Quando acordei novamente Camila não estava na cama. Me espreguicei rolando entre os travesseiros e lençóis. Até pensei em descansar por mais cinco minutos, mas mudei de ideia. Levantei e vesti uma calça de moletom com uma regata. Desci as escadas ainda bocejando. Cheguei na cozinha e vi que Camz estava preparando algo no fogão. Encostei-me na parede e a observei. Ela estava apenas com meias, um short curto e uma blusa de moletom que era minha. Adorável.

Ela se virou e notou minha presença. Presenteou-me com o seu mais belo sorriso. Retribui.

- Bom dia, lindinha. – Falei.

- Bom dia, amor. – Foi até mim e me deu um selinho. – Você estragou meus planos. Queria levar seu café da manhã na cama.

- Se quiser eu volto para lá e finjo que não vi nada.

- Não é a mesma coisa. Ande, sente-se ai na mesa.

Obedeci e me sentei. Ela serviu panquecas no meu prato com mel. Tinha feito também ovos mexidos e bacon, além de torradas e geleia.

- Quer café ou suco de laranja?

- Vou ficar com o suco. – Respondi.

Ela serviu suco em um copo para mim e café em uma caneca pra ela. Agradeci e comecei a comer. Cara, minha mãe que não me escute, mas as panquecas da Camila são as melhores. Cheguei a fechar os olhos enquanto comia.

- Camz, estão muito boas, amor.

- Que bom que gostou. – Sorriu para mim.

Ela abriu um jornal e começou a ler. Vez e outra fazia algum comentário sobre uma notícia. Eu estava concentrada em minha comida. Foi então que começamos a ouvir um ruído da janela da cozinha.

- Está escutando isso?

Assenti a cabeça concordando. Levantei da mesa com todos meus sentidos em alerta. Camz também levantou. O ruído aumentou e junto com ele um miado. Assim que cheguei na janela, constatei que era um gato.

- Laura, abre para ele entrar. Deve está morrendo de frio lá fora na neve, tadinho.

Mal abri a janela e o gato ruivo entrou em um segundo. Escondeu-se embaixo da mesa.

- Pega um pouco de leite para ele. – Camz pediu. Suspirei. Não era muito fã de gatos.

Peguei um potinho e despejei um pouco de leite. Fui até a mesa e o gato rosnou para mim.

- Era o que me faltava. Tô te dando comida e você rosna pra mim? – Estava indignada.

- Você está assustando ele isso sim. Me dê aqui.

Passei o potinho pra Camz. Ela se aproximou calmamente embaixo da mesa, ficando ainda a uma distância segura. Chamou por ele com uma voz doce. Assim até eu ia. O Gato se aproximou, ainda desconfiado. Mas vendo que Camz não representava perigo foi até o potinho com leite. Devia estar com muita fome, pois em um segundo já não tinha mais nada.

De barriga cheia, permitiu que Camila fizesse um carinho nele.

- Ele não é lindo? – Falou sorrindo como uma criança.

- Bonitinho.

- Não liga para ela, está com inveja do seu pelo ruivo. – O gato ronronou como que concordando com o que ela disse. Levantei uma sobrancelha.

- O que vamos fazer com ele? – Perguntei.

- Por enquanto vamos deixar ele aqui. Não podemos deixa-lo na rua, está frio.

- Ele deve ter algum dono. Saiu para dar uma volta e parou aqui em casa.

- Se for isso, logo alguém aparecerá para procurá-lo.

Suspirei, mas concordei. Camila me fez arrumar uma cama para ele. Acabei achando uma caixa de tamanho médio.  Forrei com uma almofada e cobertor. Perto deixei leite e água. Fora aquele contato com Camz embaixo da mesa, ele não se aproximou mais. Se escondendo nos cantos da casa.

- Ele deve ter sido maltratado para ser tão arisco assim.

- Gatos são assim mesmo, Camz. – Estávamos abraçadas na sala vendo TV.

- Mas é um arrisco diferente. Ele tem medo da gente.

