Capitulo 2 — O início das mudanças

Larissa

Estava há quase uma hora naquela tempestade, já sentia calafrios por todo o corpo. Podia ver os dedos enrugando. Observei a luz da sala ser acesa, já imaginava quem era. Sentia o olhar de reprovação de Susane em minha direção, já era costume ela me tirar de situações assim. Gritou:

— Larissa Rodrigues Santana, você só pode estar maluca. Quer pegar um resfriado? Pior que morrer atingida por um raio?

Morrer, era isso que eu mais pensava ultimamente, o porquê de ser a única a ter sobrevivido aquela tragédia? Por que pessoas boas morriam? Por que ter ficado sozinha? Por que morrer era tido como algo tão normal? Olhei para Suse, nadei em direção a borda da piscina e sai.

— Acalme-se Suse, estou bem. Vamos entrar que estou cansada.

A mulher me abraçou ternamente, envolvendo meu corpo em um roupão que trouxe consigo. Caminhamos juntas em direção ao quarto. Tiro a roupa lentamente, seco os cabelos, sabia que seria mais uma vez impossível dormir sem nenhuma ajuda. Abri a gaveta do criado mudo pego dois comprimidos de Xanax, tomo com um pouco de água e deito-me na cama. Sentindo meu corpo relaxar e apaguei.

Acordei por volta das 8:00 horas da manhã, minha rotina baseava-se em acordar, tomar meu café matinal e ir para a empresa RCEC, almoçar por lá mesmo e a noite ir para a faculdade, ainda bem que já está quase acabando, estou cursando o meu 4.º ano de Engenharia.

Depois da morte de meu pai tive que assumir seu lugar na empresa, trabalhando com um dos melhores engenheiros da cidade, Ruan Sobreira, foi o braço direito do meu pai, grande amigo, um engenheiro brilhante, era o funcionário mais antigo, e agora me ajudava em tudo. Tenho aprendido muito com ele, desde conselhos sobre administração como também a parte da construção civil.

Olho o relógio, pelo avançar das horas vou me atrasar para a reunião com o Dr. André Fontes, um advogado muito poderoso, antigo cliente da empresa. Dr. Fontes está planejando edificar uma nova filial de seu escritório Fontes Advogados Associados na cidade de Belo Horizonte, o contrato será de grande valor, e minha oportunidade de passar um tempo em nossa filial.

Após m rápido banho, desço as escadas correndo, entro na cozinha e lá está Susana, concentrada em seus afazeres, abraço-a e desejo um bom dia. E saio de seu campo de visão antes que ela reclame por não tomar o café matinal.

Chego na garagem  e Zé, meu motorista, já me espera. Nunca fui de gostar de certas formalidades, lembro-me que quando criança odiava ir de motorista para a escola, e mais ainda daquele brutamontes que me seguia aonde eu fosse, hoje sei que esse é um mal necessário. Zé me deseja bom dia, eu apenas maneio a cabeça para o senhor que abre a porta do carro para mim. Assim que me acomodo ao banco, meu celular toca. O nome de Milena aparece na tela, aperto o botão e já escuto sua voz do outro lado da linha.

— Laris?

— Pois não Mile.

— Sr. Ruan pediu que eu te ligasse para saber se você ainda lembra da reunião das 10:00 hrs.

— Claro, estou a caminho, daqui a uma meia hora estou por aí.

— Certo, vou avisá-lo, antes que ele arranque os poucos cabelos que lhe sobram a cabeça. Beijo Laris, até já.

— Até.

Apesar de toda a tristeza em que ultimamente eu vivia, adorava as piadas de Milena, conheci Milena no primeiro ano do ensino médio, foi amizade de cara, uma afinidade mútua. Nos tornamos inseparáveis, e logo depois que assumi a empresa resolvi trazer Milena para trabalhar comigo, era bom ter sua companhia, e ela estava conseguindo mostrar seu grande talento na empresa. Ainda não havia comunicado que ela iria comigo para Belo Horizonte caso o contrato fosse fechado.

Chego a empresa Milena já me esperava na recepção. Faltavam exatos 15 minutos para a reunião começar.

— Laris, que cara é essa amiga? E esse nariz vermelho?

— Aí Mile, tomei uma chuva ontem, acordei até bem, mas aí no carro comecei a espirrar sem parar.

— Você está parecendo um palhaço com esse nariz assim. Vem comigo...

Milena foi me arrastando até o banheiro e começou a me maquiar. Tentando ao máximo esconder minha cara de doente.

— Pronto não tá bom, mas, disfarçou bem. Agora vamos correr porque você já está atrasada.

As portas do elevador se abrem e diante de mim, vejo a imensa sala de reuniões. Sempre que, entro naquele lugar me sinto mais perto de meu pai. É como se ele estivesse ali comigo, penso em todas às vezes que sentou na cadeira que hoje é ocupada por mim. Em quantos contratos foram assinados com a mesma caneta que hoje carrego comigo.

