Ashley

Atravessei a rua correndo e entrei no café. Comecei o dia com o pé esquerdo e esse fim de tarde não estava sendo diferente, depois de chegar atrasada para um trabalho e ter que lidar com os ciúmes de certa noiva mimada, perdi uma reunião com um cliente de peso porque meu carro quebrou lá onde o vento faz a curva, celular descarregou e pra fechar com chave de ouro uma chuva  que eu não sei de onde veio justo quando penso em ir embora. Com certeza não passo de hoje, pois Hanna vai me matar. 

Hanna é minha irmã mais velha e sócia. Com dois anos de diferença na idade, tivemos a oportunidade de vivenciar as mesmas experiências desde sempre e isso nos tornou inseparáveis, acabamos compartilhando muitas coisas inclusive a paixão pela fotografia. Há cinco anos abrimos um estúdio especializado em books de casamento, desde noivado até a cerimônia, Hanna acabou ficando com a parte administrativa enquanto eu ponho nossos projetos em prática.

Apesar de não estar com fome, minha intenção era apenas fugir da chuva, me senti contagiada pelo ambiente aconchegante e a simpática senhora que me recebeu com um sorriso daqueles que fazem o dia parecer menos pesado. Pedi uma xícara de café quentinho e uma torta de morango.

- Torta e café por conta da casa pra quem teve um dia difícil. – Falou uma das atendentes colocando meu pedido sobre a mesa.

- Digamos que levantei da cama com dois pés esquerdos hoje, mas como você adivinhou? Por acaso lê pensamentos?

- Na verdade acompanhei a experiência que você teve com a minha irmã e depois daquela empreitada não duvido que tenha levantado com três pés esquerdos.

- Então você é irmã da noiva... Será que eu corro o risco de topar com algum namorado seu por aí e ser expulsa do café sob acusação de vadia oportunista?

- Sem namorado, minha intenção é apenas diminuir um pouco do desconforto que você passou pela manhã.

- Não lembro de você naquele haras. - perguntei curiosa.

- Estava voltando da fazenda de um amigo e vi a movimentação, acompanhei do carro mesmo. Come a torta, garanto que você nunca experimentou uma igual.

- Muita gentileza sua, mas eu não acho justo consumir sem pagar.

- Apenas um agrado para alguém que teve que ir ao fim do mundo, num calor insuportável e foi obrigada a participar daquele espetáculo grotesco. Pelo que conheço dessa gente você deve ter precisado de muita paciência. E a questão do desconhecido a gente pode resolver agora. Olá, me chamo Anne e é um prazer conhecê-la! Me convida para sentar? – falou tudo isso me presenteando com um sorriso lindo!

- Ashley. O prazer é todo meu! E você já sentou. Então...tua chefa não se incomoda de você ficar tanto tempo de conversa com um cliente?

- Não, eu não me incomodo – de novo o sorriso – e aquela senhorinha super simpática ali é minha avó, de quem herdei o café e que adora relembrar os velhos tempos sempre que vem me visitar.

Emendamos o papo e Anne se mostrou bastante agradável, conversamos sobre fotografia, o fiasco do ensaio fotográfico e os outros acontecimentos do meu dia, seu amor pelo estabelecimento que foi inaugurado pelos avós nos primeiros anos de casamento, gostos musicais... Quando dei por mim o café estava vazio e eu sem saber como voltar pra casa tão tarde. Anne se dispôs a me dar uma carona e eu tive que aceitar a oferta, mesmo depois de argumentar que seria perigoso atravessar a cidade de moto ela não aceitou minha recusa. Esperei que ela fechasse o local e partimos.

A viagem não foi tão longa e assustadora como imaginei, na verdade tenho medo de motocicletas, acho que tem rodas e equilíbrio de menos, mas a ruiva percebendo meu receio prometeu e cumpriu ser cuidadosa então relaxei. Chegamos em casa pouco depois da meia noite, mesmo assim a convidei para entrar e tomar um chá comigo, tentando retribuir a gentileza.

- Outra hora, já é tarde e você deve estar cansada. Eu também tenho que me preparar pra o batente amanhã, mas se você aceitar a gente pode sair depois pra um jantar, barzinho ou  balada...

- Sim, vamos manter contato. 

- Me dá o telefone, vou marcar meu número e a gente vai se falando, – me devolveu o celular já subindo na moto.

- Certo, brigada pela carona e avisa quando tiver em casa pra eu ter certeza que você chegou bem.- nos despedimos com dois beijinhos e ela foi embora.

Entrei em casa, pus o celular para carregar e fui direto para o banho. Tenho certeza que assim que o celular der sinal de vida serei bombardeada por avisos de ligações perdidas e mensagens no zap de uma Hanna totalmente enfurecida pela minha falta de notícias. 

Depois de um longo banho morno decidi avisar à baixinha que tava tudo bem. Ignorei as chamadas perdidas e fui para o aplicativo de mensagens, não me assustei ao encontrar os inúmeros recados da minha irmã. Li apenas os três últimos:

*Ashley sua maluca irresponsável, quer me matar do coração? Como você some assim sem dar notícias?

*Ashley, se você tá assim porque perdeu a reunião tudo bem, a gente resolve isso depois, volta pra casa! – ela pensa que eu tenho quantos anos, cinco?

*Meu Deus Ashley, fala logo onde você tá! Desculpa se você se ofendeu com o maluca irresponsável eu tava preocupada!

Minha consciência pesou, Hanna devia estar desesperada e eu poderia ter pedido a Anne pra usar o telefone do café rapidinho e tranquilizá-la. Sabia como ela se preocupava comigo, mas acabei me distraindo naquele momento com Anne.

*Oi baixinha. Cheguei em casa agora, meu dia foi um caos. Desculpa te deixar preocupada, prometo explicar tudo amanhã. Boa noite, te amo!

Passei os olhos pelas outras mensagens, encontrei uma curta da ruiva com um boa noite e dizendo que havia chegado bem em casa, agradeci mais uma vez a carona e desejei que ela dormisse com os anjos.

*Só não vou aí te bater porque tô muito aliviada por saber que você tá bem, mas amanhã vai ter que explicar o que te fez sumir do mapa!

Depois dessa só me resta dormir e esperar pra enfrentar a fera amanhã. 

Fim do capítulo