Capítulo 9
Passei o domingo inteiro em casa, do sofá pra cama e vice versa. Minha mente vagava e quanto mais eu me deixava levar pelos pensamentos, mais eles pairavam sobre a Mariana. Não conseguia tirar da cabeça a cena dela chegando no jantar, simplesmente.. Esplendorosa, ou como diria a Adriana, fatal. Ela passou o resto da noite me olhando de soslaio, senti seus olhos em mim o tempo todo, e eles denotavam um tanto de curiosidade, raiva, e algo que não soube definir. Não tirei os olhos dela também, ou seja, a troca de olhares foi intensa, ouso dizer que até descarada, mas me contive, afinal de contas, ela era a minha patroa, acima de qualquer coisa… Me deixei levar pelo tempo, pela conversa, pela companhia, a Adriana se mostrou uma pessoa muito bacana, e rimos muito de algumas loucuras que a própria já fizera até terminar a residência médica. Algumas pessoas já tinham ido embora e eu estava com maior sono, mas sabia que tardaria ao sair dali, já que Marcinha quem estava organizando tudo, mas me surpreendi quando a Adriana se ofereceu para me levar em casa, e Marcinha fez questão, já que iria longe ainda ali. Não me sentiria confortável esta aproximação repentina com ela, quando procurei com os olhos a Mariana, ela estava num flerte descarado com a Bryanna, pois estavam próximas e a Mariana passava a mão no cabelo da outra, e pra mim foi o fim. Descaradas, já nem tinha mais forças para sentir raiva, era só desalento..
Andamos pela cidade, ela estava em silêncio assim como eu, os únicos sons que cortavam era os pingos da chuva e uma música baixinha, Sometime Sadness da Lana, a noite era escura, fria e chuvosa, me perdi olhando pelas ruas, até que ela parou o carro ao lado da praça central da cidade, no outro lado da rua havia um café que funcionava 24 horas, e era muito aconchegante.
Sentamos na mesa ao lado do vidro, e cada uma pediu um café, senti que estava sendo observada por ela, então me dei conta que não conversamos desde que saímos daquela festa.
-Letícia, o que existe entre você e a Mariana? _Ela me questionou de supetão, e não a repreendi, acho que precisava conversar, com quem fosse.
- Ai não sei, é tudo muito complicado.. _Suspirei e olhei pra ela que me olhava e sorria, parecia compadecida..
- Acho que seja o que for, eu posso entender.
- Eu e ela tivemos… Não sei nomear se quer, o que tivemos. Mas foi intenso, é, quando estamos juntas. É inexplicável.. Mas então amanhece, e eu, literalmente, acordo. Eu babá, ela patroa. Até aí tudo bem, se uma pessoa souber administrar.. Mas eu não soube.. Então, cá estou eu, deprimida de saudades, de ciúmes, de tudo..
- Como eu imaginava... Vai com calma, mocinha, e segue o seu coração, sempre..
- Ah Adriana, você já conhece ela, sabe como é..
- Por isso eu estou lhe dizendo isso, moça bonita. Você não passa despercebida por ela.. Eu vi bem, ela ficou te olhando a noite inteira, e eu conheço aquele olhar.. Eu conheço a Mariana, só dê um pouco de tempo a ela, a vocês, as coisas precisam acontecer, para então o inesperado aflorar. Mas cuida desse seu coraçãozinho, não esquece dele, ele tem que vir em primeiro lugar.
- Tudo tão difícil, quando me dirijo a ela, minha vida deu um giro de 360 graus, mas vou manter o foco, e tenho certeza que é mais uma atração, daquelas que balançam um pouquinho a gente mas já passa, tive muito disso nos tempos de faculdade. _ Ri com gosto, e a Adriana me olhou misteriosa.
Depois disso, já não era mais tão cedo, ela me levou em casa, trocamos números de celular, e combinamos de manter o contato.
A segunda feira chegou logo, e a Alice estava em polvorosa para jogar um novo jogo que ganhara do seu pai. Dei café da manhã a ela, e então sentamos jogar, um tabuleiro grande e moderno, bem coisa dessa nova geração. Ela me contou que a Bryanna dormiu ali no sábado, mas não era surpresa, pelo visto eu iria ter que me acostumar com essa mulher sempre aqui dentro.
