Capítulo 19 - Desventuras em Série
Azizah permanecia com as lágrimas escorrendo, olhando para o zumbi se debatendo, pendurado pelo pescoço. Ele queria soltar-se, queria pegá-la, mordê-la, abraçá-la junto com ele para a morte, para as sombras. Seu peito doía. Era o Rafael, aquele menino doce e fofo que tinha conhecido. Ela só conseguia se perguntar por qual motivo ele tinha feito aquilo.
Pegou a arma sentindo o ferro frio em sua mão quente. Levantou o cano, com as mãos tremendo, mirou, fechou os olhos e atirou. O silêncio voltou a pairar no porão, ela abaixou a arma, sem conseguir encarar o corpo a sua frente e o buraco da bala na testa do rapaz.
Por que, Rafa?Por que você fez isso?
Logo ouviu os passos rápidos no andar de cima e a voz de Carol. Azizah guardou a arma e subiu as escadas. Trombou com a mulher na cozinha.
- O que houve?! – Carol perguntou preocupadíssima, estava com o rosto amassado de tanto dormir. Olhou para a porta do porão. – Por que está chorando? Por que gritou? Por que atirou?
- Vamos embora daqui, Carol. Eu quero ir pra casa.
Carol passou por ela, Azizah segurou seu braço.
- Não, não desce.
- O que tem lá em baixo?
- Não desce, por favor.
Carol se desvencilhou das mãos da mais nova e desceu as escadas, como se a mesma tivesse lhe convidado amistosamente para tal coisa. Azizah tentou alcançá-la, mais teve tempo apenas de ouvir sua exclamação de horror.
- Vamos embora daqui, por favor. – Azizah limpava o rosto.
- Não, não podemos deixá-lo aqui. Assim. É o Rafa, Azizah. Temos que enterrá-lo. Fazer uma oração. Suicídio é muito sério em termos espirituais. Se não a pior coisa que você pode fazer.
Carol se aproximar do corpo.
- O que você tá fazendo?
- Eu vou cortar a corda.
Carol levantou a cadeira do chão, a cadeira a qual ele havia se pendurado, aquilo era terrível, Azizah ficava imaginando a cena repetidamente em sua cabeça, ficava imaginando todo o processo, toda a angústia do rapaz como se fosse a dela, pois um dia já foi dela.
- Não, deixa que eu faço.
Azizah se aproximou, tomando coragem, tirou a faca das mãos de Carol. Subiu na cadeira e olhou para o corpo balançando a poucos centímetros de distância. A corda rangia de maneira fúnebre e aquele cheiro lhe embrulhava as entranhas. Era o Rafa. Puta merd*. Por que ele tinha feito isso? No fundo Azizah sabia e isso que lhe apavorava. Ela conhecia aquela sensação, aquele desespero profundo, aquela vontade de acabar com tudo.
Aquilo mexia com coisas bem profundas dentro dela, sentimentos bem sombrios, lembrando-se de todas as vezes que tinha pensado em fazer o mesmo, em dar um tiro em sua cabeça, em fazer um corte mais profundo em seu pulso ou em se entupir de sedativos e nunca mais acordar, apenas pra se livrar daquela dor absurda que sentia dentro dela. Aquela dor que seu padrasto lhe tinha colocado desde a primeira vez em que a matou em vida...
Então se deu conta que desde o dia em que conheceu Caroline, essa ideia nunca mais lhe ocorreu, nem aquela tristeza corrosiva tinha lhe visitado, não daquele jeito de antes. Era como se tivesse renascido ao conhecê-la. Graças a Deus que eu nunca tive coragem o suficiente. Pensou. Aquilo lhe apavorava. A proximidade com a morte, dessa maneira, com partes dela que ela preferia esquecer.
Com as lágrimas ainda escorrendo, cortou a corda, lentamente, com aversão, até ouvir o baque do corpo atingindo o chão, fazendo o porão inteiro tremer. Ficaram paradas olhando para o morto estendido. Azizah desceu da cadeira e com a mesma faca, cortou a corda amarrada em seu pescoço, ainda em prantos.
