- É vida... Está de parabéns...

 

Estava sentada no chão da sacada, olhava para o céu nublado, o dia foi ótimo, apesar da presença de Amanda e Danilo, revendo um pouco a minha vida, percebi que em todos esses anos eu nunca havia se quer beijado uma pessoa que já tinha outro alguém, mas como diz o ditado: para tudo há uma primeira vez. Eu além de beijar duas pessoas comprometidas, ainda me apaixonei por uma delas. Um vento gelado anunciava a vida da chuva, tentei me imaginar daqui a dois anos. Vivendo na Austrália, talvez, ou nos Estados Unidos, trabalhando em um daqueles fantásticos aquários. Tinha que fazer o meu coração sobreviver até lá, de repente a imagem de Isabela, veio a cabeça.

 

- As melhores sempre já tem alguém... – sorri com pesar.

 

Decidi ir dormir, escovei os dentes, vesti uma roupa mais quente, entrei debaixo das cobertas e em poucos minutos, adormeci.

 

A segunda passou tranquila, na terça a tarde, eu estava em um supermercado, estava desejando chocolate, cheguei a seção de doces e sorri por ter encontrado Isabela, ela passou a segunda ocupada e mal tivemos tempos de nos falar, me aproximei dela.

 

- Olhos bonitos... – um sorriso compartilhado.

 

- Branquela... Já iria te mandar uma mensagem. – ela me deu um abraço apertado. – Atrás de doces?

 

- Exatamente... Minha boca está desejando um grande e crocante pedaço de chocolate. – ela riu de minhas caretas.

 

- Então vamos compartilhar... Te dou metade do meu e você me dá metade do seu.

 

- Fechado. – apertamos as mãos. – Veio sozinha?

 

- Sim... Vim comprar alguns matérias para a minha mãe fabricar os fantásticos bombons dela.

 

- Bombons?

 

- Sim, ela me ajuda a fazer e eu vendo na faculdade. É com esse dinheiro que eu pago o meu curso de inglês. – a olhei muito surpresa.

 

- Uau! Alguém já te disse que você é fantástica? – falei com sinceridade e ela sorriu.

 

- Quer me deixar sem jeito? – eu sorri.

 

- Tá com pressa? – perguntei, enquanto andávamos no corredor.

 

- Não, por que? – ela colocou alguns pacotes de amendoim na cesta.

 

- Então tem tempo para uma fatia de bolo? Aqui tem um de chocolate, que... – Fechei meus olhos. – Delicioso.

 

- Com essa propaganda toda, eu aceito.

 

- Não irá se arrepender...

 

Envolvi o meu braço no dela, e seguimos para a lanchonete, escolhemos uma mesa, fizemos os pedidos e ficamos conversando. Notei um pouco de preocupação em seus olhos, não queria ser indiscreta, mas decidi perguntar.

 

- Isa?

 

- Oi... – ela sorriu.

 

- Posso saber o por quê desses olhos estarem com uma sombra de preocupação? – ela me olhou por uns instantes, de repente me senti com vergonha por estar a interrogando. – Se não quiser falar, eu vou entender...

 

- Não! Tudo bem, Flávia. Eu apenas estou surpresa de você ter percebido, sempre achei que escondesse bem esse tipo de sentimento.

 

- Mas eu o vejo em teu olhar. – ela mais uma vez ficou a me observar. – Quer me deixar vermelha? Tá conseguindo... – ela riu com gosto.

 

- Desculpe... – ela ainda tinha um sorriso de lábios no rosto. – Hoje pela manhã eu tive uma briga muito séria com o Paulo Henrique. – ela olhou para baixo.

 

- Posso saber o motivo? – segurei sua mão que estava sobre a mesa, ela sorriu com o gesto, mas não interrompeu.

 

- Foram uma junção de coisas... – ela soltou o ar com força. – A família dele nunca aceitou o nosso relacionamento, sabe?! Nas poucas vezes que eu estive na casa dele, fui muito mal tratada pelos pais dele...

 

- Como alguém teve coragem de te tratar mal, Isabela? – seus olhos vasculhavam os meus.

 

- Por causa da minha classe social... – ela balançou a cabeça de forma negativa. – A única que me tratava e ainda trata muito bem, é a Jaqueline, irmã do Paulo Henrique. Nesse tempo de namoro, eu escutei coisas absurdas vindas deles... Meus pais nem sonham com isso, o único que sabe é o Rafael e agora você. – ela apertou a minha mão. – E hoje... Quando ele, pela milésima vez, desde que te conheci, veio me cobrar ciúmes... Eu não aguentei...

 

Fiquei muito surpresa com tudo aquilo, e isso duplicou quando ela acabou de falar essa última parte.

 

- Ciúmes? De mim? – não estava acreditando.

