15 de setembro de 2015, Marcela começou a trabalhar como minha assistente na segunda, os dias estão passando e ontem recebi uma ligação da minha mãe, avisando que hoje a tarde, ela estaria de volta, mas sem o meu pai. Devo dizer que desde a ligação eu não consigo parar de pensar nela. Rebecca tentou me distrair quando notou a minha ansiedade, mas mesmo assim aqui estou eu, contando os minutos para vê-la.

 

Olhei as horas, ela disse que as cinco já estaria pousando.

 

- Quatro e vinte...

 

Arrumei algumas coisas na minha sala, liguei para a Becca, ela me disse para me acalmar, avisei a loira que iria buscar a minha mãe e não voltaria para a empresa, mas que um motorista viria busca-la as seis horas.

 

Minhas mãos estavam suadas ao volante, me livrei do blazer, o ar-condicionado não estava fazendo efeito algum. Abri as janelas, tirei os óculos e tentei focar no caminho à frente, para não enlouquecer com todas as teorias malucas que iam e vinham.

 

Pedi um café, sentei em uma mesa no segundo piso do aeroporto, conversava por mensagens com a Rebecca. As meninas não paravam de mandar mensagens também, ri muito de algumas coisas, essas garotas são demais.

 

- Emi... – meu corpo enrijeceu, a garganta secou.

 

- Mãe... – ela saiu de trás e sentou bem a minha frente. – Mãe?

 

- Filha...

 

Eu não podia acreditar em meus olhos, minha mãe estava totalmente diferente da última vez que a vi. Estava magra demais, os cabelos estavam escondidos embaixo de um lenço, a pele pálida.

 

- Temos muito o que conversar, meu amor... – levantei e me joguei em seus braços, meus olhos estavam inundados. – Calma, calma...

 

- O que aconteceu? – eu me apertava a ela. – Mãe...

 

- Shiii... – suas mãos finas acariciavam os meus cabelos.

 

- Vamos pra casa...

 

O silêncio dentro do carro era horrível, meu coração ainda não havia voltado ao ritmo normal, tentei dar atenção ao trânsito. Já estávamos nos aproximando do meu apartamento, vi o rosto de minha mãe se tornar surpreso.

 

- Mora perto dos Freires? – aquele tom carregado de ironia não existia mais.

 

- Sim... Eles são incríveis... – vi um pequeno sorriso em seu rosto. – Vamos? – falei quando já estávamos no estacionamento.

 

- São... Vamos sim...

 

Peguei as duas malas que ela trouxe, entramos no elevador e o silêncio doía os meus ouvidos, mas não disse nada para mudar aquilo.

 

- Fica a vontade... – falei assim que abri a porta.

 

- Tia Emi... – o loirinho agarrou as minhas pernas.

 

- Meu loirinho... – o peguei no colo.

 

- Emi... É... – minha mãe olhou assustada.

 

- Oh, não... – ri de sua expressão.

 

- Amor, que... – Becca interrompeu o que ia dizer. – Boa noite...

 

- Boa noite... – minha mãe respondeu.

 

- Mãe, essa é a Rebecca... – me coloquei ao lado da Becca e segurei sua mão. – Minha namorada. Amor, essa é a Juliana...

 

- Prazer, dona Juliana... – Becca estendeu a sua mão que estava entrelaçada à minha.

 

- Prazer, Rebecca... – a face de surpresa ou até mesmo de repudio não estava ali.

 

- Amor, leva a sua mãe para o quarto... – Becca pegou o Nandinho em seu colo. – Vou dá um banho nesse garotão...

 

- Tudo bem... – beijei o rosto do pequeno. – Marcela chega daqui a pouco...

 

- Vamos espera-la pro jantar... – Becca beijou o meu rosto. – Fique a vontade, dona Juliana.

 

- Obrigada, querida...

 

Becca sumiu pelo corredor, peguei as malas novamente.

 

- Vem...

 

Saímos em direção ao quarto de hospedes que estava todo arrumado, sorri, pois mesmo com o trabalho na galeria, Rebecca tirou um tempo para preparar o quarto para a minha mãe. Até as cortinas foram trocadas, coloquei as malas em um canto.

 

- Tome um banho... – olhei para ela. – Depois jantamos...

 

- Obrigada... – analisou todo o meu rosto. – Filha... – era bom ouvi-la me chamar assim e de forma tão amorosa.

 

- Diga... – sorri para ela.

 

- A Flávia... – esperei ela terminar. – Vocês não...

 

- As coisas estão diferentes... – sorri. – Ao longo desses dias a senhora verá...

 

- Aquela moça... Ela é simpática... – minha mãe me surpreendia a cada segundo.

 

- A Rebecca é uma pessoa maravilhosa, mãe... Agora vou sair pra você ficar mais a vontade... – me aproximei dela e a abracei.

 

- Senti saudades desse abraço... – respirei fundo.

 

Sai do quarto com os olhos marejados, ouvi a voz de Marcela vindo da sala, ela e Becca conversavam.

 

- Senta aqui, amor... – sentei entre suas pernas no sofá.

 

- Tudo bem, Emi? – Marcela perguntou.