A. – Carol lhe segurou o braço, levantando-a. - Vem aqui. - Trouxe-a para perto, aninhando-a junto de si, percebendo o estado de pavor que a outra se encontrava. - Nós vamos conseguir, ok? Nós temos uma à outra como te disse, nada vai mudar isso. Você sabe disso não? – Segurou seu rosto, buscando seu olhar, Azizah confirmou com a cabeça - Eu sei o quanto você ta fragilizada com tudo o que tem acontecido na sua vida, mas eu preciso que você fique forte. Eu preciso disso mais do que nunca. Nós estamos numa fase crucial de nossas vidas, de nossa jornada, e eu preciso de você, você precisa ficar aqui comigo, ok?
- Eu só preciso sair daqui, só isso. Eu só quero ir embora. Eu só quero viver em paz ao seu lado. Sem mais gente morta. Sem zumbis. Sem nada disso. Eu me sinto naquela série de livros Desventuras em Série, em que tudo dá errado, o tempo todo, consecutivamente.
Carol lhe deu um sorriso triste.
- Nós vamos enterrá-lo no jardim. Depois vamos pra casa, ta bom?
- E a Roberta? E os Invasores? Nós não podemos ir. Nenhum lugar mais é seguro, Carol...
- Nossa casa é segura, vivemos lá até hoje e nada nunca nos aconteceu. Confia em mim. Tudo vai ficar bem. Se eles aparecerem, a gente acaba com eles. Olha tudo pelo qual nos passamos até hoje.
Azizah se afastou, limpando o rosto.
- Vamos fazer isso logo.
****
- O que você acha que aconteceu com a Mel? - Azizah perguntou após terminar de colocar a última caixa de mantimentos na caminhonete. Já devia estar no meio da tarde, por volta das três e meia, quatro horas. Com muita dificuldade física e emocional, tinham enterrado e se despedido de Rafael no jardim. Agora se preparavam para ir embora.
- Eu não faço ideia. Talvez aquele sangue fosse dela.
- Foi o que pensei... E ele talvez não tenha suportado ficar sozinho...
- Talvez tenham sido os Invasores.
- O Alfredo me disse que eles não matavam, que faziam as pessoas continuarem indo atrás de mais mantimentos, depois eles vinham e roubavam delas.
- Talvez algo tenha dado errado.
- Eu não consigo tirar aquela imagem da minha mente. Dele pendurado. Da cadeira caída.
- Bom, acho que essa é a última. – Carol mudou de assunto. – Vamos?
Azizah pegou a direção e tiraram o carro da garagem, despediram-se pela última vez da casa que tinha lhe rendido bons momentos. Lembrou-se de seu sentimento de que nunca mais veria os dois depois daquele dia que partiram pela primeira vez, ela estava correta. Conforme se afastavam da casa, a mais nova não tirava o olhar do retrovisor, lembrando-se dos dois lhe acenando. Tudo agora era morte. E então antes de fazer a curva, sentiu todo o seu corpo se arrepiar, viu um vulto negro parado em frente ao portão da casa dos dois, mas não teve tempo de olhar uma segunda vez, já alcançando a outra rua. Acelerou temerosa, afastando-se o mais rápido o possível daquele lugar.
Pegaram a rodovia. Foi uma viagem longa e silenciosa, ambas imersas em suas próprias cabeças, em seus próprios medos e angústias. E aquela pergunta que não se calava: o que seria das duas? Chegaram a sua cidade dentro de algum tempo e logo estranharam a quantidade de mortos-vivos perambulando pelas redondezas, não eram muitos, mas ela tinha ficado praticamente deserta desde que atraíram os zumbis para outro lugar.
Alguma coisa os tinha trazido de volta.
E infelizmente logo descobriram.
- Olha aquilo... - Azizah apontou para o céu.
- Puta merd*... - Carol levou as mãos ao rosto. – Vai mais rápido.
