O alarme começou a tocar baixinho como era de praxe, detesto acordar abruptamente e mais uma vez já estava acordada mas de olhos fechados. Rolei na cama e agradeci mentalmente por estar sozinha. Detesto acordar com outra pessoa na minha cama, sim sou freak e assumo com naturalidade. Rolei, gemi, espreguicei e já ia pular da cama quando me lembrei dos tais exercícios de respiração...Susan, claro, sempre ela e essa mania de querer acalmar-me. Eu não quero estar calma, eu não sou calma...mas como tenho a mania de ouvir quase tudo que ela diz, mais uma sessão de cinco minutos.
Cinco minutos depois...
Pulei da cama e corri para beber água com gotinhas de limão...mais uma lição de Susan e eu vou fazendo as loucuras que essa mulher me impinge.
--Scout...Mr. Scout, eu sei que já acordaste...Scoutie...bom, quando resolveres aparecer eu estou na esteira.

Vesti um short e um top de ginástica e corri mais de meia hora na esteira. Dessa rotina não abro mão, todos os dias, excepto aos domingos de ressaca ou nem por isso...domingo é dia de relaxar na minha cama. É o único dia que me dou esse privilégio, ficar na cama horas esquecidas sem pensar em nada...enrolada nos lençóis, enroscada com o Mr Scout quando estou de bom humor e permito que ele pule na minha cama (quase nunca), de pernas para o ar...mas hoje é segunda-feira e começa mais uma semana de muita loucura...mais do mesmo mas agora não quero pensar nisso. Já estou atrasada para encarar muitas reuniões, clientes chatos, outros que se acham espertos...mas eu adoro a minha vida, ou pelo menos é o que parece.

Banho relâmpago, difusor nos cabelos para não ficarem com cara de rato que caiu num pote de azeite e roupa...nunca perco muito tempo escolhendo roupa, pelo menos não para trabalhar. Calça preta reta, blusa tijolo, blazer no braço porque não está frio, salto alto, relógio masculino que eu adoro, umas gotas do perfume discreto que uso no dia-a-dia, batom cor de boca, rímel...chega. Olho-me no espelho e gosto do que vejo, como diria um amigo meu, executiva fria e pragmática. Não evito um sorriso ao espelho, executiva fria...não sou fria mas também não sou quente, digamos que sei muito bem como conseguir tudo o que quero e que raramente fracasso numa negociação.

O problema é que já sabem disso na minha empresa e sou explorada até à raiz dos cabelos, mas essa é outra história.

Mais uma olhada no espelho e sim, estou pronta para sair para mais um dia de batalha na selva dos negócios...eu adoro isso tudo.
--Scoutie, eu já vou. Apareça coisa peluda...agora só me vês ao cair da noite e sei que morres de saudades de mim...--Ele não sente saudade alguma, nunca vi bicho mais nojento e metido a independente...ele não me liga nenhuma mas morro de amores por ele, logo eu que sempre gritei aos quatro ventos que odeio gatos...amores que não se explicam.

--Scout...--Finalmente ele apareceu e enroscou-se nas minhas pernas. Afaguei-o e quase corri para a cozinha verificar se estava tudo certo com a comida e a água dele. Tudo certo ou em parte, já que a ração só daria para o dia, teria de comprar mais à noite...

--Já vou amor, estou atrasada...hoje o dia promete.

Ele miou e olhou para mim como se entendesse alguma coisa...às vezes eu acho que esse bicho me entende como ninguém, pena que não fale...pena.

Saí correndo e já ia esquecendo o laptop em cima da mesa...eu e essa minha mania de esquecer as coisas.

O elevador estava no meu andar, bom sinal...o dia correria bem...loucura minha mas meço o decorrer do dia pelo elevador no meu andar, às vezes acho que não ando bem da cabeça, mas quem é bom da cabeça nos dias de hoje?

Passei pela portaria correndo em direção à garagem...moro num prédio maravilhoso em que o génio do arquiteto achou que ninguém precisava descer diretamente à garagem...loucuras de um génio, não são todos loucos?

--Bom dia dona Catherine, atrasada? - Sorriu o porteiro que já era quase um amigo, isso por pura insistência da afabilidade dele porque eu quase nunca notava muita coisa ao meu redor...fora do universo do meu trabalho, claro.

