POV Jodie

Quando estava prestes a chorar de novo senti os braços de Charlie me apertarem outra vez, agora com muito mais força como se tentando me fazer parar de falar, tentando me fazer deixar isso pra lá e não chorar, quase pude sentir que ela estava tentando me proteger daquilo tudo. Apenas me deixei ser abraçada e aproveitei a segurança que nunca senti em nenhum outro lugar exceto os braços daquela mulher. Depois de um tempo que pra mim pareceu pouco demais, mas muito mais do que deveria, eu me movi lentamente fazendo os braços dela me soltarem. Então respirei fundo e continuei:

– Saímos daquele lugar assim que eu acordei dias depois; os poucos de nós que restávamos seguiram Izzy até encontrarmos uma pequena cidade com um grupo pacífico onde nos instalamos – falei num tom mais calmo e sério; essa parte da história era algo que me irritava porque eu poderia ter deixado isso pra trás muito antes e não o fiz – Eu fiquei por lá também, Izzy resolveu me treinar de verdade lá e eu logo fiquei boa o bastante pra me defender. Ainda fiquei um tempo lá....para ver como as coisas iam acontecendo, mas eu já tinha meus planos de vir atrás de você então eu vim – falei virando o rosto na direção dela e a encarando; eu não sabia do quanto sentia falta de apenas ver o rosto da Charlie.

– Eu não entendo – disse ela com uma certa frustração na voz – Pra quê vir atrás de mim Jodie?? – ela perguntou novamente; sério, já perdi as contas de quantas vezes ela já me perguntou isso desde que me viu.

Eu a encarei dessa vez realmente tentando achar meus argumentos pra responde-la e fazer com que ela parasse de me perguntar sempre a mesma coisa. Então eu pensei nos meus motivos. Mas eu não tinha motivos; ao menos nenhum que pudesse ser considerado concreto. Como decidi vir atrás dela? Quando notei que sentia falta demais. Porque precisava fazer isso?? Porque sentia falta dela já que Charlie sempre foi um porto seguro pra mim desde que a conheci, mesmo que ela não fosse assim tão próxima de mim no começo. Mas porque eu sentia tanta falta dela?? Bem...ai é que esta a complicação....eu não tinha certeza desse motivo.

Pensando nisso eu fiquei encarando ela por alguns minutos e nesses minutos eu reparei em detalhes que eu já conhecia, mas só agora parei para pensar sobre. O jeito sério, o olhar decidido a expressão concentrada....detalhes que eu sempre percebi, mas que só agora notei que percebia. Ela estava diferente sim; mais velha, o cabelo na altura dos ombros meio preso, mas com várias mechas soltas; ainda assim ela continuava ela mesma, a mesma Charlie que eu conheci há tanto tempo. Eu não tinha explicação para querer vir atrás dela fora o simples fato de querer estar perto dela.

Depois de vários minutos comigo encarando-a eu dei de ombros, sorri de um jeito entre constrangida e divertida e estiquei a mão afastando uma mecha de cabelo que caia nos olhos dela. Eu coloquei aquela mecha atrás da orelha dela e simplesmente sorri enquanto ela me encarava com uma expressão surpresa.

– Eu não tenho motivos – respondi a ela ainda encarando-a enquanto minha mão voltava lentamente para o meu lado – Eu só queria estar perto de você outra vez. É isso o que eu quero. Se eu tivesse que presumir algum motivo diria que é porque me sinto bem com você por perto; sempre me senti assim. Você é o tipo de pessoa que trás segurança e, confesso, sempre senti que podia contar com você, como se só a sua presença me desse a segurança necessária pra enfrentar qualquer coisa, mesmo nesse nosso mundo louco – falei me levantando e enrolando no meu pescoço o pano que era meio um cachecol pra mim – Eu não vou forçar nada, se permitir eu quero sim estar por perto, mas vou entender se achar que eu trago memória ruins ou coisas do tipo. Então....bem – sorri sem graça, eu não queria dizer isso, eu não queria ouvir ela me dizer que eu não deveria ficar por perto, mas eu tinha que dizer porque era uma escolha dela e não minha – Se estiver tudo bem eu gostaria de ficar por perto, não estou pedindo para vir ficar aqui com você e a Max, longe disso. Um lugar pra mim na cidade, poder vir ver você e conversar um pouco já estaria bom demais. Mas essa escolha é sua. Se me disser que não é uma boa ideia, que prefere que eu não fique por perto, se achar o que estou pedindo muito invasivo....Se for assim é só dizer que eu vou embora – falei encarando ela depois de colocar minha mochila nas costas outra vez; eu não queria deixa-la, eu não queria estar sozinha de novo, eu não queria ficar sem ela outra vez, mas impor minha presença era errado; então apenas sorri como se dizer aquilo não me deixasse triste – Vou voltar pra cidade e achar um lugar pra dormir, ou apenas acampar em algum lugar mais longe. Quando se decidir me avisa, manda a Max me achar ou a Sam ou você mesma...só peço que se decidir que eu não devo ficar você vá pessoalmente me informar pra que eu possa me despedir – pedi com meu sorriso vacilando por segundos; ela notou isso porque sua testa ficou franzida enquanto me encarava.

