Lírio de Pétala Laranja
- Pai ela não fez nada! Por que esse escândalo? Nós só estávamos conversando. - Foi quando eu senti o meu rosto queimando.
Ainda com a mão no rosto olhei para ele assustada foi a primeira vez que ele encostou a mão em mim.
- Não levante a voz para mim desse jeito. - Ele disse pausadamente com a voz cansada como alguém que acabou de correr uma maratona.
- Não-vai-acontecer-de novo. - Disse em meio ao choro.
- Não, não vai. Ela a parti de hoje não trabalha mais para gente.
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Já era tarde da noite quando ouvi vozes no corredor, eram meus pais e eu fui seguindo o som, andava a passos leves enquanto o piso brilhante de madeira fazia pequenos ruídos, cheguei próxima a porta da sala, as vozes foram se tornando menos que sussurros, agora já estava difícil ouvir.
- Isso é perigoso, Jorge. - Disse minha mãe.
O silêncio tomou conta do ambiente. Eles estavam na sala, apenas um abajur ligado. Então ouvi minha mãe dizer.
- Você não deveria ter...- A voz era baixa, eu mal entendia mas sabia que era da minha mãe.
- Fazem mais de 10 anos, Sofia. - O som era baixo e pesado.
- Pessoas com mortes infelizes sempre voltam a nos assombrar, querido. - Disse minha mãe, como alguém que lhe prega uma sentença a forca.
Lembro de sentir minha respiração pesada. Eu não entendia o que eles falavam mas a sensação era algo... Algo realmente ruim e eu sabia disso naquela época. Só não sabia o poder que esse tipo de intuição tinha em mim
Bati na mesinha que ficava na sala, não tinha notado que estava andando para trás.
Tudo ficou quieto. Ouvi passos pesados vindo em minha direção e desatei a correr, subi as escadas sem olhar para trás e tranquei a porta. Eles tinham me visto. Que droga, o dia estava ruim mas nada que eu não consiga piorar.
Eu não estava entendendo o que estava acontecendo, eu ouvi um amontoado de meias palavras como uma mistura de comidas jogadas no liquidificador. Não dava para diferenciar. O que é perigoso? Pode ter sido besteira mas, eu não sei não parecia besteira. O que é perigoso e será que isso tem haver com a minha briga com o papai mais cedo? E se...
Alguém bateu na porta. Saltei ao ouvir o som e a voz doce de minha mãe atravessou a parede.
- Clara, querida. Está acordada? Clarinha? - Ela estava nervosa, isso dava para saber sem ao menos olhar para ela. Fiquei quieta e depois de alguns minutos ouvi passos se afastando.
Quando acordei no dia seguinte, ouvi o som amigável de folhas sendo podadas .
Desci correndo, as pressas.
- Camila? - cheguei correndo e a abracei forte.
- Clara...Hã...Oi. - Ela falou sem jeito e eu a soltei imediatamente sem jeito
- Me desculpe, me desculpe eu achei que não viria.
- E por que não? - Ela me olhou confusa
- Não, nada. - Me consertei. - Já que somos amigas agora - Inventei outro assunto. - Você gostaria de ir a grande árvore hoje de novo?
Ela sorriu, ela fazia muito isso, ao invés de responder afirmativamente abria um sorrizão de dar gosto. Eu gostava disso.
Ela ia ser demitida, eu sabia, então resolvi fazer desse último dia pelo menos um pouco divertido.
Dei um tchauzinho e fui caminhando até dentro de casa, quando cheguei minha mãe estava na cozinha e meu pai sentado ao seu lado com um belo prato de panquecas cobertas de chocolate, ele não tocou no prato o que era estranho tendo em vista que é seu prato favorito, superando até galinhas caipiras com batatas.
O clima era pesado, desagradável, passei por eles e fui até a geladeira. Meu pai trocou olhares com mamãe que só consegui ver graças ao espelho do lado da geladeira.
- Clara, eu quero me desculpar com você. Perdi a cabeça, foi... Foi muita imprudência te... Muita imprudência da minha parte agir daquela forma. - Ele me olhava fixo nos olhos.
- O que você tem contra a Camila? - ataquei.
- Só acho que você deveria andar com pessoas mais parecidas com você. - Ele desviou os olhos. A pergunta lhe pegou de surpresa.