--Bom dia Martinez...sim, ligeiramente atrasada para não variar. - Disse correndo em direção à porta que me levaria à garagem.

--Que a senhora faça muitos e bons negócios hoje.

--Senhora...pareço ter quantos anos Martinez? -- Ainda tive tempo de perguntar antes de descer as escadas rumo à garagem.

--Respeito dona Catherine, aqui todos são senhoras e senhores...mas a senhora parece ter vinte e cinco anos.

Gargalhadas minhas do cinismo do meu porteiro.

--Vinte e cinco mais dez. Tchau Martinez, não te esqueças que hoje é dia da Adelaide passar para deixar minha casa perfeita.

--Eu sei dona Catherine. A senhora gostou dessa empresa não é mesmo? Aqui no edifício ninguém reclama...bom trabalho dona Cathe.

Gritou Martinez quando eu já descia as escadas.

Fechei a porta pesada e concentrei-me para lembrar onde deixara o carro. Um espertinho qualquer estacionara na minha vaga e tive que deixá-lo algures...onde?

Na vaga do décimo quinto andar C, claro, o casal está de férias na Tailândia.

**************************************************

Karen se apressava para deixar tudo perfeito na mesa da chefe. Olhou para o relógio e viu que ainda tinha alguns minutos. Ela sempre chegava às 9 em ponto ou ligeiramente depois desse horário. Às segundas ela estava sempre mais frenética do que o normal, início de semana sempre significava definição de viagens, às vezes longas, outras mais curtas.

Na semana passada não viajara para muito longe o que a deixara menos stressada, mas provavelmente nessa que agora começava ela não se livraria de avião, carros e etç.

--Karen, vamos tomar um café? -- Perguntou Dante no corredor com a cara enfiada na sala de Catherine.

--Daqui a pouco, preciso deixar tudo no lugar, agenda aberta no computador, janelas com as cortinas abertas da forma como ela gosta...

--Mimas muito essa tua chefe...Deus me livre de uma mulher chata dessa como chefe, ela só sabe brigar.

--Não exageres Dante...ela não é nenhum cordeirinho mas eu adoro o meu trabalho e se quer saber, gosto dela.

--Há gosto para tudo...acreditas que o Alfred da logística das viagens também diz a mesma coisa?

--Claro que sim.

--Mas essa mulher quase engole o pobre coitado quando alguma coisa não dá certo nas viagens...

--Normal, ela se esforça muito, ou achas que é fácil essa vida de andar para lá e para cá?

--Ah Karen, mas ela ganha muito bem para isso, não me venhas com tretas.

--Eu sei disso, mas cansa Dante e outras coisas ficam em segundo plano...

--Dizem que ela não dá moral para ninguém aqui na empresa mas que quando sai passa o trator nos gostosos de plantão nas baladas da vida.

--Vamos tomar café? Já terminei.

--Entendi...não quer falar da vida da chata, tudo bem...nem eu, afinal sou homem e homens não fazem fofoca.

Gargalhadas nos corredores do nono andar.

**************************************************

Olhei para o relógio e vi que já passava das duas da tarde e ainda sequer tinha lembrado de comer. A semana começara muito bem, sem previsão de viagens longínquas, ou seja, nada de subir e descer de aviões, hotéis impessoais e gente muitas vezes incoerente, isso para ser muito simpática.

Como sempre tinha muitas reuniões, às vezes produtivas, outras nem por isso, mas eram os ossos do ofício.

Trabalho numa mega empresa que cria soluções em várias áreas para outras empresas. Somos referência a nível de soluções informáticas, de RH, gestão a todos os níveis. Vendemos para o país todo, América Latina, Canadá, Europa e mais recentemente para alguns países da Asia e da Africa.

Se me perguntassem o que faço aqui, diria que apesar de ter como formação de base a psicologia, hoje em dia eu sou uma comercial, eu vendo e sou uma das melhores da minha empresa. Aqui não vendemos lixo, ou seja, é mais fácil convencer o diretor de uma empresa que ele precisa de nossos serviços. Eu gosto do que faço...pensando bem, já gostei mais mas ainda me atrai.

Com essa vida meio louca de quase itinerante, eu não me prendo a nada e nem a ninguém, mas gosto de viver assim, não gosto de laços...nunca gostei. De nós então quero distância.