Foram virando de rua em rua, completamente tensas, já prevendo o que tinha acontecido. Alguns zumbis estavam andando em frente a casa, os portões estavam arreganhados, completamente livres para que eles invadissem a residência. Mal acreditaram ao ver aquela cena. Estava tudo queimado. Só tinha sobrado as estruturas de cimento e de ferro.
Carol estava completamente devastada.
De todos os zumbis, um deles estava amarrado com uma corrente pela cintura, para que não escapasse, para que elas vissem e prestassem atenção nele. Ele era franzino e tinha o cabelo comprido. Tinha um rosto conhecido.
- Caralh*, puta que o pariu, olha aquilo. - Azizah apontou assustada. - Tem alguma coisa escrita na testa dele. - Franziu os olhos tentando ler. Não conseguia enxergar.
- Traidor. - Carol soprou as palavras, seu tom era sem vida. - É o Alfredo, Azizah. Ele nos entregou. Você... Você estava certa. - Ela abaixou os olhos. - Eles queimaram tudo... Todas as minhas coisas... Não sobrou nada... Eles queimaram minha casa... porr*... minha casa... Aqueles desgraçados... Eu devia ter matado um por um... Eu devia ter... – E sua voz falhou, engolindo as lágrimas, abaixou a cabeça, apoiando os cotovelos nas pernas, segurando sua testa em total desespero. – Que merd*! – Ela gritou, batendo no porta luvas do carro, chutando, praguejando.
Pelo barulho do motor e dos gritos os zumbis começaram a se aproximar o veículo. Azizah o colocou novamente em movimento.
- Aonde está indo?
- Embora Carol, pra qualquer lugar, não podemos mais ficar aqui. Nem em lugar nenhum.
Azizah pensou que precisava rumar para o mais longe que pudesse, para o mais longe possível daquela cidade, daquelas pessoas. E agora? Estavam sem um porto seguro. Estavam vulneráveis. E logo a noite chegaria. Carol estava assolada. Não falava uma palavra se quer há mais de uma hora. Azizah não sabia o que, mas algo em Carol tinha queimado junto com a residência, como se ela não fosse ser mais a mesma pessoa depois disso. E não havia nada que pudesse ser feito para melhorar. Era tudo caos, por toda a parte, o mundo desabava e elas também.
Estacionaram em um posto de combustível no meio da rodovia. Já devia ter passado das seis da tarde. A tatuada desceu do carro e foi até uma das bombas para abastecer. Partiu até a loja de conveniência enquanto enchia o tanque e pegou todos os chocolates, salgadinhos e refrigerantes que cabiam em seu colo. Abriu uma lata de refrigerante de laranja e tomou todo o líquido em um só gole. Jogou a lata no chão e voltou para a caminhonete.
Carol permanecia imóvel no banco do passageiro. Azizah jogou todas as guloseimas pra dentro do carro e foi até a bomba, conferindo que o tanque estava cheio. Olhou em volta e viu uma placa onde estava escrito: “Motel Toque de Verão. 10 km para realizar todas as suas fantasias mais quentes”. Azizah riu consigo mesma. Esses anúncios eram tão estúpidos. Bom, mas ao menos teriam um lugar para passar a noite até descobrirem o que fariam de suas vidas. Ao voltar para o carro, Carol estava comendo uma barra de chocolate. Entrou e fechou a porta.
- Vai ficar tudo bem. – Azizah disse olhando para ela.
- Eu não tenho mais tanta certeza. – Ela respondeu com uma voz amuada, olhando para o horizonte, limpando os lábios de marrom.
- É só uma casa, Carol. Podemos ter a casa que quisermos agora, vamos poder reconstruir nossas vidas, do zero. Vamos encontrar outra tão segura quanto.
- Não é só uma casa, Azizah! – Ela gritou, aborrecida pelo comentário. - Era tudo o que eu tinha! Tudo o que tinha restado da minha vida normal, da minha vida antes de tudo isso, de toda essa loucura.
- Não existe mais vida normal há muito tempo, Caroline.