- Eu acho que você não deve se preocupar com isso, pai. Você não gostava dos meus amigos até um ano atrás... Não me lembro de você me bater por causa disso. - Meu olhar era firme no dele.
- Como eu disse... Peço desculpas por ontem. - Eu pude ver as veias do seu pescoço pulsar mais forte .
Perdi a fome, isso tudo era absurdo para mim. Ela nunca fez mal a ninguém daquela família e eles a tratavam como se fosse o pior tipo de ser humano que existe. Olhei para o espelho procurando tirar os olhos dos dele e pensar sobre o que pediria em seguida, quando tornei a voltar os olhos para ele, eu estava mais calma mas mesmo assim, decidida.
- Você vai demitir ela?
- Ela não pode ficar aqui, causando todo esse problema.
- Ela não fez absolutamente nada. - Minha voz aumentava gradualmente. - Você causou isso tudo, não foi ela que gritou ou me bateu ou ameaçou. Desde que ela chegou aqui ela não fez mais nada que não seja o trabalho dela!
Ele me fitava com olhos raivosos, senti um arrepio subir pela nuca.
- Ela não vai ser demitida, filha. - Interrompeu minha mãe.
- Não vai? - Olhei para o meu pai em tom de desafio.
- Não.
Eu tentei esconder a alegria que sentia por dentro apesar do transtorno daquela conversa.
Subi para o meu quarto ignorando toda aquela conversa, havia coisas com a qual eu queria pensar agora, como... Que roupa eu vou usar para sair com a Camila? Ela costuma cuidar com mais carinho das rosas brancas, quem sabe seja sua cor favorita.
E nesse meio tempo, por cansaço ou alivio. Cai em um sono pesado e fui acordada pela minha mãe dizendo que Denise, minha amiga que vem as vezes na cidade me visitar estava na sala.
- Você está a um passo de sentir meu gancho de direita.
- Te acordei? - Ela riu.
- Essas belas olheiras não são ganhas de graça, querida. - Dei um abraço e baguncei seu cabelo. Coisa que ela amava... No sentido contrário da palavra.
Fomos até meu quarto servidas de chá gelado. O calor estava de matar.
- Me diga a que devo o desprazer da sua visita? - Sorri debochando.
- Algumas de nós não somos sustentadas pelo papai rico. Fui a uma entrevista de emprego aqui perto e resolvi piorar o meu dia.
- Uau que incrível. - Ignorei o insulto. - E como foi?
- É...- Ela olhou pro lado e entortou a boca. - Rimos enquanto tentava terminar o chá antes de arriscar cuspi por rir tanto.
- Eu pensei mais em passar aqui e irmos ao cinema, aposto que deve estar passando algum filme que a gente não viu duas vezes.
- Ah.. - Ri levemente com o canto da boca. - Na verdade hoje não dá, eu vou sair mais tarde.
- Hum... - Ela ergueu a sobrancelha. - É mesmo e com quem? - Sorriu com malícia.
- Não pense besteira, eu vou sair com a Camila. Você pode me ajudar a escolher uma roupa, eu ainda não me decidi.
Ela ainda me olhava como quem tentava ler meus pensamentos.
- O que foi?
- Você... Está bem? - Disse ela com cuidado mas ainda com ar de dúvida.
- Que tipo de pergunta é essa, Denise? Estou por que? - Respondi fingindo impaciência.
- Isso é um encontro?
- O que!? Claro que... Óbvio que não que pergunta absurda... Da onde você...Qual o seu... Ah por favor me poupe, Denise. - Pude sentir meu rosto queimando, mesmo não entendendo por que me sentia tão nervosa por ela chegar aquela suposição.
- Oh meu deus isso é um encontro. - Ela começou a gargalhar depois de jogar uma almofada em mim.
- Não é, ela é uma menina você está louca. - Agora eu sabia que ela devia estar vendo o vermelho nas minhas bochechas, meu rosto todo queimava.
- Hum, é mesmo? Eu sei que é, mesmo que você não saiba.
- Ah jura? E como chegou nessa conclusão idiota?
- Você não me convidou, se vocês são só amigas então por que não me chamou? E com certeza eu nunca vi você tão preocupada em estar bonita para ver uma amiga.
- Você quer ir?
- Não, obrigada. Aproveite seu encontro. - Ela riu de novo enquanto ia em direção a porta e saiu.
