Aqueles dias estavam sendo horríveis, me pegava pensando nela quase a toda instante, eu sei que ela estava fazendo o certo em se afastar, mas isso não diminuía a dor. A imagem dela naquela festa, com aquela menina, não saia da cabeça. E tudo só piorou depois que ela me enviou aquele áudio, o escutava inúmeras vezes, chorei diversas vezes.

Danilo não merecia aquilo, eu me sentia muito mal com tudo, o via tão dedicado ao nosso casamento e isso era demais para mim. Tanto que ele me pegou de surpresa ao me dizer sobre o convite da irmã de Flávia, para passarmos o domingo na casa deles.

Agora eu estava aqui, vendo ela com a menina da noite passada, ela me olha, porém nunca sustenta o olhar, sentia que iria enlouquecer. Como cheguei a esse ponto? Em que momento eu perdi o controle de minha vida? Quantas vezes já me peguei pensando o quanto imprudente eu fui. A culpa me arrastava para um mar de duvida, olhava o lado e via um cara que me amava, que não imagina, nem se quer sonhava com o que havia acontecido. Olhava para ela e sentia a avalanche de sentimentos me invadir, eu a amava e me doeu o que aconteceu em meu apartamento. Me perguntava se um dia eu teria a coragem de mandar tudo para o espaço e me entregar de vez a ela.

Danilo conversava animado com o irmão e os pais de Flávia, olhei para Nicole e a mesma me observava, dei um sorriso torno e tentei ser mais participativa na conversa, porém eu nem sabia o que estava sendo dito.

- Quando poderemos conhecer seus pais, Amanda? – Carolina, como sempre muito gentil. Antes de chegar, durante o caminho eu me perguntava com que cara olharia para a família da Flávia, mas me surpreendi positivamente com a forma que eu estava sendo tratada.

- Marcarei algo e poderão conhece-los. – bebi um gole de suco. – Tenho certeza que irão se dar muito bem.

- Tenho certeza que sim. – Henrique completou.

- A formatura da Flávia está bem próxima. – Nicole puxou o assunto. – Tem ideia do que irá fazer, mamãe?

- Tenho certeza que ela não vai querer nada de luxuoso... Tenho algumas coisas em mente, mas conto com a ajuda de vocês. – ela falou olhando para a filha.

- Gostei muito desses amigos dela. – seu Henrique, falou e olhou para o grupo. – Aquela moça, a Isabela, tem uma doçura nos olhos. – senti um pequeno incomodo com aquele assunto.

- Isso é verdade. – Nicole olhava na mesma direção que o pai. – Ela é uma pessoa sensacional...

Não olhei para onde eles estavam olhando, bebi outro gole do suco já quente, Danilo me olhou e deu-me um selinho.

- Vamos almoçar? – Carolina chamou. – A comida está uma verdadeira loucura.

- Vou chamar as meninas. – Nicole levantou.

Minutos depois estávamos todos à mesa, Cássia arrancava muitas risadas, olhei para Becca, ela estava visivelmente feliz, vi a proximidade que existia entre Emily e ela, o que me fez ter certeza que elas tinham algo, sorri com essa constatação.

- Seu aniversário está chegando, Paloma. – Emily iniciou. – Vai ter festa?

- Só uma pequena reunião entre amigos... Nada de festa.

- Te conheci mais animada. – Cássia comentou. Eu apenas comia.

- Não quero correr o risco da dupla dinâmica inventar mais uma. – ela falou olhando diretamente para Flávia.

- Não me olha assim... Já falei umas mil vezes que foi sem querer. – ela sorriu.

- Sem querer... – Paloma revirou os olhos.

- O que aconteceu? Me deixaram muito curioso. – o amigo da tal Isabela perguntou.

- Também quero saber. – Emily e Rebecca disseram juntas.

- É, Cássia, conta pra eles. – Flávia baixou a cabeça. Carolina e Henrique soltaram uma pequena risada.

- Eu não fiz nada... – Flávia se defendeu. Eu apenas observava a conversa. Admito que também estava curiosa.

- Como assim não fez? – Cássia se indignou, arrancando risos dos que estavam na mesa. – Vou contar o que aconteceu...

- Traidora. – Cássia, ignorou a fala de Flávia.

- Ano passado, na festa de 17 anos da Paloma, a Flávia....

- Opa! Opa! – Flávia a interrompeu. – Conta direito essa história.

- Ok... Nós duas queríamos fazer uma surpresa para a Paloma...

- E realmente fizeram... – Paloma interrompeu Cássia, lançando um olhar mortal para a outra.

