Capítulo 26 - Carmesim
Ao chegar ao saguão do pomposo hotel, repleto de ornamentos dourados, Sam não foi até o balcão acertar as contas, cessou seu passo e olhou pela grande porta giratória de vidro da entrada. Chovia torrencialmente, e por algum motivo, lembrou da noite em que correram na chuva num bosque bombardeado.
- Isso está errado. - Balbuciou.
Fez meia volta e retornou ao elevador, apertou várias vezes o mesmo botão, parecia irritada. Sam bateu com força na porta do quarto dela, quando se abriu, foi logo entrando, largando a bolsa no chão.
- Você esqueceu a caixa médica, está aqui, ao lado da cama. - Theo disse, no meio do quarto.
Sam permaneceu muda, a fitando.
- Corrija-me se eu estiver errada, mas... Sam, é você, certo? - Theo perguntou, confusa.
Aproximou-se lentamente de Theo, tirou de suas mãos a toalha que segurava abaixo do nariz, colocou ambas as mãos ao redor do rosto dela, e a beijou de forma delicada.
Sam não mediu as consequências daquele ato desesperado, e agora, mergulhada no limbo daquele beijo, sequer lhe passava algum traço de questionamento ou receio. Mas seu coração não mais doía, e isso lhe bastava.
Após alguns instantes, Theo mordeu o lábio dela, a empurrando com as mãos espalmadas em seus ombros.
- Aaai! - Sam a fitava assustada, com a mão sobre o lábio mordido. - Você me mordeu! De novo!
- Você demorou.
- Demorei?? Como sabia que eu voltaria?
- Você esqueceu a caixa.
- Ah sim... Mas... - Sam estava ainda mais confusa. - Como sabia que eu...
- Me beijaria?
- É.
Theo deu um sorrisinho.
- Você age melhor sob pressão, eu te provoquei alguns minutos atrás. Ok, a fagulha demorou um pouco para se alastrar, mas funcionou.
Sam ficou muda, assimilando. Lembrou do "surpreenda-me".
- Então... - Sam balbuciou. - Isso significa que você vem comigo?
- Depende.
- Do que?
- A partir de agora vai ser do meu jeito. - Theo disse, num tom incisivo.
- Do seu jeito?
- É pegar ou largar.
- Eu faço qualquer coisa para ter você, mas do que você está falando?
- Teremos uma regra. - Theo continuava falando com dureza.
- Qual?
- Você não vai mais me tratar como um objeto, como algo que você coloca debaixo do braço e leva para cama quando lhe convém.
- Eu nunca te tratei como um objeto.
Theo balançou a cabeça, em reprovação.
- Você precisa prometer. - Theo insistiu.
- Eu prometo, eu prometo ter mais respeito por você. E desculpe se você se sentiu dessa forma, eu nunca te vi como um objeto. Eu não quero que você se sinta dessa forma nunca mais, e agora eu enxergo o quanto você é importante para mim, eu não quero continuar sem você... Eu não quero continuar minha vida sem você.
- Você sabe o que está fazendo?
- Sei, eu sei, as coisas estão claras agora, pela primeira vez em muito tempo. Você foi a melhor coisa que me aconteceu, você me faz uma pessoa melhor... durante todo esse tempo era você que estava cuidando de mim, e não eu de você. Acredite em mim, eu quero muito você, Theo.
Theo suspirou devagar e pesadamente.
- Machuquei seu lábio?
- Acho que sim. - Sam voltou a colocar a mão na boca.
- Me deixe ver. - Theo disse, estendendo a mão.
Sam aproximou-se receosa, colocou a mão de Theo sobre seu lábio inferior, que prontamente subiu a outra mão pela sua nuca e a beijou.
- Seu rosto está todo sujo de sangue, o meu também deve estar. - Sam percebeu, ao cessar o longo beijo.
- Se importa?
- Nem um pouco. Estou com tanta saudade de você que poderia despencar uma tempestade vermelha agora que eu não daria a mínima.
- Ótimo.
Sam lançou um sorriso bobo e a beijou, logo a derrubou na cama. Ambas ignoravam o sangue quente que continuava vertendo do corte e do nariz, sujando seus rostos e mãos. Após despirem-se, Theo rolou para cima de Sam, descendo seus beijos, descendo seu abdome, deixando um rastro carmesim que criava desenhos na pele de Sam.