- Não é um encontro! - gritei antes que ela saísse.
Denise, tinha muitas amigas lésbicas mas eu não era uma delas. Não mesmo, eu estava realmente ansiosa para sair com a Camila, mas só por que ela era divertida.
Isso não era por nenhum motivo em especial, mas o que ela disse... Eu sempre estava ansiosa para ver ela e sempre queria estar bonita, mas isso era normal não era?
Eu quero estar perto dela. Minha cabeça a essa altura estava explodindo. Eu obviamente gostava da Camila, mas não desse jeito. Como é gostar desse jeito? Eu nunca senti nada por nenhum menino, mas com certeza era diferente.
Quando tentei vislumbrar o rosto da Camila, eu sorri.
Eu queria conhecer ela melhor, era só isso. Só isso.
Aguardei até a hora de me encontrar com ela, já no fim do seu expediente.
- Pronta? - Fui até o jardim, tentando não sorrir muito.
- Eu quero tomar um banho antes, tudo bem se passarmos em casa?
- Ah. - senti meu rosto queimando de novo. - Ok.
Fomos caminhando e ela me disse sobre algumas flores que queria tentar plantar um dia, como o dia estava bonito e...me perguntou sobre Denise
- Aquela garota é sua amiga?
- É sim, o nome dela é Denise. Somos amigas a bastante tempo e as vezes ela vem me visitar.
- Ela é bonita. Ela mora longe?
- Mora. - O que era aquilo, eu estava com raiva? Raiva de que? Eu só queria que ela não estivesse com interesse na Denise.
- Você está bem? Seu rosto está um pouco vermelho.
- Estou bem sim. Sua casa é longe? - Mudei de assunto.
- Virando a rua. - Ela sorriu, parece que meu rosto vermelho divertia ela.
A casa dela era... pequena, parecia frágil também como se um sopro fosse o suficiente para derrubar a estrutura inteira, mas era bonita, coberta com madeira e uma pequena varanda que cercava a frente. Havia dois velhinhos na frente sentados em uma cadeira de balanço. Típico.
- Oi, gente. Trouxe visita. - Ela olhou para mim antes de ir dar um beijo na bochecha de cada um deles.
- Oi. - Estiquei e balancei a mão em um pequeno olá.
- Olha que jovem linda, amor. - O senhor sentado no lado esquerdo sorriu para mim.
- Bonita mesmo, qual é o seu nome, flor? - A senhora sorriu enquanto perguntava.
- Clara, senhora.
- Vou tomar banho, sejam bonzinhos com ela. - Camila saiu me puxando pelo braço e me fazendo sentar no sofá enquanto o casal de velhinhos vinham seguindo pela porta.
- Onde você mora, Clara?
- Só a algumas ruas daqui senhor.
- Desculpe não reconhecer você, na verdade - Ele riu para a senhora. - Não conhecemos mais ninguém.
- Eu entendo, as pessoas daqui são horríveis. - Falei me incluindo com vergonha.
- Elas são, é por isso que queremos que Camila saia logo daqui e tenha uma vida cercada de gente melhor - Ela se levantou aparentemente para pegar chá.
- Sair ? - Acho que a informação me pegou de supresa. Eu deveria imaginar que ela iria querer viver em outro lugar, um onde ninguém fosse tão imbecil.
- Ela está tentando sair da cidade a alguns anos, você deveria também. Não se pode ficar nesse lugar a vida inteira. A muitas outras coisas por esse mundo.
- Mas vocês ficaram.
- A coisa que mais queríamos nos conseguimos com a Camila. Então tudo foi mais fácil.
Sorri, era bonito como eles falavam dela. Era fofo quando sorriam um para o outro. Não me lembro de ver meus pais dessa forma alguma vez.
- Quem são seus pais querida? - Disse a senhora.
- Jorge e Sof...
- Ahh... Imaginei, você lembra muito seus pais. - Disse ela me interrompendo.
- Conhece eles?
- Sim, conheci seus pais quando eram muito jovens. Ele e o Alberto meu filho eram grandes amigos.
- Alberto?
- O pai da Camila.
- O pai dela era amigo do meu?
- Não amigo, eles eram unha e carne.
Aquilo me veio como uma porr*da, meu pai já foi amigo do pai de Camila, mas agora ele odiava qualquer coisa relacionada a Camila. Por que?
