- Hum. Minha criança está com uma carinha feliz. – Raul sorria.

- Ela dormiu lá em casa esta noite. – Disse sussurrando e olhando para os lados se certificando de que ninguém os ouvia.

- Sinto que ela balança para o seu lado. Mas, a situação dela é delicada.

Raul viu a amiga suspirar.

- Eu sei. Mas, estar com ela é divino. – Os dois olharam a prancheta de Camila. – Como ela está?

- Nada bem, Paula. Não está reagindo às medicações. Não saiu do coma ainda e a doença está avançada. Parece que não se cuidou com relação a AIDS e o acidente agravou devido aos ferimentos e infecções. O quadro não é bom.

- Eu sei. Ela não reage. E a Helena?

- Passou a noite inteira aqui. A vi zanzando pelos corredores, agora deve estar tomando café. Ela está abatida. Bom, querida, agora que já te passei o plantão vou para casa ver meu boy magia.

Paula riu. Raul saía com cada frase de efeito. O amigo era um figurão na arte do humor. Assim que terminou de vistoriar seus pacientes desceu para tomar café. Avistou Helena no cantinho da lanchonete. Pediu seu café e o delicioso pão de queijo e foi sentar-se com a ruiva.

- Posso me sentar? – A ruiva lhe deu um bonito e cansado sorriso.

- Claro, doutora Paula. Mas, tem certeza?

- Bom dia! Me chame só de Paula. Ok?!

Helena balançou a cabeça positivamente. Ter a companhia da acolhedora doutora Paula poderia lhe tirar por minutos daquela agonia que sentia.

- Ok.

- Por que perguntou se tenho certeza?

- As mulheres do seu andar parecem temer serem vistas ao lado de uma homossexual.

- Helena sua vida sexual, já diz, é sua.

- Obrigada. – A médica lhe sorriu.

- O dr. Raul me disse que você passou a noite aqui. Tem passado a semana inteira. O que há?

- Não consigo ficar sozinha. Minha cabeça está cheia. O acidente, a doença... Estou ficando maluca e pior, sem ter com quem conversar.

- Converse comigo.

Seus olhos verdes marejaram. E os olhos de jabuticaba de Paula a olharam ternamente.

- Ela está morrendo?

- Pelo o que o Raul me disse ela nunca fez tratamento. O quadro é grave e ela não está reagindo aos medicamentos. Você já fez algum exame?

Estava tomando café com aquela atenciosa médica. Ainda estava inconformada. Paula havia lhe feito a pergunta que desde que soubera da doença tentava evitar.

- Nós estamos separadas há um ano e meio. Há alguma chance de eu ter adquirido a doença?

- Sim, há possibilidade!

Helena pôs as mãos no rosto.

- Deus não pode ser tão injusto comigo. Não é possível que até nisso a Camila vá me prejudicar...

Paula franziu a sobrancelhas, mas não quis se aprofundar no assunto.

- Vou te pedir alguns exames. Tudo bem?

- Estou com medo.

Paula segurou as mãos da jovem para lhe transmitir o máximo de força.

- Estarei contigo. Quer fazer hoje?

- Sem condições psicológicas. Há quatro dias não vou para casa.

- Você não pode ficar assim.

- Aqui pelo menos é movimentado.

Bruna se espreguiçava. Acordou na cama da mulher que amava. Podia sentir o cheiro dela em cada pedacinho. Abraçou o travesseiro de Paula.

“Deus, o que vou fazer da minha vida. Não posso perder essa mulher. Mas, e meus filhos? Como dizer a eles que estou apaixonada por uma mulher? E o Marcelo?”

Observou um bilhete no criado mudo.

“Você me enlouquece. Quero te sentir mais vezes ao meu lado. Esta noite foi maravilhosa. Beijo. Paula”

Bruna levantou-se revigorada. Será que queria abrir mão do que estava sentindo e dos momentos partilhados com Paula?

***

- Você é linda, sabia? – Raquel observava Natália acordar.

