Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 4

Em Canoinhas havia três clínicas veterinárias e cinco Pets shop.

Daniela de tempos em tempos passava por lá na esperança de conseguir uma vaga de emprego. Mas a resposta era sempre a mesma.

-- Não dá menina. Você é muito novinha. Vou acabar me complicando.

E como das outras vezes saía xingando o proprietário.

-- Novinha um canário. Tenho quinze anos, sua barrica.

-- Olhaaaa... Sua...

Daniela desde criança amava os animais. Desejava ter uma chácara para poder levar todos os animais abandonados que encontrasse. Era esse o maior sonho da sua vida.

Ao ficar sabendo que o prédio do seu Verne seria alugado para uma veterinária, Daniela ficou toda animada. Tinha esperança de finalmente conseguir trabalhar em uma clínica veterinária fazendo aquilo que mais amava: Cuidar dos animais.

-- Não posso te contratar como assistente...

Foi a resposta que recebeu de Roberta.

-- Droga!!! -- Daniela saiu batendo a porta e nem esperou a veterinária terminar a frase.

-- Espera Daniela -- Roberta saiu correndo atrás dela -- Calma garota. Que estresse é esse?

-- Não se preocupe já estou acostumada com esse papo. Escuto ele há muito tempo.

-- Eu não posso te contratar como minha assistente, mas que tal lhe contratar como estagiária, hein?

-- Estagiária? O que faz uma estagiária? Eu só quero se for para cuidar dos animais.

Roberta riu divertida.

-- Você vai me ajudar em todos os procedimentos, vou te ensinar tudo o que for possível, você vai ser o meu braço direito. Satisfeita dona Daniela Pauly?

Os olhos de Daniela brilharam de lágrimas, de felicidade.

Daniela não entendia o motivo pelo qual se sentia tão bem e algo tão familiar ao se aproximar de Roberta. Inclusive, ela a fazia reviver sua mãe, um sentimento do passado do qual ela não se recordava direito, mas adorava sentir.

-- Preciso contratar uma moça para trabalhar como recepcionista. Você conhece alguém que seja simpática e goste de animais como a gente, Dani?

-- Tenho uma amiga que adoraria trabalhar aqui, o nome dela é Luíza.

-- Ela é bebezinha assim como você? -- Roberta deu uma risadinha -- Brincadeirinha.

-- Você anda tão engraçadinha ultimamente doutora.

-- Eu sou engraçadinha -- deu uma piscadinha -- Chama a Luíza então. Vamos ver se ela merece fazer parte da nossa maravilhosa equipe.

Luíza era uma garota muito simpática, inteligente, esforçada e fofa. Não era extrovertida como Daniela, pelo contrário, chegava a ser tímida.

Mesmo assim Roberta a contratou. Percebeu o carinho e proteção que a pupila dispensava a garota. Então resolveu dar a elas a oportunidade de passarem mais tempo, juntas.

Roberta, Daniela e Luíza formavam uma equipe de apaixonados por animais. Acreditavam em um mundo melhor, e faziam sua parte!!!

Durante a semana trabalhavam na clínica, e nos finais de semana faziam serviço social pela cidade e zona rural. Os animais resgatados eram tratados e castrados para serem colocados para adoção.

A empresa dos Vargas foi cercada de muros por todos os lados e com isso Daniela nunca mais conseguiu ver os cães e o lago com cisnes.

O tempo passou e aos dezoito anos Daniela era uma rebelde de "boas causas". Inteligente, deliciosa. Rockeira, tatuada, motoqueira e... Formada no Ensino Fundamental.

-- Eu não quero fazer a faculdade. Não quero mais estudar -- Daniela jogou o capacete sobre a mesa e se virou para Roberta implorando com os olhos -- Eu não via a hora de terminar esse ano para não precisar mais estudar. Quero me dedicar totalmente aos animais.

Roberta compreendia toda a sua angustia e desespero, afinal já havia passado por essa situação. Tudo era assustador e, simultaneamente, um grande desafio.

-- Eu entendo você Dani -- Roberta levantou o rosto dela com as mãos espalmadas em sua face -- É normal termos medo do desconhecido. Medo de sair da nossa zona de conforto. A zona de conforto é como essa bolha na qual nos resguardamos para que tudo siga igual. Ainda que a gente reclame e ache insuportável, seguimos assim por medo, e isso facilmente se converterá em hábito. Não sair da zona de conforto é praticamente renunciar à vida, ao crescimento. E isso você não quer, não é mesmo?