Dei de ombros. Camila ainda tirou fotos dele e publicou na rede social. Até o momento ninguém havia se manifestado como dono. Perto hora do almoço não teve jeito, Camila me convenceu a leva-lo em um veterinário.

Foi difícil pegá-lo e isso rendeu algumas risadas a Camila, já que o gato decidiu não gostar de mim. Desisti e deixei que Camila o pegasse.

- Você conhece algum veterinário? – Perguntou.

- Tem um perto da loja, aproveito e passo lá na volta.

Chegamos no consultório e não demoramos a sermos atendidas. O veterinário constatou que ele era de rua, devido aos sinais que apresentava. Faltavam-lhe pelos em algumas partes, suas unhas estavam grandes e além de tudo, estava muito magro. Fez alguns exames básicos que saíram na hora, estava com a imunidade bem baixa. Fez exame de doenças mais complexas também que só ficariam pronto no dia seguinte. Por fim acabamos decidindo pagar um banho para ele no pet shop.

Enquanto isso aproveitei para passar na loja enquanto Camila esperava o gato. Estava tudo certo, Roger sempre cuidava de tudo. Aproveitei e passei no mercado para comprar algumas bobeiras para comermos. Voltei no pet shop e ainda não havia terminado. Esperei com Camila. Quinze minutos depois ele estava pronto. Mal o reconheci. Parecia outro gato. Camz o pegou no colo enquanto eu pagava a conta da consulta e banho. Acabei comprando ração pra ele também.

No carro, Camz parecia uma criança brincando com o gato.

- Acho que ele merecia um nome. – Falou enquanto fazia carinho em sua orelha.

- Acho que você não deve se afeiçoar a ele. Ainda acho que ele deve ter algum dono. E se não tiver, não vai ficar com a gente, vai para a adoção.

Camila me olhou horrorizada quando falei em adoção. Chegou a tampar as orelhas do gato.

- Por que não podemos ficar com ele?

- Não gosto de gatos. – Falei simplesmente.

- Olha para ele. – Pegou seu rosto e virou para mim. - Como você pode falar uma coisa dessas? Ele é extremamente fofo e lindo.

- Você acha tudo fofo e lindo. Mas não significa que ele realmente seja.

Camila faltou me fuzilar com os olhos.

- Tem razão. Eu te acho fofa e linda. Mas isso não significa que você realmente o é.

Outch. Depois dessa eu percebi que não adiantaria conversar com Camz agora. Liguei o som do carro e ficamos assim até chegarmos em casa. Peguei as compras e Camila foi na frente abrindo a casa. Entrei na sala e ela veio me ajudar com as sacolas. Levamos até a cozinha. Percebendo que ela pretendia me dar um gelo, resolvi amenizar a situação.

- Olha, a gente acha um lar bem bacana pra ele, tudo bem? Cuidamos dele direitinho e depois achamos uma família que ele goste. Com crianças e um quintal bem grande.

Aparentemente não resolveu muito. Mas ela sabia que eu tinha razão. O gato já havia se escondido de novo. Camila arrumou as coisas para preparar o almoço. Ajudei-a picando os ingredientes. Ela resolveu fazer.

Depois de almoçarmos, coloquei ração em um pote perto da caminha dele.

- Amor, você vai na Annalise agora?

- Daqui a pouco. Vou arrumar algumas partituras.

- Na hora que estiver pronta me avise. Vou te deixar lá e correr um pouco.

- Tudo bem.

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Meia hora depois eu estava parando em frente a casa de Annalise.

- Me liga quando terminar?

- Ligo sim. Bom treino, Amor. – Me deu um beijo. Retribui.

- Obrigada. Bom ensaio para você.

Nos despedimos e eu segui pela estrada que levaria aos arredores da cidade. Peguei meu celular e coloquei os fones de ouvido. Selecionei uma playlist e olhei a estrada. Haviam tirado a neve dali há alguns dias. Fechei o carro e comecei a correr depois de fazer o alongamento.

