CapÃtulo 2
Acordei cedo pra compensar a falha do dia anterior e fui ao estúdio, aproveitei o tempo no taxi e respondi algumas mensagens de amigos preocupados com meu sumiço, mas sem me aprofundar muito no assunto.
- Bom dia Liz. Como estamos hoje? - Perguntei à nossa recepcionista e amiga depois de cumprimentar algumas pessoas que circulavam por ali.
- Bom dia Ash. Tua irmã passou a tarde feito louca ontem, o que você andou aprontando sua doida?
- Imagino pelo tanto de mensagens e ligações perdidas que recebi. A história é longa, não sei se Murphy me ama ou me odeia. Almoça comigo hoje e te conto tudo, tenho que conversar com tua patroa agora. – respondi batendo na porta da sala de Hanna e me preparando para bronca.
- Sua louca! Onde você esteve ontem enquanto eu me consumia de preocupação? Você faz ideia do tanto de gente que eu mobilizei procurando por você, o dia todo? Esqueceu que o telefone já foi inventado? As redes sociais? Quer testar meu coração, pra ver se tá funcionando bem? Depois dessa tenho certeza que aguento qualquer tranco na vida... – Fui bombardeada com essas perguntas antes do costumeiro bom dia.
-Ei! Se você continuar falando desse jeito eu não consigo explicar o que aconteceu. Cadê a educação? Bom dia amore!
- Bom dia é o caramba! Minha vontade é te bater! Sorte sua que eu não contatei nossa mãe, porque se ela se abala do interior até aqui buscando notícias você estaria com um grande problema agora.
- Ok, desculpa te deixar preocupada, mas meu dia ontem foi caótico. Pra começar deu um trabalhão encontrar a locação do ensaio. Me perdi duas vezes, cheguei com quarenta minutos de atraso e tive que aguentar o olhar de reprovação daquele empresário arrogante que você arrumou como cliente. Repeti as fotos dezenas de vezes num calor insuportável durante toda a manhã, porque nada agradava aquela criatura cega que não enxerga um palmo acima do nariz, ainda fui acusada de dar em cima do noivinho tão indefeso... Será que aquela patricinha esnobe não percebeu ainda que o rapaz é gay? -Depois do relato minha irmã acabou acalmando um pouco, pois sabe que eu nunca quis fazer essas fotos, desde o primeiro momento senti que aquela menina transformaria meu trabalho num inferno, mas Hanna tinha que agradar o cunhado que buscava uma promoção na concessionária mais promissora do estado.
- Tudo bem, mas e o restante do tempo? - perguntou desconfiada.
- Por incrível que pareça meu carro quebrou, esperei uma vida inteira pelo guincho e quando procurava um ponto de ônibus ou taxi no final da tarde, acabei pega de surpresa por uma chuva que até agora não sei de onde veio. Minha salvação foi encontrar o café da Anne, do contrário teria que esperar mais uma eternidade tediosa até conseguir chegar em casa. Olha, desculpa minha falha, prometo que nunca mais te deixo sem notícias.
- E quem seria Anne?
- Ninguém importante. Já que estamos entendidas que tal me contar como foi a reunião com a revista especializada em noivas?
- Seria meio difícil “ninguém importante” te deixar tão corada. Saber que alguém prendeu tanto tua atenção a ponto de esquecer o mundo faz toda minha preocupação valer a pena.
- Nós não vamos começar aquela conversa de novo...
- Vamos sim. Eu ainda acredito que você vá encontrar alguém pra te fazer feliz como eu encontrei! – rolei os olhos, minha irmã sempre vem com essa conversa, ao contrário de mim, ela é daquelas que acredita no amor verdadeiro, alma gêmea, essa história de príncipe encantado.
- Ashley, nem todos que amam estão destinados ao sofrimento, relacionamentos podem dar certo ou não, assim é a vida. Sei que foi difícil pra você ver tudo o que nossa mãe passou, mas isso não significa que vai acontecer com você também.
- Aquele homem abandonou a mulher e duas crianças pra viver com alguém, cujo interesse todo mundo sabia, era no dinheiro que ele levou de nós. Nossa mãe teve que lidar com a traição não apenas no casamento, mas na parceria que eles tinham na loja de departamentos. Vimos como foi difícil pra ela ter que recomeçar, com duas filhas de dez e oito anos pra criar. Éramos crianças, mas eu lembro muito bem do estado depressivo que ela ficou, durante um bom tempo nossos avós tiveram que segurar as pontas por nós três. Eu não quero isso pra mim!
