Amanda

Fazia muito tempo que eu não parava para arrumar melhor o meu apartamento e essa tarde o faria. Comecei pelo quarto e sorri ao ver roupas dela por ali, o violão em um tripé, o cheiro que estava nos lençóis, nos travesseiros. Com custo, tirei tudo e passei a trocar o conjunto de cama, organizei as roupas em uma parte que ela já havia tomado conta. Escutei a campainha e sorri ao imaginar que poderia ser ela.

- Mãe? – ela era a última pessoa que eu esperava ver hoje.

- Vou ter que ficar na porta? – o mal humor que ela carregava desde que a desafiei no hospital estava ainda mais afiado. Respirei fundo e dei passagem para ela.

- A senhora quer beber alguma coisa? – ela olhava cada parte do meu apartamento. Parecia estar procurando algo.

- Água. Por favor... – se acomodou no sofá.

Hoje eu não estava pronta para discussões, buscava me manter com a mente em paz, tentava esperar pelo tempo dela. Confesso, estava difícil receber o tratamento de gelo da pessoa que deveria me amar incondicionalmente. Meu pai me dizia que com o tempo ela iria ceder, mas os dias passavam e a saudade dos abraços afetuosos, das conversas e da simples frase ‘minha filha’, só fazia crescer.

- Tempo...

Enchi o copo e andei sem vontade até a cozinha, minha mãe segurava uma foto de Flávia e eu, percebi que apertava com certa força. Respirei fundo pela segunda vez, desejei que a Flávia estivesse aqui, agora.

- Aqui... – coloquei o copo sobre a mesa de centro e sentei na poltrona. Ela continuava olhando para a foto, mas a jogou sobre o sofá.

- Por quê isso? – ela pegou o copo e levou até os lábios.

- Isso o que, mãe? – passei a mão sobre os cabelos.

- O que ela fez pra virar a tua cabeça, Amanda? – fechei meus olhos e pedi paciência.

- Eu sempre fui assim, mãe... – levantei e fui até a porta da sacada. – Quanto mais você fingir que não entende, mas o buraco que existe entre nós irá crescer.

- Eu não consigo aceitar uma coisa dessas, Amanda. – “Amor, seria mais fácil com você aqui”.

- Não entendo como pode ser tão preconceituosa, mãe. – me virei.

- Só não vejo nada de normal em duas mulheres, Amanda, por Deus... – eu não queria gritar com ela e antes de dizer qualquer coisa, contei de um até dez.

- Eu realmente não vou discutir isso com a senhora, mãe... – fiz um coque em meus cabelos. – Eu peço que vá pra casa. Por favor...

- Tá me expulsando? – ela se alterou. – O que essa menina fez com tua cabeça?

- Chega! – perdi toda a paciência. A campainha tocou e quase corri até a porta. – Amor...

- Amanda, o que aconteceu? – acho que a assustei pela forma que me joguei em seus braços. – Meu amor... – ela passava a mão em meus cabelos.

- Eu não aguento isso... – ouvi a voz da minha mãe.

- Qual é a merd* do seu problema? – Flávia se alterou, enquanto me apertava contra si.

- Olha como fala comigo, garota... – minha mãe gritou de volta.

- Falo da forma que eu bem entender... Não vê o que tá fazendo com ela? – ela segurou o meu rosto. – Vem comigo...

Ela segurou a minha mão e entramos no elevador, ela me apertava contra o seu corpo, eu não chorava, apenas estava confortável ali. Entramos em seu carro, não fazia a menor ideia para onde iriamos, mas não dava a mínima. Eu estava com ela e somente isso importava de verdade.

Ela colocou uma música calma, não dizia nada, apenas franzia o cenho levemente algumas vezes ou prensava o lábio um no outro. Sorri ao ver esses detalhes que ela só mostrava quando estava chateada ou pensativa. Eu reconheci as ruas que estávamos passando e presumi que logo estaríamos nos Portal da Amazônia. Era cinco da tarde, o céu estava em tons de laranja, as nuvens quase não existiam. Estacionamos, ela deu a volta e repetiu o ato do estacionamento e eu simplesmente subi em sua costa. Algumas pessoas nos olhavam sorrindo, outras nem tanto.

- Esquece um pouco o mundo e vamos ficar aqui... Você, eu e esse céu incrível...

Ela me fazia muito, muito bem.

 

Jaqueline

- Você não faz ideia da falta que me faz... Sinto muito por tudo... Paulo.

