Rafaela não sabia o que era pior a ressaca física ou moral, há alguns minutos já não prestava mais atenção nas palavras do diretor Borges. Despertar na cama de Pâmela, não havia sido pior do que encontrar o libanês de samba canção na cozinha de Beatriz. Ela havia quebrado todas as regras, se excedera na bebida e dormira com a melhor amiga de Bia. Poucas lembranças povoavam em sua mente, mas a imagem de Beatriz na piscina se esfregando no libanês parecia assombrá-la. Ela bem que tentou resistir as provocações de Pâmela, mas ver a loira na piscina foi o que bastou para grudar seus lábios na boca carnuda da ruiva. Oh. Meu. Deus. Como faria para encarar as duas agora? Pior, nem se lembrava do gosto da ruiva. Passou as mãos no cabelo e encarou o diretor a sua frente, seus pais sempre lhe ensinaram que não era legal deixar uma pessoa falando sem olhar nos olhos, ela já estava cansada daquela seção de tortura, quando ouviu a palavra dispensada.

Fechou a porta do diretor as suas costas, no corredor, onde algumas enfermeiras fingiam que conversavam Amim a aguardava de braços cruzados.

- Parabéns doutora Ferraz, você sobreviveu ao trote dos residentes – ele aplaudiu sorrindo, enquanto ela fechava a cara.

- Você é um babaca Amim...

- Espera aí doutora, aonde pensa que vai? Temos uma cirurgia agora.

- Se vira, chama outra pessoa, fui afastada, seu tio não quer escândalos no hospital.

Rafaela apertou os passos no corredor e deixou o médico para trás. No estacionamento pensou em ligar para Laurel.  Já estava com saudade da voz calma da mãe. Ela apoiou a cabeça no volante da suv e suspirou. Laurel sempre sabia o que falar nessas horas. Lamentou não ter a mesma elegância da mãe para sair de situações constrangedoras. Sorriu. Dificilmente Laurel se veria numa situação dessas.

A ligação foi rápida, apenas para matar a saudades e se sentir amada. Era bom saber que tinha um lugar para voltar, um refúgio para as horas de angustia, um lar onde havia pessoas que a amavam independente de julgamento. Ela poupou Laurel sobre os recentes acontecimentos. Sabia exatamente o que deveria fazer e não precisava ouvir mais sermões.

Olhou em direção a rua, onde carros transitavam num vai e vem frenético de uma segunda-feira normal. Girou a chave da ignição e partiu em direção ao bistrô. Era hora de encarar seus problemas.

***

- Droga, droga.

Beatriz trincou o copo ao colocar no descanso.

- Ei calma aí Bia...

Pâmela fechou  a torneira cessando o jato de água.

- O que foi? Quer conversar? – ela encarou a loira, e Beatriz bufou.

- Não foi nada.

- Como nada Bia, é o terceiro copo que você quebra hoje.

- Eu estou irritada.

- É tô vendo e por isso vai detonar com todos os copos do Bistrô.

Beatriz enxugou as mãos no guardanapo e olhou pra Pâmela.

- Como ela é?

- Hã?

Ela revirou os olhos.

- Vai Pâm me conta como Rafaela é na cama?

- Ai meu santinho Bia, não tô acreditando, você tá com ciúmes da doutora?

- Não é isso.

- Como não? Vai, desembucha.

- E que... ave Pâm... foi um desastre ontem...

- Hum o doutor não deu no coro?

- Não foi isso... é que...

Pâmela arqueou as sobrancelhas esperando ela concluir.

- É que não consegui relaxar sabendo que minhas duas melhores amigas estavam se pegando no quarto ao lado. Pronto falei...

Pâmela fez cara de séria, tentou segurar o riso, levou as maõs a boca e no fim começou a gargalhar

- Para...

- Pâm quer parar... vc já está assustando os clientes...

A ruiva recuperou o fôlego e depois avisou:

- A gente não se pegou loira, fica sussu, a médica é toda sua.

- Como assim? Não se pegaram?

- Shiii fala baixo... a Rafa dormiu meu bem... estava meio chapada. Eu vim dirigindo. Ela caiu  na cama e dormiu feito um anjo, mas... Dra. Delícia manda muito bem nos beijos...

- Eu não estou interessada.

- Como assim Bia? Agora mesmo queria saber como foi a performance dela na cama.

- Eu, eu... não sou desse tipo... – ela se enrolou

- Ahamm

- Eu gosto do Amim. Vou me casar com ele.

- Sei...- Pâmela revirou os olhos. - então o que aconteceu ontem, ou não aconteceu?

- Eu não quero falar - Beatriz se concentrou na louça novamente, mas cenas da noite anterior ocuparam sua mente.

- Para Amim..., para já disse que não estou afim.

- Como assim Bia? Me provoca a tarde toda com esse biquininho e agora vai fazer doce?  Vai, relaxa que você vai gostar.

Sem querer, seus olhos se umedeceram.

- Ah meu Deus Bia, não vai me dizer que aquele troglodita te pegou a força?

- Não foi isso..., não foi a força, provoquei ele, eu sempre quis que isso acontecesse.

Pâm não se deu por convencida e balançou a cabeça.

- Beatriz Siqueira, em que mundo você vive criatura? Não lê jornais, não acompanha notícias, internet, redes sociais... a mulher pode estar pelada, se ela não quer, isso é uma violência contra ela.

 - Sou noiva dele Pâm.

- Piorou. Aí que ele devia respeitar seus desejos, se a mulher não está a fim, não está e ponto. Isso não vai ficar assim, vou ter uma conversa com ele.

- Não vai nada...

Um grupo de rapazes entrou no bistrô nesse momento e interrompeu a conversa das amigas. Pâmela se levantou para atender, mas um deles gritou:

- A gente quer a loira!

Elas trocaram olhares.

- Quer que eu vá?

- Não, pode deixar...

Beatriz caminhou até a mesa com o bloquinho na mão e cara de poucos amigos. Os rapazes começaram a mexer com ela, fazendo piadinhas de loira. Ela engoliu seco e continuou a atender se fazendo de indiferente. Era só o que lhe faltava para completar o mal humor... já não bastava a noite horrível que tivera. Planejara tanto estar num momento íntimo com o noivo, e tudo pareceu desandar. Não que tivesse sido ruim, não foi... ela balançou a cabeça. A quem estava querendo enganar?  Fora horrível!  Tá certo, eles beberam demais e saber que Pâm e Rafa estavam no quarto ao lado em possíveis cenas eróticas, também não ajudara em nada. Enfim ela não conseguiu relaxar, e teve que fingir um orgasmo, enquanto o libanês se desafogava.  Não conseguia entender o que se passava com ela, mas era ruim, muito ruim, toda a sensação de felicidade ao rever Rafaela havia sido substituída nas últimas horas por angustia e ansiedade. Um vazio no peito, como se nada mais estivesse no lugar certo. Tentou se concentrar no pedido do rapaz de boné a sua frente, mas o barulho de um carro estacionando lhe roubou a atenção, era Rafaela, ela sabia. Seu ouvido já havia se acostumado com o som do motor daquele carro.

Impossível deixar de notar ela entrando. O olhar azul percorreu o salão e cruzou com o seu. Por alguns instantes se encararam, sorriram, e tudo pareceu estar perfeito novamente.

Fim do capítulo