Milena, me entende com um simples olhar, sabe o que se passa em minha mente sempre que chego aquele andar. Sinto sua mão pousar sobre meu ombro em um afago singelo, balanço a cabeça e balbucio um “estou bem” em sua direção. Na sala já estão presentes, Ruan Sobreira, e alguns outros engenheiros, ao que me parece não fui a única a atrasar, haja vista que Dr. André Fontes ainda não se encontrava. Olho Ruan caminhar em minha direção, estendendo sua mão me cumprimenta.

— Bom dia! Querida. Está tudo bem? Parece doente.

— Bom dia! Tio Ruan. Tô bem só suponho que estou pegando um resfriado.

— Por que não ficou logo em casa meu bem? Podíamos ter remarcado essa reunião.

— Não poderíamos fazer isso, precisamos desse contrato, e pelo pouco que sei sobre Dr. Fontes não acredito que ele concordaria em remarcar, no mínimo já iria procurar outra empresa.

— Tens razão querida, mas eu poderia com um jeitinho conseguir domar a fera.

— Estou bem tio, ao término da reunião prometo que vou para casa descansar.

— E eu me encarregarei de que isso aconteça Sr.Ruan. Milena se pronunciou.

— Pois bem! Faça isso por mim ok? Disse Ruan sorrindo para as jovens.

Ruan foi sentar-se com os outros, Milena senta-se ao meu lado. Pousando as mãos sobre o encosto do braço, pareço sentir o toque de papai ali. O telefone da sala toca, Milena atende e comunica que o Dr. André acabou de chegar.

Já  passava das 11:00 horas da manhã e os engenheiros ainda mostravam todas as ideias para o projeto, o Dr. Fontes se pronunciou de forma positiva, mas demonstrou imensa preocupação por saber que o projeto seria executado pela filial de nossa empresa e não pela sede principal como de costume, sem hesitar lhe disse que acompanharia pessoalmente todo o andamento do projeto para este ser realizado como previsto. Tio Ruan olhou imediatamente para mim, ele sabia que o projeto teria duração de seis meses e que eu estava me comprometendo a me distanciar das atividades da sede da empresa por muito tempo.

Após a reunião ser encerrada e o contrato fechado, nos despedimos do Dr. Fontes. Todos caminham em direção a saída, exceto Mile e Ruan, que me olhavam com cara de poucos amigos, ao ficarmos sozinhos, Mile falou:

— Você enlouqueceu? Como você pode se comprometer a passar 6 meses em BH? Esqueceu da faculdade? Da administração da empresa? Você não terá como ir e voltar a tempo diariamente!

— Calma, Mile, posso transferir a faculdade para BH sem problemas e tio Ruan ficara aqui e poderá tomar conta da administração da empresa e me deixar a par de tudo sempre, ficarei por dentro das decisões e poderei vir ao menos uma vez por mês para me reunir com ele e colocar tudo em ordem.

— Mas você vai assim? E como eu fico nessa história? Você não pode decidir algocomo isso  sem mais nem menos, sem contar que o projeto é para início imediato em uma semana você teria que já estar lá a par de tudo.

— Você vai comigo, é claro, transferiremos a faculdade para BH, meu pai foi grande amigo do reitor então não teremos problemas, temos a casa da minha família para morar e viremos ao menos uma vez por mês para reuniões e prestação de contas aqui na sede da empresa, sem contar que esse tempo fora pode ser bom para mim, não tenho saído daqui desde o acidente com meus pais e nem sabemos como anda a situação na filial, será uma grande oportunidade para colocarmos as coisas em ordem por lá. Não sei por que você está fazendo tanto drama, sempre me disse sonhar em ir morar em BH a sua vida toda.

— Ir com você? Morar em BH? Eu não sei, é muito complicado decidir issoem tão pouco tempo, não sei...

— Mile, nada nos prende aqui, além disso, BH é pertinho e podemos vir sempre que quisermos não há porque fazer grande alvoroço disso, não é nada de mais, além do que você vivia dizendo que nesse último ano não te convido mais para ir a lugar nenhum e que só falo em trabalho, trabalho, quem sabe essa não é a oportunidade perfeita de mudar de ares e esquecer um pouco essa coisa toda. — Ruan finalmente entrou na conversa:

— Larissa minha querida, eu entendo que você tenha tomado a decisão sem pensar e que você precise de um tempo longe daqui, mas, seis meses é bastante tempo e você não terá como vir com tanta frequência como pensa, dado quevocê assumir a administração da filial será complicado largar as coisas por lá.

