O carro estava parado no acostamento, Fernanda havia até tirado o sinto de segurança para se virar no banco e encarar a fotógrafa que estava com uma expressão de raiva contida. Jasmine não aguentava mais aquela situação, muito menos sentir o perfume floral da morena ao seu lado; ela simplesmente não aguentava mais tê-la tão perto e não poder estar com ela realmente.

- Cansei disso – falou a fotógrafa ao ver que Fernanda realmente havia parado o automóvel – Eu vou achar um táxi – falou ela colocando a mão na alavanca da porta.

Fernanda apertou o botão que trancava as portas fazendo a fotógrafa encará-la indignada com aquela atitude infantil.

- Você não sai daqui até me explicar que tipo de pessoa você acha que eu sou para cogitar que eu pretendia te usar para me divertir! – esbravejou a editora com raiva também – Você que entra na minha, discute comigo e depois me beija! Que tipo de pessoa você pensa que eu sou?!?

- Eu não tenho ideia Fernanda!! – gritou Jasmine irritada – Quando eu cheguei naquele casarão eu conheci uma mulher decidida, forte e firme, dedicada ao que fazia. Quando andei pela mata escura com você eu tinha ao meu lado uma mulher frágil e temerosa, alguém com medo e que se permitia desmoronar e receber cuidado e carinho. Então quando voltamos ao casarão eu me deparo com uma mulher fria e indelicada, que desconsidera as pessoas ao seu redor! Você me ignorou durante cada segundo em que ficamos naquele lugar!! – tornou a gritar a fotógrafa, todo seu discurso se mantinha num tom irritado e alto – E agora eu venho para esse jantar e encontro alguém completamente diferente! Eu não tenho mais ideia nenhuma de qual dessas pessoas é você Fernanda. Só sei que eu não vou me deixar iludir outra vez. Eu não sou uma amostra grátis que você chega, experimenta, aproveita e depois decide que prefere o antigo e tradicional! Agora, ABRE A PORRA DESSA PORTA E ME DEIXA SAIR DAQUI!!

Fernanda não respondeu nem se deixou abalar pelos gritos da outra. Ela tomou uma decisão definitiva, levando em conta o que o amigo havia lhe dito antes, no momento em que ouviu da fotógrafa que ela achava estar sendo iludida. Ela ligou o carro e, sem nem mesmo colocar novamente o cinto, arrancou voltando para o caminho apertando o volante com força e encarando a rua enquanto ouvia uma Jasmine Indignada gritando para que ela parasse. A viagem durou mais 25 minutos, dos quais 15 foram cheios de reclamações e gritos da fotógrafa exigindo que Fernanda parasse o carro no começo, depois querendo uma resposta sobre para onde ela a estava levando e, por fim, quanto tempo até chegarem.

Fernanda seguiu direto até sua casa, parou na garagem e, no instante em que desligou o carro Jasmine pulou para fora. A fotógrafa já estava caminhando para longe quando Fernanda a alcançou, agarrou um dos braços dela, puxou-a de volta para o carro, colocou a fotógrafa de costas contra a lateral do carro e colou os lábios de ambas. Jasmine até tentou resistir e afastar Fernanda, mas a morena a segurou pela cintura e pela nuca. A fotógrafa simplesmente não conseguiu resistir e logo estava beijando a editora de volta enquanto a agarrava pela cintura. Quando o ar faltou e as bocas se separaram Jasmine conseguiu forças para empurrar a outra.

- Você é louca? – perguntou ela indignada e com a respiração completamente descompassada.

- Quer saber quem eu sou? – falou Fernanda que, mesmo sem conseguir normalizar sua respiração ainda tinha um resto de fôlego e firmeza para voltar a empurrar a fotógrafa contra o carro ao colocar suas mãos aos lados do corpo dela, contra a lataria do veículo – Sinto muito, Jasmine Meireles, mas isso às vezes nem eu sei, então não posso te falar. Agora, uma coisa você pode ter certeza – falou ela com um olhar ameaçador, mas que apenas fez Jas encará-la em desafio – Eu não sou o tipo de pessoa que brinca com os outros. Eu não engano os outros com relação às minhas atitudes.

- Nos beijamos e depois você simplesmente me ignorou! – rebateu a fotógrafa se exaltando.

- Se eu quisesse você só por uma noite as coisas não teriam ficado apenas em um beijo! – devolveu Fernanda tão irritada quanto a outra; para a sorte das duas o estacionamento do prédio estava completamente vazio.

- Ficou apenas nisso por que eu não deixei ir além! – disse Jasmine com os punhos fechados se controlando para não fazer algo do que se arrependeria depois, como acertar um soco na chefe de sua melhor amiga.

- MAS QUE INFERNO! – gritou Fernanda ainda mais irritada do que a fotógrafa enquanto batia com os dois punhos contra o carro e saia da frente de Jasmine se encostando ao veículo ao lado da mesma que ficou sem reação com aquela explosão da morena – Eu estava confusa, eu fiquei confusa. Não sabia lidar com isso, eu ainda não sei! – ela falou com a cabeça baixa e segurando seus próprios braços com as mãos cujos dedos já estavam vermelhos.

Jasmine soltou a respiração que estava prendendo por conta da reação da editora e respirou fundo antes de olhar para o lado e se deparar com Fernanda de cabeça baixa e tremendo levemente. A fotógrafa notou os dedos vermelhos, olhou o carro e viu a lata amassada, viu um pequeno corte aberto na mão esquerda de Fernanda soltar uma pequena gota de sangue e se assustou ainda mais ao notar que o corpo da morena tremia por ela estar chorando baixinho.