O vento da tarde soprava forte, em pouco mais de quarenta minutos a noite chegaria, mas eu queria ficar até o último segundo ali. A única coisa que eu não consegui aceitar era o fato de que tudo poderia ser evitado se os meus pais não fossem daquela forma. Se eles tivessem tido a decência de ao menos dar um pouco de atenção, um pouco de carinho.

- Lembra do plano de saltar de paraquedas? – sorri com a lembrança. – Vou realiza-lo por nós... Eu prometo. – uma lágrima solitária passou a escorrer por meu rosto. – Queria poder te ver só mais uma vez...

Ouvi uma buzina, olhei para trás e sorri ao ver de quem se tratava, ela saiu da moto e passou a andar até a mim. Sentou ao meu lado e olhou fixamente para a lapide, ficou em silencio. Cássia e eu conversávamos bastante, contei a ela que viria ao cemitério. Tudo seria mais difícil se eu não contasse com o apoio que tenho de cada uma dessas garotas. A garota ao meu lado tinha um coração bom, uma alma leve.

- Já pulou de paraquedas? – perguntei ainda olhando para a pedra com o nome do meu irmão.

- Não, mas sempre tive vontade. – ela respondeu.

- Que tal fazermos um salto? – nos olhamos.

- Tá falando sério? – ela ergueu as sobrancelhas.

- Muito... – sorri. – Topa?

- Claro que sim... – ela sorriu. – E a moto?

- Chega amanhã... – sorri. – Agora vou poder usar a habilitação.

- Como alguém tira a habilitação, mas não tem nem uma bicicleta? – ri da forma que ela falou.

- Meus pais não queriam dar a moto... – dei de ombros.

- Sabe que tem de tomar cuidado, certo? – ela franziu o cenho.

- Não se preocupe. – sorri. – Vamos? – a noite caiu e junto com ela algumas nuvens carregadas.

Saímos do cemitério e iriamos para a casa da Emi, as meninas combinaram de fazer uma seção de filmes na Netflix. Estávamos longe de Belém, então iriamos demorar um pouco para chegar. Lembrei da Marcela, não pude vê-la desde a festa, mas trocamos mensagens durante os dois dias que sucederam o beijo. E lembrar do beijo fazia um frio percorrer o meu corpo. Estava louca para sentir o sabor de seus beijos novamente, não sei ao certo o que sinto, mas sei dizer que é bom, é maravilhoso.

Paramos em um supermercado na Mário Covas, Nicole mandou uma mensagem pedindo que comprássemos algumas frutas e chocolates.

- Ansiosa pra ver a loira? – estávamos na fila.

- Olha isso... – mostrei as unhas esquerda. Estava detonada, Cássia apenas gargalhou. – Eu gosto dela...

- Isso até cego vê... – me empurrou com o ombro.

- Tá estampado na cara assim? – perguntei rindo.

- Desenhado, enfeitado com unicórnios e luz de led... – gargalhamos.

- Boa noite, meninas... – o caixa nos cumprimentou com um sorrisinho besta.

- Boa noite... – respondemos.

- Querem companhia para comer os chocolates? – Cássia e eu nos olhamos. Dei o dinheiro para ele.

- Não sei. Quer mais alguém para a nossa noite ardente de amor regada a chocolate, coração? – perguntei a Cássia.

- Olha, minha delícia. Um é bom, dois é gostoso, mas um pinto é demais... – ela se manteve seria. O atendente nos olhou com os olhos arregalados.

- Não vai rolar, boy... – peguei as sacolas e o troco. – Minha mulher gosta de me comer sozinha.

Saímos do supermercado quietas, mas ao chegar no estacionamento, explodimos em gargalhadas. Cássia tentava se equilibrar com os capacetes, enquanto lagrimava de tanto ri e eu não estava diferente.

- Essa foi...

- Foda... – completei.

Saímos dali rindo até doer a barriga, pegamos um congestionamento na BR e como eu conhecia bem a área, mostrei uns atalhos para a Cássia. Saímos um pouco a frente e o transito estava melhor e em pouco tempo estaríamos no apartamento da Emi.

- Hora de ver a sua loira, caçula... – ri do que ela disse. Cássia é impagável.

- Queria ter tomado banho e tirar o cheiro de nostalgia. – falei me olhando no espelho do elevador.

- Acha mesmo que a Marcela vai ligar pra isso? – me virei para olhar a careta engraçada que ela fez.

- Cássia...

Ela me abraçou de lado e riu.

 

Juliane

- Pra você, Camilinha!

- Segura a dor de cotovelo! – Sam gritou.