- Desculpe... – fez cara de cão sem dono. – Bom... Passamos uma semana tentando pensar em algo bom o bastante... Entramos no quarto da Paloma, e encontramos lá o que achamos que iria ser o presente perfeito...

- Ora, perfeito... Que diabos vocês tinham na cabeça para me aparecer com um palhaço na minha festa de 17 anos??

Não consegui conter o riso, logo fui acompanhada por todos na mesa, Flávia e Cássia, afundaram seus rostos entre suas mãos.

- Ai suas loucas... – Emily mal conseguia falar. – Acharam o que? Que a Paloma estava fazendo 10 anos? – e mais risadas.

- Foi com a melhor das intenções... – Flávia tentou se defender.

- Teria sido melhor ficar com a segunda opção... – Cássia reclamou.

- E qual seria essa segunda opção? – Isabela fez a pergunta que eu queria fazer.

- Um pônei... – Flávia respondeu.

Um segundo de silencio, até que ninguém suportou segurar e gargalharam até sair lágrimas, pela primeira vez na vida eu vi a Flávia, totalmente envergonhada. Algum tempo depois, aos poucos, as risadas foram cessando.

- Desculpe, Paloma... – Flávia, começou a falar e todos direcionaram sua atenção para ela. – Foi o maior mico... Mas quero que saiba que não foi por mal... Talvez você não entenda por ser a mais nova, porém era, na verdade ainda é difícil aceitar que aquela menininha que em noites de tempestade, corria para o meu quarto, se jogava em minha cama e me abraçava tão forte, simplesmente se tornou uma mulher... Uma linda mulher...

- Quando você tinha dez anos, seu corpo já estava em evolução, e isso nos deixava assustadas. – Nicole entrou na conversa. – Perdíamos horas e horas bolando planos bobos para não deixar a nossa menor ser seduzida por algum garoto idiota... É bobagem, mas era assim, ainda é...

Paloma sorria com lagrimas nos olhos, olhava emocionada para as duas mais velhas, e aquela velha vontade de ter um irmão ou uma irmã me invadiu.

- Suas bobonas... – todos riram.

- Somos sim... – Flávia falou mirando a irmã. – Mas vamos mudar o assunto... Não quero chorar... – ela sorriu. – Cadê a sobremesa?

Depois do almoço, deitei em uma espreguiçadeira com o Danilo, de olhos fechados, eu voltei ao passado por algum tempo. Recordei da última conversa que Fernanda e eu tivemos, antes da minha mãe ver o tal poema.

- Você deveria se importar menos com esse preconceito bobo que a tua família nutre. – eu estava sentada na beirada da cama na qual tantas vezes me perdi.

- São os meus pais... Nanda. – ela nunca iria entender.

- É a sua vida, Amanda! Será que não ver? – ela estava alterada. – Se viver assim... Se escondendo sempre... Sua vida vai ser infeliz...

- Nem todo mundo tem a sorte de ter pais como os seus...

Abaixei a cabeça, chorei porque ela tinha razão, mas eu não poderia fazer absolutamente nada!

Abri meus olhos e vi Rebecca, vindo em minha direção, ela parou bem na minha frente, olhou para o Danilo e sorriu.

- Vou deixar vocês à sós. – ele beijou a minha face e foi até onde o irmã estava.

- Oi. – Becca, sentou ao meu lado.

- Oi. – a encarei por breves segundos.

- Sei que faz tempo que não conversamos, mas eu quero mudar isso. – ela segurou minha mão. – Me desculpe pelo afastamento...

- Está tudo bem... – sorri sincera. – Mas devo admitir que você me faz muita falta...

- E você a mim... – ela deu uma pequena pausa. – Eu mudei muito... Em parte graças à Flávia... – ela me olhou, parecia escolher as palavras. – Eu sei do sentimento que uma tem para a outra... E também sei que está sendo difícil para você, mas quero que saiba, Amanda, que eu estarei aqui para te ouvir... Eu imagino tudo que está em seu coração...

- Será que sabe? – sorri com os lábios. – Me parece estar tão feliz... – olhei para onde a Emily estava, Becca acompanhou o meu olhar e sorriu abertamente.

- Eu tenho sorte de ter ela... Ela trás cor para o meu dia, ela ainda não sabe, mas eu me apaixono a todo segundo um pouco mais. – ela voltou a olhar para mim. Seus olhos brilhavam. – Mas sei como é esconder algo, por medo da reação de terceiros... Eu fiz isso durante a vida toda...

- Eu não sabia... – “Como nunca tivemos uma conversa assim?”