Não tenho amigos na minha empresa, nem quero tê-los. O pessoal é muito superficial e a ganancia é a melhor das qualidades. Procuro me relacionar de forma cordial com quem não fere muito o que penso da vida, com o resto limito a trabalhar e a conviver quando não é possível evitar.

O que penso da vida? Boa pergunta... o que pensas da vida Catherine? Cada vez penso que não tem muito sentido, embora não deixe essas ideias saírem da minha cabeça...ninguém precisa saber que acho isso tudo muito sem sentido. Vou vivendo um dia de cada vez...

3 horas da tarde e a fome finalmente gritou.

--Catherine, com licença. Queres que eu peça alguma coisa para comeres? Já passa das 3...

Olhei para a minha secretária e tive vontade de beijá-la. Essa mulher cuida tão bem de mim, logo eu que sou muitas vezes arrogante e insuportável...porquê essa súbita vontade de beijar a face dela? TPM, claro. Eu não sou muito dada a rompantes de carinho...a TPM ora me deixa louca como um vulcão em erupção, ora me deixa assim...com vontade de beijar o mundo.

--Obrigada Karen. Vou sair e como na rua.

--Não te esqueças da reunião na Golden Market às 5 da tarde.

--Tudo na agenda do tablet e lembretes no telefone...não me esqueço e também sei quer antes das cinco vais ligar para avisar.

Ela sorriu timidamente e eu agradeci por tê-la na minha vida...mentalmente.

Karen fechou a porta da minha sala e eu liguei para a única pessoa com quem estava a fim de partilhar uma mesa num restaurante.

--Olá senhorita, pensei que tivesses viajado.

--E desde quando viajo e não te aviso para cuidares do Scout?

--Hmmmm, posso brincar?

--Estou com fome Sue...vamos comer?

--Sabes que horas são Cathe?

--Umhum...me perdi no trabalho. Precisava fechar um contrato importante...

--Eu já almocei há seculos...mas passa aqui e te acompanho.

--Em dez minutos estou aí.

**************************************************

--Estavas mesmo com muita fome.

Risos.

--Sim...hoje nem tive tempo para comer uma fruta a meio do dia.

--Então não tens viagens essa semana, boa noticia...

--Perfeita. Estou cansada...

--Muita diversão no fim-de-semana?

Sorri, já sabia a quê ela se referia...a Susan é muito diferente de mim, ela nunca é invasiva, ainda que já sejamos amigas há algum tempo. Não que eu seja invasiva, mas com certeza sou muito mais direta do que ela e incisiva também.

--Saí no sábado com o pessoal da academia...

--Hmmm, já entendi...recaída com o Mathew...-- Foi a vez de Susan rir e com gosto.

--Não chamemos de recaída e sim de necessidade de colocar os pingos nos iis.

--A argumentadora...e isso significa o quê concretamente?

--Significa que fizemos sex* e achei um tédio...

--Qual a novidade?

--Dessa vez foi pior...ele já conseguiu proporcionar-me algum prazer, mas da ultima vez...

--Cathe...

--O quê Susan?

--Eu acho que...sei lá Catherine...

--Fale mulher...achas o quê?

--Eu acho que desperdiças energias com esses homens de revista de moda masculina.

Não pude segurar uma gargalhada.

--Como assim?

--Mude um pouco...sei lá. Saia com um escritor, um jornalista, advogado...não sei, mas mude o foco.

--Eu não quero nada sério com ninguém...esses são mais descartáveis e me divirto.

--Se fosses homem não serias mais cafajeste...

Risos.

--Só quero me divertir Sue...a minha vida não me permite viajar em romances...

--E tu lá sabes o que é isso? Quando foi a ultima vez que estiveste apaixonada?

--Não me lembro...

--Se é que algum dia viveste algo assim...não achas essa vida meio vazia? Não é julgamento, sabes que detesto julgar...mas eu acho que mereces mais Cathe...

--Pode até ser, mas com a vida que eu levo, deixe tudo como está. O Mathew já não serve mais, mas vou conhecer outros e meus finais de semana voltarão a ter graça.

Susan bateu a cabeça, mas pareceu conformar-se com a forma menos ortodoxa da amiga encarar a vida, ou o sex*.

