No outro dia na escola, quando cheguei vi que ela já me esperava no portão. Fiquei meio sem graça de encará-la depois do acontecido na noite anterior, mas precisava falar com ela. Meu coração acelerou, minhas mãos suaram frio, até que ela me abraçou carinhosamente, e eu, sinceramente, poderia morrer ali naquele abraço.

                - Como passou a noite, Renata? - ela me olhou com aquela cara mais safada que eu estava aprendendo a adorar.

                - O pouco da noite que me restou de sono, né, você quer dizer! Se foi isso que você perguntou, dormi muitíssimo bem, quase perdi a hora.

                - Boba!

                - E você, como passou?

                - Muitíssimo bem também. Falei com uma pessoa que eu gosto muito e foi muito bom.

                Devo ter ficado vermelha, porque ela continuou rindo.

                - Você me deixa sem graça!

                - Não me pareceu sem graça ontem! - caiu na risada de novo.

                - Eu vou te matar!

                - Você já está me matando, anjo. De outra maneira.

                - Helena, fale baixo, alguém pode escutar!

                - Tudo bem, estou só brincando com você. Foi uma delícia falar com você ontem. Só queria que você soubesse.

                - Foi mesmo. Um portal se abriu pra mim!

                Eu disse isso e eu mesma ri. Foi engraçado. Ficar perto dela me deixava assim, leve.

Conversamos um pouco ali fora e entramos. E assim passou a semana toda, nos encontrando na escola, aproveitando cada minuto que era possível passar com ela. Ela me chamou pra ir até a casa dela, com uma desculpa qualquer durante a semana, mas não dava. Eu tinha meus compromissos com as crianças. Era uma grande crise dentro de mim, a vontade de ir, e por outro lado meus filhos. Por enquanto me segurei, e olhem só, olhando sites e fotos de lésbicas, até um seriado eu descobri, e passei a semana toda assistindo, imaginando como seria no dia que eu fosse a atriz principal.

Até que finalmente chegou sexta-feira, ela me convidou pra jantar, e como as crianças foram passar o fim de semana com o pai, eu aceitei. Fiz todo o ritual que mulher faz quando tem más intenções para mais tarde. Fui à manicure, à depiladora, hidratei meu cabelo no salão, pois eu estava merecendo uma tarde dessas, de cuidar de mim. Aproveitei e comprei uma lingerie nova, afinal, se rolasse alguma coisa, a ocasião merecia. Eu não sabia ao certo o que escolher, se optava por algo mais sexy, ou por algo mais simples. Resolvi não arriscar muito, e comprei um conjunto de renda branca. Será que ela iria gostar? Coloquei uma calça jeans Skiny, um scarpin com salto e uma camisa de seda. Caprichei. Espero que ela goste.

                Quando cheguei no restaurante, ela já esperava por mim, e, pelo jeito não era só eu que tinha me produzido não. Ela também estava linda! Com um vestido preto, desenhando o corpo dela, um pouco acima dos joelhos. O cabelo estava preso num rabo de cavalo, e ela usava uns brincos de argola maravilhosos. E estava maquiada. Quando a cumprimentei percebi que ela estava mais alta que o habitual, e brinquei:

- Você cresceu?

Ela sorriu de volta:

- Saltos. Você gostou?

- Você está linda. Adorei a maquiagem.

Ela ficou sem graça e me respondeu:

- Você também está linda! Eu gosto de te ver de cabelos soltos.

- Obrigada. Vamos entrar, acho que nossa mesa está pronta.

E fomos para dentro, e eu não conseguia tirar os olhos dela. Tudo nela me hipnotizava. A boca, o sorriso, a voz... Pedimos um vinho e ela brindou:

- Até que enfim consegui tirar você de casa!

- Pois é, é difícil pra mim durante a semana, principalmente por causa do Juninho, ele precisa de mim, já quase não nos vemos durante o dia. Hoje eles foram pra casa do pai. Sei que Julia disse que iria num aniversário, e o Artur e o Junior vão ao cinema. Folga pra mim!

- Eu sei, meu anjo... Eu só queria que você soubesse que eu estava com vontade de te ver.

- Eu também estava, Helena. A semana passou arrastada.

Ela sorriu linda pra mim. E encostou delicadamente o pé dela no meu. Me arrepiei inteira, parecia que havia uma corrente elétrica entre nós, quando nossas peles se tocavam. Retribui o carinho pegando na mão dela.

- É sério, Helena. Eu não gosto de comparações, mas nunca fui tratada com tanto carinho como você tem me tratado. Daí fico pensando, será que é porque você é mulher?

