Aquela tarde foi no mínimo inusitada e achando eu que não poderia acontecer mais nada a vida dá uma de palhaça e me faz ser derrubada por Amanda, e não sendo suficiente ainda tive que ver aquela cumplicidade entre ela e meus pais. Aquele dia foi demais para a minha cabeça, entrei no quarto clamando por um banho.

 

- Que dia estranho... A mulher pela qual estou com os quatro pneus arriados, o noivo dela e eu sentados na praia rindo. – pensei alto enquanto a trilha de roupas ia ficando. – Eu disse mesmo isso?

 

Entrei no banheiro e me permiti relaxar, passei quase uma hora ali, me senti cansada do dia agitado.  Enxuguei os cabelos sem pressa, vesti uma calcinha, me joguei na cama somente com ela e simplesmente adormeci. Acordei um tempo depois com muita preguiça, enrolei para levantar e foi quando escutei meu estomago reclamando. Levantei e procurei meu celular e o encontrei embaixo da minha blusa, olhei as horas 19:23 e assustei com o quanto dormi. Catei minhas roupas e foi ai que lembrei que ainda estava apenas de calcinha, fui ao banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes e então vesti um shorts, uma blusa e fiz um “rabo de cavalo”.

 

- Já iria te chamar. – Becca estava na porta quando eu a abri.

 

- Estou faminta. – ela me abraçou de lado com apenas um braço.

 

- Vamos procurar algo para comer. – e assim descemos ainda abraçadas.

 

Chegamos à cozinha e dona Catarine estava pondo algumas frutas em umas bandejas.

 

- Meus amores... Vamos para a praia. – ela e seu sorriso acolhedor. – Me ajudem com essas bandejas. Por favor.

 

- É pra já. – peguei uma e Rebecca outra.

 

Conversamos amenidades até chegar ao nosso destino e fiquei surpresa com o que vi: uma fogueira, uma mesa grande coberta por um tecido branco e sobre ela alguns pratos típicos de nosso estado, no chão uma caixa térmica com cervejas, energéticos e sucos.

 

- Olha quem decidiu sair do quarto. – Nicki falou.

 

- Boa noite pessoal! – recebi o mesmo cumprimento. Sorri, mas murchei ao ver Amanda e Danilo vindo um pouco distante. Eles estavam aos beijos e sabe-la o que mais.

 

- Filha? Hoje você vai cantar para nós. – desvie do casal e olhei abismada para a minha mãe.

 

- Que? Ah mamãe você não pode me fazer pagar esse mico. – olhei desesperada, pedindo com os olhos.

 

- Para de frescura, Flávia. – ela pós as mãos na cintura. – Desde quando você tem vergonha?

 

- Mas mãe... – ela cerrou os olhos. – Tá bom...

 

- Você canta? – Becca, perguntou com a sobrancelha arqueada.

 

- Mais ou menos... – fiquei envergonhada. – Não me olhe desse jeito.

 

- Não estou fazendo nada. – ela pegou duas maças e me deu uma. Mordi com vontade aquela fruta.

 

Olhei e próximo ao meu pai que conversava com seu Edgar, havia um violão preto, cheguei mais perto e o peguei.

 

- Voltamos! – nem precisei me virar para saber quem era. A voz dela parecia uma melodia.

 

- Chegaram a tempo. – Júlio falou. Eu ainda não simpatizava com ele.

 

- A tempo de que? – dessa vez foi Danilo.

 

- De ver minha cunhadinha cantar. – revirei os olhos, virei e deitei em uma espreguiçadeira com o violão em meu colo. Toquei suas cordas e estavam bem afinadas. Rebecca sentou ao meu lado tirando minha atenção do instrumento, ela tocou em meu braço com carinho.

 

- Conhece a música ‘pra sempre’ de Thiago Grulha? – abri um grande sorriso.

 

- Amo essa canção. – ela devolveu o sorriso.

 

- A Amanda também! – franzi o cenho e Rebecca deu uma pequena gargalhada. – Canta essa. – ela piscou.

 

Não respondi, ela continuou ao lado.

 

- Obrigada por me convidar, você se tornou alguém muito importante em minha vida. – como não sorrir? Segurei a mão dela e fiz carinho com o polegar.

 

- Becca... Acredite, você também se tornou alguém muito importante. – apertei sua mão e sorrimos uma para a outra.