- Eu nunca senti isso por alguém em toda minha vida – sussurrou Fernanda sem olhar para a mulher parada ao seu lado – Eu nunca fiquei assim. Eu não sei lidar com isso, eu não sei ficar sem reação como fico quando estou perto de você. Eu não me reconheço mais desde que te conheci. Sinto medo disso tudo! – ela fala apertando os braços com as mãos já machucadas e suas unhas deixam marcas na pele bronzeada – Justo eu que nunca tive que lidar com sentimentos assim, a pessoa que sempre achou que isso não existia de verdade. Eu não sei lidar Jasmine.

Sem que pudesse impedir a si mesma de relembrar, Jasmine já revia em sua memória as lembranças de Amanda. A forma como a loira havia usado-a apenas para tentar se colocar de melhor forma no ramo da fotografia. Amanda cursava fotografia na mesma época em que Jasmine começou designe gráfico, na época a loira estava com um rapaz, mas terminaram em poucas semanas. Então ela conheceu Jasmine e Ana Júlia em um café perto do campus, ficaram amigas, Jas se encantou pela mulher que era cinco anos mais velha. Falavam de fotografia como se fossem duas crianças, Jasmine sabia sobre ela ser hetero, mas estava tão envolvida com a loira que tentou conquista-la. Logo antes de Amanda se formar elas começaram um namoro que durou dois anos. Amanda conheceu o pai de Jasmine, Augustos não gostava da loira que sempre lhe pedia conselhos e indicações.

As duas começavam a brigar demais, Jasmine ainda era completamente apaixonada, mas Amanda começava a se afastar. A verdade era que a loira já não aguentava mais a farsa já que o pai da outra não a ajudava em nada, mas ainda podia usar a influencia de ser namorada da filha de Augustos Meirelles para ganhar um trabalho ou outro. Quando ele morreu e Jas ficou muito abalada as brigas pioraram e, numa tarde Amanda simplesmente pegou suas coisas e disse que não aguentava mais fingir que gostava de ficar com outra mulher. Jasmine ficou sem reação ouvindo-a dizer que, apesar de realmente ter gostado das noites de sex* era entediante ter que aguentar a garota. Ana Júlia quis ir atrás da loira e lhe dar uma boa surra quando ficou sabendo, mas Jasmine apenas quis sumir, e foi exatamente o que ela fez.

E, depois de todo aquele tempo, as lembranças das brigas e do choro de Amanda ao lhe pedir desculpas e implorar perdão enquanto ainda estavam juntas vieram com força à mente da fotógrafa. Mas o que mais lhe doeu foi entender que a culpa que o choro de Amanda lhe fazia sentir não chegava a ser nem um décimo da culpa que ela sentia naquele exato instante vendo Fernanda naquele estado. Machucada por dentro e por fora, frustrada e chorando sem realmente querer chorar. Nesse instante Jasmine entendeu que aquilo não era uma encenação, que a editora-chefe não estava brincando. E ao entender isso seu peito apertou por ter gritado e acusado Fernanda.

Em movimentos lentos a fotógrafa se aproximou da morena para não assustá-la, com delicadeza Jasmine segurou as mãos de Fernanda fazendo ela parar de apertar os próprios braços e as trouxe para a frente das duas, olhou as marcas vermelhas e o pequeno corte da mão esquerda, beijou com cuidado as mãos da outra enquanto Fernanda a olhava com olhos vermelhos e a maquiagem borrada. Jas então colocou as mãos da morena eu seus ombros e passou seus braços em volta da cintura de Fernanda que imediatamente aceitou o abraço e escondeu o rosto no pescoço da outra, mas seu choro parou e ela apenas apertou a fotógrafa tentando se acalmar.

Sem deixar que se soltassem Jasmine tirou as duas de frente da porta do carro, abriu a porta e alcançou a bolsa de Fernanda que estava no porta-luvas. Ela tornou a fechar o carro ainda tendo a morena abraçada a ela com o rosto em seu pescoço. Com carinho ela distribuiu alguns beijos no pescoço e ombro de Fernanda antes de fazer qualquer movimento para soltá-la.

- Me deixa pegar a chave do carro do outro lado, sim? – perguntou ela com uma voz suave enquanto ainda dava beijos no ombro de Fernanda e acariciava as costas dela com a mão que não segurava a bolsa.

Fernanda acenou com a cabeça, relutante, soltou a fotógrafa logo usando suas mãos para tentar secar seu rosto e limpar a maquiagem borrada. Suas mãos doíam, mas ela tentava não reparar nisso. Jasmine voltou a abrir a porta sem querer sair de perto de Fernanda e alcançou a chave na ignição, pegou sua bolsa também e então trancou o carro antes de voltar a segurar Fernanda pela cintura que apenas se deixou ser abraçada enquanto suas mãos seguravam fracamente o tecido do vestido da fotógrafa.

- Qual seu apartamento? – perguntou Jasmine com delicadeza enquanto fazia um carinho discreto nos cabelos da morena.

- Cobertura – ela sussurrou tentando se recuperar e se afastando um pouco da outra para tentar liderar o caminho.

Jas apenas a segurou pela cintura e deixou que ela lhes levasse para o elevador.

Fim do capítulo