Ela pousou a xícara sobre a mesa. Sentou-se observando atentamente o jornal na TV.  A imagem da mulher loira na tela a hipnotizava.

Respirou fundo, totalmente inebriada pela visão.

— Essa mulher é incrível, né? — Bruna se acomodou na cadeira ao lado com uma xícara em mãos. Já notara o encantamento da amiga pela presidente da república.

— Nem acredito que trabalharei para ela!

— Naty, será que você conseguirá vê-la sem babar?

— Claro! — Começou a encher a xícara com café. — Apenas a admiro. Não tenho outro tipo de interesse. Às vezes, me questiono o quanto ela deve ter lutado para chegar onde está. Talvez Helena não faça ideia disto, mas está servindo como exemplo para outras mulheres. Mostrando que é possível assumirmos papéis de liderança em nossa sociedade, sermos protagonistas.

— Está sendo fundamental mesmo! Mas ela tem apoio de um público muito conservador. Será que é preconceituosa?

Natália ficou um tempo pensativa, lembrou-se de todas as entrevistas da presidente. Aparentava respeitar a todos, mas isso poderia ser apenas um teatro para conquistar eleitores.

Ao terminar, foi para o quarto, já que precisava arrumar as malas. Na próxima semana se mudaria para a Residência Oficial da Presidente. Sentia-se um pouco ansiosa com a novidade. Nunca havia passado por sua cabeça a possibilidade de trabalhar para alguém tão importante.

O celular tocou sobre a cama.

Esticou um dos braços e, ao pegar o aparelho, deparou-se com a foto da mãe.

— Algum problema, mãe? — perguntou, após terem trocado cumprimentos. Notou um tom de voz mais duro do outro lado da linha.

— Ouvi falar algumas coisas sobre você e quero saber se é verdade.

— Posso saber o quê? — Ficou um pouco trêmula, pois temia a mãe estar sabendo da verdade sobre ela.

— Prefiro não falar por telefone. Será que pode almoçar aqui no fim de semana?

— Posso. Estava planejando passar aí para ver a senhora e o pai.

Após o término da ligação, Natália Moraes se deu conta de que não poderia mais adiar. A verdade sobre sua orientação sexual teria que ser dita. Mesmo sendo uma mulher de trinta e seis anos e morando com a amiga Bruna há cinco, ainda temia a reação de seus pais, Cláudio e Ana, pois, eles nunca esconderam o quanto eram preconceituosos.

Em incontáveis momentos presenciou comentários desagradáveis sobre pessoas LGBTQIAPN+ de sua vizinhança. Um nó sempre se formava em sua garganta, porém o medo da rejeição a fazia permanecer quieta, por mais que desejasse discutir com todos, assumindo, também, ser um deles.

Um pouco cabisbaixa, fechou o zíper da última mala. A possível discussão com a família a desanimou.

Natália não era filha única, tinha outros dois irmãos mais velhos, Vagner e Thalita. Ela era a mais apegada e frequentemente visitava a casa dos pais.

— Naty?! — Bruna chamou do outro lado da porta.

— Tô aqui. Pode entrar!

— O que houve? — Reparou na expressão triste da amiga.

— Conversei com minha mãe e acredito que meus pais já estão sabendo de tudo.

— Você já estava esperando por isso. — Sentou-se ao lado da companheira de moradia.

— Sim, estava. — Encarou a mulher negra de cabelos trançados. — Vamos sair hoje, porque preciso relaxar um pouco.

— Claro! Podemos ir a um barzinho.

***

À noite, as duas foram a um bar localizado próximo à casa delas. Beberam um bocado e conversaram sobre suas vidas. Bruna também era babá, trabalhava para um casal de atores famosos, mas estava curtindo os seus merecidos dias de férias.

As duas amigas se conheceram na agência de babás onde trabalhavam. Desde então, nunca mais se separaram. Pareciam irmãs, por serem tão ligadas uma à outra. Nos últimos anos, criaram um laço muito forte.

— Aquela mulher ali parece estar interessada em você — Bruna comentou, ao notar uma mulher ruiva olhando intensamente para Natália.

— Não estou no clima hoje. — Ficou movendo o indicador sobre a borda do copo vazio. Era solteira, no entanto, não costumava se relacionar com muitas pessoas.

— Tem certeza de que vai perder a oportunidade?

Natália olhou para o local indicado pela amiga e se deparou com uma bela mulher. A desconhecida sorriu e ela retribuiu de imediato.

— Ela é muito bonita.

— Eu disse. — Tomou mais um pouco de cerveja para não rir da cara da morena. — Vai lá, eu fico aqui! Logo acho uma companhia para mim também — disse, olhando para um homem que estava próximo ao balcão.

Assentiu e foi para a mesa da ruiva.

— Posso? — Apontou para a cadeira vaga ao lado da mulher.

— Claro! Reservei para você, porque sabia que viria!

Fim do capítulo