Capítulo 5
Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 5
São Paulo 2012
Ao encontrar o endereço que procurava, Daniela sentiu vertigens horríveis. Dificilmente, um apartamento em uma das áreas mais movimentadas de São Paulo seria o cenário ideal para uma pessoa humilde, vinda do campo, onde os únicos barulhos a que estava acostumada a ouvir eram os cri, cri dos grilos e os coach, coach dos sapos.
Apesar do seu estilo moderninho, gostar de um palavrão, sem falar nos vícios por doces, chocolate, bala de menta e cerveja, estava assustada com a vida frenética dessa enorme cidade metropolitana. Uma cidade do interior tem valores tradicionais, e um ritmo de vida muito mais lento. Bemmm... Mais lento.
Estacionou a moto em frente ao prédio, tirou o capacete e colocou a boina do super Mario.
-- As pessoas daqui da cidade é tudo burra. Eles põem uma casa em cima da outra e escreve: "Édifício" -- riu sozinha admirando a quantidade de prédios que havia naquela rua.
-- Ei moça, procurando por algo? -- um rapaz perguntou da portaria do prédio.
Daniela se aproximou dele tirando a mochila grande e surrada das costas.
- O prédio eu achei. Vim parando de esquina em esquina perguntando. Cada pessoa que eu parava para perguntar, eles logo me davam os relógios e o dinheiro. Não entendi nada, mas agradeci os presentes deles.
O rapaz sorriu.
-- Me deixa ver o endereço.
Daniela entregou o papel para ele.
-- Hummm... -- ele fez uma careta estranha e devolveu o papel para ela -- Vou te levar até lá, ainda está em tempo de desistir. Tem certeza que é isso que realmente quer?
-- Não tenho certeza? Aliás, por mim não tinha nem vindo, mas porque eu deveria desistir? Tem algum problema com o apartamento?
-- Com o apartamento não, mas com as moradoras... -- falou balançando a cabeça e caminhando em direção ao elevador.
-- O que tem as moradoras? -- Daniela caminhava atrás dele.
-- São umas malucas, drogadas e imorais -- parou diante da porta do elevador e tocou no botão -- Ninguém consegue entrar naquele apartamento devido ao cheiro.
-- De maconha? -- perguntou assustada.
-- Acho que sim -- deu de ombros.
-- Escutei meu vô falando pro meu pai que o cigarro faz mal porque é industrializado. A maconha é feita por Deus.
O homem olhou sério para ela.
-- Seu avô era maconheiro?
-- Claro que não. Imagina -- entraram no elevador -- Ele plantava.
-- Outra louca! Parece que esse apartamento é amaldiçoado -- saíram do elevador e pararam diante de uma porta -- Só venho até aqui -- disse e se virou para sair.
-- Vai me deixar aqui sozinha? -- olhou incrédula para a porta fechada.
-- Se virá -- foi à única coisa que falou antes de entrar no elevador.
Daniela levou o dedo até o botão da campainha várias vezes e não teve coragem de apertar.
-- Eu vou matar a Roberta... -- finalmente tocou a campainha.
A porta se abriu e uma moça loira a recebeu.
-- NAMASTE!!! -- berrou.
Daniela se encolheu. A loira tinha cabelos longos, e olhos incrivelmente azuis, vestia-se com uma espécie de tecido enrolado ao corpo formando um vestido. A garota sentiu-se um ratinho diante da loira. Parecia ter diminuído alguns centímetros diante dela.
-- Tomate pra você também - falou baixinho.
-- NA... MAS... TE!!! -- repetiu impaciente -- "O deus que existe em mim, cumprimenta o deus que existe em você!".
-- Hum, é bom que os dois façam amizade mesmo. Por que nós duas...
-- Eu hein! -- Uma careta seguiu-se a um exame minucioso da calça rasgada, da camiseta de banda, dos tênis All Star, da mochila surrada e da boina de super Mario -- Você é o cogumelo que faz o Super Mário crescer?
-- Não! Eu sou a Kitana que dá Fatality no Mortal Kombat.
-- Grossa! Afinal quem é você? Se estiver vendendo livros já vou adiantando que também sou vendedora. Tenho um quarto cheio de livros encalhados.
