Capítulo 4
Letícia
Já havia embarcado há uma semana disposta a curtir férias e sair um pouco da rotina estressante Italiana, há anos Antoni dizia querer viajar para rever sua família, mas nunca me senti interessada a conhecer, apesar dele sempre lembrar como sua irmã, Liza Ferronato era receptiva e comentava freqüentemente que ela desejava conhecer sua nova namorada.
Apesar de aparentemente ele ser ligado a família, nunca deu maiores detalhes. O pouco que sabia era que vinham de uma linhagem de indústriais que investiam a anos em fábrica de tecidos, exportando para vários países, e que sua irmã era muito conhecida no Brasil e no exterior por estar sempre envolvida com moda, eu mesma já ouvi falar dela diversas vezes, e que há muitos anos foi casada com um empresário e que tinha um casal de filhos.
Mas a viagem até seria providencial, tento em vista que eu já ansiava a algum tempo ver pessoalmente como andava a filial da minha empresa no Pais onde meus pais nasceram, mas que a muito não visitava.
Chegamos a residência e como esperávamos uma pequena festa jazia na mansão dos Ferronato, de certa forma aquilo me incomodou, depois de uma viagem custosa, tudo que queria era descansar
Entramos e fomos recebidos por Liza, uma mulher extremamente elegante e extrovertida, já tinha visto por fotos em matérias de revista, tinha alguma semelhança com Antoni, mas nada além do ordinário, já que eram irmãos.
Cumprimentou-me calorosamente, e eu retribui, pelo pouco que conversamos ela pareceu ser uma mulher íntegra e autentica, algo raro no mundo tão sórdido da moda.
Apresentou-me amigos, igualmente simpáticos, enquanto Antoni conversava animado com alguns senhores sobre bolsa de valores, eu engatava uma conversa com Liza e outras mulheres sobre a viagem e a saudade que tinha do País.
Ela se retirou um segundo, justificando que ia buscar alguém para apresentar-nos, imaginei se tratar de algum amigo da família, mas me enganei. Vi que ela atravessava o salão com uma linda menina.
Não sei dizer ao certo o que senti quando vi, mas não consegui tirar os olhos dela. Era de uma beleza angelical, a pele alva, contrastava com o cabelo ruivo de uma tonalidade tão ímpar, digno de estar nas melhores campanhas de cosméticos. O corpo era feminino e curvilíneo caia perfeitamente no vestido dourado.
Sequer desviei o olhar, a conversa dantes tão interessante agora meus ouvidos capturavam somente zunidos cada vez mais distante.
Desejei intimamente que aquela garota não fosse quem eu desconfiava ser.
--Ora vejam só, se não é minha sobrinha! —Antoni a abraçou —Quero que conheça Letícia, minha namorada.
Infelizmente era.
Sorri para ela, e ela permaneceu séria, parecia trepidante, dei dois beijinhos na face rosada quando fomos finalmente apresentadas.
--Prazer, Letícia.—Disse ela coma voz baixa, quase sussurrada. Num sotaque lindo, uma voz manhosa...
--Mas pra que tanto formalismo, ainda mais agora que ela será sua tia.—
Antoni falou e ela pareceu se incomodar, ficou toda sem jeito, acanhada. Achei luminoso aquele jeitinho meigo dela.
Linda.
Resolvi entrar na brincadeira, tentando deixá-la mais a vontade.
--E qual é o nome da minha sobrinha? --Falei sorrindo para ela.
--Alice- disse simplesmente, monossilábica.
--Protetora...—Falei, lembrando-me do significado do seu lindo nome.
--Como?
--O significado do seu nome...-Disse me sorrindo, olhando em seus olhos.
--É um nome lindo, eu que escolhi, nome tão lindo quanto meu bebê—Liza apertou e beijou carinhosamente a face de Alice.
Aquele gesto singelo me adoçou, já Alice parecia incomodada com o apelido afetuoso.
Era mesmo um bebê, parecia um anjo, não devia ter mais que 20 anos. O nariz empinado, o queixo carregava um furinho charmoso, o que me fez pensar que deveria ser uma garota muito mimada e voluntariosa.
Olhava-a fixamente, analisando os traços daquele rosto tão bem feito, parecia ter sido ‘’feita a pincel’’ tamanha delicadeza das circunscrições da sua face. Enquanto ela me devolvia um olhar sobressaltado, de estranhamento. Não soube qual o motivo, mas acredito que ela esperava encontrar outra pessoa como namorada do seu tio.
Para minha surpresa ela pouco depois pediu licença e saiu do salão, se despedindo de todos.
De repente a tudo ficou tão vazio, e a festa até então acalorada, perdeu um pouco do brilho quando aquele olhar verde já não figurava entre os demais.
Daquele dia em diante minha aparente calmaria se dissipou, tanto tempo tentando manter o controle e agora já sentia ímpeto de deixar minhas vontades ocultas aflorarem depois de tanto tempo.
Nunca me imaginei vivendo uma vida tão superficial, aparente e teatral como vivia atualmente: Um casamento de fachada, que ao invés de felicidade me dava conforto. E mesmo sabendo que o verdadeiro aconchego não se encontra em uma mansão, com carros de luxo, viagens pelo mundo, e sim no coração.
Jamais almejei dinheiro nem poder, mas nos últimos anos tinha me tornado tão mesquinha, que deixei para trás o que era realmente valioso, me sentia na tão falada Prisão Dourada de Fiodor Dostoievski.
Mas ao chegar naquela casa, algo em mim mudou, senti que a Letícia de antes despertava dentro de mim, meu espírito jovem começava a falar mais alto, já sentia dificuldade de controlar o ímpeto de me aproximar mais de Alice, e aquilo estava me matando.
Sempre fui adepta do jogo da conquista e sem falsa modéstia nunca fui de colecionar ‘nãos’, e quanto mais difícil o desafio, mais me sentia ávida a conquistar, porém dessa vez era diferente, devia ser precavida não poderia ser imprudente e ir com sede ao pote. Era diferente.
Mais do que saciar minha vontade, sua singela presença alimentava minha alma, aquele sorriso tímido quase imperceptível me fazia perder a noção, adoçava meu coração, embaraçava meus sentidos, me enchiam de ternura.
Alice não era uma adolescente qualquer, e sua singularidade era o que mais me encantava, parecia ter sido tirada de um conto de fadas, uma princesa medieval, diria. Logo se via que tinha sido criada como uma, não possuía a trivialidade, a vulgaridade comum de meninas da idade.
‘’Santinha’’
Sorri com o pensamento bobo que me veio em mente.
Aquela viagem aparentemente sem graça começava a ganhar sentido cada vez que aqueles olhos verdes cruzavam com os meus.
***
Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim. Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo ele me submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta.
Clarice Lispector – Liberdade Olímpica
Fim do capítulo
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Maria Flor
Em: 29/09/2015
Uhul!!!
Pov da Letícia!!! Mandou muito bem, Julia. Esse pov veio no momento certo. Adorando a história!!
Beijoooo
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