- Já está mais que na hora de você superar algo que aconteceu há dezessete anos, nossa mãe seguiu em frente e está feliz agora. – ela sempre fica chateada quando falo da separação dos nossos pais.
- OK, nós nunca chegamos a lugar nenhum com essa conversa. – falei abraçando minha irmã – Me diz que eu to perdoada e vamos voltar ao batente, me fala como foi com a Noivas em Cena.
- Foi bastante proveitosa, conseguimos um acordo bem interessante para ambas as partes. Nós vamos cobrir o evento Paraíso das Noivas para a edição de aniversário da revista e ainda fazer uns ensaios temáticos para o site e edições impressas nos próximos seis meses.
Ficamos o restante do dia planejando os próximos passos do projeto que ajudaria a enaltecer ainda mais o nome do estúdio, o que sem dúvida ampliaria a nossa clientela, discutindo a necessidade de contratar outro fotógrafo e preparando mais dois ensaios para a quarta-feira. A semana seguiu com muito trabalho e eu não me permiti pensar em certa ruiva do café, até a sexta-feira quando recebo um telefonema de Anne cobrando a nossa “saída”.
- Não sei se terei tempo Anne, o dia hoje será puxado, tenho dois ensaios, fico com receio de marcar alguma coisa contigo e não poder aparecer na hora.
- Vamos marcar num barzinho tranquilo. Um chopp gelado depois de um dia cansativo é sempre muito bom. – aceitei o convite pensando que não fazia mal encontrar a ruiva para bater um papo e relaxar como boas amigas que poderíamos vir a ser, mas lá no fundo meu subconsciente piscava uns alerta vermelhos por ter me encantado com ela, desde o primeiro momento que vi aqueles olhos verdes e o sorriso de moleca.
No barzinho escolhemos uma mesa na calçada para aproveitar o clima fresco da noite. Anne havia pedido um petisco e um chope então eu a acompanhei na sua escolha. Passamos uma noite bastante agradável e combinamos de repetir a dose sempre que possível para espairecer e jogar conversa fora. E assim fizemos, fomos a shows, cinema, jantares, barzinhos com alguns de seus amigos e a cada encontro Anne confirmava aquela primeira impressão que tive sobre ela, apenas uma coisa tirava aquele sorriso fácil de seu rosto, a questão familiar. Desde os quinze anos a ruiva tem os avós como única família, quando os pais souberam da sua sexu*l*idade a expulsaram de casa, nem mesmo com a irmã ela manteve o contato.
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Quatro meses depois aconteceria a "grande cerimônia" de casamento que me levou até o café naquela tarde de abril. Tive que convencer Hanna a fazer o book alegando que minha presença na igreja poderia provocar outro showzinho da noiva, o que não seria bom para as famílias e nosso estúdio que acabou ficando um pouco mais conhecido com o trabalho para a N e C. Aproveitei a folga para visitar Anne que não estava muito legal naquele dia.
Entrei no café e cumprimentei Ed e Bárbara, os atendentes do turno, que eu já conhecia por me tornar frequentadora assídua. O rapaz do caixa sinalizou a porta do pequeno escritório onde a chefa se encontrava. Adentrei depois de duas batidas e encontrei Anne cabisbaixa olhando da janela, os olhos e o nariz avermelhados indicando que havia chorado.
- Porque mesmo depois de doze anos ainda machuca como se tivesse sido ontem? Numa hora eu era a filha querida deles e logo depois a aberração que não merecia dividir o mesmo teto. - sentou na poltrona em frente à mesa do escritório - De tudo o pior foi me separar da minha irmãzinha, Kelly nasceu prematura e nossos pais tiveram que brigar muito pela sua vida durante os sete meses de gestação, desde a primeira vez que vi aquele serzinho indefeso diante de mim senti uma ternura tão grande, ela é a pessoa que eu mais amei na vida junto com os meus avós.
