CapÃtulo 12
A noite chegou e a lua brilhava com toda sua exuberância em meio a uma cortina de estrelas. Rafaela observava pela janela do apartamento, há horas estava ali, olhando para o nada. A vida costumava a lhe pregar peças, quando tudo parecia estar caminhando bem, o destino lhe dá essa rasteira. Respirar parecia difícil, manter a serenidade frente a Beatriz e colegas de trabalho estava pior, tudo que ela queria era poder ficar só, encolhida, lamentando sua má sorte, até que a dor passasse, ou acalmasse pelo menos, porque aquilo parecia não ter fim, mas sabia que isso era impossível, pessoas precisavam dela, Bia precisava dela. Respirou fundo e sorveu um pouco do café fazendo uma careta, precisava daquilo para se manter acordada. O líquido já estava gelado, tão ruim quanto o frio polar que envolvera seu coração. Uma dorzinha que se instalara e não a deixava descansar.
Os últimos dias foram uma verdadeira batalha de provações. O interrogatório da polícia, a imagem de Beatriz divulgada no jornal local, a notícia espalhada pelas redes sociais, pessoas julgando, comentando. Como o ser humano podia ser tão cruel numa hora dessas? E Rafa sabia que aquilo estava apenas começando. Ela queria poder tirar Bia daquele cenário, mas enquanto Pâmela não se estabilizasse isso seria impossível.
Levar Beatriz para casa se tornou uma necessidade, ela não queria ficar sozinha. Em outras circunstâncias Rafaela estaria realizando um sonho, mas nada acontecera do jeito que ela imaginou um dia. Bia pediu para ela permanecer no banheiro enquanto se banhava. A loira deixou a água morna escorrer por seu corpo, absorta ao olhar de Rafaela, permaneceu algum tempo ali, na esperança de que o denso vazio que sentia pudesse passar, até suas mãos começarem a tremer e o corpo ser sacudido por soluços. Rafaela teve que intervir envolvendo-a nos braços. Não havia nada que pudesse fazer para livrá-la daquela sensação. Beatriz engoliu alguns sedativos para dormir, se deitou e pediu para Rafaela abraçá-la. Adormeceu rapidamente sob os efeitos da medicação, deixando a médica em estado de alerta.
Como dormir com aquele corpo frágil e delicado encaixado tão perfeitamente ao seu? Não resistiu e a acariciou levemente, sua mão percorreu a lateral do corpo suavemente sentindo o movimento da respiração, o calor da pele, a maciez dos cabelos. O perfume de Beatriz inebriando seus sentidos. Os ombros desnudos e o quadril colado ao dela, despertando seus desejos. Bia continuava a dormir indiferente ao que se passava. Rafaela aspirou o aroma que emanava de seu ombro, pescoço e cabelos, pensando em outros aromas que aquele corpo poderia lhe oferecer. Beijou lhe o ombro, sua língua sentido a superfície discretamente. Que deleite! Lembranças dos seios alvos enrijecidos ao seu toque fizeram seu corpo todo reagir. Como seria o sabor de seu prazer a jorrar em seus lábios? Rafa enlouqueceu. Suspirou sufocada, precisou levantar para quebrar aquele contato. Aquele não era o momento.
Agora estava ali, a poucos metros de seu alcance, a mulher que seu coração escolhera para amar, dormindo em sua cama, um sono agitado, um pesadelo que a seguiria por um longo tempo, senão pela vida toda, uma cicatriz que marcara sua alma e por ironia do destino Rafaela nunca conseguiria curar.
Amanheceu, sem que ela conseguisse descansar, ajeitou uma poltrona no quarto e velou o sono agitado de Beatriz. Estaria ali quando ela despertasse.
********
Quanto tempo dura um pesadelo? Uma noite? Uma noite e um dia?... Passaram se 72 horas do ocorrido, e para Beatriz as cenas da agressão ainda eram nítidas. Ela nunca iria se livrar daquilo. Olhou com tristeza para Pâmela, o soro pingava lentamente mantendo-a adormecida. Ela segurou as mãos da amiga, pelo menos Pâm só sofrera agressões físicas, os médicos que a examinaram descartaram violência sexu*l*. Bia tirou da bolsa os scarpins azuis e colocou-os na cômoda ao lado da cama.
- São seus amiga – disse num sussurro. – vou deixar aqui para quando você acordar.