Fiz um almoço gostoso para nós, já que a dona Gegê não vinha nas segundas aqui. O prato era macarrão ao molho branco, que a Alice estava com vontade de comer, e fiz carne de frango a milanesa, sabia que a mãe da pestinha gostava, mas ela não veio comer, mal saiu do quarto, na verdade. Acho que estava com dor de cabeça, tinha a feição fechada, mas um pouco dolorida, não sei.. Depois do almoço Alice tirou uma soneca, aproveitei para arrumar os brinquedos dela, as roupas, todos os detalhes dela, enquanto a tarde corria.. e eu fiquei naquele ambiente, onde cada canto, tinha tudo dela, o cheiro dela predominava em todos os ambientes, e aquele silêncio tão característico da Mariana se fazia presente naquele momento. Parei na sacada olhar a cidade do alto, neblina, garoa e a temperatura caindo cada vez mais, o legítimo dia nostálgico. Fiquei alguns minutos ali, quando senti que não estava mais sozinha, ouvi uma respiração perto de mim e me virei, e ali estava ela, observando a cidade pelo vidro, submersa em pensamentos. Tinha o cabelo loiro bagunçado, preso num coque mal feito, usava um legging preto e uma blusa peludinha bege, que lhe cobria a bunda, nos pés ela usava pantufas. Ficamos lado a lado num silêncio incômodo, por largos minutos, até ela quebrá-lo.
- Gostou da festa de sábado? Não consegui conversar contigo direito..
- Sim, foi divertida, surgiu um pouco em cima da hora, mas precisava sair um pouco. Ah, não tem importância Mariana, eu entendo, era sobre seu trabalho.
- Não esperava te encontrar lá, você estava linda. _ Ela virou para mim e tinha um olhar dócil.
- Eu? Imagina, tanta gente elegante.. Nem sabia do que se tratava, fui na louca da Marcinha e acabei por lá.. _Ela deu uma risada gostosa, rouca..
- Quer parar de se referir a si no diminutivo? Estava linda sim, e olha que não foi apenas meu par de olhos que detectaram isso..
- Que é Mariana?
- O Gabriel, aquele moreno alto, promotor, pediu para mim te apresentar a ele. _Ela falou séria e eu dei uma sonora gargalhada.
- Sério? E o que você disse a ele?
- Ué.. Nada né… _Ela desconversou, desviou os olhos dos meus e ficou toda vermelhinha.
- Fala, Mariana.
- Já falei. _Segurei o braço dela e a virei pra mim.
- Fala olhando pra mim então.
- Oshe… Falei que qualquer mulher dessa cidade, desse país, do mundo, mas você não.
- Qualquer nada, por que será que minha cabeça diz que tem mais uma ou outra que você não apresentaria?
- AIII DROGA, esqueci de mencionar, menos você e a Alice! _Ela colocou a mão na cabeça encenando, eu ri e fiquei olhando para ela.. Num rompante, senti um peso em mim, ela tinha se jogado nos meus braços em questão de segundos, encostou a cabeça no meu ombro e ficamos assim. Eu sentindo o cheirinho dela entrando nas minhas narinas, e a abracei também. O tempo parou, senti meu ar rarear. Senti meus olhos úmidos. Deus, Mariana…..
- Leh, acho que precisamos conversar, mas só quero fazê-lo caso você sinta esta necessidade também.. _Aos poucos se desfez do meu abraço e segurou as minhas mãos, tinha um olhar terno no rosto..
- Sim Mariana, concordo contigo, acho melhor nós conversarmos como adultas..
- Acho melhor nós sermos sinceras uma com a outra, então..
- Sim, isso é uma necessidade.
- Leh, eu me sinto maravilhada quando estou com você.. Quando eu saí de casa aquela última vez, eu tive vontade de voltar assim que coloquei os pés no elevador. Quando entrei no carro, quando cheguei lá. Quando eu dormia, eu queria voar pra cá. Quando eu conversava com vocês por telefone.. Mas droga, eu sou um perigo para mim mesma, eu simplesmente só sei machucar as pessoas, e você, definitivamente, não é como ninguém que já passou pela minha vida.. Isso é assustador.. E eu só sei que a única coisa que eu queria era chegar e te ver, eu esperei tanto, mas tanto por isso, que quando eu te vi na festa, não sei descrever o que eu senti, eu flutuei. Só quando conversei contigo que eu percebi que havia algo de errado, algo acontecido ou acontecendo, não era a sua voz, não era seu olhar.. O que aconteceu? Eu quero saber o que você sentiu na minha ausência, o que sentiu naquele momento, se também há confusão dentro de você, ou se é a Adriana.. ?