 

Continuamos a conversar amenidades, ora ou outra pegava Amanda me olhando. Júlio alimentava a fogueira. Até que Catarine soltou.

 

- Vamos sentar. – dona Catarine mandou, Cássia e Paloma se juntaram ao restante pois estavam mais distantes.

 

Todos me olharam esperando pela bendita canção. Olhei para Amanda, que tinha curiosidade no olhar. “Ai meu Deus!!!”.

 

Eu costumava cantar para meus pais e minhas irmãs, mas somente para eles. Hora de manda a vergonha passear.

 

- Ok! – olhei para Paloma e Cássia e as duas prendiam o riso. As fuzilei com os olhos. Eu tinha a atenção de todos. Dedilhei os primeiros acordes. – Esta música se chama ‘pra sempre’. – vi a face de Amanda se tornar surpresa.

 

 

 

Eu disse sim, mas não disse agora

 

Eu disse quero, mas em outra hora

 

Deixa eu te conhecer, me diga quem é você

 

 

 

O teu olhar me desmonta inteiro

 

E o teu sorriso é o sol verdadeiro

 

Deixa eu te conhecer, me diga quem é você

 

 

 

Quero um amor que resista ao tempo

 

Uma verdade pra abraçar pra sempre

 

Caminhada de bons sentimentos

 

Um coração que me entende

 

Eu quero colo, eu quero carinho

 

E o meu carinho eu quero te dar

 

Eu já andei muito tempo sozinho

 

Por favor, deixa eu te encontrar

 

 

 

A tua voz não sai da minha mente

 

E o meu desejo é seguir em frente

 

Deixa eu te conhecer, me diga quem é você

 

 

 

A nossa historia pode ser tão bela

 

Ate os anjos vão sonhar com ela

 

Deixa eu te conhecer, me diga quem é você

 

 

 

Quero um amor que resista ao tempo

 

Uma verdade pra abraçar pra sempre

 

Caminhada de bons sentimentos

 

Um coração que me entende

 

Eu quero colo, eu quero carinho

 

E o meu carinho eu quero te dar

 

Eu já andei muito tempo sozinho

 

Por favor, deixa eu te encontrar

 

Por favor, venha me encontrar

 

O amor quer nos encontrar..

 

 

 

Fui aplaudida, fiz reverencia para fazer graça e descontrair o meu leve rubor.

 

- Fantástica! – dona Catarine veio até a mim, me deu um abraço apertado.

 

- Querida, você tem uma voz maravilhosa. – seu Edgar veio fazendo o mesmo que dona Catarine.

 

- Obrigada! – olhei para Amanda e ela sorria. Mordi meu lábio inferior involuntariamente. “Esse sorriso é lindo. Como você é linda, Amanda”.

 

Chamei Becca para comer alguma coisa, me servi de um delicioso tacaca, Rebecca de vatapá, nos juntamos a Paloma e Cássia. O céu estava perfeito, o som do mar e o vento forte deixavam tudo maravilhoso. Admirei aquela paisagem perfeitamente desenhada por Deus, agradeci mentalmente a Ele por ter a honra de estar viva para apreciar tudo aquilo. Olhei para Amanda, e desejei tanto poder estar abraçada a ela naquele momento...

 

O que sinto por Amanda é algo além da minha compreensão, eu nunca imaginei que um dia amaria tanto alguém... Sim, eu a amo! Amo com a alma, com minha existência, mas isso já disse e estar mais que claro. Sinto ou quero me enganar que ela sente algo por mim...

 

Busquei meu celular e vi que já era tarde.

 

- Bom, eu vou dormir. Uma ótima noite a todos!

 

- Boa noite. – recebi em coro o mesmo. Ri daquilo.

 

- Vamos com você. – Cássia se pronunciou.

 

Dei uma última olhada discreta para Amanda, ela me encarou, mas eu rompi a troca de olhares pois não aguentei ver suas mão entrelaçada com a dele e segui com as meninas, levando  junto o violão. Cássia começou com suas piadas, umas arrancavam risadas e outras muitas vaias.

 

- Um garoto chega em casa e da porta grita: Mãaaaaae? Ooooooh mãaaaaae? – a mãe furiosa pelo garoto ta gritando, responde: Não grita Calvin, entra aqui e diz o que você quer. O garoto entra e a mãe pergunta: O que você quer? E ele responde: pisei no coco. - Paloma caiu na gargalhada, Becca prendeu o riso e eu a olhava desacreditada.

