Jasmine estava parada na portaria do prédio de Fernanda com sua mochila pendurada num ombro enquanto esperava o segurança ligar para a cobertura para liberar sua entrada. Poucos minutos depois o homem abriu o portão sem mais nenhuma palavra deixando Jas livre para entrar no hall e ir até os elevadores. Mais alguns minutos e ela finalmente parou em frente a porta do apartamento da editora tocando a campainha. A porta se abriu e em frente a ela estava um homem bem vestido, barba por fazer e um sorriso no rosto enquanto a olhava dos pés a cabeça. Vagamente ela se recordou do rapaz que tinha estado na mesa com ela e Ana Júlia durante o evento da noite anterior.

                - Finalmente posso conhecer a famosa fotógrafa – disse ele com um sorriso ainda maior depois de a analisar – Sou Pietro Sampaio, melhor amigo da Fernanda – se apresentou estendendo a mão direita que Jasmine não demorou a segurar – E você é Jasmine Meirelles – ele continuou antes que ela pudesse dizer seu nome.

                - Isso – concordou a fotógrafa com um sorriso divertido enquanto era puxada para dentro do apartamento pelo rapaz – Parece que você já ouviu muito a meu respeito.

                - Ah, minha querida, já ouvi até demais – ele falou rindo enquanto se dirigia para a sala sendo seguido por ela – Se já não bastasse Nanda, ouvi algumas coisas por Ana Júlia também. Foi estranhamente novo e complexo conviver com Fernanda falando sobre sua pessoa.

                - PIETRO! – gritou a editora já na metade das escadas e descendo os últimos degraus com pressa – Jasmine, não leve a sério nada que ele diga. Está irritado com a bronca que levou.

                Pietro sorriu de leve vendo a amiga, pela primeira vez na vida, nervosa por conta de outra pessoa. Enquanto isso a fotógrafa analisava a morena que tinha os cabelos úmidos anunciando que tinha estado no banho. Fernanda vestia uma blusa cinza de mangas compridas com alguns detalhes bordados na costura da gola em ‘v’ e um short fino de cor vermelha que chegava ao meio das coxas bem grossas e bronzeadas. A fotógrafa apenas sorriu enquanto acompanhava os movimentos da editora que se aproximou dela e de Pietro dando um tapa no braço do amigo antes de parar em sua frente e as duas se encararem.

                - Oi – disse a morena encarando os olhos da fotógrafa antes de percorrer com o olhar o corpo da mesma, ela se sentia perdida e não sabia o que fazer, se a cumprimentava com um beijo, um abraço, os dois ou apenas um aperto de mãos.

                - Oi – respondeu Jasmine com um sorriso ainda maior e, notando a hesitação da outra, tomou a iniciativa de segurar-lhe os ombros e puxa-la para mais perto a fim de deixar um beijo rápido em seu rosto.

                - Certo, creio que seja a hora de eu me retirar – falou Pietro interrompendo a interação das duas – Não quero estar presente quando resolverem terminar o que começaram mais cedo.

                - Cala a boca Pietro! – disse Fernanda olhando para o amigo e, se um olhar pudesse matar, o rapaz estaria caindo morto no chão ao ser atingido pela raiva da morena – Nos dê licença um minuto Jasmine, por favor – pediu ela gentilmente para a fotógrafa e saiu arrastando o amigo para a cozinha deixando a outra na sala tentando segurar o riso da expressão nervosa e desconcertada da editora.

                - Quer morrer?? – perguntou Fernanda para o amigo quando finalmente estavam longe da sala – Porque se continuar falando essas bobagens eu juro que planejo e executo seu assassinato Pietro Sampaio!

                - Calma querida – riu o advogado – Relaxa Fernanda, eu só estava brincando. E nem pode falar que o que eu disse não é verdade porque nós sabemos que é.

                - Nunca mais te conto nada bicha fofoqueira – resmungou Fernanda acertando um soco no braço do rapaz.

                - Ai! – ele reclamou porque o golpe havia sido forte mesmo – Machucou.

                - Era a intenção – Fernanda respondeu cruzando os braços e se encostando na bancada da cozinha – Eu tenho que conversar com ela Pietro. Suas piadinhas complicam minha situação.

                - Deixa de ser boba – ele riu enquanto se aproximava mais da amiga – Não vá me dizer que Fernanda Azevedo esta nervosa com a situação em ter que conversar com a fotógrafa!? – falou ele colocando as mãos sobre a boca fingindo estar surpreso.

