Capítulo 22

 

Marta encarou a filha assustada. 

 

-- O que você disse? 

 

Érika estava cheia de coragem, mas ao olhar para a mãe ficou com receio. A menina tremia muito. Sabia que não poderia mais voltar atrás. Luiza se levantou e segurou fortemente a mão da prima. Érika encarou aqueles olhos verdes iguais ao seu. Luiza transmitia força apenas com o olhar e mexeu a boca sem emitir som.

 

"Você não está sozinha"

 

Érika sorriu nervosa e encarou a mãe novamente, apertou a mão de Luiza. 

 

-- Eu também gosto de meninas, mãe... Isso não é algo que a gente pode escolher... Se eu pudesse seria diferente, mas não dá... Cansei de me esconder, cansei disso tudo... Eu só quero viver sem essa angústia que me consome... Eu só quero ser eu mesma... - disse chorando. 

 

Marta também começou a chorar. 

 

-- Isso não pode estar acontecendo, meu Deus.. - estava desesperada.

 

-- Eu disse a você, Marta! - Júlio aproveitou para despejar veneno - Disse que essa menina sempre foi um erro! Nós nunca deveríamos ter adotado essa.. Essa... Criatura... Estava bom apenas nossos filhos mesmo! Eles sim são nosso sangue, não ela! Eu não acredito que criei por todos esses anos uma pessoa tão asquerosa como essa menina - encarou a loira que chorava muito - Eu sabia que você um dia ainda iria fazer isso, mas de hoje em diante não quero mais te ver nessa casa. Não quero ter o desprazer de olhar na sua cara novamente. 

 

-- Cale essa boca Júlio! - disse uma voz autoritária - Eu que tenho vergonha de ter um filho como você! - Vovó Henriqueta estava furiosa - Olha essa cena patética, meu Deus! Seu filho acabou de tentar abusar da própria prima e você defendendo essa peste e ainda por cima aproveitando para jogar todo esse ódio, em cima da Érika, apenas por ela gostar de meninas! Tenha vergonha nessa cara e deixe seu filho pagar pelos erros. E a Érika era só uma criança quando vocês resolveram adotá-la, ela não tem culpa dos erros do seu passado... Você deveria parar com todo esse rancor que sente... Vá cuidar do seu filho, pois o único aqui que precisa de tratamento é o Fernando, portanto não ouse usar tentar rebaixar mais uma vez sua filha a nada!

 

-- Ela não é minha filha! - gritou furioso. 

 

A senhora o encarou ironicamente. 

 

-- Se ela não é sua filha... Você também não é meu filho, pois eu nunca vou aceitar um filho desse jeito... Eu tenho vergonha de você! Vergonha de ser sua mãe! 

 

Henriqueta acabou passando mal e Pedro correu para socorrer a mãe a levando para um dos quartos e deitando ela na cama. 

 

Júlio encarou Érika. 

 

-- Não quero mais você nessa casa! 

 

Caminhou em direção a Fernando segurando-o pelo braço e arrastando o garoto dali. Marta não conseguia falar nada, encarou a filha uma última vez e seguiu o marido e o filho. 

 

Rafael e Murilo voltaram. Não demorou para Pedro aparecer também. Todos ali permaneciam perplexos com o que havia acontecido. 

 

Érika chorava baixinho e Luiza a abraçava apertado. Pedro aproximou-se da sobrinha tocando levemente em seus ombros. A loira o encarou e Pedro sorriu para ela. Ele a abraçou apertado e beijou o topo de sua cabeça. Érika chorava molhando a camisa do tio. Pedro passava as mãos no cabelo loiro da menina de forma carinhosa. 

 

-- Você jamais ficará desamparada Érika... Sei que nenhum de nós será capaz de substituir sua família, mas fique sabendo que você sempre será muito querida por todas nós... Arrume suas coisas, você irá morar comigo e minha família e será muito bem vinda... Lá ninguém vai te julgar, ok? 

 

A loira fez sinal positivo.

 

-- Tá bom, tio... - sussurrou sem forças. 

 

-- Luiza precisamos ir na polícia fazer a denúncia contra o Fernando - disse o pai da menina. 

 

Luiza aproximou-se de Letícia. 

 

-- Cuida das coisas aqui.

 

A prima sorriu para ela. 

 

-- Pode deixar. 

 

Pedro foi na frente e Luiza abraçou a namorada, que estava ao lado de Carol e Vick. 

 

-- Você está bem? 

 

-- Sim, amor.

 

-- Tenho que ir fazer a denúncia contra o Fernando... As meninas vão ficar com você. 

 

-- Ok... Depois a gente conversa melhor - a ruiva a abraçou com carinho. 

 

Luiza foi atrás do pai e os dois seguiram para a delegacia. 

