Bianca

Meu coração ainda batia acelerado de emoção pelas palavras ditas por Emilia e também por Roxanne. Conseguia entender o que a adolescente estava sentindo e agora sabia o porquê de sua súbita mudança conosco. O medo de perder a quem amamos nubla sentimentos e mascara a verdade. Podre Zanne como deve ter se angustiado ao pensar que seria colocada de lado por sua tia e avó sendo substituída por Emilia e por mim. Mesmo com a verdade diante dos olhos o pavor de voltar a perder pessoas amadas a deixou cega.

Ao ouvi-la falar da morte da mãe daquela maneira tão angustiante, com tanta dor e sofrimento, suas palavras entrecortadas por soluços, minha vontade foi de correr até ela e colocá-la no colo, embalando-a. Dentro de mim aquele sentimento fez eco, já que assim como ela, sabia o quanto era difícil ter arrancada de nossa vida a pessoa mais importante pra nós. Tanto tempo havia se passado e mesmo assim nada havia apagado essa tristeza e a saudade da minha mãe era constante. Como gostaria de tê-la aqui ao meu lado e poder abraçá-la pelo menos mais uma vez.

Ainda bem que havia impedido Cella de entrar no quarto quando ficou furiosa pelas palavras da adolescente, senão nunca saberíamos a verdade dos fatos. Agora só precisávamos ter uma conversa franca com ela e esclarecer todos os pontos deixando bem claro que ela era e continuaria a ser muito amada, aliás, que seria ainda mais visto que teria a mim e a Milli como novas amigas.

Percebi que Marcella se moveu para adentrar no recinto ao lado, com certeza ela queria iniciar a conversa com Roxanne, mas estacou com uma expressão estranha no rosto em seguida retirou o aparelho celular do bolso, ela ficou olhando para ele por alguns segundos como se estivesse com medo de aceitar a ligação então se afastou um pouco da porta e atendeu, conforme escutava o que estava sendo dito percebi que ficava pálida. Seus olhos se tornaram negros como uma noite sem lua e sua respiração se alterou. Ela estava imóvel como uma estátua de gelo e suas mãos crispadas. Imediatamente um calafrio subiu pelo meu corpo, seja lá o que fosse que ela estava ouvindo não era uma boa noticia com certeza. Depois de escutar por um tempo ela apenas respondeu que iríamos embora o mais rápido possível e sem dizer mais nada desligou.

Seu rosto estava sombreado de preocupação e o olhar perdido em algum lugar distante, a sensação que tive foi que ela não estava ali, que mais ninguém a rodeava. Aproximei-me mansamente e toquei seu braço, percebi que estava certa, pois Cella deu um pequeno sobressalto e me encarou assustada como se estivesse vendo um fantasma.

- Algum problema meu amor? – Perguntei apreensiva

- Sim. Um muito sério. Temos que arrumar as coisas imediatamente. Precisamos ir embora o quanto antes. – Ela respondeu com o semblante fechado.

- O que houve? – Meu medo aumentou.

- Maria sofreu uma queda da escada, está no hospital e parece que foi grave.  – Sua voz estava cavernosa.

- Meu Deus! Como isso foi acontecer? – Fiquei chocada.

- Não tenho a mínima ideia, mas na idade dela uma queda assim é muito perigosa. – Seu semblante estava carregado de emoções conflitantes.

- Quando foi isso?

- Segundo Amanda ha cerca de meia hora. Ela me ligou do pronto socorro. Eu ainda estou... Me perdoe Bianca, mas eu preciso de um minuto pra poder digerir essa informação. Maria esta conosco antes mesmo de eu nascer. É como um membro da família entende. – Suas palavras estavam sufocadas e sua mão correu pelos cabelos.

- Eu entendo meu amor, vou arrumar as malas e cuidar de trocar as crianças para podermos ir. Vai dar tudo certo, se Deus quiser nada de pior vai acontecer. – Falei passando a mão em sua face abatida.

- Como vou dar essa noticia pra minha avó? Ela vai entrar em desespero. As duas são muito amigas. Tanto tempo juntas as tornaram confidentes. Eu ainda não consigo compreender, Maria sempre foi muito cuidadosa ao utilizar a escada...

- Quer que eu dê a noticia em seu lugar? – Me ofereci.