Uma hora e meia depois eu estava de volta ao carro. Descansei um tempo antes de dar partida. Na volta pra casa resolvi em uma Doceria para comprar alguma sobremesa. Acabei comprando uma torta cheesecake. Coloquei no banco de trás e quando fechei a porta ouvi alguém gritando meu nome.

- Hey, Laura!

Havia três garotos. Dois deles eu reconheci como os que viram eu e Camila nos beijando no aeroporto. Prendi minha respiração e senti meu sangue gelar. Eles estavam na esquina e estavam rindo. O terceiro garoto juntou as pontas dos dedos em um losango e colocou a língua no meio enquanto mexia. Como eu não regi ele apenas bateu nos ombros dos outros dois e ainda rindo viraram a esquina.

Entrei no carro e encostei minha cabeça no volante. Eu sabia que dali em diante era apenas questão de tempo até o resto da escola e cidade saberem.

Cheguei em casa ainda preocupada com o ocorrido. Coloquei a torta na geladeira e procurei pelo gato. Não o encontrei, mas vi que pelo menos havia comido um pouco da ração e tomado leite. Deitei no sofá e não consegui desligar meus pensamentos. Resolvi ligar para Diana, vinte minutos depois ela estava batendo na minha porta.

- Que manda, Carter?  - Me cumprimentou entrando em casa.

- Olá, Diana! – Fechei a porta.

- Onde tá minha prima?

- Está na aula de piano. – Apontei o sofá da sala pra ela.

- Me ofereça um pouco de água antes, Carter.

- Claro. – Revirei os olhos.

Fomos para a cozinha e Diana viu o Pote de ração e leite do gato.

- O que é isso?

- Nossa, nem te conto. Hoje cedo apareceu um gato aqui em casa, enquanto eu e Camz tomávamos café da manhã.

- Não brinca – Riu.

- Pois é. Camila já me fez levar até no veterinário. Mas ele é arisco, desde que cheguei não vi ele ainda.

- Claro! Está se escondendo dessa sua cara, até eu faria isso.

- Muito engraçado. – Ignorei-a.

- Falando sério agora. O que você vai fazer com ele?

- Camila publicou a foto dele. Por sinal, você não viu nas redes?

- Não entrei em nada hoje. Estava desde cedo fazendo maratona das minhas séries.

- Por que não me chamou? – Entreguei o copo com água.

- Você e minha prima parecem que tão em um casulo só de vocês desde que seus pais viajaram, achei que nem veria mais.

- Ta sentindo minha falta é? – Dei risada do seu drama.

- Claro que não! Sinto da minha prima, aquela desnaturada.

- Sei. – Ri.

Voltamos para a sala e eu liguei a TV deixando em qualquer canal.

- Chega de enrolação, por que me chamou? Disse que precisava conversar.

- Lembra dos garotos que viram eu e Camila no aeroporto?

- Lembro. O que que tem eles?

- Eles estavam junto de mais um garoto hoje quando sair de uma loja e um deles gritou meu nome. Quando me virei ele fez meio que um gesto obsceno, remetendo a minha orientação sexual.

- Huum. – Diana fez uma cara pensativa. – Podia ser pior.

- Pior como?

- Ele poderia ter te ofendido em voz alta. Poderiam ter te intimidado. Poderiam partir para a agressão, são inúmeras as possibilidades. Só que eles fizeram isso de modo indireto. Só para que você visse. Pelo que me lembro do que Siope me falava, esses dois que te viram, são uns tremendos babacas.

- Tem razão, podia ser pior. Entretanto isso só comprovou o que sabia no momento que eles nos viram. Agora é questão de tempo, e isso, o que aconteceu hoje, é só o começo.

- Você está com medo?

Suspirei.

- Camila falou que enfrentaríamos isso juntas. Não falei para ela, mas isso realmente me preocupa. Pessoas preconceituosas podem ser violentas. E eu tenho medo que algo nos aconteça sim.

- Hey. – Ela pegou minha mão. – Vocês não estão sozinhas, ok? – Eu sorri para ela.

- Obrigada, Dih! É bom saber disso.

Meu celular tocou e eu fui atender. Era Camila pedindo para que eu fosse busca-la.

Fim do capítulo