Bárbara por Nyna Simoes
Capítulo 1 - O imprevisto já esperado
“Nunca imaginei que me sentiria assim ao lado de uma mulher, nem de qualquer outro ser humano. Mas era ela, ímpar, singular, exclusiva. Três qualidades apenas para mim, porque a amava. Para os outros era ela, como todas, igual a todas apenas com uma pitada de pimenta. Sou alérgica a pimenta. Sou alérgica a ela, mas ao mesmo tempo tenho uma dependência dela, inexplicável. Ela, dela... Eu poderia escrever um livro e seu título seria “ELA” que ainda assim saberia que era para Bárbara. Atriz. Ficção e realidade, palco e tela. Já se apaixonou por uma atriz? E quando percebeu que ela poderia te enganar por muito tempo, vestindo sempre uma personagem pra você? Não se preocupe, você ainda vai descobrir, ou não”.
Desabafo de Carol, meses antes do início dessa história
Carol estava chegando em seu apartamento, depois de uma longa manhã conversando banalidades com aquele que insistia em chamar de “melhor amigo” quando mais ninguém usava este termo. Ele tirava fotos em PB que nada tinham a ver com a sua personalidade, mas faziam sucesso. E um almoço com sua mãe que não parava de falar sobre suas dores e tristezas. Tudo que desejava agora era sua cama, queria deitar e dormir até o dia seguinte.
Pegou suas chaves no bolso e entrou no seu apartamento. Percebeu um leve aroma diferente em sua casa, não podia ser seu namorado, aquele perfume era de mulher e ela conhecia. Chegou na sala e deparou-se com Bárbara em pé, debruçada na janela, olhando alguma coisa lá fora. Não há descrição do que sentiu. Bárbara era sua ex de muitos anos atrás, uma mulher que por várias vezes sumiu e apareceu, brincou de malabarismo com o coração de Carol, porque sabia que independente do que acontecesse, aquele coração lhe pertencia.
Atônita, Carol encostou-se na parede, e deixou que a frase saísse lentamente de sua boca.
- Bárbara? O que você tá fazendo aqui?
Ao ouvir a voz de Carol, Bárbara virou-se surpresa, como se não esperasse que ela chegasse naquele momento. Mas como era de se esperar, ela jamais se deixava dominar pelas emoções.
- Eu vim pra conversar com você.
- Conversar o que?
- Conversar sobre... Você não tá feliz em me ver?
Carol morria de medo daquela pergunta. Na verdade, não sabia respondê-la, ou até sabia, mas achava que Bárbara não merecia sua sinceridade, já que por tantas vezes, ser sincera não funcionou. Mas tinha que falar, não podia continuar com aquilo preso em sua garganta. Deu um suspiro e respondeu calmamente.
- Eu deveria? Você some durante 1 ano, aparece uma noite num bar, fala que tava por aí, eu te dou meu endereço você diz que vai me ver no dia seguinte, não aparece. Depois some por 2 anos de novo, e agora tá aqui. Aliás, como você entrou?
- Pela porta
Como assim? Como ela havia entrado pela porta, a porta estava trancada, ela mesma usou as chaves para entrar, enquanto pensava nisso, Bárbara completou.
- Eu não esqueci que você deixa a chave reserva embaixo do tapete.
Lembrar dos seus costumes? Decididamente preferia que Bárbara a tivesse esquecido, bem como os seus costumes, suas manias, seus carinhos e o jeito derretido que ficava quando estava com ela. Precisava sair da companhia dela o mais rápido possível, ou melhor, tirá-la de lá. O tempo passou e agora ela namorava um homem que, ao seu ver, era perfeito e não podia deixar que nada estragasse aquilo que havia construído com tanto esforço. Decidiu não responder, e preparar um café. Café era a única coisa que a acalmava.
- Eu li o seu livro – disse Bárbara subitamente, enquanto Carol colocava a água do café para esquentar.
- Geralmente quando um livro é publicado, é para que as pessoas leiam.
Aquela conversa precisava acabar o mais rápido possível, mas o pior era que Carol sabia que não terminaria por ali. Teve certeza disso quando ouviu o barulho da cadeira se arrastando, Bárbara sentaria e tentaria prolongar ao máximo aquela conversa. Carol não podia deixar.
- Carol, por que você tá me tratando assim? Bárbara perguntou.
- Por que VOCÊ tá me tratando assim? Você acha que eu sou o quê, pra você ficar brincando de sumir e aparecer?