Aquele primeiro orgasmo provado pela boca de Theo não foi o suficiente para extinguir a saudade latente, a ação desta vez fazia mais do que bagunçar lençóis, os tingiam de vermelho.
Os beijos finais já não sentiam o gosto ferroso, nem o sabor amargo de quatro dias afastadas. Naquela manhã que começara de forma tensa e violenta, agora os corpos coloridos descansavam sob a pouca luz que atravessava a cortina, experimentavam a paz.
- Theo... Essa cama parece cena de crime. - Sam dizia acariciando as costas de Theo, que estava sobre ela.
- Por que?
- Vão achar que pessoas foram esfaqueadas nesses lençóis.
Theo riu.
- Pelo menos o sangue parou.
- Finalmente, eu já ia ligar para a recepção pedindo bolsas de sangue para uma transfusão.
- Tenho problemas de coagulação.
- Eu sei. Ok, hora de limpar a cena do crime.
- Não quero limpar o quarto agora. - Theo reclamou.
- Me refiro apenas aos corpos de delito.
- O que?
- Banho.
- Ah.
***
Theo ficou ainda algum tempo no banheiro, secando seu cabelo, enquanto Sam desabava de bruços na cama, na transversal, adormeceu em menos de um minuto. Saiu do banheiro e aguardou por um instante algum ruído que indicasse o paradeiro de sua companheira, mas só ouviu uma respiração pesada.
- Sam, manifeste-se.
E nada. Deu alguns passos pelo quarto e esbarrou com os pés de Sam para fora da cama, a tocou e percebeu que estava deitada, foi até seu lado, deitou-se também.
- Sam? - Sussurrava enquanto mexia em seu cabelo carinhosamente. - Sam, temos que ir, está quase na hora do checkout, temos quinze minutos.
- Uhum. - Respondeu, semi dormindo.
- Meu anjo, eu sei que você está com sono, mas temos que ir, podemos parar o carro depois e você dorme enquanto eu fico de vigília.
- Ahan, já vou.
Theo desceu sua mão, encontrando a mão de Sam, que estava ao lado de sua cabeça. Percebeu que estava sem aliança.
- Sam, onde está sua aliança? Você guardou?
- Joguei fora. - Sam balbuciou, o sono era maior.
- Jogou fora?? Você pirou? Jogou onde?
- Dez minutinhos, por favor, me dê dez minutinhos. - Sam resmungou e virou-se para o outro lado.
Theo ainda a fitou atônita por alguns segundos, de joelhos na cama.
- Jogou fora... - Balançou a cabeça, e seguiu para o banheiro. Alguns minutos depois vestiu seu casaco e foi até a cama.
Pegou um dos travesseiros, ergueu a cabeça de Sam, e colocou abaixo.
- Meu Deus, como você baba. - Falou baixinho, sacudindo a mão. - Que dupla perfeita, uma ronca e a outra baba.
Deu um beijo em seu rosto e saiu, tateando pelo corredor.
- Preciso de um concierge. - Theo disse ao chegar na recepção do hotel, com as mãos espalmadas sobre o balcão.
Duas horas depois Theo estava de volta, fez uma checagem básica na amiga babona, largou um embrulho em papel pardo no criado-mudo, e sentou-se em frente a cama. Adormeceu algumas horas depois, na grande poltrona vermelha, com a cabeça caída no encosto e os braços ao redor, ouvindo a música baixa que tocava no comunicador ao seu lado.
- Jesus, como você ronca... - Sam balbuciou se virando na cama, e então acordou, espantada. - Você me deixou dormir??
- Ãhn? - Theo acordou também.
Sam levantou apressada, consultou as horas.
- Oito da noite?? Vamos ter que pagar mais duas diárias desse hotel para ricos! - Bradou, indo na direção da sacada, o quarto estava escuro.
- Ricos? Você achou? O quarto só tem um ambiente e nem tem jacuzzi.
- Já é noite, tínhamos que ter saído antes do meio-dia!
- Sam, eu...
- Você foi irresponsável! Você tinha que ter me acordado antes do meio-dia. E veja só, é noite já! Lá se vai todo nosso dinheiro. - Falou abrindo a porta de vidro da varanda.
- Relaxa, está resolvido. - Theo falava calmamente, ajeitando o curativo recém feito no supercílio.
- Resolvido? - Sam agora estava de pé no centro do quarto, com as mãos na cintura, possessa.
- Eu paguei as diárias em aberto, fechei a conta do outro quarto, e já deixei esta noite paga.