-- Me chamo Daniela Pauly, a veterinária Roberta negociou a minha vinda para esse apartamento.
-- A senhora Dolores falou que você viria, ela é a síndica do prédio -- saiu da frente da porta e deu passagem -- Entra aí. Sou a Paula.
Assim que entrou Daniela começou a tossir.
-- Que cheiro é esse? -- tapou o nariz com a mão -- Você fuma maconha?
-- Ai meu Deus -- a altona bufou -- Que mundo você vive? Ô matuta -- foi até a janela e a abriu -- É incenso, e vai se acostumando, acendo todos os dias pela manhã na hora de entoar o mantra.
Daniela foi até a janela e respirou fundo buscando o ar puro que entrava.
-- Hare krishna/Hare Krishna/Krishna krishna/Hare hare/Hare rama/Rama rama/Hare hare -- a loira entoava em voz baixa diante de um pequeno altar na sala.
-- Olá!
Daniela sentiu um toque de leve no ombro e se virou.
-- Olá! -- respondeu ao cumprimento.
-- Você deve ser a Daniela, não é mesmo?
-- Sou -- sussurrou para não atrapalhar a oração da loira.
-- Me chamo Marjorie, vamos sentar um pouco, você deve estar cansada da viagem.
Enfim um ser normal. Pensou Daniela.
-- Estou preparando os cartazes para a manifestação de hoje à tarde. Organizaremos a maior greve da história dessa universidade. Se precisar ficaremos acampados em frente à reitoria, sem comer e sem beber.
Retiro o pensamento. Daniela sentou-se.
O sofá de pano vermelho, ao lado de uma mesa de vime, era confortável. Mas Daniela não conseguia ficar parada, mexia os pés, esfregava as mãos.
-- Hare krishna/Hare Krishna/Krishna krishna/Hare hare/Hare rama/Rama rama/Hare hare -- Paula passou em direção a cozinha.
-- Quem é aquele? -- apontou para uma pequena imagem de um homem com quatro cabeças sentado num cisne.
-- Ahhh... Aquele é o Brahma.
-- Brahma... O da cerveja?
-- Idiota! -- Paula berrou lá da cozinha e continuou: -- Hare krishna/Hare Krishna/Krishna krishna/Hare hare/Hare rama/Rama rama/Hare hare.
-- Nãooo... Segundo a Paula ele é o criador do universo, é a inteligência criadora, representa a mente cósmica -- Marjorie falou sorrindo.
-- Ela fica assim o dia inteiro? -- Daniela foi até a porta e olhou para Paula que tomava café.
-- Não. Ela repete essas palavras, quase mil vezes, invocando a adoração ao deus que é considerado a fonte de todo o prazer por seus devotos. Às 8 horas, enquanto lê o jornal, Paula faz o desjejum, do qual exclui alimentos de origem animal. Depois de comer, termina as orações. Ao todo, são 1.728 mantras entoados todas as manhãs.
-- Todas as manhãs? -- Daniela se jogou no sofá desanimada -- Ninguém merece. Ela é uma hippie?
-- Não sou hippie... Deixei de fumar maconha faz tempo -- berrou da cozinha -- Hare krishna/Hare Krishna/Krishna krishna/Hare hare/Hare rama/Rama rama/Hare hare.
Marjorie se levantou num pulo do sofá que assustou Daniela.
-- Vou ter que sair correndo antes que me atrase novamente. Tenho que levar esses cartazes até o nosso KG. A tarde vai ser quente.
-- Vê se não volta toda quebrada como da última vez -- Paula parecia ter alcançado as 1.728 mantras.
-- Você sabe que as vezes a violência é inevitável -- jogou um beijo -- Até mais meninas. E... Você é uma gata sabia? -- sorriu para Daniela.
Na porta esbarrou-se com uma morena linda que entrava.
-- Opaaa... -- falou defendendo-se com as mãos -- Que bom que chegou. Fica fazendo companhia pra sertaneja gostosona aí -- beijou o rosto da morena -- Passe livre já! -- e finalmente saiu correndo desajeitadamente.
-- Passe livre já! -- a morena repetiu levantando a mão -- Então você é a Daniela?