- Nunca imaginei que fossemos nos distanciar tanto, fantasiei que quando ela crescesse e entendesse melhor a vida nós retomaríamos nossa cumplicidade, que ela voltaria a ser comigo aquela mesma menina doce de dez anos, mas nossos pais conseguiram molda-la à sua semelhança. - respirou fundo e falou com a voz embargada - Ontem ela veio aqui, descobriu que estava espionando na locação das primeiras fotos do book e veio pedir que eu não aparecesse na porta da igreja. Não quer que os amigos e familiares do noivo me vejam por lá, já basta o fato de ter que conviver comigo morando na mesma cidade. - abracei a ruiva que irrompeu num choro sofrido e eu passei a detestar um pouco mais aquela garota.
- Uma pessoa que não sabe reconhecer o ser humano maravilhoso que você é não merece teu pranto. _ segurei seu rosto com as duas mãos e sequei suas lágrimas com os polegares - Não posso imaginar a dimensão do que você sofreu, pois minha mãe e irmã foram bem tranquilas com relação à minha sexu*l*idade, mas sei o que é se sentir traída e abandonada por alguém de quem deveria receber amor, cuidados. Por isso vim aqui te buscar, deixa o café por hoje sob a responsabilidade de Ed e vem pra minha casa.
- Não sou uma boa companhia hoje, tudo que eu quero é ficar sozinha, me isolar do mundo...
- Tudo o que você não precisa é ficar sozinha. Confia em mim, a gente procura uns filmes besteirol ántigos no Netflix, faz uma maratona com pipoca e brigadeiro, garanto que no final você vai pelo menos ter dado umas boas gargalhadas.
Anne deixou o café nas mãos de Ed, que faria turno dobrado para dar conta de cuidar do estabelecimento. No caminho de casa comprei algumas guloseimas, para a nossa maratona de filmes, Anne seguiu introspectiva por todo o trajeto, o que pra mim era estranho, pois nesse tempo de amizade era ela a que sempre tinha o astral lá em cima, conseguia me fazer sentir bem, não estava acostumada a vê-la triste e isso provocou em mim uma necessidade de protegê-la e também fez pensar no quão distante eu me mantinha da ruiva. Enquanto eu visitava o café, conhecia alguns de seus amigos e frequentava sua casa, até aquele momento não a havia convidado para a minha ou apresentado a ninguém.
- Você pode dar uma circulada por aí enquanto eu guardo as compras. - Deixei a ruiva à vontade para que conhecesse a casa que não era muito grande, mas na medida certa pra mim. Na sala havia um sofá de couro, rack e painel rustico com uma tv, cozinha americana, meu quarto e o quarto de hóspedes, ambos com móveis planejados predominantes em tom pastel, o banheiro simples com louça branca e paredes rusticas em madeira e tijolos descobertos, e por fim meu escritório e estúdio, único luxo.
Começamos nossa seção com “As Branquelas” e Anne gargalhou feito criança, principalmente na cena do banheiro, não chegamos a ver o próximo filme, pois Anne foi derrotada pelo cansaço e acabou dormindo recostada em meu ombro. Com cuidado saí do sofá e a deitei para que pudesse descansar em melhor posição, mas não consegui sair do seu lado, fiquei presa naquela imagem, os cabelos vermelhos que caíam sobre a metade do rosto, as sardas que deixam sua aparência tão fofa quanto sexy e a boca pequena, porém carnuda perfeita para ser beijada...
Fim do capítulo
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Mille
Em: 13/10/2016
Ola autora tudo bem?
Hoje me bateu aquela saudade, e resolvi vim deixar meu recado.
Espero que retorne logo ao LETTERA.
Bjus
Resposta do autor:
Olá Mille,
Muito gentil vc, obrigada por lembrar de mim. Coisas aconteceram e eu dei uma sumida, mas não esqueci dessa historia que é um desafio que eu me lancei como leitora. Como ela é uma minific, pretendo escrever os capítulos que restam antes de voltar a postar.
Bjs.
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Mille
Em: 20/07/2016
Acho que todo mundo bola de rir, no filme as Branquelas na cena do banheiro, toda as vezes que assisti esse filme morria de ri.
E essa irmã do mau da Anne, não gostei dela, acho que irá provar do próprio veneno pelo "maridinho" dela.
A amizade delas está crescendo e a Asley já está com pensamentos nada inocentes sobre a ruivinha.
Bjus e até o próximo
Resposta do autor:
Olá Mille,
Quem manda essa ruiva ter a boca tão linda. 😉
Essa cena do banheiro é pra morrer de rir.
A irmã do mau não perde por esperar.
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