Ana Júlia estava em sua mesa, as cortinas das janelas de vidro de sua sala completamente abertas. Ela estava revisando uma matéria antes de passá-la para a mesa de Fernanda quando viu a movimentação no elevador e sua chefe sair do mesmo usando uma calça social cinza, uma camisa de seda verde clara e um blazer da mesma cor da calça; ela tinha um óculos escuros no rosto, o batom vermelho destacando os lábios e uma bolsa pequena na mão direita. Quando passou pela frente da sala de sua assistente Fernanda trocou a bolsa de mão e fez um sinal chamando Ana Júlia que prendeu a respiração sem saber o que seria de si mesma depois de entrar na sala ao lado da sua.

                Quando abriu a porta da sala Fernanda disse-lhe para entrar e fechar a mesma antes de se sentar à sua frente. A editora-chefe continuava com os óculos e bebeu um pouco do café que estava em sua mesa esperando a assistente ocupar uma cadeira à sua frente. Quando Ana Júlia se sentou ela abaixou os óculos olhando diretamente nos olhos de sua assistente antes de retirá-los de seu rosto e pousá-los na mesa. Ela então cruzou os braços se recostando em sua cadeira.

                - Pode começar a explicar de quem foi a ideia de colocar eu e Jasmine no mesmo lugar sem que nenhuma de nós soubesse da presença uma da outra – disse ela com um olhar sério e Ana Júlia fechou os olhos encolhendo os ombros.

                - Fui eu – ela admitiu sabendo que mentir não iria ajuda-la agora, mesmo morrendo de medo por não saber o que havia acontecido entre sua amiga e sua chefe já que Jasmine não havia chegado em casa até o momento em que ela saiu – Antes de tudo eu queria dizer que eu apenas queria que vocês conversassem. Eu percebi que Jas não estava bem com a situação de vocês duas e depois notei que a senhora também estava diferente. Pelo bem da minha amiga eu tinha que tentar pelo menos.

                - E Pietro entrou nessa história como? – perguntou a morena ainda com o mesmo olhar e na mesma posição.

                - Eu o procurei – tornou a admitir Ana Júlia – Eu tinha que saber, antes de tentar, se isso valeria a pena; se não iria machucar ainda mais a minha amiga. Jasmine já sofreu demais na vida, eu não poderia causar mais um sofrimento.

                - Como assim mais um? – Fernanda questionou se inclinando para frente e franzindo o cenho ao ouvir o que ela estava falando.

                - Eu incentivei uma coisa a muito tempo, e isso deu muito errado. Eu não me preocupei com o passado de certa pessoa e fui enganada por falsas intenções – disse ela tentando não mencionar Amanda, já que era um assunto muito particular de Jas para que ela saísse contando.

Fernanda não entendeu do que se tratava, mas lembrou-se de Jasmine falando que não seria iludida outra vez então deixou aquilo passar para conversar com a fotógrafa mais tarde e para não terminar o susto que estava dando em Ana Júlia tão cedo. Ela voltou a se recostar na cadeira e a assumir a postura séria enquanto voltava a cruzar os braços em frente aos seios.

- Ainda quero saber como Pietro se envolveu nessa história – disse ela voltando ao assunto anterior.

- Eu o procurei e o questionei a seu respeito – disse Ana Júlia decidindo contar tudo de uma vez – Jasmine havia me contado sobre o beijo de vocês, os dois. Eu não tinha dito nada a ela depois de saber do primeiro, ela estava completamente confusa e magoada, ainda mais porque na cabeça dela você era hetero, igual a ultima pessoa que se envolveu com ela, alguém que a magoou muito e a machucou demais. Então eu não falei nada a respeito de nunca ter visto a senhora com alguém nem nunca ter ouvido nada a respeito da sua vida particular. Mas depois do segundo beijo eu tinha que saber o que se passava na sua cabeça. Como sabia que o Pietro era seu melhor amigo eu procurei ele.

- Entendi – murmurou Fernanda – Então quem orquestrou tudo foi você – acusou Fernanda e Ana Júlia abaixou a cabeça em sinal de derrota depois de admitir – Sabe que você não tinha direito algum de interferir na minha vida pessoal, não sabe? – questionou a editora vendo sua assistente novamente assentir com a cabeça – Sabia também que isso poderia ter piorado completamente a situação entre nós duas?

- Desculpa, dona Fernanda – disse Ana Júlia suspirando – Mas pior do que estava era impossível ficar – ela respondeu encarando a chefe com uma expressão séria, mas não arrependida – Jas estava planejando ir embora amanhã ou depois e ela iria mesmo que isso lhe fizesse tão mal quanto ficar. Eu não podia deixar ela desistir, não depois de ouvir o que Pietro me falou.

- E o que foi aquela manteiga derretida lhe disse? – perguntou Fernanda fingindo irritação o que fez Ana Júlia ficar com medo.