A morena vestia um terninho azul-marinho, com um pequeno emblema na lapela escrito Laboratório DESPAL.
-- Eu sou a Lavínia -- estendeu a mão em direção a loirinha.
A morena observou Daniela atentamente, depois abriu um sorriso lindo. Seus olhos lacrimejavam e estavam turvos devido ao sono, pois passara boa parte da noite envolvida em uma pesquisa.
-- Desculpe as meninas, elas são maluquinhas, mas também são uns amores de pessoas -- Lavínia disse com uma voz suave, passando os dedos pelo cabelo escuro -- Agora com você, somos cinco garotas, todas estudantes da USP. Marjorie e Bianca são namoradas, isso lhe incomoda? -- questionou.
-- Não. Claro que não me importo. O número de lésbicas está aumentando tanto que daqui a pouco vão ter que adicionar o 9 na frente do nome.
Lavínia endireitou-se. O olhar de Daniela sobre ela era devastador.
-- Quer beber algo?
-- Tem cerveja?
A morena sorriu.
-- É o que mais temos.
O sorriso da morena tornou-a tão bela que Daniela quase derreteu.
Lavínia começou a trabalhar logo após o pai morrer era obrigação dela ganhar algum dinheiro e poupá-lo para investir na sua educação.
Aceitava qualquer trabalho que encontrava na pequena cidade que morava. Assim que foi aprovada no vestibular deixou o lar para morar em uma pequena quitinete próxima a faculdade em São Paulo.
Os tempos tinham sido difíceis, mas alegres. Na faculdade fazia o curso de Farmácia bioquímica. A moça planejava trabalhar em uma grande empresa farmacêutica e adquirir experiência.
Logo no segundo ano de curso, conseguiu uma vaga de estagiária em um pequeno laboratório. Não era o que havia sonhado, mas era o suficiente para manter-se.
Pretendia, no futuro ter a sua própria farmácia, mas enquanto o diploma não vinha, continuaria a trabalhar nas pesquisas.
Foi Paula quem fez o convite de morarem juntas no apartamento. A amiga trabalhava como secretária na mesma empresa que ela. Poderiam assim fazer companhia uma a outra.
Lavínia mudou de endereço, mas o aluguel era alto demais para as duas, então, chamaram Bianca e Marjorie para dividirem as despesas.
Os olhos cinzentos de Lavínia continuavam a avaliá-la até que a jovem sentiu-se embaraçada.
O rosto delicado e meigo de Daniela estava contraído com uma impaciência oculta. E havia uma aura de intranquilidade poderosa, que dava a impressão que pularia pela janela a qualquer momento.
Daniela suspirou pesado. A forma como Lavínia a fitava, como se a moça fosse um ser desconhecido, a enervava. Apertando as mãos, a jovem logo perguntou:
-- A cerveja vem ou não vem?
-- Ai meu Deus! Desculpa -- Lavínia saiu correndo em direção a cozinha.
Daniela ficou olhando para ela.
-- Bunda é que nem futebol: dois tempos, separados por um intervalo para os melhores momentos! Eu amo bunda e futebol.
-- Lavínia olha só o que eu... -- uma garota cabelo de fogo e com algumas sardas no rosto entrou na sala falando alto -- Desculpa!
-- Tudo bem! -- Lavínia voltou da cozinha com duas latinhas de cerveja na mão -- Bianca, essa é a Daniela.
-- Olá Dani -- deu dois beijinhos nas bochechas da loirinha -- Estava esperando ansiosamente por você -- se afastou e olhou para ela de alto a baixo -- Hum... Está aprovada.
-- Você estava me esperando? -- deu um gole na cerveja e voltou a olhar para Bianca.
-- Você foi convocada para o meu time.
-- De futebol? -- perguntou ainda sem entender.
-- Que futebol sua maluca. Nosso time de protetores dos animais indefesos.
Daniela se levantou.
-- Sério?
-- Sério -- respondeu orgulhosa, de nariz empinado.
-- A Bianca faz veterinária na USP e desde que soube que você viria, só fala nisso.
-- Espero que não seja um bebezão chorão. No meu time só entram mulheres fortes, corajosas e audaciosas, resumindo: Só Xena.
-- Sou eu -- falou entusiasmada.