- Como? Pegou o dinheiro da minha bolsa?
- Não, não mexi no seu dinheiro.
- Roubou alguém?
- Não, eu dei um jeito. - Theo respondeu com calma.
- Um jeito? Você se vendeu?
Theo respirou fundo antes de responder.
- Sam, eu sei que você adora embarcar no expresso da bipolaridade, mas essas coisas ofendem.
Sam aguardou que ela continuasse.
- Eu vendi a aliança.
- Impossível, eu joguei fora, atirei no vaso e dei a descarga.
- Eu sei, deu um pouco de trabalho para recuperar.
- Você enfiou a mão no vaso? - Sam perguntou, ainda surpresa.
- Foi por um bom motivo, agora temos mais uma noite nesse hotel e ainda sobrou um dinheiro. Ah, e comprei um presente para você.
- Então você vendeu a minha aliança? Sem me consultar? - Sam sentou-se na lateral da cama.
- Ah fala sério, você havia jogado fora, eu dei um destino mais útil à ela. Mais digno também... - Theo sorriu.
- Não faça graça com isso, não desmereça meu relacionamento, são oito anos com Mike, um noivado de cinco anos.
- Não estou fazendo graça, eu só tentei dar um jeito nessa situação.
- E você sempre tem um jeitinho, não é?
- Não sei, pergunte ao Mike.
Sam esfregou as mãos no rosto, com irritação.
- Não zombe dele. Santo Cristo, que loucura tudo isso... não deveria ter sido assim. - A ficha caía aos poucos. - Onde ele deve estar agora? Não deve ter voltado ao quartel, ele está de licença, não pode voltar, deve estar vagando por aí.
Theo apenas ouvia. Sam continuou.
- Ele deve estar devastado... de repente se vê sozinho, ele nunca esteve sozinho, namora comigo desde os quinze anos. Mas se eu ligar ele não vai atender...
- Acho que vendi a aliança cedo demais... - Theo resmungou.
- Você o odeia, não é?
- Não, odiar é meio forte. Eu não odeio ninguém, ok, talvez eu odeie duas ou três pessoas, mas eu não o odeio, apenas nunca fui com a cara dele, e agora tenho razões para isso.
Sam coçava a testa com impaciência, com os cotovelos apoiados nos joelhos. A penumbra do quarto deixava os ânimos ainda mais sombrios.
- Ele não é de explodir assim... - Sam refletia. - Você deve ter o provocado, deve ter falado coisas que o tiraram do sério, ele não faria isso por nada.
- Sam, se a próxima coisa que você falar for que eu mereci, eu juro, eu saio desse quarto agora e você nunca mais vai me ver. - Theo disse num tom sério.
De imediato Sam olhou para o lado, para Theo, como se despertando para a vida real. A viu naquela pouca luz, com o rosto ferido e o olhar perdido pelo chão, e se deu conta que havia tomado uma decisão radical.
- Você parece um morango com esse nariz vermelho. - Sam disse.
- E você tem uma maneira bem peculiar de pedir desculpas.
- Quem disse que estou pedindo desculpas?
Theo moveu a cabeça, contrariada. Sam levantou-se, e foi até ela, ficando entre suas pernas.
Sam sabia que a decisão radical fora a certa.
- Theo.
Mas Theo não se moveu. Sam pousou alguns dedos embaixo de seu queixo, o erguendo devagar. Sam aproximou-se mais, e deu um beijo suave em seus lábios.
- Agora estou pedindo desculpas.
Sam agachou, abraçou uma das pernas dela, repousando a cabeça em sua coxa.
- Você não mereceu, nenhuma mulher merece violência alguma, você me ensinou isto. - Sam disse.
- Mas está arrependida por ter mandado Mike embora.
- Não. Eu fiz a coisa certa. Eu sei que é difícil atirar oito anos de relacionamento assim pela janela, mas já faz algum tempo que não o amo mais. E o que ele fez com você é imperdoável.
Theo mergulhou seus dedos nas mechas do cabelo de Sam, ficaram em silêncio por algum tempo.
- Vá lá abrir seu presente.
- Presente? - Sam ergueu a cabeça.
- Ao ladoda cama.
Sam abriu o embrulho parcialmente, despejando seu conteúdo na cama, com um sorriso aberto.
- Material de desenho. - Disse com alegria.