--E tu, o fim-de-semana foi de muito amor?

Ela sorriu...era sempre assim.

--Umhum...

--Ainda estás apaixonada?

--Como no primeiro mês...

--E já lá vão três anos...como é possível? Eu não aguento a mesma pessoa por mais de um mês...

--Tu não és parâmetro para ninguém...

Gargalhadas.

--Mas sou feliz assim...-- Será que era mesmo? Nem para a Susan eu tinha coragem de confessar que muitas vezes me sentia vazia...mas a sensação passaria, como tudo na minha vida, ela passaria...

--Acredito que sim...já vive nessa onda há tanto tempo que deve ser sim muito feliz. Mas eu também sou muito feliz na minha onda romântica...

--Sue...

--Hmmm...fale logo, tu nem és dessas coisas...

--Sue, existe tesão nessa tua história?

--Hã? Como assim?

--Susan eu não consigo entender como duas mulheres podem ter uma vida sexual emocionante.

Susan riu tão alto que quase morreu de vergonha.

--Então achas que duas mulheres fazendo sex* deve ser um tédio...

--E não é? Com um homem com as inúmeras possibilidades existentes, muitas vezes é um tédio, com uma mulher deve ser uma chatice...para de rir e me responda.

--O que tu queres que eu diga? Achas mesmo que se fosse esse tédio todo que imaginas, eu namoraria mulheres desde que me entendo por gente?

--Ah sei lá Susan...tu com esse ar de mãe de todo mundo...

Susan não parava de rir.

--Então achas que a minha relação com a Ciara é de mãe e filha?

--Não...claro que não...tem tesão?

Ela sorriu de uma forma safada...Susan não era muito dessas coisas.

--Muito, mas não falemos disso porque tu não entendes e não estás disposta a entender. Teu foco são homens atléticos e vazios...acho que gostas de uma competição na cama, quem tem o corpo mais perfeito...

--Ah cala a boca Susan, só não te cubro de água gelada porque tenho uma reputação a manter.

Risos altos.

--E o Scout, está bem?

--Aquele gato está cada dia mais arrogante, ele não me liga nenhuma...algum problema senhora veterinária?

--Problema? Só porque ele não baba aos teus pés como esses homens todos?

Gargalhada.

--Parva. Mas é sério, ele está bem?

--Perfeito. Sabes que até hoje não entendo a razão de teres ficado come ele. Não é a senhora que não guarda nada dos ex namorados?

-- O Christian era mais que um simples namorado...quase casei com ele...

--Sim...o único que conseguiu chegar tão longe...

--E digamos que um gato não é a mesma coisa que uma peça de roupa, um disco, coisas facilmente descartáveis...sempre gostei do Scout e como ele não poderia viajar com o Chistian...ah estás cansada de saber essa história.

--Preciso ir, tenho uma cirurgia agendada no hospital veterinário.

--Eu também preciso ir...reunião às 5 da tarde e minha secretária já me enviou mensagem avisando...a Karen é perfeita.

--Uma santa!

Risos.

--Dê um beijo na Ciara.

--Com todo o prazer. Tchau, estou atrasada. Ligo-te depois.

--Ok!

**************************************************

O dia terminou depois 9 da noite e eu já não tinha condição de sequer pensar em encarar uma academia e passar horas fazendo spinning como tinha sido o plano inicial. Estava exausta e tudo o que queria era meu sossego, um banho quente, uma salada verde e meu sofá...ah e a companhia perfeita do meu gato, silenciosa.

Cheguei em casa passava das 10, mais morta do que viva.

Dei graças ao meu silêncio...adoro silêncio quando chego em casa. Meu dia é repleto de barulho, quando meto a chave na porta só quero silêncio, embora ultimamente meus pensamentos gritem mais do que o normal.

--Scout...cheguei. - Disse, tirando o sapato de salto alto que matava meus pés.

Deixei a bolsa e o blazer no hall e fui para a cozinha atrás do meu gato e fiel companheiro.

--Mr. Scout, por onde andas? - O prato de comida estava vazio assim como o pote de água.

Fui encontra-lo tentando abrir um armário da despensa onde guardava a ração.

--Porr*, esqueci a ração...estás com fome Scoutie?

O miado profundo dele não me deixou duvidas. E agora?