– Você pode ficar por aqui, por enquanto – disse ela se levantando também e me encarando de perto e cruzando os braços parecendo desconfortável, o que só me fez ter ainda mais certeza de que não deveria ficar.

– Não é preciso – falei forçando o sorriso a continuar no lugar e encarando o rosto dela com vontade de tocar ele como tinha feito agora a pouco ao colocar a mecha do cabelo castanho dela no lugar – Eu vou indo mesmo – completei me virando e indo para a porta antes de ela poder me impedir.

– Jodie – ela me chamou vindo para perto de mim assim que passei pela porta – Eu gostei de ver você – ela falou com a mão direita segurando meu braço esquerdo na altura do cotovelo.

Eu sorri, mas não disse o quão bom foi pra mim ter encontrado com ela. Ergui a mão esquerda acenando e fechei a porta descendo as escadas e saindo do galpão. Meu peito parecia estar apertado por uma pressão invisível que fazia ele doer de uma forma inexplicável, meu sorriso sumiu e meu olhar ficou desanimado, mas eu não olhei para trás. Quando estava a uma boa distância do galpão, mas ainda longe da cidade. Sai da trilha e entrei no meio das arvores que estavam por ali, no que parecia ter sido um parque antigamente. Andei um pouco, até que parei, soltei a mochila no chão e me sentei com as costas contra o tronco de uma árvore bem grande. Eu estava acabada, primeiro pela falta de sono, segundo por ter tido que contar toda aquela história e terceiro, principalmente, por ter tido que sair de perto da Charlie de novo. Eu só queria poder ficar do lado dela, como naqueles abraços que ela me deu; eu não me importaria de sofrer se depois ela fosse me abraçar daquele jeito.

http://letras.mus.br/skylar-grey/1991789/

https://www.youtube.com/watch?v=k84QxVJd0tI

Desde a primeira vez que a vi eu já senti admiração. Ela era uma mulher linda, forte, determinada e que não abaixava a cabeça pra nada nem ninguém e eu achei isso o máximo. A forma como ela não permitia que nenhum olhar ou comentário afetasse a relação dela com Izzy também me impressionou e fez com que eu a admirasse. Eu admirei Izzy também, admirei como a personalidade leve dela contrastava e completava o jeito sério e centrado da Charlie; eu queria ser como elas. E minha admiração por aquela mulher só aumentava conforme eu notava como ela assumia as responsabilidades pelo simples fato de que ela fazer isso era o melhor para todos e não porque queria a liderança.

Eu queria me aproximar delas, mas a seriedade da Charlie era como um pedestal que a elevava e me fazia pensar que ela era inalcançável, então acabei me aproximando da Izzy e ela era incrível também e eu a adorava e ela realmente virou minha melhor amiga da vida toda, porque nem antes desse “apocalipse” eu tive uma amiga como ela. Mas eu sentia pela Charlie algo cada vez mais forte, mas eu considerei, na época, que eu estava vendo nela a figura de uma mãe por causa de todo o sentimento de proteção que ela me trazia; o que não é tão absurdo porque com 20 anos de diferença ela tem mesmo idade pra ser minha mãe. E por um longo tempo eu acreditei que era isso e, quando Izzy notou como eu gostava da Charlie foi isso que eu disse pra ela a respeito.

