão encrencadas... – Jaque surgiu enrolada em um lençol.

- Sabemos... – Emi e eu dissemos.

- O que vão fazer? – ela se jogou na poltrona.

- Eu vou conversar com a loira, mas não hoje. – falei e me joguei ao lado da Jaque.

- Vamos dormir na varanda... – Emi chamou. – Tem duas redes lá.

Deitei ao lado da Emi, Jaqueline ficou com a outra rede, ouvi as vozes vindas da cozinha, elas passaram pela sala, mas não ousamos olhar. Me aconcheguei a Emily, o único som era o vento que batia em um filtro dos sonhos que havia na sacada.

- Boa noite, meninas... – foi o que eu disse antes de apagar de vez.

Me lembrem de nunca mais brincar com tequila, acho que essa é a segunda vez que tomo tanto álcool. Deveria ter aprendido da primeira vez, pois o embrulho no estomago está acabando comigo. Como de costume, acordei cedo, Emi e Jaque dormiam tranquilas, as meninas na sala também. Precisava de um banho, andei sem fazer barulho até o banheiro, mas lá encontrei o Nandinho, que escovava os dentes. Fiquei observando a forma tão precoce que o pequeno agia.

- Bom dia, tia... – ele me olhou.

- Bom dia, lindão. – o peguei no colo. – Cadê sua mãe?

- Tá dormindo, tia Flávia. Mamãe nunca acorda antes que eu. – ele disse convencido.

- Tá com fome? – o fiz sentar na pia.

- Tô sim. A senhora vai fazer o café? – olhei para ele.

- Claro, lindo. Espera só um pouco.

Escovei os dentes, enquanto ele contava que adorava as aulas de violão e eu só fazia babar no garotinho. Fomos para a cozinha, separei tudo o que faria no café e tive a ajuda do Nando, que depois de um tempo estava todo sujo de trigo.

- Que bagunceiros... – Isa estava com a maior cara de sono. – Bom dia. – ela beijou o Nando e fez o mesmo comigo.

- Bom dia, tia Isa... – a olhos bonitos sorriu.

- Bom dia, coisa linda... – pisquei para ela.

- Quer ajuda? – se ofereceu.

- Senta aí e prova o melhor café da manhã de sua vida... – ela riu.

- Cadê sua modéstia? – passou a limpar o Nando.

- Acho que tomei ela junto com a tequila e o gelo que minha namorada me deu... – fiz uma careta.

- Aquele jogo foi uma péssima ideia... – Isabela riu.

- Péssima? – virei para a pia. – Péssima é pouco.

- O que vai fazer? – parei para pensar.

- Não faço ideia. – me dei por vencida. – Isso foi a tanto tempo... Na época eu estava em uma fase bad...

- Como isso aconteceu? – terminei tudo o que estava fazendo. Servi o Nando e sentei de frente para a Isa.

- Foi no segundo ano na faculdade. Estava com algumas colegas em uma festa na casa de um conhecido. – fiz careta. – Eu não estava bêbada, não vou mentir. As minhas colegas inventaram um jogo e quando dei por mim, estávamos fazendo você sabe o que... – Isa riu.

- Foi muito antes da Amanda... Conversa com ela. – olhei para os olhos verdes. – O que foi?

- Só lembrei de quando te conheci... – sorri.

- Oh, Deus... – ela mordeu uma torrada. – Eu te dei um banho... – gargalhamos.

- Quando eu vi a Emi indo até a mesa que você estava, senti vontade de socar ela... – rimos. – Mas, se não fosse por aquela tentativa tosca de ser cupido, talvez não seriamos amigas...

- Talvez sim... – ela franziu o cenho. – Mas, em todo caso, foi bom ter molhado a sua blusa.

- Amor... – minha irmã surgiu na porta e um sorriso enorme estampou o rosto da Isa. Sorri com a cena.

Aos poucos as meninas foram acordando e surgindo na cozinha, Emi e Cássia não desgrudavam de mim. Amanda me olhava sem nada a dizer e essa situação já estava me deixando chateada.

- Vamos fazer uma tatuagem? – olhamos para a Cássia. – O que foi?

- Tatuagem? – perguntei erguendo a sobrancelha.

- Todas nós? – Cami que estava com um óculos enorme perguntou.

- Sim, todas... Simbolizar a amizade. – até que a ideia é boa.

- E tem algo em mente? – Sam perguntou. A tia Juliane levantou a mão.

- Não, tia. Não vamos tatuar v-a-g-i-n-a-s... – Nicole respondeu e rimos. Tia Ju revirou os olhos e se calou. Sério que era mesmo isso que ela ia sugerir?

- O que acham de puzzles? – Isa sugeriu.

- Eu gostei... – falei.

- Parece uma boa. Quando iremos fazer? – Amanda perguntou diretamente para a Cássia.

- Onde fez a tua, Flávia? – Cássia me perguntou.

- Atrás do Castanheira... – dei de ombros.

- Vamos hoje à tarde...

As meninas se animaram, depois do café, fui até o quarto da Emi, tomei banho e vesti uma roupa dela, que apesar de ser um pouco menor que eu, cabia. Iríamos depois do almoço, liguei para a minha mãe. Meu pai tirou o final de semana de folga para cuidar dela, avisei que voltaríamos amanhã a noite, mas se precisassem de algo, poderiam chamar. Afinal, o apartamento da Emi ficava menos de um quilometro de casa.

“Como vou fazer as pazes com a cabeça dura?”. Estávamos tão bem até umas horas atrás.

 

 

Fim do capítulo