--E esse bicho chato que não come mais nada...culpa minha, claro.

Não tive alternativa, mesmo cansada e querendo um banho e o meu sofá, desci para tentar encontrar um supermercado aberto e poder comprar a ração do Scout. E não poderia ser qualquer uma, ele é insuportável e só come determinado tipo de ração que nem sempre é fácil de encontrar. No desespero, quase liguei à Susan, que além de veterinária, tinha em casa dois gatos e 1 cão. Mas pelo adiantado da hora eu acabei desistindo...ela não morava sozinha e a Ciara não era minha amiga. Droga!

Passei pela portaria e vi que o substituto do Martinez me olhou incrédulo, mas não liguei, aquele colombiano tinha um parafuso a menos.

Ao entrar no carro e dar partida percebi que estava de chinelo...claro que o outro ficara incrédulo, roupas muito alinhadas e um par de chinelos velhos...Catherine, a louca.

Vaguei pela cidade à procura da ração do Scout, esse gato é o único ser vivente que é capaz de me fazer cometer as maiores loucuras, mas também quem me atura sem reclamar é ele, embora eu tenha certeza que se ele pudesse, já teria me atirado do décimo sexto andar.

Depois de mil voltas, algumas deceções e muita irritação, acabei encontrando a bendita ração numa lojinha gourmet para animais...Scout pode.

**************************************************

Por volta da meia-noite pude finalmente cair no meu sofá e relaxar. Meu fiel companheiro, já alimentado e feliz, refastelou-se aos meus pés de olhos fechados. Ele sabe que não pode, ou melhor, ele sabe que não é sempre que pode, mas estava sem condição de brigar e muito menos trocar olhares furiosos com ele. Nossas brigas têm muito disso, troca intensa de olhares e ele é duro na queda.

Quase dormindo e certa que ficaria por ali mesmo, escuto ao longe o meu celular a tocar. Quem seria? Se fosse num fim-de-semana diria com certeza que era convite para sair, mas com a semana começando...pensei em não atender, mas a insistência venceu-me.

--Ah não...Scoutie, era só o que me faltava.

Claro que ele nem se mexeu, esse gato é insuportável.

--Scout, devo ou não atender? - Mais um silêncio, nem ao menos um levantar de orelhas. Depois de dois potes de ração eu queria o quê?

Do outro lado, ligando sem parar, estava a vítima de um fim-de-semana qualquer...vítima? Não, exagero...estava o personal trainer com quem tinha passado algumas horas praticando sex* vigorosamente para depois quase implorar que ele fosse embora da minha cama...odeio acordar com gente do meu lado e isso inclui o Mr. Scout também.

Respirei fundo, caí pesadamente no sofá, forcei uma voz de sono e atendi.

--Alô!

--Oi gostosa, pensei que não fosse atender.

(Quase fi-lo...idiota)

--Olá Walter, tudo bem? Estava quase dormindo...cansada.

--Acabei a minha última aula há meia hora e estou morrendo de saudades de ti.

(Hã?)

--Hmmm...

--Passo aí?

--Aí onde? - Me fiz de idiota, claro. Ele não entendeu que aquilo foi sex* e sem direito a repetição?

--Na tua cama...morrendo de tesão e com certeza também estás.

Nessas horas que dou graças à minha educação porque do contrário...

--Hoje não gato (nem nunca mais), quem sabe outro dia...

--Como assim? Eu poderia jurar que gostaste tanto quanto eu...

--Claro que sim, mas hoje não seria boa companhia...

--Eu prometo deixar-te com muita vontade em dois minutos.

A educação indo para o espaço em dois segundos...

--Não Walter...quem sabe um dia desses nos encontramos na noite...quem sabe...

--E o que faço com o meu tesão?

(Enfia no...)

Respirei fundo e olhei para o Scout que a essa altura já me olhava com aquele seu ar inquisidor.

--Com certeza a lista é enorme...liga para a próxima com a letra D. Boa noite, estou cansada.

Desliguei.

Fui grossa? Provavelmente. Sou machista? Provavelmente. Não tenho paciência para homem ou qualquer ser humano lamecha? Não tenho!

