Capítulo 1
Caminhos Cruzados
Por G. Leonard
Cristina, ou Tina como era chamada pelas amigas, naquela tarde, tinha uma missão, fazer com que a melhor amiga resolvesse desentocar de casa. Luana, amiga desde os tempos de escola, era uma pessoa bastante reservada, e a profissão que escolhera fazia-lhe ainda mais anti-social, já que era escritora. Não bastasse isso, há mais de um ano, tinha rompido com a ex-namorada, e desde então, saía cada vez menos.
Claire, Julia e a própria Tina, amigas inseparáveis de Luana há mais de vinte anos, sempre que possível,se revezavam na difícil tarefa de tirar de casa a amiga, e apresentá-la a outras pessoas, porque não conseguiam entender como a mulher passava tanto tempo sozinha, trancada no mesmo lugar. Quando muito a escritora ia para a casa que tinha em Campos do Jordão, ou se refugiava em algum outro lugar por meses a fio, principalmente quando começava a escrever um novo romance. Não conseguiam, principalmente, entender como alguém tão reclusa e cujos relacionamentos duravam tão pouco, escrevia romances tão bons.
Então, disposta a convencer a amiga a acompanhá-la a uma vernissage, saiu do escritório disposta a fazê-la aceitar, nem que fosse necessário o uso da força, que no seu caso, seria alguma forma de chantagem emocional.
– Vamos, Lu, prometo que não vai se arrepender... Por duas boas razões...
– Quais sejam?
– Ora, pelas fotografias fantásticas, e pela minha companhia, é claro. - Risos.
– Ah, sim... imperdível mesmo...- Tripudiou.
– Vamos, já passou da hora de você dar uma arejada. Fica enfurnada em frente a esse computador noite e dia, e a vida lá fora com tantas coisas interessantes a serem descobertas... Além do mais, Ju eClaire também estarão lá, e podemos dar uma esticada depois. Há quanto tempo não saímos juntas? - Reclamou da amiga, que há meses não participava dos encontros marcados da troupe.
– Está bem... Vou com você, mas não contem comigo para “esticar” depois.
– Céus, você vai ficar velha antes do tempo mesmo. E pior, uma velha solitária, porque nem nós vamos aguentá-la nesse claustro em que se meteu. – Completou, fazendo uma careta e comemorando porque atingira seu intento.
– Já concordei... Estarei lá...prometo. - Deu com os ombros em protesto silencioso, com tirada sarcástica.
– Ótimo, vou ligar para as meninas...Sabe que amo você, não é? - Armou seu sorriso encantador, afinal conseguira o que queria.
– Sim, também amo você, mas gostaria que entendesse que, de quando em vez, preciso desses meus “tempos”, principalmente quando as ideias estão fluindo, e estou no meio de um livro.
– Tá, não vamos mais falar sobre isso. Você me pega em casa ou terei que dirigir, ou pior ainda, pegar um taxi até a galeria?- Implicou, sabendo que a amiga adorava dirigir.
– Passo no seu apartamento para buscá-la. - Luana respondeu rindo. A outra sabia como desarmá-la.
– Espero você às oito e meia, então. – Determinou o horário, já tirando da bolsa o batom e um espelho para retocar os lábios.
– Não é muito cedo? A exposição só abre às dezenove horas.
– Ah, meu Deus... Você entendeu... as vinte horas e trinta minutos. –Guardou o batom, já se levantando do sofá– Já vou, preciso passar na Gucci para comprar um modelito novo para sair amanhã à noite com a minha “velha” amiga. - Deu ênfase no adjetivo para rebater a provocação, sabia o quanto a outra se divertia com suas manias.
– Ah sei... Com certeza não tem nada para usar. - Seguiu brincando, sabendo da compulsão da amiga por sapatos.
– A propósito, vê se usa algo assim... menos sóbrio. Só para não parecer minha mãe, é claro. – Olhou bem para a mulher que estava em pé parada no meio da sala. Apesar de não usar roupas que valorizassem seu corpo, era visível sua beleza.
– Do tipo?
– Algo que mostre as curvas, por exemplo, se é que ainda existe alguma sob esses trapos pretos. – Implicou.
– Ah, sim... eu devia estar vestindo um Versace para ficar em casa escrevendo...
– Agora falando sério, Lu... Dá pra usar algo mais in amanhã? Desse jeito vai ficar difícil desencalhar você...
– E quem disse que quero desencalhar? Estou muito bem assim, meu trabalho preenche todo o meu tempo. Além do mais, ainda estou me curando da última tentativa de me arranjarem alguém. - Lembrou o encontro que as amigas a empurraram, com uma jornalista muito talentosa, mas proporcionalmente neurótica.