- Eu sei que agora você não tem tempo para isso, mas quando voltar à sua vida normal, eu gostaria que você desenhasse, porque eu sei que é algo que você ama. - Theo continuava sentada na poltrona, com seu semblante calmo.
- Eu nunca ganhei nada do tipo... - Sam disse emocionada, sentando-se na cama e mexendo nas canetas sobre o lençol. - Eu economizava o dinheiro que ganhava para o lanche, para comprar esse tipo de material. Eu pedia de aniversário, ou de Natal, mas nunca ganhei nada. Uma vez fiquei mais de um mês sem lanchar para poder comprar uma caneta que eu estava namorando na vitrine.
- Uma pena não enxergar sua arte, mas estou ouvindo seu sorriso e isso é o suficiente para mim.
Sam olhou para o lado, para Theo, levantou-se da cama e foi até ela.
- Você gastou uma grana nisso.
- Não, me indicaram uma loja barata, e pechinchei bastante.
- Theo, levante-se. - A tomou pela mão.
- Ãhn... Ok.
- Obrigada. - A abraçou tenramente.
Theo soltou do abraço, colocando suas mãos no rosto de Sam.
- Sam.
- Sim?
- Eu estou morrendo de fome, me alimente.
Sam riu.
- Eu também, quer descer para comer algo? Podemos jantar no restaurante do hotel.
- Não podemos esbanjar.
- Se não tiver bife com batatas fritas, vamos em outro lugar.
- Fechado.
- Sente aí, vou lavar o rosto e me trocar. - Sam disse.
Minutos depois, Sam ainda não havia saído do banheiro e Theo reclamou.
- Meu estômago está roncando, oficial.
- O meu está gritando desesperadamente por comida e sussurrando ‘gastrite'. - Sam respondeu, saindo do banheiro.
- Até que enfim. Vamos, meus órgãos estão praticando autofagia. - Theo levantou-se da poltrona.
- Espera. - Sam segurou seu braço.
- O que?
Sam a beijou.
- Nada não.
- Que camisa é essa? - Theo perguntou, correndo os dedos pelos botões da camisa de Sam.
- Uma camisa.
- Já havia usado antes?
- Não.
Theo sorriu.
- Se arrumou para ir ao restaurante?
Sam ficou sem jeito.
- Não, só vesti uma camisa que estava no fundo da minha bolsa, é uma camisa que usava por baixo do uniforme em ocasiões formais.
- Que cor é?
- Branca.
- Você ficou linda. - Theo disse, roubando um beijo.
- Ahan.
- Estou falando sério, ficou muito bem com uma camisa de botões.
- Vamos comer.
***
Após um farto prato de filé com batatas bravas, que de certa forma satisfez a necessidade de Theo em comer bife com batatas fritas, o agora casal retornou à suíte. O clima pesado dera lugar aos pequenos gestos leves; as palavras duras, aos silêncios confortáveis.
Theo, já deitada, ouvia um filme na TV em volume baixo. Sam guardou a camisa de botões com mais cuidado na bolsa, e permaneceu alguns instantes parada ao lado da cadeira, olhando na direção da cama com semblante lânguido.
- Você dormiu a tarde inteira, não deve estar com sono. - Theo interrompeu.
- Não, não estou. - Sam foi até a cama, enfiando-se embaixo das cobertas. - Estou com energia renovada para colocar o pé na estrada e conseguir de vez esse bendito coração.
- Amém.
- Venha, suba aqui.
- Que filme é esse? - Theo perguntou, já deitada sobre o peito de Sam.
- Ãhn... Não conheço, parece violento.
- Que tipo de filmes você gosta?
- Com final feliz. - Sam respondeu.
- Também são meus preferidos. Bem como os livros. Mas também gosto de terror.
Sam correu seus dedos por seu ombro, lhe beijando a testa.
- Eu sei tão pouco sobre você. - Sam refletia.
- O suficiente, o restante vem com o tempo.
Sam continuou refletindo em silêncio, quando voltou a falar.
- Eu queria te perguntar uma coisa, mas acho que você não vai gostar.
- Você pode perguntar qualquer coisa. - Theo disse com calma.
- É mesmo? Qualquer coisa? Bom saber.
- O que você quer perguntar?
- Não vai ficar chateada, vai?
- Não vou, prometo.
- Você dormiu com Theodore?
Theo franziu as sobrancelhas antes de responder.
- Por que você acha que dormi com ele?