- Ai, ai, é sempre a mesma coisa... São 16h – disse Bárbara consultando o relógio - você não vai tomar café?
Carol apontou para água fervendo.
- Vou, olha eu te dou dinheiro, você sai e toma café na padaria aqui embaixo tá bom? Depois disso você pode sumir de novo e pra sempre que eu não vou me incomodar.
Bárbara levantou-se e seguiu na direção de Carol. Não, aquilo estava errado, elas não podiam ter contato físico. Fugir, fugir, fugir, era tudo que passava pela cabeça de Carol, enquanto na de Bárbara provavelmente passava atacar, atacar, atacar. Carol foi pra sala e, Bárbara insistentemente foi atrás.
- Por que não podemos conversar?
- Porque a gente não tem nada pra conversar – Carol finalmente percebeu diversas malas jogadas no chão da sala - O que são essas malas?
- São minhas.
- Ah, você vai viajar? Ótimo!
- Já viajei.
- É mesmo? Pra onde?
- Pra cá.
- Você tá brincando comigo né Bárbara?
- Não.
Sua casa não era uma pensão, muito menos um abrigo para ex. Não podia concordar com aquela loucura. Sua ex e seu atual namorado embaixo do mesmo teto. Nunca! Mesmo porque seu namorado sequer imaginava que ela tinha uma ex-namorada. Foi para cozinha, terminar o café e pegar uma xícara, Bárbara seguiu atrás.
- Você vai embora daqui agora.
- Não, eu não vou até a gente conversar.
- Então fala logo o que você quer conversar.
- O café?
Carol sabia que não podia proibir aquilo que era praticamente um ritual entre elas, o famoso café. O mesmo vício que as unia de vez em quando. Bárbara se serviu, abrindo os armários de Carol, em busca de uma xícara, como se estivesse em sua própria casa. De certo modo, ela sabia que Carol era a sua casa, e onde quer que ela estivesse, Bárbara estaria bem. Mas pensando assim, Carol foi categórica, mesmo sem ter coragem de olhar pra cara daquela que estava em sua frente.
- Pronto, já está tomando a merd* do seu café, agora fala logo e vai embora.
- Nossa, eu estava com saudade do seu café... Bom, eu não sou assim, eu sou diferente.
- Que?
- Do livro.
- O que tem o meu livro?
- Eu sou diferente do seu livro, não sou aquela que você descreveu.
Calmamente Carol levantou-se recolheu as xícaras e foi para a pia lavá-las, assim de costas seria mais corajosa, como se sua posição em relação à Bárbara importasse, já que estavam no mesmo cômodo.
- O que te faz pensar que eu estava falando de você?
- É óbvio.
- O que tem de óbvio ali?
- Nossos diálogos, eu, você.
- Você realmente leu o meu livro?
- Tô aqui por causa dele. Eu não sou daquele jeito, você me descreveu como se eu fosse uma psicopata, neurótica de dupla, tripla personalidade.
- E o que você não é de tudo isso que você acabou de citar?
- Eu não sou nada disso.
Carol teve vontade de gritar e falar tudo aquilo que esteve guardado por tanto tempo em sua garganta, todo aquele choro engasgado, aquele vômito preso, mas decidiu tomar uma posição diferente. Engoliu mais uma vez o que estava ali para sair, enxugou as mãos no pano de prato, reparando agora que teria que lavá-lo, virou-se para Bárbara, encostou-se na pia e calmamente disse:
- Pronto, já conversamos agora pode ir embora.
- O que você quer de mim?
- Agora? Que você vá embora.
- Antes
- Antes eu queria... Sei lá o que eu queria, e agora também não faz mais diferença, você não pode mudar todas as coisas que fez no passado.
- Quem tá falando em mudar alguma coisa?
“Preciso pensar, como eu tiro essa mulher daqui? O que ela está fazendo aqui? Se eu responder a pergunta dela, ela vai embora? Claro que não, ela vai arrumar mais perguntas pra ir ficando...” Ao mesmo tempo em que Carol pensava isso, seu coração queria mais do que tudo que Bárbara continuasse ali. Decidiu sair da cozinha e ir para sala. Sentou-se num dos sofás e Bárbara foi atrás, sentando-se de frente para ela.
- Vai ficar querendo, eu já contei meus sentimentos pra você uma vez e você foi embora, sumiu. Pra que vou fazer isso de novo?