- Que você estava abalada – respondeu ela sem entrar em detalhes da conversa.

- Da próxima vez que vir uma necessidade de interferir na minha vida particular, senhorita Ana Júlia, converse comigo a respeito e não com aquele intrometido colorido – falou Fernanda se controlando para não sorrir – Pode voltar à sua sala, temos muito trabalho a fazer hoje e pretendo sair mais cedo.

Ana Júlia arregalou os olhos sem entender, esperava uma grande bronca, talvez uma ameaça de demissão, no mínimo uma redução de salário. Mas Fernanda apenas mandou-a voltar a trabalhar e ainda disse que sairia mais cedo. A pobre assistente simplesmente ficou sem reação com aquilo o que fez sua chefe não conseguir mais se controlar e deixar um sorriso divertido aparecer em seus lábios.

- Mova-se Ana Júlia – disse ela quase rindo da expressão de choque que a assistente tinha no rosto – Vá logo fazer seu serviço para poder ligar para Jasmine e perguntar o que sei que quer perguntar, mas que eu não vou responder – falou ela com o sorriso ainda mais divertido ao ver a boca de Ana Júlia abrir em choque – E me faça o favor de não dizer nada ao Pietro. Ainda pretendo assustá-lo, talvez um pouco menos do que acabei de fazer com você, mas ainda o bastante para ver ele implorar para que eu não o mate – completou Fernanda rindo baixo – Ana Júlia, se não sair agora daqui e fazer o que ganha pra fazer, aí sim, haverão consequências – avisou a morena rindo ainda mais quando sua assistente se levantou rápido, pedindo desculpas e se retirando para sua sala.

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- O que aconteceu ontem a noite? – perguntou Ana Júlia antes mesmo de deixar Jasmine falar alguma coisa.

Ela estava trabalhando sem parar desde o instante em que saiu da sala de sua chefe e, apenas alguns minutos antes de seu horário de almoço, foi que conseguiu ligar para a amiga. Seu nível de curiosidade estava batendo recordes por conta de, durante toda a manhã, Fernanda não ter reclamado sobre nada; apesar de ter devolvido metade das matérias para revisão com marcações vermelhas a editora-chefe não havia saído de sua sala gritando com o responsável pelos erros que ela encontrou. Quando finalmente conseguiu tempo para a ligação ela já não tinha mais paciência para perguntar com delicadeza.

- Bom dia pra você também, Anjú – respondeu Jasmine com um tom de ironia e divertimento – Sim amiga, não se preocupe, estou bem; não tem que se preocupar a respeito de eu não ter chegado em casa ontem a noite.

- Ah, cala a boca, Jasmine. Sei onde passou a noite – acusou ela com irritação e fez a amiga rir o que só a irritou mais.

- Te espero pra almoçar naquele restaurante de sempre – comunicou a fotógrafa assim que parou de rir – Beijos Anjú.

Ana Júlia nem teve tempo de aceitar o convite ou tentar perguntar mais nada porque Jasmine encerrou a chamada deixando a amiga muito mais irritada. Ao menos ela já estava em seu horário de almoço, então pegou sua bolsa e saiu da sala antes que sua chefe, incomumente bem humorada, surgisse pedindo para que ela fizesse algo antes de almoçar. Tão apressada estava para ter respostas que chegou ao restaurante em menos de 15 minutos. O lugar era relativamente perto do escritório, apenas 8 quadras. Ana Júlia e Jasmine se encontravam para almoçar lá todos os dias em que ela tinha ido trabalhar. Era calmo, tinha um preço razoável e a comida era boa.

Ana Júlia ainda teve que esperar mais 15 minutos até ver a amiga entrando pela porta do restaurante com a câmera no pescoço, uma mochila marrom pendurada em um dos ombros e vestindo um jeans com os joelhos rasgados, um all star azul marinho e uma camisa social branca com as mangas dobradas até a metade dos antebraços. Ela estava com um sorriso no rosto e se aproximou retirando do rosto os óculos escuros até se sentar na cadeira em frente à amiga e deixar suas coisas no chão ao seu lado.

- O que aconteceu ontem? – perguntou Ana Júlia antes que Jas conseguisse terminar de colocar os óculos sobre a mesa.

- Nossa, não vai mesmo nem me perguntar como estou? – questionou a fotógrafa segurando o riso.

- Claro que não – falou Ana Júlia rolando os olhos – Dá pra ver nesse sorriso enorme no seu rosto que está muito bem. Agora responde, o que aconteceu? Vocês conversaram? Passou a noite na casa dela mesmo? Vocês duas dormiram juntas???

