"O coração de quem ama é como um cálice transparente em que vemos a cor do vinho!" (Joseph Baptisten)
Capítulo 12
Só apareci no escritório à tarde. Márcia e Guto haviam saído para o almoço, e só Guto retornaria, no final do dia.
Assim que entrei em minha sala, transpirando "indisfarçável" felicidade, Roberto me chamou. Respirei fundo. Mas nem todos os "Robertos" do mundo conseguiriam me afetar naquele momento. Eu estava num clima de intensa felicidade e, tudo bem que Marina não sabia de meus reais sentimentos, mas o que vivemos naquela manhã me contava que era recíproco o desejo que me consumia.
Eu sei que sex* por sex* Márcia não fica atrás. Mas, com Marina eu faço amor! E podem me chamar de louca, mas não posso deixar de sonhar em conquistar, também, o coração dessa mulher maravilhosa, experiente e, insanamente fogosa.
Fui e o encontrei ao telefone. Fez um gesto para que entrasse e me sentasse.
- Boa-tarde, Val! - me cumprimentou assim que desligou o telefone.
- Boa-tarde, Roberto!
Nossos encontros sempre foram... frios. Somos irmãos, mas não temos e nunca tivemos muita afinidade. Por isso estranhei ele usar a forma carinhosa que algumas pessoas têm de me chamar de "Val" enquanto ele é uma das poucas pessoas a me chamar de Valentina.
- Está tudo bem? - ele me encarou.
- Sim, está!
Mais estranho ainda... Vi Roberto limpar a garganta, arrumar a gravata impecável, e parecer meio desconfortável.
- Perguntei por que você não veio pela manhã e, também não vi a hora em que foi embora ontem à noite e...
- Tive um compromisso pela manhã.
- Sei... - ele deu um meio sorriso encabulado!
Encabulado?! Bem, alguma coisa ele queria me falar e não devia ser a respeito do cliente "Geraldo Garcia", uma vez que, se fosse isso, ele já estaria me criticando como tinha sido sempre.
- Bom... É que... - Roberto se levantou e passou a caminhar pela sala - Val, eu te chamei aqui por que... Bem, eu ... - me olhou - Estou interessado em Márcia!
Olhando para o seu jeito acanhado, só não ri porque fiquei condoída com sua expressão assustada, confusa e vermelha.
- Sei! - falei depois de alguns segundos - Interesse profissional?
Roberto elevou a sobrancelha num gesto estudado.
- Como? Profissional?! - ele balançou a cabeça - Não! Não! Claro que não!
- Sei! - falei - Bem, Roberto, você sempre soube de Márcia e eu, não?
Vi meu irmão, pra lá de envergonhado, balançar a cabeça num gesto positivo.
- Isso não te incomoda mais?
Ele permaneceu em silêncio me olhando.
- Bom, deixa-me entender! Você está me dizendo que está interessado em uma "amiga" minha e que...
- Pelo que sei, vocês não... Não "namoram" de verdade. - ele me interrompeu.
- Olha, - interrompi sabendo que Roberto poderia levar para um outro lado o que eu iria dizer, mas precisava ser sincera com ele - Eu e Márcia sempre tivemos uma amizade colorida...
- Eu sei! - ele me interrompeu de cara fechada.
- Pois é! Mas, o que você não sabe e, eu também não sabia, pelo menos até ontem, é que Márcia me ama!
Revelei e olhei nos seus olhos.
- Ama? - sua voz saiu trêmula.
- Ela me disse isso ontem. - esperei.
Roberto andou até a enorme janela e, com as mãos nos bolsos, ficou a olhar o trânsito lá fora.
- Nós sempre fomos muito mais amigas do que qualquer outra coisa, Roberto. Mesmo que não acredite em mim...
- E você? - ele perguntou, sem se virar.
- Eu? - aproximei-me dele.
- Também a ama?
- Amo!
Roberto me olhou.
- Melhor dizendo, adoro essa mulher, mas não é amor de verdade, entende?
Roberto voltou a olhar pela janela e um pesado silêncio caiu sobre nós.
Me senti incomodada com a situação, com a revelação e com o silêncio do homem ao meu lado.
Acho que, pela primeira vez na minha vida, eu via meu "todo-poderoso" irmão sendo um ser humano normal. Ou, talvez, o amor que começava a habitar meu coração, pela primeira vez, me fazia enxergar o mundo, as pessoas, os passarinhos, as flores... Enfim, tudo!, com um novo colorido, novo sentido, novos sentimentos...
- O que eu quero dizer, na verdade, é que o meu amor por Márcia é um amor de amiga. Amigas de verdade!
- Neste caso, você se importaria se eu tentasse? - ele ainda permanecia parado com as mãos no bolso, olhando para fora.
Num gesto instintivo, abracei meu irmão pela cintura. Surpreendentemente ele aceitou... Completamente desajeitado.
- Não! Mas espero que não misture o afetivo com o profissional. Márcia é uma excelente profissional e não gostaria de vê-la machucada. Também não quero que se machuque.
- Eu sei disso! Eu sei disso! - ele murmurou de olhos fechados.
- Sumiu pela manhã, Val! - Márcia entrou, assim que abri a porta.
Estava linda, como sempre! E usava um de meus perfumes preferidos, nela!