— Não se preocupe tio, nessa semana iremos organizar tudo, deixarei tudo em ordem e você ficara como gerente e administrador geral da sede e teremos reuniões mensais aqui e você me verá em BH a cada quinze dias para prestação de contas, sem contar que poderemos manter contato pelo telefone e internet o tempo todo, sempre que houver alguma decisão mais delicada você pode simplesmente me ligar e conversaremos sobre isso, aliás sempre que vou decidir aqui é você quem me ajuda, então sei de sua capacidade e competência para manter tudo em ordem por aqui.

— Tudo bem minha querida, mas se você quer realmente fazer isso tem que saber haver muito o que se fazer em uma semana, muito o que colocar em ordem para a sua partida e não sei se teremos tempo.

— Não se preocupe se for necessário trabalharemos em dobro para que tudo fique em ordem, mas o senhor sabe o quanto precisamos desse contrato e não penso que o Dr. Fontes fosse aceitar fazê-lo de outra forma.

Tio Ruan despediu-se, Milena ainda se encontrava digerindo a informação antes dada por mim. Fiquei presa em meus pensamentos, essa era a primeira vez que estava empolga com algo, a ideia de sair dali e poder respirar livremente sem o peso da morte dos meus pais fazia com que me sentisse aliviada.

— Acho mesmo que estou precisando de um tempo fora daqui, Mile, mudar de ambiente, ver outras pessoas, outros lugares, sem tantas memórias.

— Eu entendo Laris, entendo mesmo, e até concordo, entretanto, você me pegou de surpresa.

— Você vai comigo, não vai?

Senti que Milena estava prestes a ceder, olhava-me com aqueles grandes olhos negros, e neles eu podia ver a resposta que ela estava adiando.

— Vou sim, a final você não sobreviveria sem sim um segundo sequer. — Abraçamo-nos por um segundo, e logo ela chamou minha atenção.

— O que estamos fazendo afinal? Temos uma semana apenas para organizar tudo, não temos tempo para ficar aqui de cara para cima. Vamos!

Saímos pelos corredores quase voando. Fomos almoçar em um restaurante perto do escritório. Mile parecia finalmente estar começando a gostar da ideia, e falava empolgadamente sobre o que faríamos quando chegássemos lá. Voltamos ao escritório e começamos a organizar toda a papelada para nossa saída. Transferi poderes de administração para Tio Ruan, colocamos outra pessoa para assumir as funções de Mile.

Ao final de uma tarde exaustiva de trabalho, fomos a minha casa, ainda tinha que contar a Susane o que havia decidido. Quando chegamos ela cuidava do jardim, regando flores, fui imediatamente falar com ela, a beijei e em seguida lhe falei:

— Suse, pensei muito em tudo que você me falou nesse último ano, em como mudei meu jeito, me fechei para a vida. Tomei a decisão de passar seis meses em outro lugar.

Susane me escuta atenta e por um instante percebo seu contentamento. Ela já havia me dito para tentar amenizar toda a dor e sofrimento que sentia desde o acidente, reclamava por eu estar trabalhando demais,  principalmente por não ter uma vida social.

— Resolvi recomeçar, penso que outro lugar seria perfeito para isso. É quase impossível ter um remeço aqui. Tudo nessa casa, nessa cidade, até mesmo na empresa me fazem sentir sozinha. É a vida que eu queria viver ao lado deles, mas agora não posso. Então vou acompanhar um projeto importante da empresa em BH e quero que você venha comigo, ficaremos na casa dos meus pais e Mile ira morar conosco.

— Claro querida, fico feliz de ter finalmente recuperado parte do que você era, sei que não é fácil essa sua decisão. Sinto que você pode encontrar lá a mudança que necessita.

Com lágrimas nos olhos abracei Suse. Expliquei que ela iria com o motorista em meu carro. Na sexta-feira pela manhã, e eu Milena iriamos de helicóptero a tarde depois que saíssemos da empresa. Entro em casa, vou direto ao meu quarto, Mile já estava arrumada para a faculdade. Vou para o banheiro e em 15 minutos já estávamos indo em meu carro para a faculdade.

Fomos direto para a sala do Reitor, expliquei toda a situação, ele aceitou o que propusemos e já saímos de lá com tudo resolvido. Milena não parava de falar, via toda a empolgação de minha amiga e mesmo assim não sentia metade daquilo.

Trabalhamos muito durante a semana. Fazendo todos os preparativos para a nossa viagem, ficamos horas extras no escritório e trabalhamos até tarde diariamente, conseguimos depois de muito esforço colocar tudo em ordem e finalmente fomos organizar nossas bagagens, ver fotos e coisas que acabaram ficando para trás era muito doloroso, a sexta-feira foi um dia difícil com tantas lembranças, ao final do dia conseguimos estar com tudo pronto, Susane já havia partido com o motorista e finalmente estávamos embarcando no helicóptero da empresa rumo a um novo lugar.

Fim do capítulo