Açucena
E lá estava ela. Mais séria do que mais cedo conversando com meus pais.
- Tudo bem senhor, começo amanhã sem problemas.
- Não se atrase de novo. - disse meu pai severamente.
-----------
Naquele instante corri para o quarto, respirei mais fundo do que achava que conseguiria.
- O que aconteceu? - susurrei para mim mesma.
Alguém bate na porta.
- Filha, o jantar está quase pronto.
- Estou indo.
Quando passei pela sala ela não estava mais lá, fui até a cozinha e comecei a me servir.
- Clara, querida. A jardineira veio hoje e ela começa amanhã, não se assuste em ver gente nova na casa. Ela pode querer entrar para beber água ou outra coisa. - disse minha mãe.
- Claro - disse baixo olhando para o prato.
- Eu não quero ela aqui dentro, já foi bom da minha parte deixar você contratar gente como ela. Clara, leve algo lá fora para ela beber quando estiver quente. Não quero gente imunda na minha casa. - vociferou meu pai.
- Querido, eu já disse que ela podia entrar se precisasse. - Disse minha mãe da forma mais doce que conseguiu.
- Então desdiga. - gritou meu pai batendo com o punho na mesa. E durante todo o jantar ninguém disse mais nenhuma palavra.
Eu fiquei no quarto no dia seguinte, mas ao meio dia fui levar suco gelado para a nossa nova jardineira, eu não queria mas não sei o que meu pai faria se encontrasse ela aqui dentro.
- Suco? - estendi a bandeja, com os olhos baixos.
- Obrigada. - ela sorriu e pegou.
- Você sabia? Sabia que viria trabalhar na minha casa? Porque não me avisou? - Admito que exagerei gritando com ela. Mas fiquei surpresa de ver que ela não estava surpresa em me ver.
- Calma lá, senhorita descontrolada. Sabia sim e não contei por que não iria fazer diferença. - Deu um gole no suco e continuou falando - Quer dizer, nós não vamos ser amigas, você e todas as pessoas dessa cidade nojen... Dessa cidade - ela se consertou - ignoraram minha existência e de minha família. Vamos dizer que eu aprendi a ignorar vocês também.
- Estou aqui pela grana. - terminou ela.
- Isso foi maldoso, eu nunca te ignorei eu só nunca...
- Teve vontade de falar comigo? - Ela completou.
Vi meu pai chegando no carro. E entrei sem me despedir da nossa nova jardineira.
- Clara! - ele gritou da sala.
Fui até lá depois de largar as coisas na cozinha.
- Chamou, pai?
- O que você estava falando com aquela menina? - ele me olhava sério.
- Nada, só... Perguntando sobre as flores.
- Eu não quero você falando com ela entendeu? - ele foi desamarrando a cara quando me viu assustada. - Querida, o papai só quer que tenha cuidado. Você sabe como a família dela é. Aqueles malucos dos pais dela outro dia apareceram na igreja com roupas sujas e fedidas. São gente, como explicar... Você conhece, são bichos do mato. Eu só deixei sua mãe contratar ela por que ela insistiu, sabe como sua mãe é. Mas eu não quero ela nessa casa ou tagarelando com membros dessa família, entendido?
- Talvez ela não seja como o casal que cuida dela, pai.
- Pois para mim são tudo farinha do mesmo saco. - continuou bebendo seu café.- Fale só o necessário, ok?
- Claro, pai.
Hoje meus pensamentos são outros mas naquela época não. Eu pensava como ele, exatamente como meu pai que só odiava os Senhor e Senhora Deives por que eles eram diferentes. Eu evitei a Camila por anos, mesmo que não admitisse. Eu era mais velha que ela, quando nos conhecemos ela só tinha 17 e eu já tinha 19. E isso me ajudou a fingir que ela não fazia parte daquela pequena cidade quase rural. Ignorei a tanto que depois de um tempo eu nem sabia mais como ela se parecia.
Durante os meses que se seguiram nós não nos falamos. Exceto pelos " Obrigada" e " Não a de quê", de quando eu lhe servia sucos frescos. E com o tempo eu mal ia no jardim para evitar ter que olhar para ela.
Na manhã de uma quinta feira, algumas amigas foram me visitar.
- É verdade que ela mora aqui? - Perguntou Lola, minha amiga mais próxima.
- Ela não mora aqui, só trabalha. - respondi desconfortável, não queria entrar nesse assunto mas parecia inevitável.
- Credo, vocês comem o que ela planta? Que nojo eu ouvi que ela tem perebas por todo o corpo - disse Sônia
- Ela só cuidas das flores... É sério isso? - Perguntei
- Sim, e ouvi que no ano passado ela andou... - Sônia olhou para todas com o ar de mistério. - Fazendo besteiras com o André na quadra da escola dela e passou para ele herpes.
- Que nojo - respondi, mesmo duvidando da história.
- Você sabe da onde ela veio, Clara. Isso não é surpresa. Eu nem sabia que a criança que aqueles doidos criavam era uma menina para ser sincera. A casa dela fede a bota velha da para sentir a pelo menos uma estrada de distância. - E todas riram.
Inclusive eu.
E quando eu olhei para o canto da porta vi uma sombra sumindo...
...
Ela tinha ouvido.
---------------
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
lia-andrade
Em: 25/07/2016
Clara ainda irá se surpreender muito com Camila.. Está cada vez mais interessante.
Bjo
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]