 

- Sim... É só que... – respirei fundo. – Ela tá tão diferente...

 

- Vocês terão tempo para conversar, amor... – Becca me apertou. – Agora vão tomar banho...

 

Entrei em nosso quarto, Becca quem tirou as minhas roupas, eu amava a forma que ela cuidava de mim. Tomei um banho rápido, vesti as roupas que minha namorada havia separado, sentei ao lado dela na cama.

 

- Sabe que eu sempre vou estar aqui, certo? – ela me abraçou e nos jogou na cama, me arrancando risadas.

 

- Você é perfeita... – apertei e ela riu.

 

- Tremi da cabeça aos pés quando dei de cara com sua mãe... – ela confessou e eu olhei para.

 

- Então disfarçou muito bem... – mordi o seu lábio inferior.

 

- Isso é gostoso... – ela cobriu os meus lábios com os seus.

 

Ficamos namorando mais um pouco, os braços de Becca eram o melhor lugar para se estar, ela é meu maior bem. Lembrei de algo que fazia um tempo que queria dizer a ela, mas com a correria desses dias, havia esquecido.

 

- Amor? – ela mordiscava os meus lábios.

 

- Hum...

 

- Vamos fazer uma tatuagem? – ela parou na hora e me olhou com as duas sobrancelhas arqueadas. Admirei o rosto de menina e os cabelos que estavam a cada dia maiores, cada dia mais linda.

 

- Tatuagem? – fiz um ‘sim’ com a cabeça e ela sorriu. – O que tem em mente?

 

- Podemos pensar em algo juntas... – ela mordeu o lábio inferior.

 

- Gostei... – me beijou. – Vamos pensar em algo legal...

 

- Você é a melhor... Vem cá... – girei e fiquei por cima dela.

 

- Emi... – ela gritou e começou a rir. – Eu te amo...

 

- Eu que te amo...

 

A mesa de jantar só não estava silenciosa, porque o Nandinho contava animadamente como foi o dia na escola. Minha mãe olhava para ele com um pequeno sorriso, as meninas me olhavam com uma expressão de satisfação. Aquele loirinho ganhava todo mundo com uma facilidade incrível.

 

- Tia... A senhora é irmã da tia Emi? – o pequeno perguntou a minha mãe, que sorriu.

 

- Desde pequeno já é galante... – rimos. – Eu sou a mãe da tia Emi... – ela respondeu com carinho. Me senti emocionada ao ver o quanto ela mudou, Becca apertou a minha mão por baixo da mesa.

 

- Ah... A senhora é bonita... – ele sorriu e mostrou as janelinhas. – Igual a tia Emi...

 

- Obrigada, Fernando... – ela abriu um pequeno sorriso.

 

Depois do jantar, minha mãe pediu que eu a esperasse no quarto, enquanto ela trocava de roupa no banheiro. O cômodo já estava tomado pelo perfume Chanel que ela sempre usou, o aroma me trouxe algumas lembranças boas.

 

- Obrigada por me receber, Emi... – ela estava escorada na porta do banheiro.

 

- Jamais me negaria a recebe-la, mãe... – disse com sinceridade.

 

- Há muitas coisas que precisamos conversar, filha... – ela sentou ao meu lado. Estava vestida com roupão branco. – E não posso mais adiar...

 

- Pode falar, mãe... – me ajeitei sobre a cama.

 

- Sei que tudo o que vou te falar, não justifica as minhas atitudes desde que... – ela parecia escolher as palavras.

 

- Desde que vocês souberam que gosto de mulheres... – ela me olhou e fez um gesto positivo com a cabeça.

 

- Mas, preciso que saiba de outra coisa... – senti um bolo se formar em minha garganta. – Dois meses antes de você partir de Londres... – os olhos dela lagrimaram. Ela levou as mãos até o lenço que estava em sua cabeça, o tirou e baixou o olhar.

 

Eu fiquei paralisada, minhas mãos suaram e o meu coração veio até a boca, os cabelos negros estavam curtos, muito curtos. Aquilo só podia significar uma coisa, mas eu me recusava a acreditar naquela possibilidade.

 

- Eu havia descoberto que estava com um nódulo no meu seio esquerdo... – parecia que eu havia levado um soco no estômago.

 

- Mãe... – meus lábios tremiam.

 

- Espera, filha... – ela respirou fundo. – Comecei a fazer a quimioterapia escondida de seu pai e você... – ela me olhou. – Depois que você veio pra cá... Eu quase desistir...

 

Passei as mãos pelo meu rosto em puro nervosismo.

 

- Mas, seu pai descobriu e me incentivou a não me deixar cair... – ela passou as mãos tremulas sobre as lágrimas que molhavam seu rosto.

 

- Eu não... – senti vontade de gritar. – Mãe...

 

- Espera... Emi... – ela segurou a minha mão. – Eu fiz uma cirurgia para retirar o tumor pouco tempo depois... Os médicos disseram dificilmente voltaria e que logo não precisaria mais me preocupar com absolutamente nada... Faz três meses que estou quase que cem por cento livre do câncer...