- Porque eu tô pedindo.
- Chega. Vai embora.
- Eu não vou embora, eu quero saber por que você me fez daquele jeito.
Foi o suficiente para que Carol perdesse a paciência, levantou-se com certa agressividade, e ali parada em frente àquela mulher que tanto a fizera sofrer, sentiu-se ao menos uma vez, maior que ela. Dona de seus próprios sentimentos, e tinha que agarrar aquele sentimento o quanto pudesse, porque sabia que qualquer derrapada a faria desmoronar e cair, sem volta, nos braços de sua ex.
- Bárbara! Você invadiu minha casa, espalhou um monte de malas pela sala, pra quê tantas malas? Veio com um papo de que é diferente do que eu escrevi no meu livro, sendo que eu não te devo satisfação alguma do que eu escrevo ou deixo de escrever. Você não tem que me cobrar de nada, nem amigas nós somos, aliás, nunca fomos. Não sei nem o que fomos, fomos um nó que eu não consegui desfazer e esqueci!
Depois desse desabafo, correu para janela e ali permaneceu, como se lá fora estivesse sua força pra continuar. Estava decidida, continuaria ali, até que Bárbara fosse embora, sem importar o que falasse. Carol não olharia mais para trás.
- Esqueceu? Mesmo? Duvido!
- Será que você não percebe que eu não quero falar com você?
- Cadê hein Carol? Cadê aquela pessoa que me amava tanto, que faria as maiores loucuras por mim, que eu servia como inspiração, que me escrevia em todas as linhas que escrevia?
- Talvez esteja no último livro que você leu.
- No seu.
- Pois é, eu fiquei naquelas páginas.
- E eu?
- Sei lá de você, você está na minha casa tentando negar uma coisa que é verdade.
Bruscamente Bárbara levantou-se e com toda sua gesticulação exagerada tornou ainda maior o que gritava no centro da sala.
- Você, você é tão patética, você pensa que eu não sei que você só fazia questão da minha presença pra ter inspiração?
- Agora eu sou a patética? Você vive dizendo coisas sem sentido nenhum, tendo atitudes egoístas, não se prende a ninguém e...
- Ah, tá vendo. Eu sabia que a gente ia chegar nessa parte!
Tentando controlar sua emoção, interrompendo o choro que estava pronto pra sair, Carol foi até a porta do apartamento e abriu, pedindo que Bárbara fosse embora, que outro dia poderiam conversar melhor. A mistura de sentimentos, estava cortando Carol por dentro, como se ela tivesse engolido cacos de vidro. Queria apenas proteger seu choro do olhar impiedoso de Bárbara. Mas esta, como era de se esperar, foi de fato, impiedosa.
- Eu não vou voltar nunca mais se eu sair por essa porta agora!
Instintivamente Carol fechou a porta, foi tomada por um impulso. Sentiu-se como um cachorro, na teoria de Pavlov, ouviu uma ameaça de nunca mais ver Bárbara e imediatamente voltou atrás. Como se o dono dissesse a um cachorro “Só vou te dar o biscoito se você sentar” – e o cachorro senta.
Voltou para sala e ali em frente à Bárbara, baixou sua guarda.
- Tudo bem. Você está rodeando, rodeando, e só falou a mesma coisa duas vezes que você não é do jeito que eu te descrevi. E daí? Agora já foi já está publicado, não tem como voltar atrás.
- Você acredita que eu seja daquele jeito?
- Se eu escrevi...
- Você acredita em tudo que escreve?
Qual conversa entre elas não se estenderia? Sempre foi assim, uma das duas sempre arrumava um motivo para que a outra não a deixasse, até que Bárbara cansasse de brincar de Tom e Jerry e sumisse. Carol já havia até perdido as contas de quantas vezes Bárbara fizera a mesma coisa, mas sempre manteve a esperança de que ela voltaria e ela sempre voltou. Talvez não fosse uma esperança, mas sim uma certeza. Nas últimas vezes, Carol nem chegou a ficar tão ruim quanto ficava nas primeiras, sabia que estes sumiços repentinos de Bárbara eram “defeito de fábrica”, só não sabia se tinha que se acostumar com isso ou procurar gostar de outra pessoa. Mas a vida vai mostrando os caminhos e, de vez em quando nos fazendo escolher coisas que em nosso juízo perfeito, jamais escolheríamos. A vida não, desculpe-me o erro, a bebida.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: