Capítulo 1
Quando o elegante carro parou junto à calçada, seu motorista desceu e foi abrir a porta, curvando o corpo numa reverência muda. Patrícia Fonseca desceu do carro e penetrou no hall do grande e luxuoso edifício, caminhando devagar e de cabeça erguida. Seu perfil esbelto e ereto chamava a atenção dos homens que passavam por ela e provocava inveja nas mulheres.
A jovem passou por eles sem se importar com os elogios indiscretos e velados. Tomou o elevador e instantes depois estava na antessala do escritório de Eduardo Magno, um dos advogados mais famosos de São Paulo.
- Boa tarde, Patrícia. – cumprimentou-a Sueli Mendes, a eficiente secretária do advogado.
- Boa tarde, Sueli. Eduardo está ocupado?
- Não, quer que eu a anuncie?
- Pode deixar, sei o caminho.
Patrícia passou pela mesa da secretária e tocou a maçaneta da porta com firmeza. Eduardo levantou-se da escrivaninha e foi até ela, tão logo ela entrou.
- Patrícia, querida! – exclamou ele, abraçando-a e beijando-a ardentemente.
A jovem deixou-se beijar sem nenhuma emoção. Estranhamente, desde que haviam anunciado o noivado, sua atração pelo rapaz vinha diminuindo. A tendência de Eduardo de transformá-la num objeto de luxo, numa bonequinha de vitrine, irritava-a profundamente. Ela não conseguia entender como aquele entusiasmo inicial havia passado. Além disso, Eduardo era um dos solteirões, mas disputados de toda a cidade. Era alto e espadaúdo, com um sorriso brilhante e uma voz marcante, além de uma inteligência superior que o fazia acumular sucesso sobre sucesso, mesmo nos casos mais difíceis.
- Vai estar de folga hoje? – ela indagou, sentando-se na cadeira dele, enquanto ele apoiava uma das pernas no canto da escrivaninha e olhava-a embevecido.
Eduardo pensou por alguns instantes, depois deu um tapa na testa, lembrando-se de algo.
- Oh, querida! Eu havia prometido...
- Oh, Eduardo! Não vá dizer que se esqueceu.
- Sinto muito, querida. Tenho um cliente muito importante que virá esta tarde. É um caso muito delicado, de muita repercussão, que poderá coroar minha carreira se puder levá-lo até o fim.
- Sim, já sei! Eu esperava por algo assim.
- Não fale assim, por favor! Você pode ir. Vai à frente e assim que eu terminar irei ter com você.
- Está bem. Tem alguma ideia para a casa?
- Não, deixo a escolha a seu critério. Deve haver algumas mansões desocupadas no Morumbi. Gostaria mesmo de ir, mas você sabe como é meu trabalho.
- Escolherei uma que me agrade então, pode ser?
- Como quiser querida. Não se preocupe com o preço, deixe isso por minha conta.
Patrícia mordeu os lábios, contendo sua indignação. A cada dia que passava, Eduardo mostrava o quanto o seu trabalho era mais importante do que ela. Dedicava-se mais e mais a seus afazeres, esquecendo-se, às vezes, de compromissos marcados com ela ou deixando-a para ir cuidar dos negócios de última hora. Sua ambição era desmedida. Queria ser o primeiro. Queria ser o melhor a qualquer custo.
Patrícia sabia que seu trabalho o forçava a isso, mas lamentava que Eduardo não estabelecesse um horário, um limite para isso. Acumulava casos sobre casos, não se incomodando com o quanto eles o manteriam ocupado.
- Você gosta de jardinagem, Eduardo? – indagou ela.
- Sim, mas ultimamente não tenho tido tempo.
- Gostaria de uma casa com um imenso gramado e muitas flores.
- Claro, você terá muito tempo para cuidar de tudo.
Era isso justamente que Patrícia temia. O tédio, os dias sucedendo-se sempre igual, com ela numa casa enorme, sozinha, cercada de todo o conforto, mas distante dele.
Eduardo mostrava que em momento algum, no futuro, deixaria seu trabalho de lado para dedicar-se a ela por alguns momentos que fosse. Isso a atemorizava e a fazia pensar.
Eram ambos de duas ilustres famílias da cidade. O noivado e o futuro casamento já haviam sido divulgados por todos os colunistas mais importantes e era considerado como o casamento do ano. Pouco mais de cinco semanas separavam Patrícia daquele passo definitivo e, possivelmente, trágico em sua vida. Mas havia pressões, ela não podia voltar atrás, não podia recuar.