- Não, obrigada Bi, mas sou eu quem precisa contar pra ela. Por favor, arrume tudo pra mim. Eu vou pedir que Carlos venha buscar vocês, pois não cabemos todos no meu carro e preciso ir o mais rápido possível. Com certeza vovó vai querer vir comigo. Perdoe-me por deixá-la aqui. – Segurou meu rosto entre as mãos tremulas.

- Claro que tem que ir. Não precisa se desculpar Marcella. Entendo perfeitamente a situação. Arrumarei as malas e ficaremos a espera do Carlos. Fique tranquila quanto a isso.

- Ok. – Ela me deu um pequeno beijo nos lábios e foi em direção à sala ainda aturdida.

Fiquei parada ainda alguns segundos tentando entender como aquilo tinha acontecido, meus olhos foram atraído para a chuva que caia junto com relâmpagos potentes que iluminavam o céu. Um medo estranho se acomodou em meu peito. Depois virei às costas e fui para o quarto começar a arrumar os pertences das crianças.

Os olhos de dona Maria Thereza estavam vermelhos de tanto chorar, e não só os dela, mas como os de Roxanne também. Todos eram muitos afeiçoados a Maria e temiam por seu estado. Foi necessária muita conversa para dissuadir Zanne de querer ir com a tia. Marcella ajeitou tudo rapidamente e logo pegou a estrada de volta com a enfermeira e a avó.

Eu fiquei com as crianças na sala, o clima estava pesado a tristeza pairava no ar junto com o receio de que algo pior pudesse estar acontecendo. Além de tudo eu estava preocupada porque a chuva não havia diminuído e a estrada era perigosa. O estado de ânimo em que Cella se encontrava e a pressa que estava em chegar faziam com que eu ficasse ainda mais receosa. Sem ter outra coisa para fazer abaixei a cabeça e comecei a rezar.

As duas horas e meia que se passaram antes de Carlos chegar pareceram para mim milênios. Olhava para o relógio vezes sem conta. Meus pensamentos vagueando entre a preocupação e o pânico de que algo pudesse acontecer com a mulher que eu amava. Ao mesmo tempo me lembrava do rosto bondoso de Maria que sempre me tratou com carinho e respeito.

Durante o tempo que esperávamos conversei com Emilia e combinei que a deixaria no orfanato antes de ir pra casa, pois não sabia como seria aquela noite e havia prometido a irmã que ela estaria de volta cedo no dia seguinte. Expliquei que assim que tudo estivesse mais calmo iria visitá-la.  Milli entendeu a situação e nem por um momento reclamou do fim prematuro de sua aventura. Roxanne estava tão abalada que não percebeu que ficou o tempo todo de mãos dadas com a menina mais nova como se com isso conseguisse algum consolo.

Aquele acidente não saia da minha cabeça, alguma coisa parecia não se encaixar. Tantos anos trabalhando na mesma casa subindo e descendo os degraus que levavam ao seu quarto e de repende Maria caia da escada... Cada vez que me lembrava disso um arrepio subia pela minha espinha.

Carlos chegou e pela sua expressão percebi que estava muito triste.

- Você tem noticias da Dona Maria Carlos? – Perguntei com a voz baixa para que as crianças não ouvissem.

- Infelizmente não sei de nada Bianca. A única coisa que posso te dizer é que foi tudo muito rápido. Ela foi até o quarto levar umas roupas que tinha passado e na volta...São apenas seis degraus mas na idade dela... Com certeza quebrou alguma coisa, pois a posição da perna estava muito estranha. – Respondeu pesaroso.

- Meu Deus! Coitada.

- Ela já tem 68 anos, não é mais uma criança. Já era pra ter se aposentado, mas é teimosa como uma mula. Dona Marcella já conversou com ela diversas vezes dizendo que ela devia estar descansando, mas ela diz que se ficar em casa parada sem nada pra fazer vai morrer de tédio.

- Imagino que para uma pessoa que sempre trabalhou nunca se casou e nem tem parentes próximos deve ser muito difícil mesmo se aposentar e ficar sem ter o que fazer. E depois ela adora cozinhar e tem uma mão divina. – Falei

- Sim. E depois nós sabemos que dona Marcella colocou uma ajudante de cozinha para que ela não precise se esforçar. Bom, mas vamos embora o tempo está péssimo com chuva e cerração.

- Vamos sim. Vou te ajudar com as malas.

Deixei Eduarda com Roxanne, ajudei o Carlos e logo estávamos na estrada.

Fim do capítulo