Isso me levou a noite anterior, aquele ódio não era normal, já vi ele ter preconceitos com muitas coisas e desgostar de várias outras. Mas ao ponto de ameaçar alguém de morte? De ficar fora de si. Eu não entendia e quanto mais eu pensava menos eu entendia. Ela como um bola de lã, que quanto mais eu tentava desenrolar...mais ficava preso na agulha.
- Vamos? - Camila apareceu sorrindo na porta
Ela estava linda, usava uma camisa branca e uma calça simples. Mas talvez por ser já muito bonita aquelas roupas simples a deixaram mais... Chamativa.
- Se divirtam meninas. - Disse o senhor enquanto Camila andava porta a fora esperando que eu a acompanhasse.
Andamos um tempo em silêncio, a verdade é que eu ainda não sabia como puxar assunto com ela. Obviamente esse não era um problema para ela.
- O que aconteceu com seu pai ontem? - Perguntou casualmente.
- Bom.. - Senti o rosto arder. - Ele estava... Um pouco bravo. - Conclui com muita luta.
- Um pouco? Achei que ele fosse te bater, pensei até em seguir vocês para ver se você ia ficar bem.
Minha cabeça latejou com as palavras dela.
- Eu estou bem, ele não faria nada. - Forcei um sorriso.
- Ele sempre fica assim quando você se atrasa pro jantar?
Não consegui responder apenas olhei para ela tentando pronunciar alguma coisa.
- Era por mim, não era? - Havia um tom melancólico na voz dela.
- Eu sinto muito. - Eu não sabia responder.
- Acho que agora entendi quando você disse que foi acostumada a pensar assim. - Ela sorriu com o canto da boca. - Talvez seja melhor que não sejamos amigas, eu não quero causar problemas.
- Não! - Meu grito em exagero escapou antes que eu pensasse.
- Quer dizer, isso é um absurdo, você não fez nada e eu já sou maior de idade. Eu estou gostando da sua amizade.
- Gosto da sua também, Clara. - Ela sorriu, mas ainda havia uma certa tristeza no seu sorriso.
Caminhamos por algum tempo e quando notei estávamos em um caminho totalmente diferente do que levava a grande árvore.
- Espera, a gente errou o caminho.
- Uau você demora para perceber heim. - Ela sorriu
Fui notando a dificuldade que eu sentia em me concentrar quando ela estava por perto. Como de costume...fiquei vermelha.
- Quero te mostrar um dos meus lugares favoritos, já estamos chegando. É perto do riacho.
Era lindo eu morei aqui a vida toda e nunca tinha visto um lugar como aquele. O riacho estava adiante mas antes havia um lugar parecido com um pequeno bosque mas cheio de flores, lindas uma mais linda que a outra e eram tão coloridas.
- Parece que alguém gostou. - Ela me olhou sorrindo
- Caramba que lugar incrível, como eu nunca tinha visto algo assim antes? - Falei olhando em volta maravilhada.
- Por que a maioria dos baderneiros vinham fumar maconha e beber aqui. Então a maioria evitava falar até pro seus filhos sobre esse canto. Descobri por que meus pais nunca me falaram obviamente. - Ela continuou sorrindo.
- Desculpe perguntar. - Parei já me arrependendo de ter começado.
- Quer saber como eles morreram?
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Fim do capítulo
Gente desculpa,desculpa meeeesmo a demora. Ando com o tempo corrido mas eu continuei escrevendo. Boa parte da história já está pronta só falta postar então vai sair com frequência ta. Me desculpem.
Comentar este capítulo:
line7
Em: 31/08/2016
Opa misterios, será q pai de Clara têm a ver com a morte dos pais de Camila? Demorou mas voltou..rss. e da bem, elas são lindas juntas, e Clara encarando o seu pai q por sinal é bem preconceituoso, aí têm, bem curiosa aqui. Rss, Clara é super normal se arrumar pra ficar mais linda e ficar mais cherosa o possivel pra um simples encontro com uma amiga..kkk. abraço linda até breve:)
lia-andrade
Em: 28/08/2016
Os pais delas foram amigos, fiquei surpresa. Mas pq será que o pai de Clara tem esse ódio todo de Camila?🤔🤔🤔
São lindas juntas ðŸ˜ðŸ˜ðŸ˜
Beijos
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