"Nossa sorte não está fora de nós, mas em nós e em nossa vontade." (Grosse)
Capítulo 4
Eu sabia que era loucura voltar lá, mas não conseguia deixar de pensar em devolver, pessoalmente, o dinheiro de Marina.
Confesso que só de imaginar um reencontro com aquela mulher madura e bem resolvida minha face corava e meu corpo se aquecia. E, consciente dessa nova forma de desejar, escolhi um vestido azul que ressaltava a cor mel de meus olhos e, ao calçar sandálias com algum salto, minhas pernas pareciam mais longas. Roupas e acessórios que, descuidadamente, coloquei em minha bagagem para alguma situação especial, mesmo sabendo que aquele não era meu estilo e que, dificilmente, eu criaria alguma ocasião. Bem, ledo engano! A verdade era que, aproveitando o fato de ela não ter me reconhecido, queria causar uma nova boa impressão.
Senti-me tensa ao me aproximar do luxuoso Palazzo Regina. Respirei fundo e entrei. O mesmo "recepcionista-galã" da tarde anterior veio ao meu encontro e, num português sofrido, cumprimentou-me com um sorriso lindo no rosto bem barbado.
- Bom dia, signorina Valentina!
- Você sabe meu nome? - perguntei surpresa.
- Mas é claro! A signorina Cintra pediu para que a avisassem quando a signorina chegasse.
Bom, isso me soou como um voto de confiança. Afinal, ela não achou que eu fosse sumir com seu dinheiro. Tirei o envelope com o dinheiro da bolsa e estendi em sua direção.
- Pode, por favor, entregar isto a ela? - perguntei-lhe e ele apenas me olhou, com o mesmo sorriso. - Não posso ficar e...
- Está querendo fugir de mim, Valentina?
Virei-me e lá estava ela... Mais linda e mais segura do que nunca, e com o mesmo olhar profundo e perturbador de sempre.
- Olá, Marina! - cumprimentei-a com voz fraca.
- Olá! - ela respondeu suave. Seu olhar passeou pelo meu corpo e, como quem aprova, aproximou-se dando dois beijinhos na minha face.
- Trouxe seu dinheiro. - disse trêmula e boba.
- É, estou vendo. - seu sorriso era levemente divertido.
- Não sei como lhe agradecer por ter me ajudado ontem, nem sei o que faria se não fosse você... - eu me sentia constrangida perto dela.
- Por que precisa ir embora? - ela aproximou-se novamente e me segurou pelo braço num toque inocente, mas o suficiente para me arrepiar toda. - O dia está tão bonito! Poderíamos passear...
- Juntas? - pergunta idiota.
- Sim! Ou você prefere ficar sozinha? - ela levantou a sobrancelha em sinal de surpresa e parou a minha frente como que me dando a oportunidade de escolher.
- Não! Sim!... Quero dizer... - sorri de mim mesma pela confusão que fazia.
- Afinal, isso quer dizer sim ou não? - seu olhar era verdadeiramente encantador.
"Isso é um eu-não-sei-de-mais-nada!" - pensei, mas, sorrindo, disse:
- Isso é um sim!
Ela abriu mais o sorriso e me perguntou:
- Quais lugares já visitou?
Mesmo não tendo, talvez, a experiência daquela mulher, podia sentir que ela estava um pouco tensa.
- Bem, já visitei a Basílica de San Marco, a Casa Dourada e o Palácio de Doges.
- E onde gostaria de almoçar? - seu olhar não fugia do meu.
- Não tenho a mínima ideia... - meu olhar não fugia do dela.
- Então vamos conhecer um pouco mais dessa cidade... - ela sorriu e, juntas, saímos para o dia que prometia ser o mais surpreendente de minha viagem e, quem sabe, da minha vida!
Passeamos a manhã toda e eu, que já havia conhecido Veneza há alguns anos, passei a enxergá-la de uma maneira mais histórica e... romântica.
Marina, como já imaginava, era fantástica. De humor excelente e tiradas rápidas e inteligentes. Estar em sua presença exigia de mim um esforço extra para manter meu autocontrole e minha concentração. Afinal, tudo o que mais queria era provar a ela que eu não era aquela garotinha bêbada e sem nenhum juízo que ela havia conhecido. Mesmo que não se lembrasse disso!