Eu gelei quando a Mariana terminou de falar tudo aquilo, realmente eu não esperava. De repente me deu uma vontade absurda de fugir dali, daquela casa, de tudo, mas não seria uma atitude sensata a ser tomada. Mas eu não iria agir como uma pateta idiota, não iria se prestar ao papel de boneca da delegada.
- Eu também senti a sua falta, e não nego que eu pensei em você muitas vezes, no decorrer daquela semana. Mas você não sabe o que é acordar de manhã e estar sozinha, você nunca entenderia isso. Você não sabe o que cresce dentro de você, quando vê AQUELA pessoa chegar muito bem acompanhada no mesmo local que você está.. E você é maravilhosa sim, quando estou com você parece que eu saio de mim, mas há sempre outro dia.. E você é minha patroa, Mariana, mãe da Alice, antes de qualquer, qualquer, coisa. E a Adriana não tem nada, absolutamente nada, a ver com a relação que eu tenho contigo. Assim como eu não tenho nada a ver com a relação que você mantém com outras pessoas.
- Leh, eu acho que você está lidando com isso tudo de uma maneira dura de mais.. Mas tudo bem, eu vou te respeitar. E quanto a Bryanna, sei que se refere a ela, eu já te disse que ela não atrapalha a gente em nada, eu não tenho nada com ela. Ela dormiu aqui no sábado sim, mas os motivos foram outros, totalmente diferentes de quando você está comigo.. Mas droga… Realmente a culpa foi minha, me deixei levar, não era puramente carência, era frustração, decepção.. Agora você entende que eu sou uma bomba? Só faço o pior, não quero que você engula essas consequências. Só quero te poupar, e talvez o preço que eu pague por ser assim, é a vida me fazendo te poupar de mim.
Senti um desespero, eu não queria ser poupada pela Mariana, a realidade é que eu queria fazer parte da vida dela, eu queria ela pra mim, e ser dela. Olhei pra ela que neste momento olhava a cidade pelo vidro, agora parecia longe e não tinha nada daquela moleca característico dela. Meu coração apertou. Senti que meu coração gelou, eu queria chorar, ir para a minha casa, deitar na minha cama e chorar até pegar no sono..
-Você não é uma bomba, você é impulsiva, apenas isto. E você não precisa pagar por nada, nada que você fez, está errado, é pecado, você só esta vivendo, Mariana.. Você respira vida, e isso é o que eu mais admiro em você, amor pela sua filha, sua profissão, sua família, sua casa, e tudo que te rodeia, isso cativa as pessoas que estão perto. _Ela deu uma risada baixa, e me olhou.
- Você é apaixonante sabia? E isso é um perigo Letícia, um perigo… _Ela ficou minutos me olhando intensamente, daquela forma que só nossos olhares sabiam, me desnudando..
- Que foi? _ Perguntei a ela.
- Não consigo ficar longe de você, e a imagem dela te tocando, não sai da minha mente. Acho que dói.
- Dela quem, Mariana?
- Da Adriana, vocês não dormiram juntas?
- Não né. _Dei uma risada e olhei pra ela que ficou me olhando um tempo e depois deu uma risada, que parecia de alívio.
-Ah, pensei que sim… E vai rolar?
- Porque quer tanto saber dela?
- Não é ela, é você.
Ficamos nos olhando por algum tempo, não sei ao certo, só acordei do transe quando senti seus dedos tirando uma mecha de cabelo do meu rosto, e ela se aproximou tanto que senti o cheiro do seu hálito, de creme dental fresquinho.
- Não faz isso Mariana… Eu sempre acordo sozinha no outro dia, lembra? _Ela segurou a minha nuca e fixou os olhos nos meus lábios.
- Eu nunca vou conseguir ficar longe de você.. Podemos fazer um teste, podemos simplesmente nos conhecer, experimentar uma a outra… e você também pode optar por acordar acompanhada, só tenha paciência.. Eu amo acordar com você, Letícia.
Meu cérebro não funcionou, congelou. Senti seus lábios macios nos meus e seus dedos passeando na minha nuca e outros na minha cintura. O frio tinha ido embora e de repente começou a esquentar, só freamos quando alguém me chamou de longe, uma voz doce, de criança, Alice acordara e me chamava.
- É, eu vou lá.. _ Quando eu ia me retirando, ela segurou na minha mão.
- Vamos juntas.
Fim do capítulo
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