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Transtornada por histrionica

Ver comentários: 2

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Palavras: 578
Acessos: 2339   |  Postado em: 00/00/0000

"Está pensando, Betina?"

São Paulo, 01 de fevereiro de 2016.                   12h10

 

Eu queria ficar um pouco sozinha.
Andei um pouco pelo pátio observando o sol fazendo as cores da minha saia comprida e rodada brilharem. Eu estava feliz, eu acho.
Encontrei um banco afastado de onde os outros pacientes estavam. O banco ficava embaixo da mangueira. O dia estava ensolarado, mas eu estaria protegida da luz ali embaixo da árvore.

 

Primeiro eu me sentei. Tirei os chinelos e fechei os olhos. Respirei fundo. Uma, duas, três vezes.
Abri os olhos e corri o olhar pelo pátio inteiro. De onde estava não conseguia ver Ana, Priscila ou Maria, que batiam um papo animado com um dos auxiliares no ponto extremo do pátio. Eu sabia onde estavam porque tinha vindo de lá.
Um senhor com quem eu nunca conversei fumava quieto em um banco próximo ao meu. Julia, uma esquizofrênica que raramente falava com alguém, também fumava sozinha em um banco exatamente em frente ao do senhor que eu não conhecia.
Ninguém parecia interessado em mim nem naquele banco. Suspirei contente e me deitei. Fiquei olhando para o céu que às vezes aparecia por entre as folhas. Eu estava tão leve naquele dia!

 

“Está pensando, Betina?”
Julia, que já havia terminado seu cigarro, estava em pé na frente do banco em que eu estava deitada.
Virei o rosto para ela e sorri. Ela não sorriu de volta, mas sua postura mostrava que queria estar ali.
“Só estou passando o tempo.”, eu respondi e, como ela continuou parada me observando, eu completei: “Quer sentar aqui comigo?”
“Quero.”
Me levantei preguiçosa e bati a mão direita no banco mostrando que ela era bem-vinda.
Julia se sentou ali ao meu lado e não olhou mais para mim. Pegou um cigarro no maço que trazia no bolso da saia e ficou brincando com ele enquanto olhava para frente.
Fiz o mesmo. Mergulhei também na minha mente.
Em determinado momento, Julia se levantou e, sem falar uma palavra, foi embora para o seu quarto.
Esperei que ela voltasse por uns dez minutos, mas ela não voltou.
Julia era assim mesmo.

 

Foi ela quem tentou me beijar na minha última noite lá.
Tenho sensibilidade na pequena cicatriz da minha testa, resultado da fuga desenfreada.
Eu fugi porque gostei que alguém me desejasse. Mesmo que esse alguém fosse louca.

 

No dia seguinte, quando meu pai apareceu para me levar pra casa, corri a clínica inteira e a encontrei no mesmo banco olhando para frente sem parecer enxergar nada.
Me abaixei ao seu lado e sorri. “Estou indo embora. Fica boa logo, tá?”
Julia acenou com a cabeça. Quando me virei para sair, ela segurou a manga da minha blusa.
“Você vai me ligar?”
Ouvi o auxiliar me chamando ao longe.
“Vou.”
Seus olhos verdes estavam arregalados. Aquele era o momento da perda.
Entendi então porque Julia raramente falava com as pessoas.
Todos iam embora, mas ela ficava. Pra que se apegar?

 

Nunca liguei. Sei que prometi, mas não poderia me iludir. Possivelmente, em poucos dias ela teria esquecido quem eu era. Eu estava desesperada demais por amor e atenção. Sabia que, se entrasse nessa ideia, jamais sairia.

 

Não nos beijamos, não tivemos nenhum tipo de contato físico. Nada.
Mas ela me mostrou que eu poderia ser tratada com mais gentileza. Ainda sou capaz de ouvir sua voz rouca e baixa se me concentrar. “Você vai me ligar?”

 

Talvez um dia eu ligue.

Fim do capítulo


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Comentários para 24 - "Está pensando, Betina?":
Ana_Clara
Ana_Clara

Em: 12/03/2016

A cada minúsculo capítulo que leio dessa tresloucada da Betina sinto mais e mais vontade de abraçar essa garota e trazê-la aqui pra mim. Vai entender!!!

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thays_
thays_

Em: 25/02/2016

Conheci ontem essa história, pra mim até agora uma das mais sensíveis e bem escritas que já li por aqui. Creio que me ganhou com o "saúde mental" e "fatos reais" na apresentação, principalmente por eu ter proximidade com o tema. Me vejo em muitos pensamentos da Betina, minha vontade era de acolher a personagem. Sei que a linha que separa a loucura da sanidade é muito tênue, tal como a de viver e morrer. Lembrou-me muito do filme/livro "Garota, Interrompida" que marcou minha adolescência e foi um divisor de águas em minha vida. Continue escrevendo, por favor! Beijos.


Resposta do autor em 12/03/2016:

Obrigada pelo feedback! Fico tão feliz com comentários como o seu... No momento estou com dificuldade para postar pois estou sem computador, mas em breve estarei de volta e regularmente. :D

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