- Calma – riu Jasmine chamando um garçom que passava e fazendo seu pedido e o da amiga antes de voltar a encara-la com um sorriso divertido – Conversamos, discutimos, nos exaltamos, brigamos, gritamos e depois nos entendemos um pouco melhor – contou a fotógrafa suspirando ainda com um sorriso no rosto – Fernanda não....ela não agiu como eu esperava, Anjú. Isso me pegou de surpresa e eu meio que fiquei sem saber o que viria a seguir, mas as coisas seguiram para um ponto onde eu pude enxergar um pouco mais dela mesma e eu gostei do que descobri. Se quer saber se passei a noite na casa dela a resposta é sim. Se dormi com ela? Não no sentido que você usou. Nós não trans*mos, mas eu dormi com ela na cama dela. Mas eu não sei o que esperar a seguir, não conversamos propriamente depois de discutirmos e falarmos algumas verdades que nos entregaram bastante.

- Ela corresponde seus sentimentos??? – perguntou Ana Júlia com os olhos brilhando de expectativa em ver a amiga sendo feliz.

- Não conversamos apropriadamente sobre isso, não dissemos o que sentimos – contou Jas apoiando os cotovelos na mesa e o rosto nas mãos – Ela disse que não sabe lidar com o que esta sentindo por mim, mas que não é brincadeira. Eu vi nos olhos dela e no jeito dela que não é mesmo uma brincadeira. Então, bom, acho que vou ter que pedir pra você cancelar a reserva do voo pra amanha – falou ela colocando uma mão na nuca sem jeito por ter que dar esse trabalho à amiga. 

- Na verdade nem preciso – contou Ana Júlia com um sorriso divertido – Já que não fiz reserva nenhuma.

- Não fez? – perguntou Jasmine arregalando os olhos – Mas eu te pedi pra fazer!

- Mas eu não fiz porque tinha um pressentimento de que você não devia ir embora – acusou a amiga cruzando os braços – E eu estava certa. Tinha que fazer você e Fernanda conversarem e eu achava que depois disso você não iria querer – ela completou dando de ombros – Então foi bom não ter feito reservas.

- Você não existe amiga – riu Jasmine e a conversa foi interrompida pelo garçom que chegou com os pedidos.

Antes que elas pudessem retornar ao assunto o celular da fotógrafa começou a tocar fazendo-a ter que pegar a bolsa no chão e procurar o aparelho nos vários bolsos até encontra-lo. Ao ver o nome na tela um sorriso involuntário surgiu em seus lábios e Ana Júlia ergueu uma sobrancelha já imaginando de quem se tratava, mas ainda muito surpresa pelas reações da amiga e pelo próprio fato de sua chefe estar ligando para a fotógrafa.

- Oi – disse Jasmine ao atender a chamada.

- Oi – respondeu a voz do outro lado da linha – Ia te convidar para um almoço, mas acabo de passar pela sala da Ana Júlia e, como ela não está aqui, posso presumir que esta com você, certo?

- Infelizmente sim – falou Jas com um mínimo sorriso – Estou sendo bombardeada de perguntas. Você a assustou muito mais cedo? – questionou a fotógrafa ouvindo a gargalhada do outro lado que só fez seu sorriso aumentar.

- Tenho que confessar que sim, e que adorei fazer isso – contou a editora-chefe ainda com um tom de riso na voz – Estou indo agora amedrontar um certo amigo meu que corre o risco de ganhar alguns socos.

- Não machuca muito ele não – pediu a fotógrafa com um sorriso divertido encarando seu prato de comida e se recostando à cadeira.

- Não posso prometer nada – riu Fernanda de novo provocando outro sorriso bobo em Jasmine que era atentamente observada pela amiga – E nem defenda ele, aquela bicha merece alguns tapas pelo menos. Ele me abandonou no evento em que deveria ter ido como meu acompanhante! – acusou Fernanda fazendo Jasmine rir; a fotógrafa não sabia, mas isso deixou um sorriso bobo no rosto da morena – Mesmo que eu tenha saído de lá com companhia muito melhor – ela falou num tom provocativo antes de voltar ao divertido – Ainda assim ele foi muito deselegante.

- Certo – disse Jasmine concordando – Ele merece uns tapas mesmo.

- Mas mudando de assunto – falou a editora respirando fundo – Vou almoçar com Pietro, e talvez fique esse começo de tarde conversando com ele. Só que nós duas temos uma conversa para ter também. Não quero deixar isso pra amanhã. Então...bem – ela hesitou um instante antes de conseguir realmente falar – Considere um convite para você aparecer no meu apartamento quando quiser essa tarde.

- Pode ter certeza de que irei sim – disse Jasmine olhando para a amiga que a encarava tentando adivinhar o teor da conversa – Tenho que desligar e comer meu almoço que está esfriando, mas me avisa quando puder ir, ok? – pediu a fotógrafa sorrindo da cara confusa da amiga.

Tudo o que Ana Júlia pode dizer é que Fernanda se despediu e desligaram. Mas não houve nada que ela dissesse que fizesse Jasmine contar onde ela iria. Mas mesmo assim ela sabia muito bem onde a fotógrafa deveria ter se comprometido a ir.

Fim do capítulo