– Bom, não vou ficar aqui sendo insultada. Deu de ombros, já caminhando em direção à porta, antes que a outra resolvesse não mais sair no dia seguinte. Antes de abrir a porta para sair do apartamento, virou-se. – Nós devíamos ter trans*do antes de ficarmos amigas... Sempre achei você gostosa, e acho que talvez pudesse ter gostado. - Brincou, fechando a porta atrás de si. Ainda pôde ouvir Luana rir também, e rebater a provocação.
– Se tivesse trans*do, com certeza você gostaria, mas não vou pra cama com loiras.
Satisfeita consigo mesma por ter conseguido que a amiga prometesse acompanhá-la à exposição de uma das fotógrafas mais badaladas da atualidade, imediatamente depois de entrar no elevador, tirou o celular da bolsa e ligou para as amigas para contar o feito.
Como há bastante tempo as quatro amigas não saíam juntas, o encontro merecia ser literalmente tratado como um evento, então nada mais justo que comprar uma sandália nova para usar com a roupa que estrearia na noite seguinte. Resumindo, ia unir o útil ao agradável, ou melhor, o agradável ao útil.Riu sozinha, sabendo o que a escritora pensava de suas extravagâncias com sapatos, bolsas e roupas de moda.Mas sabia também que a amiga não a considerava uma mulher superficial, ao contrário, conversavam sobre qualquer assunto, e quando a outra precisava de algum conselho patrimonial, era a ela que recorria.
Pensando há quanto tempo eram amigas, lembrando de cenas variadas dos longos anos, dirigiu rumo ao Shopping.
Quase duas horas depois, já tendo entrado em mais de quatro lojas só para escolher calçados, já tendo, inclusive, aproveitado a oportunidade de comprar mais algumas peças de roupa, fantásticas, que pediram para ser levadas para casa, deu por encerrado o passeio naquele antro de perdição.
Por sorte trabalhava o suficiente para poder se dar ao luxo de fazer esse tipo de extravagância de quando em vez, às vezes mais frequentemente do que gostaria. Precisava admitir que tinha uma certa compulsão por comprar. E, quando o assunto era esse, valia adquirir coisas que não precisava para si,mas para dar de presente a alguém, como tinha sido o caso naquele dia.
Rediscou o número de Luana:
– Amore, liguei só pra dizer que achei um Prada, lindo, pra você usar amanhã à noite. – Informou, feliz, mesmo sabendo que a amiga iria protestar.
– Tenho uma coleção de sapatos, com certeza algum ficaria bem com a camiseta preta e a calça jeans que estarei usando... – Respondeu a outra, em tom de provocação.
– Bom, já comprei... mas acho que vou entrar na Net Shoes e comprar também um tênis, vai combinar mais com o seu estilo “...tô me lascando para o que pensam de mim”...
– Você não tem em que gastar, é? Por que não compra alguns livros ou procura alguns Dvd’scult?
– Ora, se eu comprar essas coisas você vai ficar sem opções de presente pra me dar, já que só vai ao shopping para comprar livros, CDs, Dvds e fazer mercado. – Rebateu, dando a entender o quanto a outra era chata e velha.
– Será que vou ter que arrastá-la mesmo pra cama para que pare de me amolar?
– Tolinha...você não saberia o que fazer comigo numa cama. Mas prometo que penso no seu caso amanhã, se estiver bem sexy quando vier me buscar... Implicou, sabendo que, se havia algo que a amiga devia saber muito bem, era o que fazer com uma mulher na cama.
Pensando nisso, lembrou que, inúmeras vezes, tinham dormido juntas, e jamais a outra sequer a olhara de outra forma que não fosse com carinho e respeito. Talvez, justamente por isso, agora tivessem intimidade suficiente para brincar com a questão da preferência sexual da amiga.Tina fora a primeira das amigas a quem Luana confessara sua opção.
Hétero convicta, muito bem resolvida quanto à sua sexualidade, Tina apoiara a amiga plenamente e, não foram poucas as vezes, em que trocaram confidências a respeito de seus casos amorosos.
Ao chegar em casa, jogou as sacolas sobre o sofá mais próximo e, decidida a guardar as compras apenas no dia seguinte, seguiu para a cozinha para buscar uma garrafa de vinho e descobrir se havia algo que pudesse aquecer para jantar. Não estivesse tão cansada, ligaria para Julia que, depois de Luana, era sua amiga mais próxima, e de quem morava mais perto, para que saíssem para jantar. Claire, muitas vezes, trabalhava até bem tarde, então, raramente podia contar com a amiga para esse tipo de coisa.
