Tédio. Essa era a palavra que descrevia esse exato momento. O lado positivo do CEFET era a liberdade que ele permitia a meros alunos do ensino médio terem, o lado negativo era a liberdade que ele permitia a meros alunos do ensino médio terem. Sim, porque ao mesmo tempo em que você cria responsabilidade e fica na aula porque quer, você também é tentado a ficar dando voltinhas quando aulas como essas estão acontecendo.

Quando o dia prometia aulas como “Eletrônica Analógica” e “Circuito Elétricos ll”, tudo que eu conseguia pensar era no treino do time de futsal ao final do dia. Toda segunda-feira depois da aula o time de futsal feminino do CEFET treinava e essa era a parte do dia que eu mais ansiava. Hoje não era diferente, depois de passar pela maratona de aulas incrivelmente chatas, me encaminhei pro famoso bosquinho para passar o tempo até dar o horário do treino. O bosquinho pra quem não conhece, é uma área aberta com bancos e mesas cercados por árvores que todos os alunos usam para matar o tempo ocioso (ou matar aula mesmo, sejamos honestos).

Na maioria das vezes que eu ia pra lá, eu encontrava alguém conhecido mais cedo ou mais tarde, dessa vez eu estava deitada pensando na vida quando uma amiga do primeiro ano – eu a essa altura do campeonato já estava no terceiro ano – desce e me encontra no bosque. Jess também era do time de futsal e treinava havia pouco tempo, já que também não fazia muito tempo que tinha entrado pro CEFET. Nesse dia em especial, Jess estava acompanhada, atrás dela vinha uma menina relativamente baixa, magra, branquinha e do sorriso bastante meigo. Sabe aquela pessoa que você vê e simplesmente acredita que seu santo bateu com o dela? Pois então, foi esse o caso. Jess fez as apresentações, disse que o nome da recém chegada era Natália e que ela treinaria com a gente naquele dia. Começamos a conversar e descobri que elas eram da mesma sala, faziam Química – eu fazia Eletrônica, creio que alguns já foram capazes de deduzir – e eram amigas. Ficamos um tempo conversando e eu realmente gostei da novata, quando foi dando a hora do treino nós três pegamos nossas coisas e descemos pro ginásio.

O treino não foi muito diferente do de costume, nosso “treinador” – sim, entre aspas, o cara não treinava ninguém, simplesmente nos dava uma bola e nos colocava pra jogar, era mais uma pelada – foi pra sala dele e começamos a fazer uma pelada. A novata ficou no meu time, eu jogava de fixa e ela era lateral esquerda já que era uma das raras canhotas. Conforme o jogo ia se desenvolvendo, era inegável que ela jogava consideravelmente bem e logo ela foi se adaptando. Jogamos até por volta da dez da noite e fomos todos para nossos respectivos pontos de ônibus, no caminho continuei conversando com Natália, a conhecendo cada vez melhor e foi naquele mesmo dia que eu decidi que ela era meu novo objetivo.

Ok, antes que vocês achem que eu sou algum tipo de serial killer me dêem a chance de explicar. No ano passado, em uma viagem com o time, tínhamos ido para São João Evangelista participar de um campeonato. Nessa mesma viagem conheci Carmen, uma ruiva extrovertida que conquistava sorrisos fáceis de todo mundo. Nos tornamos muito próximas e como até então eu só tinha ficado com homens e namorado uma única vez, – com homem, diga-se de passagem – eu não tive a maldade de perceber que ela tinha segundas intenções. Papo vai, papo vem, ela começa a investir demais em mim, começa a passar tempo sozinha comigo, perguntar se tenho interesse em mulheres, contar da sua vida pra mim e etc. Quando voltamos para Belo Horizonte nós continuamos bem próximas, sempre fui do tipo de pessoa que faz amizade muito rápido e se apega tão rápido quanto às pessoas e dessa vez não foi diferente. Depois de um tempo nesse meio termo, Carmen decide fazer a jogava final, ela se abre comigo e diz que quer ficar comigo. Pra mim, foi e não foi uma surpresa já que ela vinha dando sinais cada vez mais claros. Fui sincera, disse que tinha curiosidade sim mas que tinha medo do que minha família pensaria se descobrisse, minha mãe e minhas tias sempre foram muito conservadoras. Respondi a ela que pensaria melhor sobre o assunto.

Nos dias que se seguiram ela não me pressionou, fazia piadas à respeito mas nada demais, fui me sentindo cada vez mais atraída pela idéia do novo, do inexplorado. Quando estava quase decidida a tentar descubro que Carmen e uma outra amiga também do time de futsal de nome Laura, tinham uma história e que a mesma não tinha acabado muito bem.

Pelo jeito, Laura havia se apaixonado por Carmen, que por sua vez não estava pronta pra um relacionamento e acabou terminando tudo. Laura pediu distância para superar já que o sentimento não era recíproco.

Quando descobri o ocorrido eu já estava com uma vontade insana de ficar com Carmen, de experimentar como é estar com uma mulher, por outro lado pensava que poderia criar um clima extremamente desagradável devido ao fato de que, apesar de eu e Laura não sermos muito próximas, recentemente ela havia começado a conversar bastante comigo. Conforme minha inocência no assunto foi diminuindo, percebi que Laura também estava tentando ter algo comigo e que mais cedo ou mais tarde ela chegaria em mim.

Vi-me completamente dividida, de um lado desejo e do outro, racionalidade. Eu juro que tentei resistir, tentei seguir o lado da razão e evitar me meter em confusão, mas não consegui. Em uma tarde no CEFET estava sentada no corredor – no chão mesmo porque aluno do CEFET é quase mendigo – e Carmen deitada no meu colo, nós conversávamos e brincávamos e com o tempo as brincadeiras foram ficando, digamos que mais maliciosas. Nesse momento eu tomei minha decisão, eu ficaria sim com Carmen, não tinha culpa se ninguém tinha me contado nada antes, me envolvi e se eu não tivesse descoberto a história toda sozinha, teria continuado na penumbra.

Todo dia depois da aula, eu acompanhava Carmen até o metrô, eram aproximadamente 20 minutos andando e apesar de estar escuro e meu ponto de ônibus ser em frente ao CEFET eu gostava de andar esse tempo com ela, podíamos conversar mais tranquilamente. Nesse dia segui com ela como de costume, fui o caminho todo pensando em como seria beijá-la, como seria ficar com ela, por fim quando passamos por uma rua deserta, – acho relevante comentar que eu e ela tínhamos medo de que outras pessoas vissem, ela mais do que eu, ironicamente – eu não me segurei mais e tentei beijá-la.

Para minha completa surpresa, ela se esquivou. Sim! A mesma pessoa que se deu ao trabalho de investir em mim e esperou minha decisão, se esquivou quando eu tomei a iniciativa. Assim que superei minha completa descrença, continuamos andando como se nada tivesse acontecido. Alguns metros adiante, ela pega minha mão e me puxa para a lateral da rampa do metrô, cola as costas na parede e dessa vez, me puxa pro beijo.

Fim do capítulo