 

- Vou rir para não perder a amizade. – revirei os olhos.

 

- Eu gostei! – Paloma defendeu.

 

- Por quê será, né maninha? – cutuquei.

 

- Flávia? Para de encrencar com a Cássia. – Rebecca entrou na brincadeira.

 

- Jesus, Maria e José! Agora mais uma pra defender a amarela. – bati na minha testa.

 

E nesse clima descontraído seguimos, fui para meu quarto e Becca disse que iria tomar uma ducha e logo depois iria me fazer companhia, Paloma e Cássia foram fazer o mesmo. Entrei no quarto coloquei o violão na pequena poltrona que havia ali e fui direto para o banheiro, tomei um banho rápido, coloquei uma roupa leve e deitei na cama com o celular em mãos. Liguei a internet e esperei as mensagens chegarem, abri o whatsapp só para atualizar o status e quando olhei para a tela lá estava a foto de Amanda e duas mensagens sua. Senti o coração falhar, abri a mensagem e sorri ao ler o conteúdo.

 

“Esse lado ‘cantora’ eu não conhecia, sua voz é linda.”

 

“Aproposito, amo a canção que cantaste.”

 

Não foi nem uma declaração de amor, mas meu coração e o sorriso que estava em meu rosto agiam como se fosse. Li uma, duas, várias vezes e o sorriso bobo não desaparecia de meu rosto. Levantei e fui até a sacada do quarto para vê-la, ela olhava em direção ao quarto, mas não me via por eu estar escondida... A cena era engraçada e mais uma vez me senti boba. Voltei para a cama e logo ouvi batidas na porta.

 

- Entra! – Becca entrou com um cobertor e eu logo sorri.

 

- Vou dormir com você. Posso?

 

- Claro... Boba. – bati na cama indicando que ela podia deitar.

 

Rebecca se aninhou ao meu lado, contei a ela sobre as mensagens e passamos horas conversando sobre aquele dia inusitado. Adormecemos horas depois, mas acredito que não dormir mais que uma hora pois acordei três da manhã e os meus pensamentos foram invadidos por ela... Olhei para o lado e Becca dormia tranquilamente, sentia cede e decidi levantar para ir até a cozinha, fiz todo um esforço para não acorda-la e obtive sucesso... Desci as escadas em passos lentos para não acordar ninguém, abri a geladeira e em seguida enchi um copo com água e ao virar trombei com alguém fazendo com que eu fosse ao chão e na queda o copo quebrou, senti uma ardência na mão direita.

 

- Aiiiii! – a cozinha não estava escura, mas só ao escutar a voz, descobri quem havia me derrubado.

 

- Meu Deus! Me desculpe. – Amanda agachou ficando a poucos centímetros de mim. Aquele perfume. – Você se machucou, sua mão está sangrando. – em imediato ela buscou um pano de prato e cobriu minha mão. – Me perdoe... Flávia...

 

- Acho que nossos encontros serão sempre assim... Você me levando ao chão. – sorri fraco sentindo aquele liquido quente escorre e sujar todo o pano.

 

- Vamos, vou fazer um curativo. – ela me ajudou a levantar, me levando em direção ao banheiro, me mandou sentar no vaso sanitário, saiu vasculhando o banheiro e só parou quando achou uma pequena caixa. – Me dá sua mão...

 

O pano estava completamente sujo, o desenrolei de minha mão e me surpreendi com o tamanho do ferimento.

 

- Isso tá horrível. – olhava espantada. – Sangue... Muito sangue

 

- Vou limpar... Mas vai doer...

 

- Espera... Amanda... – mal concluir e ela retirou de dentro da caixa um pequeno vidro, o abriu e jogou em minha mão. – AAAAAAAAAAAAI!

 

- Desculpa, desculpa... – coloquei a mão na boca e fechei os olhos, a dor era horrível. Sem querer lagrimei, Amanda enfaixou minha mão com todo cuidado, mas a ardência permaneceu. – Pronto.