- Eu diria que para quem se dizia sem tato para relacionamentos você sabe como fazer uma mulher feliz ao acordar. – Natália se aninhou entre os seios da policial e sentiu seu cheiro.

- Você não estranha estar envolvida com uma mulher? – Já sentindo arrepiar com o roçar de lábio de Natália entre os seus seios.

- Sim. Muitas vezes penso que a pessoa que tem feito minha vida ter sentido é uma mulher... Mas, ao mesmo tempo isso é tão natural. Sei lá... Se parar para pensar racionalmente te diria que nunca nem havia tido curiosidade em beijar uma mulher. E se tivesse com certeza você seria minha última opção.

- É mesmo?

- Você me irritava demais.

Raquel deu uma sonora gargalhada.

- Digo o mesmo, doutora. O Anderson uma vez me disse que as únicas pessoas que me enfrentavam eram a Yasmim, ele e você. Ficou surpreso quando disse que havia me interessado por você.

- É mesmo? Hum, que bom saber.

- Ops, entregando meu ponto fraco ao inimigo... Péssima ideia, Reis.

- Você disse a ele que havia se interessado por mim? Conte-me mais...

Raquel sorriu. Um lindo e raro sorriso que encantou Natália.

- Eu estava inquieta. Não sabia como lidar com tudo isso. Acabei desabafando com ele.

- Você definitivamente precisa sorrir mais vezes. Você é linda séria, mas sorrindo arrasa coração.

- Ando sorrindo mais do que o de costume. Tenho sentido dores faciais por causa desses sorrisos.

Natália beliscou seu braço.

- Minha namorada tem senso de humor... Isso é inacreditável.

- Namorada? Como assim?

- Eu estou te pedindo em namoro policial.

- Ual! Ainda fazem isso? Pensei que eu fosse somente dar uns “pegas” numa médica gostosa e sair livre por aí.

Um novo beliscão.

- Sou uma mulher séria, policial. E quero você em minha vida.

- Hum! Você terá que ser paciente. Nunca namorei em minha vida. – Natália a olhou suspeitando.

- Sei. Com a pegada e experiência que você tem quer me convencer que nunca namorou...

- Eu disse que nunca namorei e não que nunca tenha trans*do.

- Cachorra.

***

- Você sabia que aquela médica insolente que agora é sua amiguinha me afrontou ontem na frente da acompanhante de uma paciente?

- Você está falando da Paula? – Bruna se sentiu incomodada com a abordagem de Marcelo

- De quem mais seria? E hoje pela manhã a vi tomando café com ela. Lésbica assumida. Como se isso fosse um troféu a ser ostentado. Eu fico indignado com essas mulheres mal amadas. Isso tudo não passa de falta de um homem de verdade.

Bruna mirou o marido. Teve ganas de dizer a verdade. Mas, se conteve.

- Eu acho que você não deveria falar de coisas que não conhece.

- Vou falar sobre a Paula no conselho do Hospital. Medicazinha insuportável.

- Ela é insuportável porque colocou você em seu lugar? Qual é Marcelo? Você quer arruinar a carreira de uma médica brilhante somente porque ela freou seu preconceito? É orgulho? Sério mesmo que seu orgulho vale mais do que a carreira de uma médica séria, dedicada e com um potencial enorme?

Marcelo olhou Bruna. Não a reconhecia naquela mulher que o enfrentava. Estava mais confortável com a Bruna submissa a seu temperamento, a mulher que mediava conflitos ao invés de enfrentá-lo abertamente. Precisaria prestar mais atenção à sua esposa. Alguma coisa havia mudado e não tinha se dado conta. Mas, agora, observando melhor visualizava uma clara mudança comportamental na mãe de seus filhos. Parecia mais aérea, menos aberta as suas carícias, mais impaciente com sua postura. Algo estava fora de lugar. Era necessário checar para não perder o controle da situação.

Bruna a seu lado, continuou lendo o livro, embora a mente tivesse sido transportada para a informação recém recebida do marido. Paula e a ex da paciente dela. Seria necessária aquela aproximação? Absorta neste pensamento não notou que começara a despertar a atenção do marido.

Fim do capítulo