 

-Mãe... – a abracei com força. Eu não aguentei e passei a chorar. – Por... Que...

 

- Shiii... – ela fazia carinho em meus cabelos. – Tá tudo bem agora, minha menina...

 

Não fiz mais nada além de chorar, minha mãe soluçava baixinho, podia sentir as vibrações em seu corpo. Ficamos algum tempo naquela posição, eu não queria sair nunca mais de seu colo, por anos eu sonhei com o dia que a minha mãe voltaria a me pegar dessa forma, a me tratar com todo o carinho que eu tanto senti saudade.

 

- Emi... – não me mexi.

 

- Hum... – fiz um som nasal.

 

- Tem mais uma coisa que preciso te contar... – respirei fundo.

 

- Por favor não me diz que tem outra doença... – apertei ela. Ela riu baixinho.

 

- Não, filha... – meu coração sorria toda vez que ela me chamava assim. Me afastei um pouco para olha-la. – Eu sei que fui uma verdadeira cretina com você e eu me culpo todos os dias por isso... As coisas que eu disse, que eu fiz... – ela voltou a chorar. – Me perdoa filha... Eu fui tão filha da puta... – foi estranho ouvir a minha mãe chamar um palavrão. O pedido de desculpa estava carregado de sinceridade, eu podia senti-lo.

 

- Não vamos mais olhar para o passado, mãe... – enxuguei suas lágrimas.

 

- Não, filha... – ela levantou. – Eu preciso te contar o principal motivo por ter agido como um monstro... Não justifica, mas preciso dizer.

 

- Pode me dizer qualquer coisa, mãe... – bati na cama em sinal para ela sentar novamente.

 

- Como você sabe Emi, nossa família sempre foi muito tradicional... – eu bem sabia disso. – Seu avô era o único que não seguia essas regras da sociedade... – meu avô sempre foi incrível. – Sua vó...

 

- Minha vó é uma velha amarga... – comentei e minha mãe sorriu.

 

- Sua vó sempre foi assim... – agora ela olhava fixamente para mim. – Na minha adolescência, eu me vi confusa sobre algumas coisas... – franzi meu cenho. – Eu tinha dúvidas sobre a minha sexualidade, Emi...

 

Meu queixo quase despencou.

 

- A senhora... – passei minha mão nos cabelos.

 

- Quando eu tinha quinze anos... Conheci uma menina um ano mais velha que eu... – precisava colar o meu queixo de volta. – Nos apaixonamos... Mas, durou tão pouco, pois sua avó descobriu e fez a mesma coisa que eu fiz com você e a Flávia...

 

- Mãe... – estava chocada. Nunca na minha vida eu imaginei que ela... Deus. Ela deu uma risadinha. – Que danada... – brinquei para quebrar aquele clima e funcionou, ela riu. – Continua...

 

- Bem... Ela disse que jamais aceitaria isso e que se eu não mudasse, iria morar na Alemanha. – minha mãe disse nostálgica. – Então eu fiz o que ela mandou... Depois de um tempo conheci o seu pai e assim como a minha família, a dele fazia pressão para ele casar e assumir os negócios... No inicio não nos suportávamos, mas com o passar do tempo, as coisas foram mudando...

 

- Eu juro que isso jamais passou por minha cabeça... – ela sorriu. – Nossa, eu não sei o que dizer, mãe...

 

- Quem tem que dizer é eu, Emi... – suas mãos faziam carinho nas minhas. – Vou te pedir perdão pelo resto da vida...

 

- Oh, mãe... – voltei a abraçá-la. – Não precisa... Vamos começar de novo.

 

- Obrigada, filha... – ela me apertava. – Você é a melhor coisa que já fiz na vida.

 

Aquelas palavras acertaram em cheio o meu coração, era tudo que por anos eu pedi incansavelmente à Deus.

 

- Filha... Agora você me explica o que aconteceu desde que você voltou? – ainda estávamos naquele abraço gostoso.

 

- Explico...

 

Então passei a contar tudo, cada mínimo detalhe do dia que cheguei, no momento que vi a Becca, do que veio depois. Falamos sobre o que aconteceu à Flávia, minha mãe disse que soube e que havia visto o vídeo, fiz inúmeras perguntas também. Era tão bom poder conversar abertamente com ela, sentia que a minha alma estava totalmente em paz. Depois de algum tempo, deixei minha mãe descansar e fui para a sala. Marcela e minha namorada conversavam, Becca ao me ver, sorriu e o sorriso que já estava em meu rosto se intensificou.

 

- Que sorriso lindo, meu amor... – ela levantou para me abraçar.

 

- Tô ainda mais feliz, amor...

 

Ficamos conversando até tarde, não contei tudo o que minha mãe falou, isso deveria partir dela, mas compartilhei a minha felicidade com minha mulher e minha amiga. Nandinho já dormia, então não tivemos pressa para fazer o mesmo.

 

Eu não podia definir só em palavras aquele momento, ter minha mãe dessa forma em minha vida era muito mais do que um dia eu sonhei. Enquanto conversava com as meninas, agradecia mentalmente à Deus por ouvir o meu coração.

 

 

 

 

 

Fim do capítulo