 

-- Bom, como até a Érika teve coragem para falar... Então eu também preciso dizer algo... Há muito tempo que também queria dizer... Eu gosto de meninas! - Carol falou chamando a atenção de todos. 

 

-- Vou ver como está a mamãe - Rafael disse se afastando. 

 

-- Vou com você, amor - disse a Susana, mulher dele. 

 

-- Esperem por mim! - Vick seguiu os pais. 

 

-- Vou lá embaixo procurar alguma besteira pra encher a pança - Bia também se foi. 

 

-- Vou com você! - Lia foi atrás da amiga. 

 

-- Vem, Rebecca vamos no banheiro - Letícia chamou a ruiva e as duas caminharam para o banheiro. 

 

-- Eiii... Onde vocês vão? Eu quero falar algo e todos resolvem cair fora... - a baixinha falou brava - Ai uma atenção né! Ninguém se importa com a Carol, valeu! Carol não passa de um tacho pra essa família! Ninguém quer saber o que a Carol fala... Ibope que é bom nada né... Vocês são uns... 

 

-- Cale-se Ana Carolina! Todos sabem que você gosta de meninas, ok. Isso não é novidade para ninguém - Érika não chorava mais. 

 

-- Oras, mas não custava eu falar novamente né... Esse povo não gosta de mim - fez bico. 

 

Érika revirou os olhos. Felipe e Murilo apenas observavam as duas. 

 

-- Vem Felipe, me ajuda a arrumar minhas coisas - a loira chamou o irmão com tristeza. 

 

-- Claro maninha - disse aproximando-se e a abraçando apertado -  Vamos... 

 

Os dois se foram, deixando apenas Carol e Murilo. 

 

-- Adorei a surra que você deu no infeliz do Fernando. 

 

-- Faria várias vezes mais - disse sorrindo. 

 

-- Você ajudou a Luiza, isso não tem preço, primo.

 

-- Fiquei tão furioso com esse retardado. Juro que senão tivessem me afastado dele, teria quebrado todos os dentes desse otário. 

 

-- Ahh, uma pena terem separado vocês. 

 

-- Entao você gosta de meninas também? - Murilo perguntou mudando de assunto. 

 

-- Sim, sempre! - Carol disse com um sorriso. 

 

-- Já pegou alguma? 

 

-- Não né... Ainda sou nova pra isso. 

 

-- Na tua idade eu já fazia cada coisa - disse malicioso. 

 

-- Você é você... Eu sou eu. 

 

-- Então você ainda não sente vontade de ficar com alguma garota? 

 

-- Bom, vontade eu sinto... Mas eu não sei como "chegar" em uma... - disse fazendo uma careta. 

 

-- Tu não perceber quando uma garota te dá mole? 

 

-- Não né... Sei lá como é isso. 

 

-- Mas tu é lenta prima... Acho que tu precisa ser mais homem nessa parada. 

 

-- Hã? 

 

-- É isso... Você precisa ser mais homem... Tipo tu é muito meninha e tal... Precisa agir mais como um homem... Desse jeito pensam que você é algum gay - disse totalmente sem noção. 

 

-- Você só pode tá de brincadeira. 

 

-- Claro que não. Mulher não gosta desse jeitinho meio de meninha que vocês têm - disse como se estivesse falando algo realmente com algum sentido. 

 

-- Acontece que eu sou garota, Murilo! - falou indignada.

 

-- Um detalhe bem pequeno que a gente resolve. 

 

-- Ah Murilo, eu sou lerda, mas você bateu o recorde agora, cruzes! - a baixinha se afastou brava. 

 

-- Oxi, o que eu fiz? - Murilo se perguntou confuso. 

 

****************

 

Fernando olhava algo em sua janela. Estava pensativo. Algumas vezes passava a mão pelo rosto e bufava. Seus dentes estavam doendo, fora o seu dente que havia perdido. Precisava ir no dentista com urgência. Não percebeu que alguém havia entrado em seu quarto, pois estava distraído demais. 

 

-- Fernando... - Daniela o chamou se aproximando. 

 

-- O que você quer?! - perguntou grosso. 

 

Daniela aproximou-se do garoto e observou o estrago que Murilo havia feito nele. O olho esquerdo quase fechando, várias marcas roxas. Fernando estava horrível. 

 

-- Eu vi tudo o que aconteceu - disse calmamente. 

 

Fernando riu sarcástico. 

 

-- E daí? 

 

-- Eu bem queria que vc tivesse acabado com a Ana Luiza... - a morena olhava pela Janela. 

 

-- Por que? 

 

-- Eu não gosto dela! 

 

-- Mas apenas isso não justifica tamanho ódio que eu vejo que você sente por ela. 

 

-- Isso não vem ao caso. Você também a odeia né?