                - Idiota – resmungou ela, mas sem conseguir impedir um sorriso divertido de surgir em seus lábios por conta do jeito bobo do amigo.

                - Relaxa amiga – ele disse depois de desfazer a expressão exagerada – Só relaxa, segura o nervosismo, e vai falar com a fotógrafa. Não acho que ela seja do tipo que morde – ele completou rindo.

                - Só se pedirem – falou a fotógrafa fazendo Fernanda dar um pulo pra frente e se virar com uma expressão assustada que só fez Jasmine e Pietro rirem.

                Ela estava encostada na parede que separava a cozinha da sala de jantar, as mãos nos bolsos da frente da calça e um sorriso divertido nos lábios. Fernanda ficou sem reação e Pietro resolveu que era a hora de deixar as duas conversarem. Como a amiga não se movia ele a puxou para saírem de trás do balcão e a soltou apenas quando pararam em frente à fotógrafa.

                - Bom, já deu a minha hora – disse ele dando um beijo no rosto da amiga e se aproximando de Jasmine para repetir o gesto – Até qualquer dia Jasmine – falou ele saindo da cozinha enquanto Fernanda ficava apenas encarando os olhos da outra enquanto segurava o braço esquerdo com a mão direita.

                Jasmine esperou ouvir o som da porta da frente abrindo e fechando antes de se desencostar da parede e se aproximar de Fernanda que continuou a encará-la, mas sem se mover. A fotógrafa sorriu e colocou uma mecha do cabelo negro atrás da orelha da editora antes de qualquer outra coisa.

                - Temos que conversar – falou Fernanda fechando os olhos por um segundo enquanto sentia os dedos de Jasmine tocarem seu rosto enquanto ela afastava a mão lentamente.

                - Você está falando muito isso hoje – comentou a fotógrafa com um riso divertido antes de segurar a mão da morena e puxá-la para a sala.

                Elas retornaram à sala e sentaram-se no sofá de couro preto de três lugares. Fernanda dobrou as pernas e as colocou sobre o estofado se virando de frente para a fotógrafa e deixando seu ombro direito apoiado no sofá macio. Jasmine colocou a perna esquerda sobre o sofá, colocou o braço esquerdo sobre o estofado e também ficou de frente para a morena. Elas ficaram a se encarar por longos minutos, Jasmine com um sorriso e Fernanda admirando a fotógrafa à sua frente com um olhar bobo.

                - Segundo você era para nós estarmos conversando – falou Jasmine inclinando a cabeça sobre seu próprio ombro e rindo baixo ao ver a fotógrafa arregalar os olhos e fazer uma expressão envergonhada por ter esquecido completamente do motivo de estarem ali.

                Jasmine se aproximou ficando a menos de meio metro da editora e tocando o rosto da morena fazendo-a erguer o rosto. A fotógrafa inclinou para frente e tocou os lábios da outra com os seus num selinho longo e delicado. Depois fez um carinho de leve com o polegar próximo ao maxilar de Fernanda que colocou as mãos no rosto da fotógrafa puxando-a para um beijo calmo. Quando finalizaram o beijo com selinhos Jasmine sorriu outra vez tentando passar calma para a editora.

                - Certo – falou Fernanda com um mínimo sorriso – Vamos conversar – ela disse e as duas se afastaram voltando a ter vários centímetros entre elas, mas Jasmine segurou uma das mãos da mulher à sua frente, ainda passando segurança e calma – Primeiro de tudo, acho que tenho que deixar claro pra você que, o que aconteceu ontem...minhas reações Jasmine, eu não costumo explodir daquele jeito. Não com o que diz respeito aos meus sentimentos pelo menos – falou ela tentando achar as palavras pra começar a dizer tudo o que queria – Ontem, algumas coisas que você disse, eu sinto a necessidade de explicar algumas coisas. Então peço que me deixe falar isso antes de qualquer outra coisa.

                - Pode falar, eu não vou te interromper, mas Fernanda – Jasmine segurou novamente o rosto da editora – Eu tenho que dizer que muito do que eu pensava já foi desconstruído ontem.