- Pra mim era como se existisse. Quando eu estava lá dentro era como se nada tivesse mudado, como se eu tivesse minha vida de antes.
- Sua vida de antes com seu marido?
Carol se calou e desviou o olhar, hesitando.
- Não, claro que não.
Azizah deu a partida em silêncio colocando o carro em movimento, havia raiva contida em seus gestos, na maneira em que trocava as marchas, que pegava no câmbio ou que movia o volante.
- Aposto que ele saberia o que fazer, aposto que ele era um cara inteligente e forte e que ia conseguir tomar conta de você. Eu sou só uma pessoa fraca e…
- Azizah, não foi isso que quis dizer.
- Eu não me importo, Caroline, eu sei que não posso competir com ele. Ele é o pai da sua criança. É claro que queria estar ao lado dele nesse momento, isso é muito óbvio.
- Azizah...
Ela a cortou, aumentando o tom de voz.
- Eu já disse que não me importo.
Carol se calou. No entanto, ela se importava. Era claro que se importava. E aquilo a magoava mais do que cabia em palavras. Para Azizah, bastava estar ao lado de Carol, independentemente de onde estivessem, mas pra outra não era tão simples assim. Rodaram por quase dez minutos em silêncio e a enfermeira ao perceber que a mais nova diminuía a velocidade e pegava o acostamento, indagou o que esta fazia.
- Vamos passar a noite aqui.
Embicou a caminhonete na entrada do motel completamente escuro. Ele era grande e luxuoso. Desceram do carro, Azizah olhava para dentro da cabine onde deveria ficar a atendente. Aproximou-se lentamente e levou um susto ao ouvir o baque de uma das criaturas contra o vidro. Porr*! Afastou-se instintivamente. Olhou para cima, para o portão de madeira completamente fechado. Como entrariam? Passou a mão suavemente pelo vidro e teve uma ideia. Foi até o estepe do veículo e pegou a chave de roda, que agora andava com elas desde o dia que o pneu estourou.
- Será que quebra? – A mais nova perguntou, apertando a ferramenta em suas mãos.
- Tenta a sorte.
Azizah golpeou com força contra o vidro, cobrindo o rosto com o antebraço, com medo dos estilhaços que se espalharam por todo o local, permitindo-se ouvir o grunhido da zumbi loira, vestida de recepcionista. No segundo seguinte, acertou a cabeça dela com destreza, deixando o ambiente novamente em silêncio.
- Eu vou entrar e abrir o portão. Você coloca o carro pra dentro.
Azizah pulou pra cabine, com a chave de roda ainda em mãos. Acionou o interruptor, mas não tinha energia elétrica. Justo porque já tinha se imaginado até relaxando em uma banheira de hidromassagem bem quentinha.
- Que merd*! Não tem energia aqui. Vou por trás destravar o portão.
Carol confirmou com a cabeça e Azizah abriu a porta dos fundos, vendo o pátio gigantesco do local, com as várias garagens abertas no térreo e por cima delas os quartos. Lembrou-se da última vez que tinha ido a um motel. Guilherme era seu nome. Ele estava tão nervoso que não conseguiu ter uma ereç*o, mas tinha sido ótimo mesmo assim. Passaram a noite inteira conversando, ela descobriu que na verdade ele era gay e que estava ali apenas pra convencer os amigos que gostava de mulher. Já a garota achava que devia tentar sair com algum cara pra ver se dava certo, já que nunca tinha dado certo com ninguém.
A vida era mesmo muito irônica.
Uma mão grudando em sua canela a trouxe de volta a realidade. Puta merd*! Ela chutou a coisa, mas aquilo não se desgrudava. Atingiu o chão com as puxadas fortes e percebeu que aquelas mandíbulas estavam perto de mais. Merda! Ao olhar melhor, notou que era somente a parte de cima do tronco do zumbi, seu corpo estava partido ao meio, podendo até ver sua carne dilacerada da cintura para cima. Com o coração disparado, chutou novamente a criatura com o calcanhar, era um homem, tinha o cabelo ralo, olhos pequenos e escuros, chutou novamente, o mais forte que podia. Somente na quarta vez ele desgrudou e ela se afastou, levantando-se rapidamente. Suava frio. Meteu a chave de roda em seu cérebro, com força, sentindo aquela massa se partir como uma geleia. Espirrou sangue em seu rosto, ela limpou no mesmo instante na manga da camisa xadrez sentindo repulsa.