Sexo com ele foi bom...sei lá se foi bom. Eu já nem me lembro quando tive um verdadeiro orgasmo com essas minhas aventuras de uma noite...se pensar bem, nunca. Mas eu não me atenho apenas a orgasmos alucinantes...gosto da diversão, gosto do flirt, gosto de deixar claro que adoro dominar e eu domino mesmo e entendo bem dessa arte...deve ser isso que os mantêm sempre interessados...sei lá. De repente se algum não se deixar dominar terá mais chances...mas aí já são loucuras da minha cabeça que anda fértil nos últimos tempos.

Orgasmo? Que me lembre bem, tive com o meu último namorado e quase noivo, mas isso foi há tanto tempo...pai do Scout.

Gosto do jogo e de extravasar e é isso.

Hora de dormir e dessa vez na cama. Duas da manhã e acordo às 7:30

**************************************************

A semana passou voando e mal tive tempo para respirar. O fato de não ter viagens longas nem sempre era sinonimo de vida mansa. Quase me perdi em meio a tantas reuniões, apresentação de produtos novos, discussões com o pessoal do departamento financeiro, e com o conselho diretivo, muitas vezes esse povo parece totalmente alienado e depois eu é que sou a chata. Mas é só lembrar que sou eu quem lida diretamente com os clientes e que efetivamente traz ganhos para a empresa, todos se acalmam e cantam o meu coro. Mas não é fácil e muitas vezes me vejo extenuada e com vontade de largar tudo e seguir outro rumo...psicologia, letras...adoro escrever, ou melhor, penso que gosto mas jamais me aventurei...tantas coisas por fazer e esse trabalho me exaure...mas eu gosto...gosto? Não tenho tempo para pensar...

**************************************************

Sexta-feira, mal podia acreditar. Estava cansada, mais do que o normal, talvez fosse o sinal claro que não estava tão satisfeita com aquela vida. Só de pensar em viajar e negociar algum produto ou contrato, meu estomago se contraía. Meu órgão vital é o estomago, para o bem e para o mal.

Preciso de férias, mas não férias de uma semana como tomei há mais de um ano, preciso me desligar do mundo. Cansada!

Tinha acabado de aceitar um convite para um retiro nas montanhas com o pessoal da academia, onde iria muita gente bonita e com certeza não me faltaria motivos para muita diversão à minha maneira, quando Karen entrou na minha sala com aquela cara que eu já conhecia e que era sinónimo de irritação, para mim, claro.

--Catherine...

A voz dela e o olhar meio desviado já me dizia tudo...ou quase.
--Hmmm...- voltei os olhos para o laptop, precisava fechar um documento para entrar na linha do fim-de-semana.

Olhei para ela e meu sexto sentido gritou...problemas.

-- Mr. Samson vai entrar em conference call dentro de 10 minutos...

--Já passa das sete e vou para casa...estou exausta. Já conversamos hoje...

--Ele insiste...

Eu farejava problemas a quilómetros...

--Karen...

--Não sei...

--Sabes sim, vocês sempre sabem tudo. Diga!

--Ganhamos um cliente novo, ou melhor estamos prestes a ganhá-lo e é o cliente.

--Sim? Qual a novidade?

--A concorrência é feroz...tem de ser uma abordagem perfeita...infalível...Cathe´s way...

Apesar de começar a ficar nervosa, esbocei um leve sorriso...Cathe´s Way...sim tinha meu método de fazer as coisas e até então tinha dado muito certo.

--Karen, já foste mais objetiva...

--Mr. Samson vai conversar pessoalmente contigo...

--Karen, onde é a base desse tal cliente? Preciso tornar as coisas mais fáceis para ti?

--No sul...

--Sul do estado?

--Do país...

--O quê? Vou atravessar esse país inteiro? Não...estou cansada.

Karen olhou para mim com aquela expressão que me irritava...ela tinha algumas que me irritavam, mas a ultima em particular me tirava do sério.

--Não Karen...eu vou pedir férias.

--Merecidas. Mas antes podias fazer mais...

--Não vou fazer nada e essa não é conversa para se ter com a secretária. Estou aqui por mais 10 minutos e nem um minuto a mais, se o Mr. Samson entrar eu falo com ele para dizer que não sou a única com competência para isso e se ele não entrar, vou para a minha casa.
Karen saiu com a cabeça baixa e tive vontade de arrancar a minha língua...além do Scout e da Susan, a Karen é das únicas pessoas que gosta de mim genuinamente e mesmo assim quando resolvo dar patada...