 

- Obrigada... – falei e só ai abri os olhos me deparando com os seus azuis me encarando, me perdi naquela íris. Esquecendo da dor, de onde estávamos... De tudo. Suas mãos seguravam a minha, como que por vontade própria a minha outra mão seguiu em direção a sua face, tocando com as pontas dos dedos, seus olhos fecharam, admirei cada detalhe de seu rosto tão perfeito, seus fios loiros... Me sentia... Hipnotizada. - Como você consegue? – perguntei em um suspiro.

 

- O que? – sua voz saiu rouca, arrepiando cada parte do meu corpo. Seus olhos permaneciam fechados.

 

- Me tirar o chão...

 

Não suportei e como que um ima, a minha boca buscou a sua e ao sentir apenas o roçar de seus lábios o meu peito doeu pela velocidade que meu coração bateu, entrelacei meus dedos em seus cabelos e a beijei como se o mundo fosse acabar naquele momento, sua língua buscou a minha e a duas em sincronia perfeita se tocavam, seus lábios eram macios e doces... Eu poderia passar a vida ali, saboreando aquela boca... Cada parte do meu corpo a desejava, a amava... Apertei em meus braços saindo de onde eu estava sentada, seus dedos se perderam em meus cabelos, os beijos ficavam mais urgentes, sentia necessidade dela... Senti o folego me deixa e o beijo ficar lento, mais carinhoso. Amanda me apertava contra seu corpo, como se quisesse fundir o meu ao dela... Nossas bocas quase não se desgrudaram, mesmo com falta de ar eu lhe dava vários selinhos a fazendo rir... Me senti tão... Completa.

 

- Senti tanta saudade... – por um instante eu duvidei que estivesse mesmo acordada, abri meus olhos e olhei bem fundo nos dela. Eu havia mesmo escutado aquelas palavras? Saudade? Amanda?

 

- Você me confunde... – havia um milhão de coisas para perguntar a ela, para dizer... Mas aquelas palavras quiseram sair primeiro. Ela deu um longo suspiro e encostou a testa na minha fechando os olhos.

 

- Eu...

 

- Flávia? – a voz de Becca nos tirou daquele momento, interrompendo Amanda.

 

- Como ela sabe que você não está no quarto? – ela me questionou com os olhos serrados. Ela estava mesmo com ciúmes? É isso? A vontade que tive foi de beija-la e foi o que fiz, a beijei com todo carinho, todo aquele amor que havia ganhado dimensões extraordinárias... A beijei com entrega, como se fosse o primeiro beijo. Queria deixar claro, faze-la perceber o quanto eu era dela e a minha felicidade foi tamanha pois ela correspondeu aquele beijo da mesma forma. Lentamente desgrudei nossos lábios, mas não desgrudei dela a abraçando muito forte, cheirando seus cabelos e falei em seu ouvido.

 

- Eu... – respirei fundo. – Eu te amo, Amanda...

 

A abracei mais forte ainda, não queria desgrudar dela e ela estava agarrada a mim, parecia estar digerindo as minhas palavras, mas correspondeu com a mesma força. Levantei sem a menor vontade.

 

- Flávia? – ouvir Becca chamar, logo em seguida bater na porta do banheiro e eu respondi antes que ela abrisse.

 

- Já vou, Becca. – voltei a olhar para Amanda e ela já estava de pé. – Eu vou sair primeiro e subir com ela, depois você sai. – se Amanda soubesse que Rebecca já tinha noção sobre o que aconteceu entre nós, provavelmente iria ficar aflita, então omitir esse fato.

 

- Está bem... Eu... – percebi que ela travava uma luta interna. – Boa noite.

 

- Boa noite, Amanda... – sua atitude me decepcionou, mas decidi não questionar.

 

Abri a porta e não encontrei Becca, lembrei que os cacos de vidro ainda estavam no chão da cozinha e fui até lá. Ao chegar vi Rebecca, que estava sentada em um banco alto da bancada de mármore.

 

- Becca? – ela virou com um copo de leite na mão.

 

- Flávia... Meu Deus! A sua mão. – ela saiu do banco, deixando o copo de leite na bancada vindo em minha direção com um tanto de preocupação em sua face.

 

Expliquei por alto o ocorrido e ela me ajudou a limpar a bagunça, estava lá, porém os meus pensamentos não... Eu sentia um misto de felicidade e decepção... Mas me conformei por aquela hora em relembrar cada detalhe... Estar com ela novamente, senti sua boca... Eu a quero pra mim. Minha íris azul...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fim do capítulo