                - Eu nunca gostei de ninguém Jasmine, nunca – falou a editora respirando fundo e encarando os olhos da fotógrafa que deixou suas mãos se afastarem do rosto da morena – A vida toda eu sempre tive meus casos, mas nenhum deles passou de simples casos e apenas isso. Eu nunca namorei, eu nunca me apaixonei, eu nunca me interessei realmente por ninguém e, todas as pessoas com as quais eu já me envolvi, sempre souberam que eu não estava romanticamente interessada. Eu e Pietro sempre fomos a muitas festas e nelas eu conhecia muitas pessoas, e desde a época do ensino médio e faculdade alguns homens tentam se aproximar. Eu também não vou negar que já havia beijado mulheres antes, mas nunca senti desejo suficiente para passar de beijos e algumas carícias mais quentes. O ponto que quero chegar é: eu nunca tive sentimentos tão profundos e tão intensos – Fernanda fez uma pausa para respirar, mas logo continuou porque não queria perder as palavras que tão duramente ela conseguira encontrar – Você foi uma figura interessante e que me chamou a atenção desde o momento em que te vi andando ao lado de Ana Júlia – admitiu ela com um sorriso contido – A partir do momento em que comecei a trabalhar do seu lado você foi se tornando cada vez mais intrigante. Conforme interagíamos eu começava a te admirar e, depois de ver suas fotos, foi impossível não me surpreender e te admirar completamente pela sua sensibilidade e talento. Você já me chamava atenção e eu não podia negar isso nem pra mim mesma, mas eu não entendia o que aquilo realmente era. Então quando tudo aquilo aconteceu – a mão direita da fotógrafa segurou a esquerda da editora no momento que sentiu a voz da morena falhar por se lembrar dos momentos tensos após os tiros ouvidos no casarão – Eu nunca havia sido, sequer, assaltada em toda minha vida Jasmine. Eu entrei em pânico, você sabe muito bem disso, e até hoje não tenho como te agradecer o suficiente por ter me tirado de lá e ter me mantido calma o bastante para não surtar naquela situação – elas entrelaçaram seus dedos e Fernanda encarou as mãos delas juntas antes de voltar a olhar para os olhos da fotógrafa e continuar – Pela primeira vez na vida eu não tinha controle de absolutamente nada, nem de mim mesma, e isso fez com que eu perdesse todos os parâmetros de como lidar com as coisas. Numa situação comum da minha vida eu nunca teria me permitido estar tão próxima de você – admitiu a editora com uma expressão envergonhada – Eu sempre evitei me aproximar de pessoas, nunca tive boas experiências em relações com outras pessoas. Passei a vida toda acostumada a ter pessoas com segundas intenções a minha volta e sempre entendi isso e me acostumei a nunca confiar.

                - Não estaríamos aqui sem aquele assalto, não é? – comentou Jasmine com um sorriso calmo e Fernanda soltou um riso fraco.

                - Talvez não, mas não me entenda errado – pediu a editora – Minha reação ao que aconteceu foi por causa do meu medo Jasmine. Eu tinha algum sentimento que me levava a pensar em você, mas tive muito medo de perder a mim mesma, de me enganar. Primeiro porque eu não entendi rápido toda a intensidade do que senti com você naquela noite. Eu não me entendia e não tinha nenhuma noção do que estava se passando comigo e, minha reação imediata, foi me afastar por medo de não saber o que eu faria estando perto de você e por medo também de que o que eu estivesse sentindo fosse me fazer passar por coisas ruins. Enquanto eu estava com você tudo era confuso, muito instintivo, eu não raciocinava. Minha defesa contra minha própria confusão foi te evitar e pra isso eu fui grossa, rude e fria com você. Só que agir assim não me fez bem – explicou a editora abaixando a cabeça e fechando os olhos – Eu tentei atribuir meu mal estar à algum estresse pós-traumático, às memórias ruins dos tiros e gritos, mas a verdade é que eu me sentia mal estando longe de você.

                Jasmine tocou o queixo de Fernanda com as pontas dos dedos e a fez erguer o rosto, depois acariciou o maxilar da editora com o polegar antes de dar um meio sorriso e puxar a morena pela mão até que ela estivesse sentada de lado em seu colo. As duas se encararam, Fernanda tinha as mãos nos ombros da fotógrafa que havia deixado suas mãos na cintura da editora.

                - Nunca me passou pela cabeça apenas te usar – disse Fernanda com um olhar sério – Eu preciso que você entenda isso Jasmine, porque quando me beijou naquele dia no meu escritório e eu correspondi não foi por querer apenas uma satisfação momentânea. Eu estou começando a aceitar o que esta acontecendo comigo, mas eu preciso que você acredite em mim quando eu digo que... – Fernanda foi interrompida pelos lábios da fotógrafa que se juntaram aos seus calando-a.

                - Eu acredito em você – sussurrou Jasmine sem afastar os lábios que roçavam uns aos outros enquanto ela sussurrava – Eu acredito agora. 

Fim do capítulo