Rafaela abriu a porta nesse instante.
- Está na hora da sua consulta Bia. Vamos?
Ela levantou no automático. Desde o ocorrido, pouco manifestava a sua vontade. Não conseguira voltar pra casa e se hospedara no apartamento de Rafaela. A médica se desdobrava na tentativa de confortá-la, em vão, Bia sentia como se parte de sua vida tivesse sido arrancada, nunca mais seria feliz. Mal podia encarar os olhos azuis de Rafa, gostava de lembrar deles brilhantes como quando se beijaram naquela tarde, mas uma nuvem cinza parecia ter roubado todo sua cor. Agarrou no braço da médica e se deixou ser conduzida pelos corredores do Hospital.
Entraram juntas no consultório e sentaram em frente ao doutor.
- Boa Tarde! – o médico se adiantou.
- Prazer sou Dra Ferraz, amiga da Beatriz, me desculpe doutor, ela pediu para que eu a acompanhasse, sei que não é normal – ele estendeu a mão cumprimentando.
O médico balançou a cabeça concordando.
- Sua amiga pode esperar lá fora o que acha?
- Por favor, não... – foi o som fraco de sua voz suplicante, que o médico pode ouvir.
- Está bem, se você se sente melhor com a presença dela, vou concordar que fique, mas por favor procure não interromper a consulta Dra. Ferraz.
- Tudo bem, também sou médica, conheço os procedimentos – O médico a olhou contrariado, e se limitou a iniciar a consulta por conta do tempo.
- Então Beatriz como você está?
Ela apenas olhou para o médico e não disse nada. “Quero morrer, pensou.”
- Sabemos que está passando por um momento difícil, mas deve ponderar os fatos, está aqui na sua ficha que se recusou a tomar o coquetel de medicamentos preventivos, seu noivo me pediu para tentar convencê-la. Sabe que ainda pode fazê-lo?
Rafaela se surpreendeu com a informação e não se conteve.
- Você não tomou a medicação?
- Dra. Ferraz, eu pedi para não interromper.
Rafa inspirou. O que significava aquilo? Ela se mexeu na cadeira indignada.
- Sabia que pode estar grávida, ou pegar alguma doença? Esses medicamentos são preventivos, nós estamos aqui para orientá-la e apoiá-la seja qual for a sua decisão, mas acreditamos que ainda não está bem para fazer uma escolha. É comum pacientes como você tentarem se autopunir com atitudes como a sua...
Beatriz já não conseguia ouvir mais nada, toda aquela ladainha sobre gravidez e doença ela já sabia de cor. Amim já havia lhe explicado mais de uma vez quando soube que ela se recusara a tomar a medicação. E as palavras ainda estavam nítidas em sua memória:
- Se eu estiver grávida Amim, esse filho pode ser seu.
- Como sabe disso? Você ficou inconsciente...
- Eu sei...
A conversa com o noivo não fora agradável e sugou o que restava de sua energia. Ficou claro para ela que um filho não seria bem vindo. Ela não era mais a noiva perfeita, na verdade nunca fora, sua foto saíra no jornal, primeira página: “vítima de abuso sexu*l*”. Sua vida estava manchada. A família Chaniny não se envolvia em escândalos e uma noiva estrangeira e de má reputação era tudo o que eles não desejavam. Amim já não importava mais. Ela só queria que Pâm estivesse bem, depois pensaria no que fazer.
- Se estiver grávida, ainda pode se decidir pelo aborto. Mas se tomar essa decisão deverá fazer por você mesma, não por pressão de outras pessoas. Fazer o que os outros querem só te causará problemas no futuro, pensa bem é o seu corpo, sua vida, não deve deixar que ninguém decida por você. Você terá nosso apoio seja qual for a sua decisão, se optar pela criança, nós faremos o acompanhamento até 1 ano de idade, se optar por interromper a gravidez poderemos te acompanhar nós próximos 5 meses. Quer dizer alguma coisa?
Ela continuou com os olhos baixos, e apertou um pouco mais a mão de Rafaela, como se quisesse se certificar que ela ainda estava ali. Uma gravidez não seria bom pra ela naquele momento, teria que adiar seus planos mais uma vez, perderia Rafaela, não obrigaria a médica a assumir um compromisso com ela depois do que acontecera. Sua cabeça começou a doer, uma estranha pressão prestes a estourar.