A camisa do Rafa.
Foi transportada para o porão no mesmo instante. Viu o amigo escorregando da cadeira, perdendo a respiração com a corda no pescoço, seu corpo debatendo-se... E então houve uma troca de perspectivas, a cena mudou para ela pendurada, sentindo seu sopro de vida se esvaindo, tentava respirar, mas não podia, o ar não entrava mais. Via o rapaz parado em sua frente a encarando com aquele buraco em sua testa, ele estava morto, mas não era um deles, estava pálido, com terra em suas vestes e havia um espectro negro e difuso atrás dele. Rafa tinha uma pistola em suas mãos e mirava para a cabeça de Azizah. Destravou o gatilho.
Um chamado a trouxe de volta.
- Azizah! – Era Carol gritando. As cores voltaram. Ela estava no pátio do motel, ajoelhada no chão respirando com dificuldade. Seu pescoço doía. Quanto tempo tinha se passado? – Vai logo! - Ouviu outro grito, seguido de grunhidos do lado de fora.
Ela rapidamente olhou em volta, procurando o motor do portão automático, abriu a pequena porta frontal dele, destravando-o e empurrou a madeira com dificuldade. Havia dois zumbis arranhando a lataria da caminhonete com Carol dentro. E ao verem a tatuada começaram a caminhar lentamente em sua direção, arrastando os pés, gem*ndo. Azizah segurou forte a chave de roda em sua mão e destroçou a cabeça de um deles, um jovem rapaz com uma bermuda cáqui e camisa polo azul. A outra era mais velha, cabelo escuro, olhos sem vida, profundos, vestido florido. Carol veio por trás dela, já tendo saído do carro, liquidando-a antes que a mais nova o fizesse.
- Porr*, Azizah! Por que demorou tanto?
- Eu..eu... n-não estava encontrando… - Gaguejou. - Desculpe.
Puta merd*, tinha sido tão real. Pensou, limpando o suor que escorria por sua testa. Fecharam o portão e com o veículo, foram até a rua dos fundos, não havia mais sinais de zumbis dentro do motel. Entraram em uma das garagens térreas privativas, cuja suíte devia ser enorme pela estrutura vista do lado de baixo do quarto. Fechou o portão, para ficarem protegidas e Carol desligou o carro, pegando a lanterna de mão. Subiram as escadas giratórias. A porta estava trancada, mas arrombaram a fechadura com facilidade. A lanterna iluminou tudo em volta. Estava limpo, organizado. O quarto era realmente gigantesco, tinha uma decoração leve, paredes brancas. Carol caminhou até uma das janelas, afastando as cortinas pesadas e escuras, deixando que o último resquício de luz as atingisse. Desligou a lanterna, economizando a bateria.
- Estamos seguras aqui, por enquanto. – Ela disse olhando o sol se pôr.
Um silêncio sepulcral se findou no ambiente. Azizah sentou-se na cama, tirando os coturnos. Depois tirou a camisa xadrez e ficou olhando para ela durante alguns segundos lembrando-se do que tinha acontecido há pouco. Sentiu medo. O que está acontecendo comigo? Foi até o lavatório para limpar as manchas de sangue da roupa, esfregou e depois lavou o rosto. Olhou em volta, havia uma banheira enorme e dois chuveiros, um ao lado do outro. Queria muito tomar um banho quente, mas a água estava congelante. Pendurou a camisa semi-molhada em um das cadeiras no quarto que ficavam em uma mesa redonda para duas pessoas, na qual havia uma garrafa de vinho e um cardápio em cima.
Carol permanecia olhando pela janela, na mesma posição.