Por sorte, no freezer tinha mais de uma opção de comida, então se decidiu por uma lasanhade espinafre ao molho de frango, e mesmo antes de colocá-la no micro-ondas, apanhou uma taça e serviu-se do vinho branco, saboreando o líquido.
Merecia um bom banho antes de jantar, então encheu novamente a taça e atravessou o apartamento em direção ao quarto, para um banho delicioso, enquanto o jantar ficava pronto para ser devorado.
Mais tarde, já na cama, ligou para Julia e combinarem os detalhes da próxima noite. Passariam na galeria, depois iriam jantar, ou para algum bar, etalvez até fossem dançar.Oimportante era conseguirem arrastar Luana junto.
Acordou angustiada, sem saber por quê. Talvez tivesse bebido mais vinho que o devido, mas o fato é que não podia se dar folga naquela manhã. Tinha uma reunião marcada para as nove horas, e se não corresse, já que gastava bastante tempo para se arrumar, chegaria atrasada, e isso seria uma catástrofe, afinal receberia um novo cliente, com uma carteira de investimentos bem interessante.
Por sorte, o trânsito não estava tão complicado naquela manhã, assim conseguiu chegar a tempo de, antes da reunião, ainda tomar um cafezinho e passar a agenda com a secretária, antes da chegada do investidor.
Ricardo, um dos sócios da empresa, ex-atual-ocasionalmente, amigo íntimo de Tina, acabou insistindo para que almoçassem juntos. Mas Cristina não estava com a mínima vontade de ter que dispensar sutilmente a companhia do “amigo” que, ultimamente, a entediava, apesar de ser charmoso, inteligente e sexy.
Não gostava de estar sozinha, mas também não se sentia atraída suficientemente por ninguém há algum tempo, e quando um homem lhe chamava a atenção, até se permitia levar o jogo para o segundo tempo, mas não mais do que por duas semanas, e nunca, nunca permitir que amanhecessem em sua cama. Tratava de despachá-los logo depois da diversão, sempre alegando que precisava acordar muito cedo no dia seguinte.
Pensando sobre isso, lembrou-se de Luana novamente. Ela e a amiga nunca conseguiam manter relacionamentos longos, por mais que tentassem, acabavam ou se sentindo presas ou entediadas. Acreditava que talvez fosse porque não tivesse aparecido ainda a pessoa certa, ou porque não fossem mesmo feitas para o casamento.
Para conseguir se livrar de Ricardo, e ganhar tempo, terminou indo ao salão de beleza, fazer uma geral. O bom de ser chefe de si mesma era exatamente poder fazer o próprio horário de trabalho. E como raramente resolvia qualquer coisa particular durante a semana, podia se dar o direito de não voltar ao escritório mais aquele dia, para cuidar de si mesma. Na verdade, já era o segundo dia consecutivo que não trabalhava até o final da tarde, mas não havia nada urgente a ser feito, então podia ficar de consciência tranquila.
Pensou em ligar mais uma vez para Luana, mas sabia que, por mais que a amiga não estivesse muito entusiasmada em acompanhá-la, o faria porque já tinha dado sua palavra, assim terminou indo para casa mergulhar na banheira, para hidratar o corpo e relaxar antes da noite, que prometia ser longa.
Ainda estava terminando de se arrumar quando Luana chegou, avisando que já a esperava em frente ao prédio.
– Desce, estou aqui na frente esperando.
– Como assim? Tá pensando que tá falando com uma das suas é? Não é assim, não... Ainda não tô pronta. Suba! Quero ver se está vestindo algo decente.–Tina achou risível. E pensou que nem parecia que Luana se relacionava com mulheres.Não sabia que precisam de muito tempo para se arrumar?
– Não, se subirvamos demorar... e não gosto de esperar... Termine de se arrumar e desça, estarei no carro.
– Vamos levar mais tempo discutindo...não me faça descer para buscá-la!
– Será que pelo menos uma vez você pode me ouvir? Reclamou, imaginando a cena que a amiga seria capaz de fazer.
– Tô abrindo a porta. Sobe logo. Desligou, sem esperar resposta. Sabendo que a outra amargaria alguns minutos, mas terminaria cedendo.
Luana ainda pensou em esperá-la no carro, mas já conhecendo a figura, bem seria capaz de descer para buscá-la, mesmo que seminua, então resolveu ir encontrá-la.
Fim do capítulo
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preguicella
Em: 13/09/2015
Oi moça, tá sumida! Tudo bem por aí?!?
Bjão
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