Não era mentira na época, mas depois de um tempo...no decorrer dos acontecimentos.....eu notei que não era isso. Eu notei que aos poucos elas estavam se afastando e isso me incomodou porque eu notava a preocupação da Charlie. E quando a Claire começou a realmente dar sinais de estar interessada na Izzy eu alertei minha amiga; eu disse pra ela não fazer bobagem, disse pra não trocar uma mulher incrível por uma garotinha mimada, mas já era tarde demais, mesmo que ela tivesse concordado comigo na hora. Eu via a Claire praticamente se atirar pra cima da Izzy e eu ficava puta com isso; ficava puta com Izzy por tentar sair dessas situações com sorrisinhos.

Mas foi durante isso que eu notei que o que sentia pela Charlie era muito mais do que eu achava. Foi quando eu entendi que estava apaixonada por aquela mulher; por que o que me fazia ficar enfurecida e com raiva não era o fato da minha amiga estar jogando no lixo um relacionamento e uma pessoa muito melhor nem o fato de que um casal que eu queria junto estivesse se separando. Eu ficava assim porque sabia que Izzy estava indo magoar a Charlie e, mesmo sendo minha melhor amiga, eu queria socar a cara dela por causa disso. E por vezes eu via aquilo e queria fazer a Izzy entender, eu até tentei, mas era como se ela não notasse a Charlie como eu notava e isso me fez entender que ela não amava mais a Charlie de verdade e saber disso fazia eu não querer mais elas juntas. Mas ver a Charlie sofrendo com a Izzy deixando ela me fez querer que, mesmo não amando-a mais, Izzy continuasse com ela para que ela não sofresse.

Mas ela sofreu e eu não pude fazer nada e isso me magoou também. Todas as vezes que eu assisti de longe ela chorando pela Izzy me deixava péssima porque eu não podia ir cuidar dela, sabia que ela não permitiria, sabia que ela estar isolada e escondida pra chorar significava que ela não queria companhia e isso fazia eu me sentir um lixo. Mas quando ela foi embora eu achei que iria morrer; isso por causa do olhar que eu vi naqueles olhos castanhos, era dor com tristeza, desanimo e depressão. Mas, apesar de querer, eu não poderia ter ido com ela, Charlie não deixaria.

E desde que ela se foi tudo o que eu tinha na cabeça era sair atrás dela, porque depois que ela foi embora nada ali fazia sentido pra mim. E eu tentei o que podia pra ser capaz de ir atrás dela, mas demorou demais e tudo aquilo aconteceu e tudo sempre foi se adiando. E com o tempo a raiva que eu tinha da Izzy sumiu porque no fim, apesar de ser por causa dela, ela não tinha culpa de ter deixado de amar; mesmo que eu a ache uma babaca por não amar uma mulher como a Charlie.

Só que agora eu estou aqui, tendo mais certeza do que nunca a respeito do que sinto por ela; só que me dou conta de que eu posso estar trazendo de volta memórias que ela já tinha esquecido e isso me machuca porque eu não tinha considerado que surgir aqui assim poderia fazer mal pra ela.

Quando começo a chorar de novo me acho uma grande fraca outra vez, mas não tenho culpa porque só considerar que faço mal a ela me machuca muito. Talvez eu não devesse ter vindo.....talvez eu não devesse ter achado ela.....afinal, ela não queria ser encontrada.

Mas o que eu faço agora então???

Finalmente a tenho por perto outra vez....como posso deixa-la ir de novo?????

Não sei quanto tempo fiquei aqui pensando, mas começo a sentir frio e puxo uma coberta de dentro da mochila ao meu lado. Jogo o tecido sobre mim e olho pra cima, por entre os galhos eu posso ver a mudança de cores que diz que o sol está se pondo e sei que estive aqui por muitas horas. Ainda tem lágrimas no meu rosto e eu ainda não sei o que fazer. Só sei que amo aquela mulher, mas não sei se ficar por perto será bom ou não pra ela.

Me enrolo melhor no cobertor e encaro o céu outra vez.

Eu a amo.

Mas se for o melhor pra ela eu vou embora.

Só não sei para onde nem se quero continuar assim por muito mais tempo sem ela.

Fim do capítulo