 

Como pode ser gostar de alguém
E esse tal alguém não ser seu
Fico desejando nós, gastando o mar
Pôr-do-sol, postal, mais ninguém

Peço tanto a Deus
Para lhe esquecer
Mas só de pedir me lembro
Minha linda flor
Meu jasmim será
Meus melhores beijos serão seus

Sinto que você é ligado a mim
Sempre que estou indo, volto atrás
Estou entregue a ponto de estar sempre só
Esperando um sim ou nunca mais

É tanta graça lá fora passa
O tempo sem você
Mas pode sim
Ser sim amado e tudo acontecer

Sinto absoluto o dom de existir
Não há solidão, nem pena
Nessa doação, milagres do amor
Sinto uma extensão divina

É tanta graça lá fora passa
O tempo sem você
Mas pode sim
Ser sim amado e tudo acontecer
Quero dançar com você
Dançar com você
Quero dançar com você
Dançar com você

 

- Ha, ha... Muito engraçadas... – Cami revirou os olhos, enquanto Sam e eu riamos.

- Deixa de ser velha, Cami... – a gringa soltou.

- Essa música muito serve pra você, tia. – olhei para ela sem entender.

- Serve nada. – respondi convicta.

- Serve... Pensa que não te vi bisbilhotando o facebook da bonitona que te agarrou... – quase tive um treco.

- Cala a boca... – elas riram. – Suas pragas...

- Pragas que a senhora ama de todo coração... – Sam falou e eu revirei os olhos.

- Pior que amo... – respondi sorrindo.

- Que linda, tia... – Camila fez um coração com a mão.

- Não acaba com o momento, Camila... – ri.

- Grossa... Como essas meninas moram longe. – reclamou.

- Em meia hora, estaremos lá. – olhei a hora no painel.

- Tia...

- Oi, Camila... – lá vinha pergunta pessoal.

- Como você já sabe que a Micaela é filha da diretora da escola da Paloma... – não estava gostando daquela conversa. – Por quê não vai lá e chama ela pra sair? – respirei fundo.

- É verdade, tia... – complô.

- Meninas, a Micaela fez aquilo em um momento de raiva... – não sei por que, mas externar aquilo me deixou com um leve incomodo.

- Tia, você é burra ou o que? – olhei para a Cami com cara de assassina. – Não adianta me olhar assim...

- Ela gostou do que aconteceu, não viu? – será? Respirei fundo.

- Isso é estranho pra mim... – confessei. – Querendo ou não... Imaginar sendo laboratório de mulher curiosa não é bom.

- Tia... Desapega do teu passado... – Cami passou a mão no meu rosto.

- A vadia que te traiu é passado... – virou seção de terapia. – As pessoas do seu presente não merecem suas desconfianças do passado... – Sam concluiu.

- Pensa bem, tia... – Cami sorriu. – Agora vamos ouvir o Safadão... – gargalhei. – Pra você, tia...

Eu abro a porta e puxo a cadeira do jantar
A luz de velas pra ela se apaixonar
Eu mando flores, chocolates e cartão
O meu problema sempre foi ter grande coração

Ligo no outro dia no estilo Dom Juan
Dormiu bem meu amor?! É domingo de manhã
Vamos pegar uma praia, deu saudade do seu beijo
Trato todas iguais
Esse é meu defeito

Tô namorando todo mundo
99 por cento anjo, perfeito
Mas aquele um por cento é vagabundo
Mas aquele um por cento é vagabundo
Safado e elas gostam

 

Chegamos ao apartamento da Emi, as meninas estavam espalhadas pela casa, deixei as garrafas de vinho na cozinha e fui atrás do Nando no quarto. Ele estava tocando violão com a Flávia, sentei ao lado dos dois.

- Ele manda bem... – falei admirada. O loirinho estava muito concentrado.

- Ele aprende rápido, tô impressionada e ainda mais apaixonada por esse carinha. – sorri.

- Impossível não se apaixonar por esse lindão... – passei a mão nos fios loiros. – A Jaque vai ganhar pacote completo.

- Verdade... – rimos. – Elas estão no maior love...

- A Jaque merece... – Flávia me olhou e sorriu.

- Ela vai ser feliz e vamos ver de camarote... – concordei com a cabeça.

- Não vão dividir o garotão? – Emi entrou no quarto.

- Tia Emi... A tia Flávia disse que eu vou ser igual ao Luan Santana... – gargalhamos.

- Vai ser melhor ainda, lindão... – ele mostrou as janelinhas.

Ver todo esse momento inocente desse loirinho, me deixou pensativa.

 

 

 

 

Fim do capítulo