-- Não quero sair de Canoinhas -- enfiou a mão na mochila e tirou um sanduíche -- Quem vai trazer o lanche pra Luíza?

Roberta riu da preocupação quase infantil de Daniela.

-- Dani, ela vai ter que aprender a trazer o seu próprio lanche. A vida é feita de aprendizagem e aprender a fazer o lanche, vai ser o menor problema que ela vai enfrentar na vida.

Roberta não teve dúvida de que havia algo escondido em seu tom de voz.

-- Tem algo a mais que queira me contar?

A garota esfregou as mãos suadas na calça, tentando pensar no que dizer.

-- Fala Dani, sou uma pessoa compreensiva e mente aberta -- Roberta tentou passar confiança.

-- Eu gosto da Luíza -- falou tão rápido que a veterinária não entendeu.

-- Não entendi. Repete.

-- Você deve estar querendo tirar uma com a minha cara né?

-- Entenda Dani. Quero que confie em mim. Seja lá o que for, gostaria que fosse sincera comigo.

-- Eu gosto da Luíza -- repetiu, dessa vez numa voz calma e compassada, tentando parecer descontraída.

-- Eu também gosto dela.

Daniela olhou para ela de cara feia.

-- Tá, eu entendi -- Roberta levantou os braços -- Não precisa fazer essa cara de Pit Bull raivoso.

Apesar da vontade que sentia de se jogar no chão e espernear como uma louca, Daniela sabia que devia muito a Roberta. A veterinária durante todos esses anos se transformou na pessoa mais importante em sua vida. Foi ela quem esteve ao seu lado ensinando, aconselhando, apoiando e a levantando quando o desanimo e os traumas do passado a deixavam sem chão. Então, não a decepcionaria por nada nesse mundo.

-- Você tem razão Roberta... Eu tenho que conhecer novas pessoas e viver novas experiências. Buscar um crescimento que me levará a ter maiores expectativas. Enquanto estiver na sua zona de conforto, não aprenderei, nem crescerei.

-- Assim que se fala -- Roberta aplaudiu e a abraçou -- E a Luíza?

-- Por enquanto não falarei nada, afinal, ainda terei que passar no vestibular. Depois, caso seja aprovada, pensarei o que fazer.

Enquanto isso em São Paulo, uma jovem estava prestes a tomar a decisão mais importante de sua vida.

Pedro tirou do bolso uma caixinha de veludo vermelha e a abriu diante dos olhos de sua amada.

O anel de ouro brilhou.

-- Yasmin, você é a mulher da minha vida, não tenho nenhuma dúvida quanto a isso -- falou fitando-a nos olhos -- É com você que quero estar para sempre... Aceita se casar comigo?

A mãe e a irmã bateram palmas, se abraçaram, comemoraram como se houvessem ganhado um prêmio milionário.

Yasmin foi pega de surpresa. O jantar oferecido pela sua mãe a Pedro havia sido planejado. Estava tudo armado.

De sobrolho franzido e rosto contraído. Estupefata, não sabia o que responder.

-- Eu...

-- Quanta emoção né, minha filha? -- a mãe disfarçou diante do momento de constrangimento.

Pedro segurou a mão de Yasmin com delicadeza.

-- Não tenha medo meu amor. Eu farei de você a mulher mais feliz do mundo -- sorriu com ternura.

Yasmin estendeu a mão para a aliança e recebeu um beijo do agora noivo.

Apesar de desmiolada e agitada, Daniela era estudiosa. Nunca foi de andar com livros debaixo dos braços, não era preciso, aprendia tudo em sala de aula. Sua inteligência entusiasmava Roberta que não se cansava de elogiar a menina.

Finalmente a tão esperada lista dos aprovados no vestibular foi fixado no mural da Universidade.

-- Sai da frente seu pirralho bobo! -- Roberta empurrou um garoto quase o derrubando.

-- Calma! -- Daniela estava com os olhos cheios de lágrimas de tanto rir do jeito nervoso da veterinária -- O papel não vai sair da parede.