Iria casar-se com Eduardo Magno, mas sentia, no seu íntimo, que não o amava mais como antes, como pensara um dia amá-lo. Sua tragédia era saber que iria suicidar-se sentimentalmente, mas não tinha forças para evitar aquilo.
- Telefone à imobiliária então, Eduardo. Diga-lhes que estou indo.
- Sim, farei isso logo que você sair.
- Quando poderemos ir juntos visitar a casa, caso eu encontre alguma que me agrade?
- Tão logo eu tenha um tempo livre. De qualquer forma, confio no seu bom gosto.
- E quando terá esse tempo?
- Em breve, não se preocupe.
- Está bem, vou indo, Eduardo. Não quero apressar-me, mas não se esqueça que temos um compromisso à noite para o teatro.
- Sim, passarei em sua casa para apanhá-la às 9 horas. Depois iremos jantar?
- Espero que sim.
Patrícia deixou que ele a beijasse novamente e saiu. Um turbilhão de pensamentos passava por sua cabeça. Seu desejo era gritar a Eduardo que a farsa acabara, que eles nunca poderiam ser felizes juntos, mas calava-se. Covardemente se calava.
As aparências a serem mantidas eram o principal em seu mundo. Escândalos tinham que ser evitados a todo custo. Desistir daquele casamento provavelmente a marcaria para sempre. Teria que se sujeitar a comentários maldosos, a insinuações sutis. Sabia que não resistiria àquilo.
O carro com motorista aguardava-a na porta do edifício. Entrou e ditou o endereço ao chofer, permanecendo depois em silêncio, enquanto olhava pela janela e sentia inveja daquela gente que caminhava pelas calçadas, parecendo livres e despreocupadas.
Na imobiliária foi recebida pelo próprio diretor, que se desmanchou em gentilezas, mostrando-lhe uma série de fotografias de excelentes mansões no Morumbi.
- Todas elas estão desocupadas agora? – indagou a garota.
- Sim, todas elas.
- E o que está havendo com esse pessoal?
- Vem e vão com muita facilidade. Temos artistas de cinema, cantores de sertanejos e de pagode, astros da televisão e muita gente famosa entre nosso melhores clientes. Quanto estão no auge do sucesso, compram; quando decaem, vendem.
- Gostei particularmente desta. – disse a garota, mostrando uma das mansões em estilo moderno, cercada por um imenso jardim e muitas árvores.
- É a melhor de todas, garanto que Eduardo vai gostar dela.
- Tenho certeza que sim. Eu poderia ir vê-la?
- Claro que sim, já designamos uma funcionária para acompanhá-la. Ela poderá fornecer todos os detalhes sobre a casa.
- Gostaria de ir logo, então.
- Como quiser, senhorita.. – disse o diretor, apertando o botão do intercomunicador sobre a mesa e chamando por um nome.
Instantes depois uma jovem muito bem vestida e de maneiras educada entrava na sala.
- Esta é Kathy Campos, uma das nossas melhores vendedoras. Ela vai acompanhá-la até lá. Qualquer outra informação pode solicitar a ela. Está apta a esclarecer qualquer dúvida.
- Obrigada! Podemos ir? – indagou a jovem à moça à sua frente.
- Quer ir em seu próprio carro ou prefere o carro da firma? – indagou ela, gentilmente, mas com um aceno irônico na voz.
- Prefiro meu carro. – respondeu ela, levantando a cabeça e passando por ela.
Kathy seguiu-a, após observá-la atentamente. Conhecia aquele tipo de cliente. Chegavam sempre falando de cima, arrogantes e de nariz empinado. Ela tinha que se desdobrar em explicações, coisas que fazia com muito ânimo porque, afinal de contas, aqueles grã-finos representavam boas comissões no final do mês.
Quando se aproximaram do carro, o motorista abriu a porta para que Patrícia entrasse. Quando Kathy ia fazer o mesmo, o rapaz fechou a porta, deixando-a de fora.
- Seu lugar é lá na frente comigo. – falou o motorista, empertigado.
- Nesse caso é melhor você me seguir, vou apanhar o carro da firma. – respondeu Kathy, à altura.
- Pode entrar aqui comigo. – disse Patrícia, abrindo a porta.
Kathy sorriu cinicamente para o motorista, antes de ordenar.