- Há coisas que não sei sobre você, assim como há coisas que você não sabe sobre mim...

- Precisamos mudar essa situação... – falei com mais animação.

- Concordo plenamente com você... – ela sorriu. – É por isso que estou aqui... Quero conhecer de verdade a minha melhor amiga...

Olhei para ela, nós precisávamos disso e eu não iria me privar disso, não mesmo, continuamos a conversar, contei a ela sobre absolutamente tudo que ocorreu no passado, agora não havia absolutamente nada que ela não soubesse sobre minha vida. Escutei em silencio tudo o que ela tinha de me dizer sobre sua vida, relacionado a Flávia, e agora a sua namorada, Emily. As horas passaram e eu se quer percebi, só naquele momento me dei conta do quanto eu precisava da Becca, conversar com ela foi como se um mundo saísse de minha costa.

- Amor? Desculpa interromper, mas acho que já está na hora de irmos. – olhei as horas e me assustei como passou rápido.

- Caramba... – olhei sorrindo para Becca. – Nossa conversa estava muito boa...

- Nossa... Nem me dei conta. – ela olhou para o seu relógio. – Amanhã à noite, posso passar em tua casa?

- Pode não, deve. – a abracei. – Obrigada por tudo...

- Obrigada, você. Estou muito feliz de ter nossa amizade de volta e totalmente fortalecida...

- Eu também estou muito feliz...

Nos abraçamos longamente, fui me despedir de todos, sob alguns protestos, entrei no carro do Danilo, ele deu partida e logo estávamos longe do condomínio. Aquele dia me deu um grato presente, a felicidade pela aproximação de Becca e eu, foi um grande e importante passo na minha vida. Danilo me deixou em casa, mas não permaneceu por muito tempo, ele voltaria à noite e prometeu trazer algo para comermos. Entrei no banheiro e tomei um longo banho, vesti um roupão, me joguei na cama e senti o meu corpo inteiro agradecer por aquele ato. Fechei meus olhos, a imagem nítida de Flávia, apareceu em minha mente, pelo menos ali, eu podia ter ela sem medo, sem reservas... Sem covardia.

Dormi, não sei quanto tempo, mas só me dei conta, quando senti uma mão fazer carinho em meus cabelos, abri meus olhos de vagar e me deparei com Danilo, ele me olhava com carinho.

- Vamos comer? – ele beijou meus lábios. – Trouxe uma massa e pudim de sobremesa.

- Vamos sim...

Quantas mulheres querendo um homem como ele, esse foi mais um dos vários momentos em que eu me sentia a pior das mulheres. Chegamos na cozinha e já estava tudo arrumado, sentei em uma das cadeiras, Danilo encheu dois copos com suco, colocou sobre a mesa e depois nos serviu.

- Como você pode ser tão... Perfeito... – ele sorriu.

- Amar nos deixa assim... – ele bebeu um gole de seu suco.

- Um príncipe da vida real... – ele gargalhou.

- Assim eu até acredito... – ele segurou minha mão. – Fiquei feliz com a sua reaproximação com a Rebecca...

- Também estou muito feliz... Senti tanta falta dela... – coloquei uma garfada de lasanha na boca.

- Me tira uma dúvida? – ele me olhou envergonhado.

- Claro... – bebi meu suco.

- A Rebecca e aquela outra moça, são algo além de amigas? – tossi.

- Não sabia que era tão curioso. – ele sorriu. – Elas são namoradas.

- Casal bonito... – ele disse sincero.

Continuamos a conversar amenidades, depois do jantar, lavamos a louça, arrumamos a cozinha e fomos para a sala, Danilo havia alugado uns filmes, deitei sobre suas coxas e passamos a ver o filme. Depois que acabou, olhei as horas e vi que já era tarde, amanhã teria que trabalhar. Danilo entrou no banheiro do meu quarto para tomar banho, enquanto eu escovava os dentes. Troquei meu roupão e coloque um conjunto de moleton, penteei os meus cabelos e deitei, esperando Danilo, logo ele deitou ao meu lado. Me beijou de forma carinhosa, abraçou o meu corpo.

- Boa noite, amor...

- Boa noite, meu amor...

Demorei um pouco a dormir, Danilo nem se mexia, olhei para ele por uns segundos, suspirei com se uma tonelada estivesse sobre meu peito, me sentia a pessoa mais hipócrita do mundo.

“Por quê tudo tem que ser assim? Não poderia ser mais fácil? Pelo menos um pouquinho?”.

 

 

Fim do capítulo