 

-- Nesse momento sim... Mas também a desejo. Isso é algo irracional, entende? 

 

Daniela sorriu. 

 

-- Eu te entendo perfeitamente - disse encarando o menino que também a encarava - Vim aqui porque quero fazer um trato com você.

 

-- Trato? - perguntou apertando os olhos -  Que tipo? 

 

-- Está mais para um pacto - disse tranquilamente - Vamos nos unir para acabar com a felicidade da Ana Luiza. Você não quer isso? 

 

-- Eu nunca de fato sei o que quero... Mas tudo que sempre desejei foi a Luiza e agora estou furioso com ela. 

 

-- Que tal começarmos acabando com o namoro dela? 

 

Os olhos de Fernando ganharam um brilho diferente. 

 

-- Isso sim é muito interessante - ficou pensativo - Só não entendo toda essa vontade sua... 

 

-- Já disse que não te interessa. 

 

Fernando a analisou por um tempo e depois parece que algo acendeu na cabeça dele. 

 

-- Você gosta da estrangeira? 

 

Daniela deu de ombros. 

 

-- Sim. 

 

-- Tem noção do quanto isso é nojento? 

 

-- Eu perguntei sua opinião por acaso? - disse arrogante. 

 

-- Então você quer ficar com a ruiva? 

 

-- Certamente. 

 

-- Tudo bem, vamos nos unir pra acabar com esse namoro ridículo, quero que a Luiza sofra bastante pra deixar de ser idiota. 

 

Daniela sorriu e aproximou-se do garoto dando um selinho nele.

 

-- Eu quero a Rebecca e você a Luiza. Nós vamos conseguir isso! 

 

-- É tudo que eu mais desejo. 

 

-- Estamos de acordo? - disse a morena estendendo a mão. 

 

-- Sim - Fernando apertou a mão dela. 

 

Os dois se uniram fortemente depois disso. Era um pacto que duraria por muitos anos. 

 

*****************

 

Luiza fez o BO contra Fernando, mas nada foi feito. O garoto tinha a ficha limpa e um bom advogado. Então nada de grave aconteceu com ele. 

 

Pedro ligou para Murilo levar a mãe, a esposa e as meninas para a casa, pois ainda iria demorar na delegacia. Murilo obedeceu imediatamente o tio e levou todas para a casa.

 

Érika se despediu do irmão em meio ao choro dos dois. A menina levou apenas uma pequena mala em sua mão, mas com uma grande esperança de dias melhores em seu coração. Não precisa mais fingir. Não precisa aguentar as humilhações de Júlio. A única coisa que doía era a mãe, isso seria uma ferida para ela. 

 

Rebecca acompanhou as meninas e ficou esperando Luiza voltar, coisa que não demorou, para o alívio da ruiva. As duas foram para o quarto de Luiza. 

 

Érika ficou no mesmo quarto da avó que fazia carinho nos cabelos loiros da neta. As duas estavam deitadas na cama. 

 

-- Minha querida, você não quer ir morar comigo no sítio? 

 

-- Não posso vovó, preciso estudar... Vestibular... Não posso abandonar tudo. 

 

-- Eu entendo, meu amor...  Mas se você precisar de qualquer coisa, não hesite em me procurar. Estou aqui sempre para o que for em qualquer momento. 

 

-- Obrigada vovó... - disse a loira emocionada. 

 

Érika chorou no colo da avó, que cuidou da neta, dando muito carinho. 

 

 

****************

 

Luiza estava deitada no colo da ruiva que fazia carinho em seus cabelos. 

 

-- Seu primo é um louco, amor.

 

-- É... Eu sei disso. 

 

-- Desde quando ele comete esses assédios com você? 

 

-- Não lembro... Acho que desde que eu ganhei corpo... Curvas e tal. 

 

-- Ele é um nojento... Fiquei tão desesperada se ele te fizesse algum mal... - disse com a voz triste.

 

Luiza se levantou e segurou o rosto da namorada, a encarando seriamente. 

 

-- Não aconteceu nada, amor. Eu tô bem... Vamos mudar de assunto...  Não quero ficar falando daquele inútil... Que tal filme? 

 

-- Seria muito bom. 

 

Luiza colou um filme de comédia para as duas assistirem. Rebecca ficou entre suas pernas e Luiza fazia carinhos em seu cabelo. Rebecca teve que voltar para casa, mesmo a contra gosto. A ruiva não podia dormir fora da mansão, era contra as regras. 

 

Luiza ficou sozinha e pensativa. Tinha medo do que o primo pudesse fazer, pois sabia que Fernando não tinha um pingo de caráter.

 

A angústia que Luiza estava sentindo ainda não havia passado e ela não imaginava o motivo. Demorou muito para dormir, mas teve o sono tranquilo. 

 

Fim do capítulo