- Ficar em silêncio, não vai ajudar Bia. Eu estou aqui para tentar ajudá-la a superar essa fase.
Ela começou a chorar... convulsivamente. Rafaela puxou a cadeira em que ela estava para mais perto e a abraçou confortando-a.
- Shii...vai dar tudo certo linda.
A consulta com o psicólogo demorou pouco mais de meia hora, e aos olhos de Rafaela não fora nada satisfatória. O renomado Dr. Martinelli pareceu mais interessado em obrigar Beatriz a aceitar a medicação abortiva, do que preocupado com sua instabilidade emocional, ou previnir que ela adquirisse alguma doença venérea. Ela teve certeza de que havia influência de Amim nesse assunto. Beatriz estava a ponto de ter um colapso nervoso, e o médico pareceu não se importar. Rafa pediu que Bia a aguardasse novamente no quarto de Pâmela, ela precisava resolver alguns assuntos, estava decidida a solicitar seu afastamento do Hospital, essa ideia já vinha rondando a alguns dias, e os últimos acontecimentos só fizeram reforçar sua vontade. Beatriz precisa dela, não podia deixá-la sozinha, tinha certeza de que Lauren a apoiaria nessa decisão. A caminho da sala da direção, esbarrou com o noivo.
- Oi, soube que acompanhou Bia na consulta.
- Sim – Rafaela economizou as palavras e arqueou as sobrancelhas, encarando a cara de pau do médico, ele estava prestes a fazer a perguntinha mágica.
- Então... como foi?
- Tudo certo.
Ele respirou aliviado.
- Isso quer dizer que Dr. Martinelli convenceu ela a tomar o abortivo?
- Você é patético Amim, porque não usou camisinha?
Rafaela continuou a caminhar em direção ao seu destino, se continuasse a olhar para ele provavelmente deixaria um de seus olhos roxo, ou os dois..., ele ainda tentou acompanhá-la, com lamentações pelo corredor. Ela parou frente a porta do diretor, sinalizando para que ele se calasse, deu dois toques na porta, aguardou a autorização para entrar, e foi com satisfação que fechou aquela porta em sua cara.
Fim do capítulo
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rhina
Em: 31/08/2016
Olá.
Boa noite Lara.
Com precisão você conseguiu nos levar bem no íntimo e conflituoso aspecto psicológico das meninas.
Um impasse se faz presente e questionável :
Consequências de um ato sexual brutal e violento. ...
Tomar a medicação de praxe para estes casos ou não? ???
E as consequências do SIM. OU NÃO .
E voltamos as escolhas....
a que fazemos por vontade própria
a que fazemos por imposição
a que fazemos por vontade própria resultado de uma imposição.
Humano sem valor e fútil é o noivo da Beatriz
Médico savana que valoriza tudo acima do bem estar e recuperação da paciente.
Rafaela. ......sem palavras.
Beijos minha querida e linda Lara.
Rhina
Resposta do autor:
Olá Rhina, fico fleiz que tenha conseguido passar um pouco do estado emocional das meninas. Tudo que fazemos envolve escolhas, perfeita a sua explicação.
Bjos querida, obrigado pelos comentários
Luh-Castro
Em: 31/08/2016
Amim ê um cafajeste mesmo, só pensa nele..... pouco se importa com a Bia.....e esse tal médico, num fica atrás ....affz.
Rafa sim, essa está dando todo o apoio que a Bia e a Pâm precisam.
Espero que a loira consiga enxergar quem é que ama ela de verdade.
Beijos querida.
Resposta do autor:
Oi Luh, vamos ver como ficam as mocinhas agora que Amim está se revelando né... Beatriz nem vai se importar de dar um fora nele.
Bjos e Obrigado pelo seu comentário.
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Mille
Em: 30/08/2016
Amin seu cretino só pensando nele, e esse psicologo aff outro anti profissional.
Rafa é capaz de tirar a loira e a ruiva para tentar amenizar o trauma, só com muita paciencia para a Bia se reerguer.
Bjus e até o próximo
Resposta do autor:
Olá Mille,
Infelizmente existem muitos profissionais como esse psicologo, e homens como Amim, que só pensam em si próprios. Rafaela realmente terá que ajudar as meninas.
Bjos Grata pelo seu comentário lind@.
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