- Não sei, acho que Mike falou tanto nisso que acabou me contaminando com essa possibilidade, mas Theodore é tão... tão nada. Ele é bonito, mas não sei o que você poderia ter visto nele.
- Acha que eu dormiria com ele por dinheiro?
- Não, você não faz mais isso.
- Por atração?
- Não, você não gosta de homens.
- Para te causar ciúmes?
- Foi por isso? - Sam indagou, inocentemente.
Theo ergueu-se, ficando acima de Sam, com os rostos próximos.
- Se eu dormi ou não, pelo visto o objetivo foi alcançado. - Theo disse com um sorrisinho debochado.
- Eu não fiquei com ciúmes.
- Não, não ficou. - Theo a beijou.
E nada além dos bons ruídos de um namoro despretensioso pode se ouvir naquele quarto.
Quase uma hora depois, agora era Sam que repousava no corpo de Theo, que sentia o sopro quente intermitente da respiração dela em seu pescoço.
- Tudo com você é tão diferente. Será pelo fato de você ser mulher? - Sam iniciou a conversa.
- Por que diz isso?
- Porque quando... Ãhn... Eu posso falar sobre Mike, não posso? - Sam perguntou educadamente.
- Pode sim, meu anjo.
- Quando eu estava com Mike na cama, se ele me beijasse era porque faríamos sex*. E com você é como se não houvesse essa obrigação, isso é tão...
- É libertador?
- É, é tão bom não fazer por fazer, entende? Apenas aproveitar o momento, ficar com você.
Sam ajeitou-se, subiu um pouco e deu um beijo demorado abaixo de sua orelha. Theo sorriu, contraindo de leve.
- Sente cócegas? - Sam perguntou.
- É um ponto fraco.
- Sabe, não é que eu não goste de fazer amor com você, eu gosto, acredite, eu realmente adoro. Mas poder ficar aqui por horas apenas te beijando, recebendo seu carinho, é novo. E é tão bom.
- Eu gosto quando você me fala como se sente. - Externou Theo.
- Parece que você sabe quando eu quero apenas ficar com você, e quando eu quero mais.
- Interpretação de sinais.
- É difícil?
- Não, não é. Sam, você é tão simples. São algumas coisas bobas, por exemplo: quando você me beija com a mão em meu rosto, sei que é só isso que você quer. Quando me prende pela nuca, pode apostar que as coisas vão esquentar. - Theo riu. - Ok, nem sempre, mas existem outros sinais.
- Não havia me dado conta... - Sam assimilava. - O que mais?
- Um mágico não conta todos os seus truques.
Sam subiu, lhe roubando um beijo tranquilo.
- Bom... - Sam ia dizendo. - Eu sei que quando você morde meu lábio, é porque está brava comigo. É um bom começo, não é?
- Só mordo quando você apronta.
- Sinto que mais mordidas virão...
- Seja uma boa garota.
- Theo?
- Diga.
- Posso fazer outra pergunta? - Sam falava com um tom curioso.
- Sempre.
- O que é fio terra?
***
Nova Capital era mais que um país, era uma nação repleta de injustiças sociais e diferenciação dos povos. O Brasil ficou com o maior ônus por ter sido escolhido como país sede da colonização americana, o que a princípio foi comemorado e era motivo de orgulho aos seus quase trezentos milhões de habitantes.
Mas em 2038, na ocasião em que o governo brasileiro aprovava uma lei que dava direitos governistas à um bloco de líderes americanos, seu povo não imaginava que se tornaria refém de um regime totalitário, quase fascista. Pouco a pouco seus direitos eram podados em aprovações de leis polêmicas, o idioma inglês tornou-se o oficial, o modo de vida americano foi enfiado goela abaixo num povo com cultura própria e rica.
Nos tempos atuais, algumas pessoas nativas, em sua maioria idosos, insistiam em usar seu idioma de origem nas conversas informais, o português se tornou um novo dialeto, mal visto pelo governo. Cidades e estados ganharam uma nova roupagem em seus nomes, para facilitar a pronúncia em inglês.
São Paulo virou San Paolo, a capital do poder, da economia, e da pobreza extrema. Rio de Janeiro foi reduzido à Rio, como os americanos já se referiam. Alguns estados se tornaram apenas suas siglas, Mato Grosso do Sul virou MS, Rio Grande do Norte virou RN. Distrito Federal foi devolvido à Goiás. Bahia perdeu seu H.
***
- Percebeu a diferença? - Theo indagou, ao entrarem em território brasileiro, após o meio-dia.