-- Você parece que está nem aí para o resultado? -- falou irritada.

-- Claro que estou! Quer ver? -- jogou a mochila no chão e berrou -- Meu Deuuuusss... Uma bomba naquela mochilaaa...

Em segundos o lugar ficou deserto.

-- Sua louca! Vamos ser presas -- Roberta arrastou o dedo sobre a lista procurando pelo nome de Daniela.

-- Vamos nada. Olha logo essa lista criatura.

-- Deixe-me ver... Deixe-me... -- Roberta abriu um sorriso enorme e olhou para Daniela.

-- Então?

-- Passou... Você passou Dani!!!

As duas se abraçaram e comemoraram com pulinhos e gritinhos.

Daniela foi aprovada na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.

Em São Paulo.

-- Você tem certeza disso minha linda? -- Matias sentou-se ao lado da cunhada no sofá, cruzou as pernas e segurou as mãos dela entre as suas -- Você sabe que lhe amo de todo o coração. Conheço muito bem a personalidade forte, obsessiva e dominadora do meu irmão. Não quero que sofras Yasmin -- falou como um irmão cuidadoso -- Ainda tem tempo de desistir.

-- Eu sei que você está pensando tão somente em minha felicidade, Matito, e agradeço imensamente por sua preocupação, mas Pedro me ama e o amor muda as pessoas.

-- Espero que sim bela -- beijou a cabeça da cunhada -- Se esse é o seu desejo, então que venha a mais linda e badalada festa de casamento de todos os tempos. Estarei lá chique e maravilhoso.

-- De terno e gravata, de preferência -- sorriu.

Matias revirou os olhos.

-- Fazer o que, fofa?

Matias é o caçula dos filhos de Luiz Vargas. Ele tenta de toda a maneira esconder sua homossexualidade dos irmãos, enquanto vive os dramas das relações e da sexualidade. A única pessoa que sabe seu segredo é Yasmin. Os dois eram unidos e ela o confortava, pois tinha pesadelos originados por uma infância traumática.

Matias desde os quinze anos foi tratado diferente pelo pai em sua família. Recebia de Luiz Vargas apenas frieza, crítica e muitas vezes violência. Na época não entendia o motivo de tal tratamento, porém, hoje vê com clareza o real motivo: Homofobia. Seu pai percebeu o que seus irmãos e sua mãe fingiam não ver.

Daniela levou as mãos de Luíza à própria boca e beijou cada uma delas.

-- Promete que vem me buscar Dani -- Luíza deu um sorriso doloroso.

-- Prometo -- o semblante de Daniela revelava que se sentia devastada -- Você é a minha princesa. Esqueceu?

Luísa aproximou-se ainda mais ainda e pegou as mãos dela nas suas.

-- Não sei o que farei sem você Dani, me sinto morta por dentro.

-- Não fala assim -- Daniela não conseguiu segurar as lágrimas.

-- Você era a única pessoa nessa cidade que valia a pena.

A expressão de desespero no rosto de Luíza fez o coração de Daniela acelerar. Sentiu vontade de roubá-la para si.

Então, levando-lhe as mãos até o seu rosto, Daniela encostou a sua boca na dela.

O beijo foi leve, doce e inocente.

Assim que se afastaram, Luíza murmurou docemente:

-- Lembre-se que eu estarei sempre aqui torcendo por você e pela sua felicidade!

Em março de 2012, Daniela ajeitou a mochila nas costas e subiu na moto. As lágrimas caiam com força. Com os olhos vermelhos e lacrimejantes, deixou Canoinhas com destino a São Paulo.

Estava partindo, mas levando consigo um passado de sofrimentos. Traumas de uma tragédia que marcou para sempre a sua vida e a da sua família.

"Os cães amam seus amigos e mordem seus inimigos, bem diferente das pessoas, que são incapazes de sentir amor puro e têm sempre que misturar amor e ódio em suas relações." Sigmund Freud.

Se você tiver um animalzinho de estimação e quiser mandar a foto dele para participar da capa de uns dos capítulos do romance, envie nesse whats: 47 91333878. Não se esqueça de colocar o nome do fofinho (a) para participar da história.

Os bichinhos que não saíram nessa capa, sairão na próxima.

Fim do capítulo