 

- É sim... Segundo ele, você estava tentando me seduzir e me roubar dele. Eu não consegui ouvir tantos absurdos de uma só vez... Então eu terminei o nosso relacionamento...

 

Os nossos pedidos chegaram.

 

- Caramba... Eu sinto muito, Isabela...

 

- Ei? Para! Você não tem culpa de nada... Nosso relacionamento já estava totalmente desgastado... E o Paulo Henrique mudou muito de uns meses pra cá... Ficou extremamente ciumento, aponto de querer que eu rompesse a minha amizade de dez anos com Rafa... Algumas atitudes dele chegavam a me assustar... tenho certeza que fiz o certo...

 

- Isso só faz a minha admiração por você ganhar quilômetros quadrados... – ela riu, era bom causar risos nela.

 

- Obrigada...

 

- Eu que te agradeço por confiar em mim...

 

- Não me deixa com vergonha, Flávia...

 

- Sim, senhora. – bati continência e ela gargalhou.

 

Passamos a devorar o bolo e como eu já suspeitava, ela adorou e eu me senti imensamente feliz por isso. Insisti horrores para leva-la em casa, depois de muito dizer que não era preciso, ela aceitou. Fomos o caminho inteiro conversando amenidades, e logo chegamos em frente a sua casa, muros altos, um portão pequeno e outro um pouco maior, a casa ficava escondida atrás do muro.

 

- Quer entrar? – pensei por um segundo.

 

- Quero.

 

Tranquei o carro e entramos, por fora fachada era simples, com flores coloridas em um pequeno jardim. Entramos, a sala ficava logo na entrada, tudo simples e muito bem organizado.

 

- Cheguei, mãe. – ela gritou da sala. – E trouxe alguém para almoçar com a gente. – ela me olho com uma expressão divertida.

 

Logo uma senhora de cabelos em um corte curto, a pele morena clara, alta e forte, surgia na sala, ela me olhou com um sorriso. Esses foi um momento em que a vergonha me visitou.

 

- Bom dia, moça... – ela me abraçou, me pegou de surpresa. – Você deve ser a Flávia... – Olhei para a Isa. Ela andou falando sobre mim?

 

- Prazer, dona...

 

- Ai, mas que cabeça minha. Me chamo Eduarda. – ela sorriu gentil.

 

- Dona Eduarda. – Isabela, nos olhava divertida.

 

- Cadê o pai? – Isabela perguntou.

 

- Voltou para o trabalho faz meia hora, minha filha. – olhou para as próprias roupas. - Chegaram na hora certa, venham. – ela nos levou até a cozinha. – Não repare na bagunça...

 

- Que isso...

 

- O que temos para o almoço, mãe? Sabe, Flávia, a minha mãe é uma ótima cozinheira.

 

- Não exagere, minha filha... – a senhora ficou levemente envergonhada.

 

- Agora fiquei realmente curiosa... – falei com empolgação.

 

- Vai se apaixonar... – Isabela, falou e depois piscou.

 

- Fiz uma lasanha de frango. – dona Eduarda, colocou a nossa frente uma bandeja. – Espero que agrade. – ela retirou o avental. – Não vou poder ficar, você chegou tarde, meu amor e eu preciso voltar para o trabalho.

 

- Tudo bem, mamãe. – Isabela, levantou e deu um abraço apertado na mãe. – Eu cuido de tudo por aqui.

 

- Obrigada, minha menina. Desculpe, Flávia, mas saiba que já é mais que bem-vinda. – levantei para abraça-la também. – Sinto até que já lhe conheço, de tanto que a Isabela fala bem de você.

 

Olhei para a Isa, e ela não poderia estar mais vermelha, rir daquela situação.

 

- Obrigada, dona Eduarda, e tenha um bom trabalho.

 

- Obrigada, minha filha e depois quero saber o que achou da minha lasanha...

 

- Com certeza.

 

A senhora deu um último beijo na filha e saiu, Isabela passava a mão na nuca, parecia estar sem graça e eu que não posso perder uma oportunidade...

 

- Quer dizer que você fala muito em mim? – falei sentando, ela abriu a boca algumas vezes, porém não disse nada, o que me fez rir muito. – Deveria ver a sua cara...

 

- Quer suco?

 

Ela abriu a geladeira, tirou de lá uma jarra com suco de cupuaçu, se ela soubesse o quanto eu amava. Ela sentou a minha frente, nos serviu.

 

- Fica uma fofacom vergonha... – ela me olhou e deu um sorriso tímido.

 

- Você pode parar quando quiser...

 

- Então vou deixar um pouco para o resto da semana... – dei uma piscada e ela sorriu aberto. – Sabe de uma coisa?

 

- O que? – ela colocou uma garfada na boca.

 

- Ainda não sei que curso você faz... – falei bebendo um pouco de suco.