 

--Tenta ver pelo lado positivo Cathe...

--E tem alguma coisa positiva nessa situação? A pessoa já está com a cabeça nas férias e aparece uma viagem para o fim do mundo para uma negociação chata...

--Que vai ser um sucesso...

--Não é isso que está em jogo Sue, eu quero parar um pouco...

--Entendo...mas encara isso como o início das férias. Há tanta paisagem bonita...

--Susan, eu vou de avião... -- Estava esgotada e sem ânimo para ver pontos positivos no que quer que fosse.

--Vais de avião no primeiro trecho, depois haja carro...

--Nem me fales nisso...

--A natureza é deslumbrante...férias, encare assim.

--Esse Samson me convence de qualquer coisa...

--Ele é líder e carismático.

--E filho da puta também.

--Claro, do contrário não seria comandante desse império.

Suspirei alto, mas ela estava certa.

--Deveria suspeitar que meu dia terminaria assim...

--Como assim?

--Acreditas que deixei o meu prédio de pantufas nos pés? Mau presságio, logico.

A gargalhada de Susan me acalmou um bocado.

--Tu não existes Catherine, és única...maravilhosamente única.

-- E o idiota do Martinez não me disse nada.

--Provavelmente porque não percebeu que deixava o prédio uma executiva muito bem vestida e de pantufas nos pés.

Mais uma gargalhada e dessa vez eu a acompanhei.

--Vem jantar connosco? A Ciara vai receber um escritor novo e muito talentoso lá em casa...

--Ah não, consegues imaginar-me com um escritor?

--Não foi isso que eu quis dizer...

Risos.

--Sei...lembras outro dia que me sugeriste que mudasse de foco? Um advogado, quem sabe um escritor? Não, prefiro meus homens de carne e descartáveis.

--Doida!

--Sim e irritada com uma viagem para o fim do mundo. Mereço!

--É só na segunda mulher, ainda tens um fim-de-semana para relaxar.

--Olha a minha cara de animada...Sue, já sabes, Scout...
--Com todo o prazer, sempre.

--A tua mulher deve achar-me uma folgada...

--A Ciara?

--Tens outra? Com essa cara de mosca morta?

Gargalhadas altas da Susan, e um porta copos quase me atingiu na cara.

--A Ciara não se mete nas minhas amizades e nem eu nas dela...relação é aceitação.

--Ah não, não me venhas com essas filosofias de relação porque não estou para isso e muito menos agora...mas se entendi bem, a senhora Ciara não gosta assim tanto de mim...certo?

--Digamos que ela tem um pouco de ciúme...

Risos!

--De mim?

--Claro! Já te olhaste no espelho?

--Achas-me atraente?

--Ah Catherine...

--Achas?

--Não fazes o meu tipo, mas com certeza és linda.

--Eu acho que sou mais atraente do que linda...linda és tu com esse caracter maravilhoso e esse par de olhos estonteantes.

-- Eu acho-te linda e se queres saber, acho também que desperdiças muita energia nessas coisas casuais...

--Já eu tenho opinião contrária, acho que desperdício de energia é ficar na mesma história por mais de...cinco meses?

--Credo, que louca.

--Diga à tua mulher que comigo ela não precisa se preocupar. Acho que nem na próxima encarnação eu terei alguma curiosidade por uma pessoa do meu sex*.

--Disso eu não tenho duvida...ela sabe que não corro risco algum contigo...

Risos!

--Mas deve ter muita mulher levando gatinho para o teu consultório e que na realidade está atrás da gata...com essa carinha de santa hein dona Susan...

Risos!

--Eu amo a Ciara, pena que não entendas o que isso significa...

--Hmmm...vamos? Preciso avisar ao pessoal que não vou ao retiro.

--Porque não?

--Ir para voltar correndo? Não, vou ficar em casa curtindo meu canto e meu Scout e mentalizando que vou atravessar o país em plena segunda-feira.

--Vai ser divertido, tenho certeza.

--Porque será que tenho quase certeza que vou odiar essa viagem?

--Exagerada!

Susan me abraçou e deixamos o bar.

 

 

Fim do capítulo