- Morumbi, queridinho.
Depois entrou e acomodou-se ao lado dela, no amplo assento traseiro do carro preto e reluzente.
- Desculpe-me os maus modos do motorista, foi treinado assim. – falou Patrícia, num tom impessoal.
- Não se preocupe, estou acostumada a isso.
Patrícia sorriu sem vontade.
- Quer que eu lhe dê alguns detalhes da casa?
- Sim, seria interessante.
- Foi construída para um cantor de pagode de sucesso. Não tem um ano e dispõe de acomodações para 20 pessoas, sem falar na galeria de tiro, uma piscina térmica e uma porção de outras vantagens.
- O que houve com o cantor?
- Com ele, nada.
- Como assim?
- A esposa não gostou da casa e pediu que ele vendesse e fizesse outra. Não é uma sorte?
- Sim, muita sorte, sem dúvida. – respondeu ela, sem muita emoção.
Kathy observou-a. Aquela bela jovem não parecia muito entusiasmada com o que ia fazer. Geralmente seus clientes, quando visitavam uma casa em que estavam interessados, tornavam-se eufóricos, falavam muito, faziam questão de saber de todos os detalhes.
Patrícia olhava para frente o tempo todo. Kathy pode observá-la de perfil e concluir que era, realmente, muito linda, mas não parecia feliz. Arriscou perguntar:
- Desculpe-me, mas está se sentindo bem?
- Interessa-lhe? – retrucou ela, parecendo ofendida.
- Não quis incomodá-la, mas não me parece muito feliz para quem vai escolher uma casa, principalmente em se tratando de uma bela mansão no Morumbi.
- Realmente não me sinto feliz. – respondeu ela, abrandando a voz.
- Quer falar a respeito? Isso ajuda às vezes.
- Não tenho o direito de lhe passar meus problemas. – disse ela, com certa simpatia.
- Eu não me incomodo em ouvir.
Patrícia olhou-a de novo. Ali estava uma desconhecida lhe oferecendo ajuda, um ombro onde podia desabafar todas as suas preocupações. Por um momento quase cedeu, depois levantou novamente a cabeça, permanecendo em silêncio.
Kathy não a incomodou mais. Não pôde, no entanto, evitar de fazer suposições. Na certa, aquela mulher estaria se casando por conveniência, forçando-se a uma situação que lhe seria desagradável.
Não tinha, porém, nada com aquilo. Precisava pensar apenas que aquela bela mulher representava um bom acréscimo em seu pagamento. Precisava apenas convencê-la a comprar a casa. O resto não lhe dizia respeito.
Estavam chegando ao melhor ponto do bairro, pontilhado de casas enormes, com jardins gramados e muitas flores. Kathy apontou uma das casas para o motorista. Pouco depois paravam à frente de uma casa enorme e moderna. Kathy foi na frente, com as chaves.
- O que gostaria de ver primeiro? – indagou ela, cortesmente.
- Vamos começar pelos aposentos superiores. Quero ver os quartos. – pediu Patrícia.
Entraram na casa e passaram por uma ampla sala. Kathy conduziu-a por uma escada com degraus de mármore branco e um corrimão reluzente de metal. A parte superior da casa conservava o mesmo estilo da parte inferior. Um corredor imenso estendia-se, com portas de ambos os lados.
- Você tem muitos amigos? – perguntou a moça.
- Sim, mas não espero recebê-los todos de uma só vez.
- Temos dez quartos aqui. Gostaria de examiná-los?
- Qual deles é o principal?
- No fim do corredor.
- Quero vê-lo primeiro.
- Talvez não aprecie o que restou da decoração. Esse cantor de pagado e sua mulher tinham um gosto muito discutível. – informou ela, quando chegaram à frente da porta.
- Posso imaginar.
Kathy empurrou a porta e deixou que ela entrasse. Patrícia estancou, não sabendo se ria ou se apreciava aquele teto pintado de azul com estrelas prateadas e alguns espelhos estrategicamente posicionados, dando ao aposento uma aparência de quarto de motel brega.
- Que gosto! – comentou Patrícia.
- Tudo isso pode ser modificado. Não tocamos em nada ainda porque alguns clientes gostam de conservar o estilo do proprietário anterior, principalmente quando ele é uma pessoa famosa.
- Os outros quartos são assim?
- Não, felizmente não.
- Ótimo. Gostaria de ver o resto da casa, se não se incomodar.