O perfume embriagador me envolveu assim que ela me abraçou e me beijou a face.
Eu devia estar louca, ou a presença de Marina na mesma vida deixava minha libido à flor da pele, pois senti o tesão me tomar e a vontade de prová-la crescer dentro de mim.
- Tive um compromisso e... - desviei meu olhar, disfarçando meu desejo - Esqueci de lhe falar ontem!
- Está tudo bem? - ela se sentou cruzando as longas pernas, como sempre, também!
- Está! Está tudo ótimo! - respondi sem encará-la.
- Guto ganhou um causa importantíssima hoje...
- É, fiquei sabendo...
- Então, ficamos de nos encontrar para comemorarmos. Queria que viesse junto e...
- Guto vai estar sozinho? - interrompi-a, sentindo-me estranha!
- Acho que não. - olhei para Márcia e a vi estreitar os olhos. - Sei lá, ele provavelmente vai estar com Marina, afinal são namorados e...
- Não, não são!!! - enfatizei tanto essa frase que, assim que terminei de dizer, já tinha me arrependido.
Márcia me estudou surpresa.
- Não são? Como assim? Seu pai mesmo disse...
- Papai disse que, provavelmente, eles seriam. Ou, ainda, que ele gostaria que fossem...
Bom, eu estava perdida. E perdida duas vezes, pois Márcia não era nenhuma tonta e, se antes andava desconfiada de que me acontecia alguma coisa, agora tinha certeza.
- Valentina! Será que você poderia me contar o que está acontecendo? - sua voz era firme e não admitia meias verdades.
Sentei-me à sua frente e resolvi abrir o jogo.
- Má, você se lembra daquela mulher na praia?
Os olhos de Márcia se estreitaram ainda mais.
- Mulher da praia?! Que praia? Que mulher?
Será que eu deveria continuar?
- Lembra-se que, depois da nossa festa de formatura, fomos esperar o Sol nascer e...
- Ah, sim! Agora me lembro! A mulher sozinha, na areia, o desafio do beijo...
- Então! - tomei fôlego. - Eu a reencontrei em Veneza!
- Puxa! Que coisa! Que coincidência... Estranha! - Márcia estava surpresa e, percebi, chateada.
- Pois é! - falei sem graça.
- E? - mesmo parecendo não querer saber o resto, insistiu.
- E... Nós... Eu e ela... - não conseguia encará-la.
- Vocês se reencontraram. Saíram. Transaram... - Márcia falava de forma calma e, sutilmente, enciumada.
Balancei a cabeça, num sim tão mudo quanto culpado!
Culpado?! Eu estava me sentindo culpada por ter escondido aquilo tudo de Márcia. Mas, nunca tivemos um compromisso e...
- E você me diz isso assim? - Márcia levantou-se magoada.
- Você quis saber!
- E o que Marina tem com isso? - seus olhos me estudavam sem perder nenhuma reação.
Levantei, caminhei até o som, desliguei-o. Virei-me para ela...
- Marina é a mulher da praia!
Pronto! Falei. Senti uma pena enorme daquela mulher à minha frente, que curvou-se como quem acabara de levar um murro no estômago e, visivelmente abalada e surpresa, sentou-se.
- Meu Deus! - foi tudo o que disse.
- Márcia, eu...
Ela me olhou, seus olhos lagrimejavam.
- E Guto?! - perguntou trêmula.
Balancei a cabeça sem forças para falar mais nada. Ver Márcia naquele estado estava me cortando o coração.
- Marina me disse que eles não estão namorando e...
- E você acreditou?
- Como? - olhei-a surpresa. - Claro que acreditei! Ou você sabe alguma coisa que eu não sei?
Márcia balançou a cabeça tentando, certamente, organizar seus pensamentos.
- Desculpa, Val! Mas é que eu... - ela suspirou - Claro que não sei nada!
Sentindo-me a pior mulher do mundo sentei-me a seu lado
- Eu é que lhe devo um pedido de desculpas, Má! Afinal, eu deveria ter lhe dito logo...
- Não! - Márcia sussurrou. - Você não me deve nada! Eu sempre soube que, para você, nosso lance é muito mais uma amizade do que qualquer outra coisa e...
- De qualquer forma... - interrompi-a -Me perdoa, sim?
Márcia me encarou.
Seus olhos ainda estavam úmidos, mas eu podia enxergar naquele olhar negro uma aceitabilidade incrível! Ali estava um ser humano fantástico e, se não fosse muita apelação de minha parte, diria que "a pessoa" merecedora de uma alma tão maravilhosa seria Guto, que é tão maravilhoso quanto Márcia.
Vi, com o coração partido, Márcia limpar os olhos e, resignadamente, abrir seu sorriso lindo, apesar de amarelo.
- Está tudo bem! - sua voz saiu meio rouca. - Bem, o que você me diz de sairmos mesmo assim? Afinal, - ela pegou minhas mãos - Eu disse à Guto que você iria também!
Eu já disse tudo o que acho de Márcia, não? Então...
- Você não existe, mulher! - não tinha como resistir àquela carinha linda, linda, linda...
- Existo sim! E sou todinha sua! - essa frase veio acompanhada de uma piscada sem vergonha e de um sorriso safado.
Fim do capítulo
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