- Ainda não. O que eu deveria ver?
- Vigilância. Muita.
- É, acabei de perceber, achei que eram pássaros.
- São drones disfarçados de pássaros.
- Então corremos mais riscos aqui, não fale besteira em voz alta quando tivermos companhia desses pássaros fofoqueiros. - Sam orientou.
- Você costuma falar mais besteiras do que eu. A propósito, onde você escondeu a brilhante super soldado Borg, que tem uma capacidade aguçada de detectar ameaças e alto poder de planejamento tático?
- Eu tenho mesmo.
- Eu, uma civil cega, salvei sua pele naquela lanchonete, quando um Sentinela entrou e você estava no mundo da lua.
Sam ficou sem jeito, sem uma pronta resposta.
- Eu tenho tido dias difíceis, ok? Eu não costumo ser tão distraída assim. Pergunte a Maritza, o quanto meu desempenho melhorou depois que virei Borg.
- E quem seria Maritza?
- Minha amiga no quartel. Minha melhor amiga.
- Achei que sua melhor amiga fosse Lindsay.
- Lindsay é minha melhor amiga fora do quartel. Jesus Cristo! Lindsay, esqueci completamente dela. - Sam bateu a mão na testa.
- Vai esperar Mike chorar as pitangas para ela? Ligue de uma vez. - Theo disparou.
Sam dirigia por uma perfeita estrada asfaltada com vasta vegetação ao redor, num belo início de tarde. Tamborilava seus polegares no volante, hesitante.
- Será? Não sei o que dizer a ela, acho que... viu isso?? - Sam disse espantada, olhando para cima, pelo para-brisas.
- Ainda não voltei a enxergar.
- Ah, desculpe. Passaram umas cinco motos policiais aéreas por cima de nosso carro agora. Teremos dias tensos pela frente.
- Desperte todo o espírito Borg que há dentro de você.
- E então, ligo ou não ligo para minha irmã?
- Ligue.
- Ok, vou ligar.
Sam deu o comando de voz para a conexão com Lindsay, que foi ignorado pela contraparte.
- Ela não me atendeu. Ela sempre me atende. - Sam disse, com preocupação.
- Vocês se falaram nos últimos dias?
- Sim, ela me ligou duas vezes, antes do café da manhã. Estava feliz por Mike estar comigo, inclusive ficou um tempão conversando com Mike numa das vezes.
- Não quero bancar a pessimista, mas talvez ela já saiba o que aconteceu... - Theo receou.
- Mike já deve ter... droga! - Sam gritou, fazendo uma manobra brusca com o carro, desviava-se de um homem de terno negro e gravata azul e amarela parado no meio da estrada.
- Mais motos? O que foi isso? - Theo perguntou assustada.
- Que homem louco!
- Mas o que foi?
- Parecia uma assombração. - Sam fez o sinal da cruz.
- Um suicida?
Sam olhava pelos retrovisores e telas, o homem havia desaparecido.
Carmesim: adj.: Vermelho vivo.
Fim do capítulo
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Angell Tozann
Em: 23/12/2023
O homem de gravata azul e amarela... Se for careca, capaz de ser o véio da Havan kkk

Ana_Clara
Em: 12/12/2015
Será este o capítulo mais romântico da história? Caraca, momento muito fofo entre elas! E veja só, a Sam sem os seu fanatismo consegue ser super linda. Adoro essa versão livre e leve da militar!
Aliás, até não seria de todo ruim se juntássemos essa fartura toda do Brasil, a sede de viver feliz dos brasileiros com a organização do povo do Tio Sam e sua tecnologia. Seríamos a nação perfeita! kkkkkk Mas pelo visto nem na ficção isso é possível. rsrs Será que seríamos escravizados pelos americanos?!
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Ana Carolina
Em: 16/09/2015
Oi ... Confesso que pensei muito antes de iniciar a leitura de sus estória ! Por achar que iria ser muito dramático, mas me enganei , e me surpreendi ! … envolvente , instigante, e belo ! Comecei a ler e não conseguir parar... E perfeito o contexto e tudo se encaixa ! Parabéns... Volte logo com o próximo capítulo #euamoatheo
Resposta do autor:
Oi Ana!
Bom, dramático até é, mas tem bem mais que drama né? rs
Agradeço de coração a investida de seu tempo, e seus elogios.
Sou suspeita pra falar, mas tb #euamotheo
Bjos!
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