- Claro, passaremos pelos outros quartos, depois iremos à cozinha, se quiser. É muito moderna, com todas as facilidades.
- Não me preocupo com isso, não sei cozinhar.
- É uma pena.
- Por quê?
- Porque... Um marido perde muito da esposa quando não prova a sua comida.
- É uma filosofia muito vulgar, não?
- Mas válida.
- A maior parte de nossas refeições são feitas em restaurantes, pode entender isso, não?
- Sinceramente, não.
- E por que não?
- Talvez porque eu não posso fazer minhas refeições em restaurantes, principalmente naqueles que vocês frequentam.
- Posso entender isso.
- Mas venha, vou mostrar-lhe o resto da casa. – convidou ela, conduzindo-a pela casa toda, informando e dando detalhes e sugestões.
A última coisa que ela quis ver foi o jardim. Ficou extasiada com a beleza do gramado e com a qualidade das flores.
- É uma pena que seja tão grande. – observou Kathy.
- Não concordo.
- Não poderá cuidar dele sozinha. Terá que contratar um jardineiro.
- E que mal há nisso?
- Terá sempre flores frescas e bonitas, mas não sentirá nunca a sensação de que elas lhe pertencem.
- E como se faz para conseguir isso?
- Talvez uma casa menor, um jardim mais modesto. Poderia cuidar delas sozinha e, quando elas florescessem, poderia sentir-se orgulhosa em saber que suas mãos produziram toda aquela beleza.
- Muito trabalhoso, não? – falou ela, olhando-a com interesse.
- Desculpe-me, não pensei nisso.
- Acho que nossas idéias são positivamente opostas, não?
- Mas numa coisa acho que concordamos.
- Que coisa é essa?
- De que vale uma casa enorme, como essa aí, se não a podemos encher de felicidade.
Patrícia olhou-a intrigada, não sabendo se ficava ofendida ou se concordava com ela. Girou o corpo e voltou para o carro.
- Vai ficar com a casa? – indagou Kathy, assim que se sentou ao lado dela.
- Telefonarei quando decidir.
- Não se demore, já outros clientes interessados.
- Tenho certeza que esperarão a minha decisão.
- Está bem. Se decidir alguma coisa, aqui está meu cartão. Fale pessoalmente comigo. Deve entender, eu ganho uma comissão pelas vendas.
- Não se preocupe, não a prejudicarei.
Fim do capítulo
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Mille
Em: 31/12/2015
Ola Cris tudo bem?
Nesse Ano Novo te desejo:
Felizes momentos que permaneçam ternos por toda a tua vida.
Estrelas brilhantes que irradiem luz deixando que todos vejam, como é intenso o seu brilho.
Liberdade para voar e alcançar os seus mais lindos sonhos.
Incrível visão do certo e errado.
Compreensão e sabedoria presentes em todos os seus momentos.
Igual respeito ao outro assim como o outro a ti.
Dádiva de viver da maneira mais íntegra possível.
Amor puro e verdadeiro.
Desejo de lutar sempre pelo melhor.
Esperança como chave da tua sabedoria.
Saúde para viver intensamente.
Feliz Ano Novo!
Resposta do autor em 31/12/2015:
Olá Mille
Desejo o mesmo a você, que nesse ano que começa, Deus derrame bençãos em sua vida e na vida de sua família, que o ano seja repleto de coisas boas, que seja iluminado, cheio de felicidades, amor e muita saúde.
Feliz Ano Novo
Na grande peça da vida mudam-se os anos, mudam-se os capítulos, alguns atores são substituídos, mas a verdadeira beleza desta história está nas personagens que permanecem nas cenas mais queridas. A todas as personagens que participaram, que participam e participarão dos capítulos de minha vida desejo Boas Festas, Feliz Natal e um Próspero Ano Novo
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kpini
Em: 20/10/2015
Oi Leia.
Tudo bem?
Não havia lido seu conto antes em outro site. Mas o primeiro capítulo é muito bom.
Infelizmente esse tipo de casamento acontece muito hoje em dia.
Mas Kathy já está mostrando a força de sua personagem.
Bom início de semana e obrigada pela leitura que me proporcionou.
Beijos
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Nay Rosario
Em: 17/09/2015
Oi moça
Já li e reli esse romance seu e sempre o lerei,pois gosto muito dele.
Tambem notei as mudanças começando pelos nomes das personagens.
Beijos.
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