 

- Faço odontologia, na federal.

 

- Nossa... E a doutora tem quantos anos?

 

- Eu tenho 20 anos... – ela sorriu. – E você? Qual curso... Idade?

 

- Curso de ciências biológicas e tenho 22 anos... – coloquei um pedaço enorme na boca. Arrancando risos dela.

 

- Professora?

 

- Biologa marinha... -  sorri.

 

Continuamos naquela conversa leve, descobri tanto daquela menina e fiquei muito surpresa com a vida difícil que já teve. Uma grande admiração cresceu dentro de mim, ela era uma pessoa fantástica, linda por fora e maravilhosa por dentro. Ajudei na louça e quando dei por mim, já se passava das quatro da tarde.

 

- Tenho que ir... – falei olhando para o relógio.

 

- Mas já? – ela pareceu levemente desapontada.

 

- Infelizmente... Mas se a senhorita me convidar, prometo vim mais vezes... – ela sorriu.

 

- Então vou preparar uma gaveta só para você. – ela deu uma gargalha e eu a acompanhei.

 

- Olha que estou levando a sério. – fiz uma cara de séria, que não convenceu em nada. Olhei todo e seu rosto, aquela mulher era simplesmente linda. – Vou indo...

 

- Te levo até o portão... – ela pareceu sem jeito.

 

Chegamos ao lado de fora do portão, a abracei forte e por alguns instantes fechei meus olhos, o aroma gostoso que vinha de seus cabelos invadiu o meu sentido, sorri e quando me dei conta, desfiz com calma o abraço.

 

- Nos falamos mais tarde? – ela perguntou.

 

- Pode ter certeza... – entrei no carro, abaixei a janela e fechei a porta. – Eu adorei... Obrigada por esses momentos. – ela sorriu com os lábios...

 

- Eu também gostei...

 

- Manda um beijo para a sua mãe...

 

- Ela vai ficar feliz... – ela me olhou por um momento. – Vá com cuidado...

 

- Pode deixar... – dei partida. – Até logo...

 

- Até...

 

Sai dali com uma sensação tão boa, fazia muito tempo que eu não senti aquela paz, aquela menina era responsável por isso.

 

- Seria perfeito, me apaixonar por você... – ri do que disse a mim mesma.

 

Cheguei em casa uns quarenta minutos depois, encontrei Paloma e Cássia na sala, meus pais e Nicole, pelo o que parecia, não estavam.

 

- Namorando muito? – perguntei as duas e ela reviraram os olhos.

 

- Não, mas você devia... – Cássia respondeu, apenas dei de ombros. Me joguei no sofá com elas.

 

- Aonde você estava? – Paloma quis saber.

 

- Na casa da Isabela... – as duas se olharam e depois olharam para mim. – Não é nada disso que as duas estão imaginando...

 

- Não pensei nada... – Paloma respondeu.

 

- Nem eu...

 

- Sei...

 

Levantei com muita preguiça e fui para o meu quarto, joguei tudo no chão e entrei no banheiro, a água estava gelada e o calor daquele dia quase insuportável, então foi um alivio senti-la molhar o meu corpo. Depois de um tempo, deliguei o chuveiro, me enrolei em uma toalha e me joguei sobre a cama. Lembrei de Amanda, pensei em Isabela... Pensei na minha vida... Me perguntei o que Amanda, estaria fazendo agora. Se Isabela, estava triste pelo fim do namoro... Entre vários questionamentos, adormeci.

 

- Tem certeza que ela vai ficar bem? – uma sensação enorme de preocupação brotou em meu coração. Ali, diante do portão de uma creche, sentia o meu peito doer.

 

- Amor, ela precisa fazer amizades...

 

Eu segurava aquela mão tão pequena entre a minha, me agachei para ficar na mesma altura da menina que sorria. Segurei o seu rosto, senti meus olhos lacrimejarem, olhei para a outra loira que estava em pé, nos observando.

 

- Qualquer coisa, manda avisar a mamãe e eu virei correndo, está bem?

 

- Eu vou ficar bem, mamãe... – ela segurou o meu rosto e beijou a minha testa.

 

- Oh meu amor... – a abracei forte.

 

- Amor, ela precisa entrar... – Amanda me olhou sorrindo.

 

- Boa aula, minha princesa... – ela entrou, sendo acompanhada por uma moça.

 

- Você é perfeita... Eu te amo...

 

abri meus olhos, olhei para todos os lados, sentei na cama e passei a mão pelos cabelos, a minha respiração estava forte. Aqueles sonhos novamente, parecia tão real, coloquei a mão sobre o peito.

 

- Tão real...

 

Me joguei na cama, encarando o teto, a imagem daquela menina não saia da minha cabeça, como isso é possível?

 

 

 

Fim do capítulo