Essa não é uma história fácil de contar, mas é o tipo de história que eu preciso contar.

Ela começou no dia nada esperado de 3 de outubro de 1994, o clima não estava muito agradável, meus pais estavam esperando o novo jardineiro chegar e meu humor não era dos melhores então eu sai para caminhar e aliviar a cabeça. 

Eu estava caminhando pela rua principal quando vi uma garota caida no chão.

- Você está bem? - empurrei ela com pé.

Ela levantou os olhos até encontrar meu rosto. Ela não sorriu, mas alguns anos depois descobri que era isso que ela queria.

- Estou, obrigada por tapar o sol.

- Você não deveria ficar deitada na rua, não tem medo que passe carros ou coisa pior?

- O que seria pior que um carro? - ela sorriu ainda deitada no chão e com um dos olhos fechados por causa do sol.

- Eu não sei, a polícia? Seus pais ou loucos, pertubados perambulando pelas ruas. Isso é muito sério, você deveria tomar mais cuidado! - ela riu

- Esse lugar não passa carros há séculos. Dois ou três no máximo? Esse lugar cai aos pedaços. - ela se levantou em um pulo- Mas sempre pode haver caipiras em suas carroças não é mermo sinhá? - ela fez uma péssima imitação de caipira. E riu debochando.

Eu fiquei séria, não tinha entendido.

Me desculpem eu era muito diferente na época, mas sou grata de ter sido por que se não nada disso teria acontecido.

- Foi uma piada. - ela limpou as roupas com a mão.- Enfim, obrigada pela ajuda. Tchau sinhá.

Ela se virou para ir embora.

- Qual o seu nome? - Perguntei ainda desconcertada.

- É Camila e o seu? - Virou ainda com um sorriso no canto da boca.

- Clara. Eu nunca te vi por aqui, você está muito mal informada sobre esse lugar, aqui é muito perigoso. Há loucos por todos os cantos dessa cidade!

- Eu moro aqui a 17 anos. Aliás eu já vi a senhorita, mas você não deve lembrar. Eu estava suja como um menino quando nos vimos. E a senhorita limpa como uma prataria.

Fiquei mais desconcertada, admito. Eu me orgulhava de conhecer cada pessoa daquela cidade. Era uma cidadizinha pequena, mas eu nunca vi aquela garota. E isso para mim era imperdoável.

- Me desculpe eu não me lembrar de você. Quem são seus pais?

- Eu não tenho nenhum. - ela estava com a cara mais fechada, como alguém que escutava muito essa pergunta e tristemente estava conformada.

Uma criança perdeu os pais em um acidente de barco a alguns anos atrás e depois do acidente essa criança foi criada por dois velhos malucos que moram no canto da cidade em uma casa pequena. Eles a adotaram, mas ninguém gostava deles na cidade e com o tempo a criança foi deixada de lado pela cidade também. Era ela a criança.

- Há... Me desculpe a pergunta. - abaixei os olhos. - Eu vou... - fui saindo mais envergonhada que nunca.

O que mais me envergonhou foi que eu sabia por que tinha virado as costas, eu sabia por que tinha ido embora. E isso era por que eu também era uma dessas pessoas que não gostavam daquela família.

Eles eram sujos, não tinham boa educação e eu sabia que a criança que eles tinham era tão horrível quanto eles. Eu sabia...E agora essa criança tinha estado na minha frente e ela não era nada do que eu pensava. 

Ela era linda.

Naquele dia demorei para voltar para casa, fui ao lago perto de onde morava colher algumas flores que ficavam por perto. Passei na casa dos meus avós e no fim da tarde voltei para casa. Evitando sempre pensar no que tinha ocorrido mais cedo, era mais fácil para mim na época, esquecer o que acontecia para evitar aceitar um erro que eu havia cometido.

Cheguei em casa e ao abrir a porta ouvi vozes.

E lá estava ela. Mais séria do que mais cedo conversando com meus pais.

- Tudo bem senhor, começo amanhã sem problemas.

- Não se atrase de novo. - disse meu pai severamente.

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Fim do capítulo