Quando resolvemos parar para o almoço, Marina escolheu um pequeno e charmoso restaurante com cara de boa comida.
- Você sabia que o humorista Robert Benchley mandou um telegrama aos amigos ao chegar em Veneza? - ela me perguntou totalmente descontraída e divertida.
Disse não com um gesto de cabeça, tentando retomar meu fôlego que, ao avistar seu sorriso aberto e desconcertante, fugia-me.
- O telegrama dizia: "ruas cheias de água. Avisem todos!"
Pode não ter a mínima graça, mas para mim, uma boba enfeitiçada por aquela boca bem desenhada e sensual...
- Não, não sabia. Mas Truman Capote disse que vir a Veneza é como comer uma caixa de chocolates com recheio de licor de uma só vez.
Pronto! Se ela era conhecedora das histórias que circundavam Veneza, eu também conhecia. Bem, pelo menos uma!
Durante o almoço conversamos sobre muitos assuntos e, estranhamente, só agora aparecia a curiosidade normal de pessoas que se conhecem e querem saber mais a respeito da outra.
Marina trabalha com Artes, compra e vende. Por isso, a pedido de um importante cliente, estava ali e ficaria mais alguns dias. Isso foi tudo o que me disse.
O velho Norberto Siqueira Campos iria adorar conhecê-la, pois Arte era uma de suas poucas paixões e, em nome de sua paixão, tem quadros e peças caríssimos e preciosos em sua mansão.
Quanto a mim, contei-lhe que tinha acabado de me formar e que aquela viagem tinha sido um presente de formatura.
Assim que terminamos, ela me convidou para tomarmos um café num dos vários cafés espalhados pela praça. Depois, passeamos mais um pouco e paramos sobre a conhecida Ponte dos Suspiros para observar suas águas escuras.
- Imagine quantos turistas já passaram por aqui e se sentiram encantados com essa cidade! - disse-lhe sentindo uma paz e uma alegria muito grande dentro de mim.
- Assim como nós? - sua pergunta, feita de forma tão suave, me deixou em dúvida se eu havia percebido a ênfase na palavra "nós".
Olhei para Marina que me encarava de forma transparente.
Ela me queria. Estava ali, estampado em seu rosto esse desejo. E mais, ela estava consciente de que eu a desejava também.
- Aceita jantar comigo esta noite, Valentina? - ela me perguntou repentinamente.
Não pensei em nada que não fosse estar com ela um pouco mais e, também, não me preocupei em não parecer ansiosa.
- Aceito! - minha voz saiu rouca e imprecisa.
Ela sorriu e, demoradamente, soltou o ar que prendia. Marina estava tão ansiosa quanto eu.
- Então me diga onde está hospedada e eu a apanharei às oito horas.
- Não precisa se incomodar...
- Mas eu insisto! - ela me interrompeu decidida e quase mandona.
Nunca gostei do jeito dominador e mandão de meu pai e de meu irmão mais velho. Marina estava agindo assim agora e eu, como boa rebelde que sou, levantei o queixo e disse firme:
- Eu a encontrarei aqui na praça. Sinceramente, Marina, sou uma mulher bastante independente...
Ela achou graça de minha rebeldia, mas nada comentou, apenas assentiu com a cabeça e murmurou:
- Tudo bem, garotinha! Eu só quis ser gentil... - ela deu uma pausa e depois perguntou: - Você é sempre assim, tão rebelde?
- Apenas quando preciso ser. - respondi.
De novo uma pausa.
- Gosto de conduzir as coisas do meu jeito. - ela falou.
- Eu já percebi...
Marina baixou olhar e quando levantou, encontrando o meu, perguntou baixinho:
- Você vai aparecer?
Olhando para aquela mulher tão dona de si, era difícil imaginar que ela estivesse com medo de levar um bolo. Um misto de admiração e excitação me tomou por inteira. Difícil foi não deixar transparecer isso na minha voz rouca.
- Claro que sim! Pode me esperar.
Fim do capítulo
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