Ela riu da minha inocência:

- Eu te trato como você merece ser tratada. Você é uma mulher incrível, que está passando por uma mudança na sua vida, deixou de ser apenas mãe e dona-de-casa, pra ser mãe, dona-de-casa e professora, saiu de um casamento - não resisti e interrompi:

-E  estou me apaixonando por uma mulher.

Ela se assustou. Acho que não estava esperando por isso. Eu e essa minha maldita boca grande. Será que me precipitei? Depois disso, Helena me disse:

- Está se apaixonando por uma mulher?

- Estou. Acho que to apaixonada por você! Nunca senti isso, Helena. Não sei se me precipitei... Essa loucura toda, não consigo parar de pensar em você. Não consigo parar de pensar nos seus beijos, no seu  cheiro, na sua pele, em tudo. Você deve estar me achando uma idiota! - na verdade, eu estava me achando uma idiota em ter falado isso. Por que não deixava minha boca fechada e ficava simplesmente quieta? Será que realmente estava apaixonada? Não, tinha que falar que estava se apaixonando. Será que estava mesmo? Será que não era encantamento pela novidade?

Ela me olhou por uns instantes e disse:

- Idiota por que?

- Ah, por tudo. Pelas minhas atitudes, pelas coisas que te falo. Você é de outro mundo, Helena, não está acostumada com isso. - pronto, comecei a falar mais bobagens ainda. Ela só me olhava, não dizia nada.

Eu, por outro lado, estava nervosa pelo que tinha acabado de confessar, e não parava de falar:

- Eu até ontem estava casada com um homem, tenho 2 filhos, e você, linda, independente, segura... - finalmente consegui ficar quieta.

- já acabou, Renata? Respira e fica calma.

Respirei fundo, tomei um gole de vinho, e disse:

- Já.

- Então tá, agora me escuta. Eu não te acho uma idiota. Eu te acho linda, e mais linda ainda por ter coragem de me falar essas coisas. Você está passando por um momento de transformação e fico super honrada em saber que está apaixonada por mim. É um presente! Eu também estou louca por você e vamos deixar as coisas acontecerem. Ou você acha que não quero embarcar nisso de corpo e alma? Você não acha que eu também tenho medo? Não sou tão segura quanto você pensa. Eu penso em você o dia todo, principalmente depois da nossa conversa no telefone ando num estado que você não imagina! Mas tem uma luzinha vermelha que pisca dentro de mim "hey, calma, ela nunca ficou com mulher, é hetero, tem 2 filhos, vá com cuidado". Eu penso nisso o dia todo! No escritório estou um caos! Então se for assim, somos duas idiotas!

Eu ri com carinho. Não tinha pensado no lado dela. Como é bom poder conversar sobre tudo!

- Você tem razão. É que estou ansiosa.

Ela pegou na minha mão e disse:

- Então vamos deixar acontecer, sem pensar se somos bobas ou não? E vamos combinar de sermos sempre sinceras uma com a outra?

Gente! Que carinho imenso é esse que estou sentindo por ela nesse momento? Vontade de pegá-la no colo e fazer ninar. Sou uma boba mesmo!

- Vamos.

Terminei a segunda taça de vinho e resolvi mudar de assunto.

- Então quer dizer que você no escritório está um caos? Defina caos.

Ela riu e me olhou de uma maneira diferente:

- Caos é ter que fazer projetos morrendo de tesão. E não é tesão pelos projetos.

Ela sabia me desarmar:

- Gostei dessa definição de caos. São 2 caos então.

Ela continuava me olhando com aquele olhar que parecia me devorar:

- Defina o seu então.

- Caos é preparar aula pensando em você, caos é colocar açúcar no arroz preparando o jantar, caos é pensar o tempo todo naquele telefonema, na sua pele, no seu cheiro, no seu toque... - eu ia dizendo isso e ela ouvia de olhos fechados, e só conseguiu dizer:

- Renata, por favor, pare se não vou acabar fazendo uma bobagem aqui...

Ela estava sentindo a mesma coisa que eu. E isso era bom demais!

- Você não imagina a loucura que foi essa semana pra mim. Fiquei me escondendo dos meus filhos pra poder ver vídeos na internet, até de madrugada, e depois, só um bom banho pra resolver.

- E eu? Você acha que não senti a mesma coisa? Você não percebeu a minha aflição te convidando pra ir até a minha casa? E isso me fez ter mais tesão em você ainda. Se isso for uma loucura, é a melhor loucura da minha vida.

Eu apenas sorri concordando. De repente ela tornou a falar:

- Você está com fome, Renata?

- Não muito, por que?

- Vamos sair daqui agora e comer alguma coisa mais tarde no meu apartamento?

- Você ta falando sério?

- Nunca falei tão sério na minha vida. Eu não tinha planejado que acontecesse desse jeito, mas to louca de vontade de te beijar, vamos sair daqui.

Fim do capítulo