- Eu… eu não consigo tirar o Rafa da cabeça. - Ela disse quebrando a quietude. - Aquela imagem dele pendurado no porão… sei lá… até hoje, desde que tudo começou, desde o Dia em que vi o primeiro zumbi na minha frente... hoje… foi a pior cena de todas, sabe? A pior.
Azizah não sabia o que dizer, sentia-a da mesma forma, mas para ela ainda a pior cena era a da cabeça de seu padrasto sendo estraçalhada... Ficou parada no meio do quarto olhando para aqueles olhos castanhos sem saber o que fazer para fazê-la se sentir melhor. Carol continuou.
- E ai logo em seguida eu perco tudo, tudo o que tinha conseguido organizar durante todo esse tempo, as armas, munições, mantimentos, mesmo que restasse pouco ainda era alguma coisa… Era meu. Tudo aquilo era meu. Eu adorava aquela casa… eu me sentia como se nada tivesse mudado quando estava nela… E agora se você me perguntar como estou, estou péssima, de verdade. Eu gosto de ter o controle das coisas, eu gosto de ter o controle das situações e eu não sei o que vai ser daqui pra frente. O que vai acontecer com meu bebê – Correu as mãos pela barriga de maneira triste, partindo o coração da mais nova. - Eu nem sei mais se ele vai nascer… Ou se vou sobreviver ao parto… - Azizah então se aproximou dela, é claro que ela vai sobreviver, tentou abraçá-la, mas Carol a afastou. - Não, me deixa… - A tatuada tentou novamente, sendo repelida, percebeu as lágrimas quase transbordando dos olhos da outra. Ela era uma mulher muito dura, precisava deixar suas emoções transbordarem. Segurou-a forte, junto a si.
- Vai ficar tudo bem. - Disse suavemente.
- Não, não vai! - Carol gritou com a voz embargada de emoção.
- Vai sim.
- Não, nunca vai ficar bem. Essas coisas estão acabando com todo mundo. Em breve não vai sobrar mais ninguém...
E então cansou de lutar, permitindo-se ser abraçada e deixou-se desabar nos braços de Azizah. Chorou copiosamente, soluçando, escondendo o rosto na curva de seu pescoço, apertando-a forte contra seu corpo. Azizah a acolhia de maneira carinhosa, tal como a enfermeira já tinha feito com ela incontáveis vezes. Lembrou-se do pedido de Carol naquele dia, como uma premonição, de que a mais nova precisava ser forte. Correu as mãos por suas costas, sua cabeça, em silêncio. Não sabia o que devia ser dito, então preferiu calar-se. Às vezes o silêncio era a melhor escolha.
Ajeitaram-se na cama e ali ficaram até a escuridão total dominar o ambiente e até Carol chorar todas as lágrimas que precisava derramar para trazer alguma paz ao seu coração angustiado.
- Você sabe chegar la? - A mais velha perguntou insegura, após um longo período de silêncio, em que ficaram apenas deitadas e grudadas uma na outra.
- Aonde?
- Ilhabela.
E então Azizah se surpreendeu. Não esperava por aquilo. Pensava que Carol jamais iria pra lá. Sentiu uma fagulha de esperança ser acesa dentro dela. Ela tinha um pressentimento bom daquele lugar. Será que dava pra confiar em pressentimentos?
- É só irmos sentido litoral, acho que da umas oito a dez horas daqui, pensando que temos que evitar o centro de São Paulo, então vamos rodar mais. - Beijou seus lábios de maneira suave. - Você quer ir pra lá?
- Sim.
- O que te fez mudar de ideia?
- Não temos mais nada a perder.
E é pra lá que iriam.