-- Você está mais para Gabriele, mas tudo bem. Serve.
-- Você tinha algo para me falar Bianca? -- Lavínia colocou sua latinha sobre a mesa de vime.
-- Verdade. Olha o que eu encontrei no banheiro -- entregou um papelzinho para a morena -- A prova do crime.
-- O que é isso?
-- O que é isso? -- colocou as mãos na cintura -- Isso é um papelzinho de chocolate. Encontrei lá no banheiro, a Marjorie comeu chocolate escondida de mim. Isso é uma grande traição.
-- Ela come no banheiro pra não ter que oferecer pra ninguém -- Paula saiu do quarto vestindo calça jeans e camiseta -- Não era você quem dizia: Se for casar, case com uma baixinha. Dos males, o menor.
-- Não coloca lenha, Paula -- Lavínia pediu.
-- Qual o seu curso Paula? -- Daniela perguntou virando toda a cerveja.
-- Psicologia.
-- A Paula é uma pessoa bem resolvida e supercentrada -- pegou a latinha de cerveja da mesinha e virou.
-- Eu percebi -- Daniela pegou uma bala de menta do bolso e colocou na boca.
-- A cerveja era minha, Bianca -- Lavínia reclamou.
-- O único problema dela é essa paixão pela vaca.
-- A vaca é sagrada -- Paula falou irritada.
-- Porque você não conhece a minha sogra -- Bianca rebateu.
-- Você tem namorada ou namorado?
-- Você é curiosa hem?
-- Os hare krishna, só fazem sex* para procriação, Dani -- Bianca se levantou e foi até a cozinha buscar mais cerveja.
-- Isso deve ser um grande problema para uma lésbica.
-- Não sou lésbica, Dani.
-- Desculpa, não imaginei que fosse hétero.
-- Também não sou hétero. Ainda não me decidi.
-- Hã! -- Daniela enfiou outra bala na boca.
Na mansão dos Vargas.
Não foi apenas um casamento, foi um megaevento.
Pedro e Yasmin se casaram no jardim da mansão dos Vargas, sob o maravilhoso pôr do sol de São Paulo com uma vista de cair o queixo! Em grande parte, por conta da decoração linda com muito verde, flores coloridas, as árvores do local entrando na decoração... até a mesa de doces parecia um jardim, com arranjos plantados e suspensos e um lindo bolo florido.
Yasmin usou um lindo vestido de noiva delicado, de manguinhas de renda com o corpo todo bordado.
Yasmin foi ao encontro de Pedro no pequeno altar montado no jardim, segurando apenas uma linda e singela rosa branca.
"Haverá sempre, em algum lugar, um cão abandonado, que me impedirá de ser feliz" Jean Anouilh
Fim do capítulo
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lia-andrade
Em: 04/08/2016
Já vi que essa turma do apartamento vai nos tirar muitas risadas 😂😂 todas loucas...ansiosa para o encontro da Dani e Yasmin...
Beijos Vandinha, até o próximo. Fica com Deus.
Resposta do autor:
Beijos Lia.
Paz e luz minha querida.
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Pipoca ramos
Em: 04/08/2016
Bom dia Vandinha,ameiiiiii o capítulo e pra não perder o costume rir horrores e paguei mico😂😂😂😂😂😂😂
Adorei a Paula e aposto que a dani vai ter um rolo com a Lavínia,😙😙😙😙😙 até o próximo
Resposta do autor:
Olá Pipoca.
Que legal que gostou. Desculpa se não respondi algum comentário anterior, o tempo anda curto, mas estou lendo todos e amando demais. Bjã querida. Paz e luz.
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Mille
Em: 04/08/2016
Gostei da Lavinia parece que vai ter alguma coisa com a Dani.
Ri muito com a Paula atendendo a Dani, e olha que com a convivencia até ela vai fazer essa mantra.
E a comparação dela de bunda com futebol, foi massa gostei. Espero que elas consigam salvar muitos animais e denunciar esses covardes.
Bjus e até o próximo
Resposta do autor:
Olá Mille.
Me perdoa por não ter respondido alguns comentários, mas estou lendo e muito feliz por sempre poder contar contigo. Obrigada meu anjo. Paz e luz sempre.
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