Fim do capítulo
Agradeço novamente a todas vocês que estão acompanhando essa história, vocês são demais, meninas! <3
Comentar este capítulo:
lucy
Em: 29/10/2016
nota mil, perfect, eu sabia que Roberta era sangue ruim...e a prova é o que fez pra descobrir onde encontrar carol e Azizah, ela condenou o cara como traidor, ela não é nenhum pouco boba....e é bom elas irem pra esse refúgio já estou achando que há uma luz no finaal do túnel, acredito que esse grupo da Roberta já tenha enfrentado o grupo dos ursinhos carinhosos, e eles não devem ser canalhas mal caracter que nem eles, e tomara que eles mandem balas neles se se atreverem a ir lá fazer gracinha....deu dó das duas e a casinha porto seguro da Carol queimando, só podia ser obra de Betão.....a cara dela, foi queimar a casa da Carol como ela fez com as coisas dela. imagina que ela deve estar com sangue nos olhos...... moça perfect , bjs
difícil parar de ler mas preciso dormir rs bjs xau
[Faça o login para poder comentar]
Penelope
Em: 27/05/2016
Caramba, que reviravolta poxa... Elas pensando que estavam livres daquela gangue e aí vê que não.
Ao menos surgiu a esperança de que em ilhabela encontrem paz e que dê para viver melhor.
Você escreve bem demais querida autora, cada ambiente e aspectos, descreve tudo perfeitamente e realmente é como se ao ler pudessemos ver.
Parabéns!!
Resposta do autor:
Pois é, menina. A Roberta não deixou barato o que a Carol fez com eles. Tenho um palpite de que talvez em Ilhabela as coisas melhorem finalmente pras duas ;) Muito obrigada pelas palavras e pelo carinho <3<3 Beeijo
[Faça o login para poder comentar]
Penelope
Em: 27/05/2016
Ebbaaa capitulo novo.
Gosto muito dessa historia, as personagens são originais, nada copiado ou clichê.
Vou ler e depois comento.
Resposta do autor:
Oi Penelope! Gosto de escrever sobre pessoas que fogem do padrão, como por exemplo incluir personagens trans na história. Quis quebrar também o estereótipo de que mulheres grávidas são necessariamente frágeis e que mulheres com uma aparência mais "masculina" precisam assumir papéis exclusivamente desse tipo. Eu adoro o diferente ;)
[Faça o login para poder comentar]
Susana
Em: 27/05/2016
Eu acho que morria de infarto se visse um zumbi na minha frente, gosto assim de ver mulheres de coragem, é bem sexy. As cenas estão muito boas, me sinto dentro de um filme :)
Resposta do autor:
Susana, também adoro mulheres fortes, de coragem, com armas, brigando, lutando, acho demais! Eu também ficaria morrendo de medo se visse um zumbi, mas já sabemos que é só acertar a cabeça hahah MUITO obrigada por estar acompanhando <3 Beeeijo
[Faça o login para poder comentar]
Fernanda B
Em: 27/05/2016
É mesmo uma mistura de sentimento e sensações, eu fiquei aqui tão concentrada lendo que até prendi a respiração! Muito bom e adoro este suspense.
Resposta do autor:
Oi Fernanda! Que bom que está gostando! Fico muito feliz!! Muitooo obrigadaaa <3<3<3
[Faça o login para poder comentar]
line7
Em: 27/05/2016
Ótimo capítulo LINDA, cada vez melhor cheios de suspense.. amooo. Rsss..mas que droga a casa de Carol pegou fogo; e essa tal Roberta é um😈 . E o que será aconteceu com rafa e mel de verdade? Será mesmo essa ilha é segura? O filho de Carol é um tipo de mutante?? Muita curiosa AQUI. .kkkk..dá pra perceber. Thais minha linda vc é puro talento e criatividade 👏👏. Eu já lhe disse que eu sou sua FÃ, NÃO! Pois é EU SOU..😉😊 até logo, lhe desejo paz ,amor e sabedoria😊😙
Resposta do autor:
Line, sua linda! :') Agradeço MUITO pelas palavras, pelo carinho e lhe desejo tudo em dobro! A Roberta é um demônio mesmo, não deixou barato o que a Carol fez com os invasores. Em breve tudo vai fazer sentido e sua curiosidade será aliviada, eu prometo hhaha beeeijo <3<3<3
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]